Imagine que seu clube é campeão nacional derrotando o rebaixado arquirrival. E que tal taça o credenciou a jogar e vencer no ano seguinte a Libertadores e ela, por sua vez, o Mundial (superando nisso o rival), até hoje os últimos vencidos por seu time, enquanto o “co-irmão” não conseguia sair da segundona. Provável que você adotaria sem pensar este natal dos sonhos mesmo que em troca não vencesse novamente por onze anos o clássico, não? Há exatos 30 anos, ainda sem saber de todo esse desenrolar posterior, o Independiente teve sobre o Racing o primeiro gostinho que mencionamos.
O Racing fora humilhado na rodada anterior com um rebaixamento que já tinha temperos extras: em casa contra uma “imitação”, o Racing de Córdoba, mesmo marcando 3 gols – sofreu 4 (clique aqui). O que restava à Academia era atrapalhar o vizinho na rodada final. O Independiente era líder, mas acossado por um surpreendente San Lorenzo. O time do Papa fora o primeiro rebaixado entre os “cinco grandes” (grupelho seu com Boca, River e os próprios Racing e Independiente), em 1981, e se reerguia: vencera imediatamente a segundona e podia emenda-la com um raríssimo bi com a elite.
O Sanloré estava um ponto atrás. Outro ainda com chances de taça era o sumido Ferro Carril Oeste, que vivia sua melhor época. Mas bastava ao Independiente fazer literalmente o dever de casa, pois jogaria em seu estádio, que seria campeão sem depender dos resultados concorrentes. O clube vinha de dois vices argentinos seguidos. Vivia-se um jejum de cinco anos. Alguns titulares mudaram: Gabriel Calderón (ex-Racing) foi ao Real Betis. O capitão Mario Killer, o goleador Carlos Morete e dois campeões mundiais em 1978, o ponta Oscar Ortiz e o zagueiro Jorge Olguín, esquentaram o banco.
Se os cinco anos parecem pouco hoje, por conta da longa decadência roja, na época era demais: nos anos 70, o time venceu seguidamente quatro Libertadores, ainda um recorde. Dos vencedores da Libertadores, só restava um, ninguém menos que o maior jogador da história roja, o meia Ricardo Bochini, agora rodeado com outros destaques no seu setor: Ricardo Giusti, Jorge Burruchaga e Claudio Marangoni compunham com ele um quadrado mágico no meio-de-campo. Só Marangoni não iria à vitoriosa Copa 1986, mais por diferenças com o técnico Bilardo do que por falta de talento.
Bilardo, aliás, chegara à seleção naquele mesmo 1983, credenciado por ter voltado a colocar o Estudiantes como campeão de algo desde a Libertadores 1970; fora justo o time de La Plata quem tirara os dois últimos títulos do Independiente: clique aqui. Mas as primeiras convocações do treinador foram dominadas exatamente pelo bivice: Calderón, Morete, Burruchaga, Giusti, o próprio Marangoni e o zagueiro Enzo Trossero, que já jogara a Copa de 1982. Já o lateral Néstor Clausen seria outro a ir à Copa 1986. A defesa dos Diablos era completada pelo zagueiro Hugo Villaverde, pelo outro lateral, Carlos Enrique, e pelo goleiro uruguaio Carlos Goyen.
Com a saída de Calderón e a reserva de Morete, o ataque ficou indefinido. Jogaram mais o jovem José Percudani, autor do gol do título mundial sobre o Liverpool em 1984, e o ponta Enrique Sánchez. O técnico era José Omar Pastoriza, emblema como meia do time nos anos 60 e 70 e que voltava a treiná-lo depois de ter saído em 1979. Fora com eles os últimos títulos, os nacionais de 1977 e 1978. El Pato chegou na terceira rodada do campeonato, substituindo Nito Veiga.
Destes titulares, só Enrique e Sánchez não chegaram a ser eleitos entre os cem maiores ídolos do Independiente em edição especial sobre isso que a principal revista argentina esportiva (a El Gráfico) lançou em 2011. O time-base teve algumas alterações há 30 anos: Gustavo Moriconi esteve no lugar de Goyen e Rodolfo Zimmermann no de Enrique. Já o Racing jogaria principalmente com pratas-da-casa. Miguel Wirtz, Francisco Azzolini, José Tesare, Víctor Marchetti, Félix Orte, Mario Rizzi e Pedro Magallanes, que haviam jogado a rodada anterior, não estiveram em campo. Decisão temerária pela falta de experiência, mas com algum sentido se o time buscasse vontade.
De fato, na maior parte do primeiro tempo, Moriconi trabalhou mais que Carlos Rodríguez, goleiro rival. Mas, a dois minutos do fim do primeiro tempo, o maestro Bochini carregou pelo meio-campo e pôs Giusti na cara de Rodríguez pelo flanco direito. El Gringo, com um toque sutil, encobriu o goleiro e pôs o 1-0. Para melhorar o clima vermelho nas arquibancadas, as rádios anunciavam que San Lorenzo e Ferro só empatavam. Por conta disso, o segundo tempo demorou a começar.
Fãs mais exaltados invadiram o campo para comemorar antes da hora, até buscando arrancar a camiseta dos jogadores, para o desespero do árbitro, que ameaçou suspender a partida. O técnico Pastoriza implorou que os hinchas voltassem às tribunas, mas o vai-e-volta das interrupções só parou quando o capitão Trossero (que era torcedor do Racing) tomou a drástica medida de esmurrar um fã.
Problema “resolvido”, o juiz reiniciou e foi justamente Trossero quem pôs mais lenha no caldeirão, marcando os 2-0 aos três minutos do recomeço: El Vikingo veio desde a defesa e, sem obstáculos, acertou um chute de fora da área no canto esquerdo de Rodríguez. A extrema unção veio aos 11, quando o zagueiro racinguista Jesús Campos Aquino foi expulso.
O resto da partida foi marcado mais pelo tranquilo controle do resultado, com o Racing pouco podendo fazer. O rival, aliás, era treinado por Juan José Pizzuti, maior técnico da história do Blanquiceleste: sob ele, o clube fora campeão com 39 jogos de invencibilidade em 1966 e venceu a Libertadores de 1967 e, neste mesmo ano, o primeiro mundial vencido por um clube argentino. Os gritos daquela época de “já se vê, já se vê, a Equipe de José” eram agora zombados como “À série B, à série B, a Equipe de José”. Para aumentar a ironia, Pizzuti por sua vez era na infância torcedor do Independiente.
“Me deu pena por Racing porque eu havia jogado nesse clube. Mas o ambiente era tão contagioso que me ganhou a alegria e não parei de festejar”, teria dito o técnico Pastoriza, que saíra do Racing em 1966 (e o treinara em 1981), antes daquele recordado campeonato, diretamente ao Independiente. O meia Giusti foi mais enfático: “foi o título que mais desfrutei, porque ganhamos do Racing po 2-0, fiz um gol e eles se foram ao descenso”. Burruchaga, na mesma linha, falou o óbvio: “vi (a torcida) como nunca, estava enlouquecida (…). Essa foi minha primeira grande alegria como futebolista”.
Não à toa, o inédito rebaixamento do Independiente, trinta anos depois, neste 2013, foi tão comemorado pelos racinguistas: clique aqui. Aliás, cabem algumas observações os onze anos que os Rojos ficaram sem vencer novamente o Clásico de Avellaneda a partir dali: o dérbi não ocorreu até 1986, quando o rival enfim esteve de volta na elite. O “tabu” se constituiu de doze jogos. Dos quais o Racing só venceu quatro – os demais foram oito empates. Se nessa temporada La Academia celebra estar na elite enquanto o vizinho passa pela segundona, hoje é um dia de uma redonda exceção nas gozações.
FICHA DA PARTIDA – Independiente: Gustavo Moriconi, Rodolfo Zimmermann, Hugo Villaverde, Enzo Trossero e Néstor Clausen, Ricardo Giusti, Claudio Marangoni, Ricardo Bochini e Jorge Burruchaga, Enrique Sánchez (Carlos Carrizo 16/2º) e José Percudani (Sergio Merlini 26º/2). T: José Omar Pastoriza. Racing: Carlos Rodríguez, Juan Solari, Jesús Campos Aquino, Diego Castelló e Enrique Veloso, Carlos Caldeiro, Ricardo Urán e Gabriel de Andrade, Horacio Matuszyczk, Carlos Lozano (Jorge Martínez 11/2º) e Luis Larrachado (Roberto Scalise 31/2º). T: Juan José Pizzuti. Árbitro: Carlos Espósito. Gols: Giusti (43/1º) e Trossero (3/2º)
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