Uma espécie de Iniesta argentino pela discrição extracampo e pela extrema classe e passes milimétricos dentro dele (e também pela calvície precoce), Ricardo Bochini é o maior nome na riquíssima história do Independiente, time que defendeu entre 1972 e 1991. Trajetória que poderia ser maior, pois El Bocha continuava letal até precisar parar de jogar após séria lesão. Na Era Bochini, o Rojo teve suas entressafras, mas sem chegar nos cinco anos completos que acometia a mal acostumada torcida até 28 de agosto de 1994. Foi quando um elenco jovem empurrado por nada menos que dois sucessores do ídolo trouxe o título argentino de volta a Avellaneda com uma campanha ao gosto do chamado paladar negro (gíria argentina para a exigência por um futebol vistoso) da metade vermelha da cidade, em verdadeira “final” contra um Huracán ascendente – sem nada lembrar o duelo que vinte anos depois fariam pela última vaga de acesso na segunda divisão.
Essa é uma forma de começar um texto sobre a definição do Clausura 1994. A outra é destacar o incrível azar do lado derrotado, um aplicado elenco do Huracán a protagonizar a melhor campanha quemera entre os vice-campeonatos de 1976 e 2007. Ainda visto como sexto grande nos anos 80, o time teve essa aura questionada primeiramente com um tempo relativamente longo na segundona, entre 1986 e 1990. Subiu tendo como firme zagueiro um veterano chamado Héctor Cúper. Já como técnico, seria ele o nome mais conhecido na campanha de 1994, extraindo o melhor de gente que não se sobressaiu tanto na carreira depois, com alguma exceção a Hugo Morales. A sofrida torcida do bairro de Parque de los Patricios, porém, acabaria apunhalada por dois filhos da área. O goleiro do Independiente era um confesso torcedor huracanense, Luis Islas. E o treinador era um mito no Globo: Miguel Ángel Brindisi.
Brindisi, antes de ser o grande parceiro de Maradona no Boca campeão de 1981 (há quem diga que Miguelito, mesmo veterano, teria sido ainda mais decisivo do que Dieguito), havia sido um dos pilares do grande momento do Huracán nos anos 70, liderando o belo elenco que desfez em 1973 um jejum de 45 anos – além de obter outros três pódios na década, onde o meia-atacante chegou a deter o recorde de jogos pela seleção argentina. No fim da carreira, chegou a defender o Racing na segunda divisão, o que não impedira o arquirrival de contrata-lo em 1994.
Afinal, no ano de 1993 o Rojo fora treinado por Pedro Marchetta, não só ex-técnico mas também um assumido torcedor racinguista, tal como o cabeça-de-área Hugo Pérez (que foi até o início desse 2019 o último campeão nos dois rivais, quando foi então sucedido por Nery Domínguez). Sob Marchetta, o time fora em 1993 vice no Clausura e ficara a dois pontos de ganhar o Apertura, emendando 22 jogos de invencibilidade. Só que a sequência sob Marchetta era um tanto enganosa: 15 daqueles jogos foram igualdades que tachavam seu elenco de Deportivo Empate. Ele também não solucionou um jejum no Clásico de Avellaneda que o Racing impunha desde que retornara em 1985 à elite: a Academia simplesmente não perdia e inclusive vencera o rival no Apertura 1993, onde foi o lado blanquiceleste da cidade quem realmente triscou o título.
O Racing liderava o Apertura 1993 na reta final com relativa gordura, conseguindo terminar só um ponto abaixo do campeão River mesmo obtendo só uma vitória nos cinco jogos finais – que incluíram um 6-0 sofridos para o Boca, em derrocada iniciada com um esdrúxulo 2-2 com o Ferro Carril Oeste; o adversário perdia por 2-0 já em fevereiro de 1994 (era a rodada que retomava o campeonato após pausa em dezembro), mas conseguiu empatar ao ficar com um homem a mais, após o racinguista Mariano Dalla Líbera levar o segundo amarelo e ser expulso justamente na comemoração do segundo gol do então líder, por tirar a camisa…
Como treinador, o logro de maior repercussão de Brindisi fora o vice na Libertadores 1990 com o Barcelona de Guayaquil. Sem ainda renome no grande público argentino, veio para as quatro rodadas finais do Apertura e a rigor não mudou tanto a rotina: foram três empates ali e a campanha que prevaleceu no Clausura 1994 teve oito vitórias e dez empates, além de uma única derrota. O Huracán, por sua vez, venceu dez vezes, mas perdeu quatro. Ainda assim, seria o campeão se já valesse o sistema de três pontos por vitória, ao invés de dois; a mudança, implementada na Copa do Mundo de 1994, só valeria na Argentina a partir da temporada 1995-96.
Eis outra desventura aos quemeros, que, se podiam ainda se consolar em ver o rival San Lorenzo padecendo de jejum semelhante (os azulgranas, além de rebaixados pela primeira vez antes dos vizinhos, em 1981, não eram campeões da elite desde 1974; o jejum huracanense data de 1973, até hoje), viam a dupla rosarina Newell’s e Rosario Central criar a partir dos anos 80 bons argumentos para questionar o rótulo histórico de sexto grande dado ao Globo. Seriam depois acompanhados pelo Vélez – que três dias depois daquele 28 de agosto faturaria a sua Libertadores.
Do lado do Independiente, com a saída ainda em fevereiro tanto do atacante Carlos Alfaro Moreno como do volante Rubén Insúa, o único remanescente do título anterior do clube, na temporada 1988-89, era o de Guillermo Luli Ríos, presente no clube entre 1984 e 1998, e que por pouco não fica de fora; sob Marchetta, estava escanteado, treinando no time B. Sob Brindisi, compôs na lateral-esquerda a defesa organizada com Islas no gol do clube e da seleção argentina, Néstor Craviotto (presente com Islas na Copa América de 1993, ainda o último título da seleção principal) na outra lateral e Pablo Rotchen e José Serrizuela (titular da Albiceleste na final da Copa de 1990) no miolo de zaga.
Perico Pérez, titular com Islas na Copa de 1994, compunha com o jovem Diego Cagna a dupla de volantes que repassavam a bola ao elegante armador Daniel Garnero, um dos homens vistos como o Bochini dos anos 90. O outro era o promissor Gustavo López, escalado como ponta-direita por Brindisi (que assim procurava poupar-lhe do vaivém do meio-campo, pois López voltava de lesão séria) em tridente fechado com o parceiro de infância Sebastián Rambert na outra ponta e o carismático colombiano Alveiro Usuriaga como centroavante. Outra opção de ataque era o veterano Ricardo Gareca. Afinal, o ídolo Jorge Burruchaga, treinando no clube desde o início do ano, não conseguiria o sonhado efeito suspensivo contra o banimento imposto no escândalo de suborno que também rebaixara nos tribunais o Olympique de Marselha.
Já a escalação do Huracán usada em 28 de agosto reforça o peso de Cúper (em seu primeiro vice-campeonato como técnico, estigma que nunca o deixaria…) na boa fase: Marcos Gutiérrez, Antonio Váttimos, Pedro Barrios, César Couceiro e Hugo Corbalán; Claudio Marini, Rogger Morales, Víctor Delgado e Hugo Morales; Rodolfo Flores e Walter Pelletti. Como reserva mais notável, o colombiano Jorge Cruz-Cruz (repetido mesmo), listado entre os cem maiores ídolos quemeros na publicação elaborada pelo Clarín para o centenário huracanense, em 1998, em seção que inclui também os nomes do jovem mas seguro goleiro Gutiérrez; do hábil camisa 10 Delgado, único titular ali e na campanha campeã da segundona em 1990; do promissor Hugo Morales, que representaria a seleção nas Olimpíadas de 1996; e da dupla uruguaia Barrios e Pelletti, respectivamente o maior zagueiro-artilheiro (Barrios inclusive foi eleito pelo Futebol Portenho para o time dos sonhos do clube, em 2018) e o estrangeiro com mais gols pelo Globito.
O forte do conjunto era a defesa e sua sólida marcação por zona. Mas, ironicamente, a Era Cúper começara com um 5-0 sofrido diante do Platense ainda pelo Apertura 1993, já pela 14ª rodada. O time, porém, conseguiu terminar invicto nos cinco jogos restantes, quatro deles já após a pausa que interrompeu o torneio entre dezembro de 1993 e fevereiro de 1994 – o Apertura só terminaria em 19 de março e já em 25 de março começou o Clausura 1994. Cúper só teve um reforço, do ex-racinguista Marini, dispensando Gabriel Amato para abater uma dívida com o Independiente.
A pausa e posterior invencibilidade poderiam indicar uma reestruturação ao Huracán, mas o que se viu no início do Clausura foi uma equipe sem pinta de campeã. Ao fim da 7ª rodada, era só a 15ª colocada, com três derrotas, dois empates e duas derrotas. Somava seis pontos, mas ninguém havia disparado. Os líderes, com dez pontos, eram Belgrano, o Platense do adolescente David Trezeguet e um Independiente ainda invicto, mas que só tinha uma vitória a mais. E recuperado de uma sequência de três empates nas rodadas iniciais, que colocavam em dúvida o real poderio do futuro campeão. Sobreveio então a grande reação que catapultou La Quema à liderança: 1-0 no Ferro, 3-2 fora de casa no Lanús, 1-0 no Racing, 3-1 no Estudiantes em La Plata e 2-1 em clássico com o San Lorenzo que cheirava a empate em Parque de los Patricios.
No dérbi de bairro, Flores abriu aos 15 minutos o marcador com um cabeceio, em primeiro tempo marcado pelo jogo conduzido pela dupla Delgado e Hugo Morales no meio, com a marcação firme de Rogger Morales e Marini na retaguarda. Mas aos 39 o rival Claudio Netto empatou de pênalti, levando os visitantes a dominarem no segundo tempo até Barrios converter faltando dez minutos outro pênalti, mas para dar a vitória aos donos da casa. “Só quando vi as pessoas festejarem tive consciência do que significava”, declararia o beque. A vitória no dérbi já colocava os quemeros na liderança, com o Independiente e o Belgrano seguindo juntos no páreo, agora acompanhados pelo Banfield do jovem Javier Zanetti. O Rojo vinha de outra momentânea má fase: na 8ª rodada, deixou escapar nos quinze minutos finais a vitória de virada que encerraria o jejum contra o Racing (o 2-2 em Avellaneda chegara a ser precedido com um pequeno avião puxando uma faixa com os dizeres “Rojo amargo, 11 anos sem ganhar”).
Na 9ª, o Rojo, promovendo o regresso definitivo de Gustavito López, também sofreu nos minutos finais outro empate (aos 37 do segundo tempo, gol do jovem Martín Palermo), contra um time do Estudiantes que terminaria rebaixado e em seguida sofreu sua única derrota, um 3-2 contra o San Lorenzo tumultuado: dois jogadores foram expulsos para cada lado – Serrizuela e Rotchen para os mandantes, Roberto Monserrat e Néstor Lorenzo para os visitantes; Cagna perdeu pênalti aos 44 do primeiro tempo, com o jogo em 1-1; o Ciclón fez 2-1 no segundo tempo e Usuriaga pôde empatar aos 40 minutos, mas aos 45 houve tempo para Roberto García dar a vitória ao conjunto azulgrana. Porém, o Independiente venceu os dois jogos seguintes, por 2-0 em visita ao Deportivo Espãnol (resultado que devolveu a liderança para Avellaneda) e por 2-1 sobre o forte Platense daquele momento, com emoção: Rambert e Garnero anotaram nos minutos 76 e 86, respectivamente.
Independiente e Huracán então empataram as partidas que tiveram antes da pausa que o campeonato fez para a Copa do Mundo, em meados de junho. Estavam igualados na liderança de um torneio embolado: River, Rosario Central, Banfield e Belgrano vinham um ponto atrás, com San Lorenzo e Platense tendo outro ponto a menos. O Rojo tratou de manter a forma com amistosos até pelo Japão (além de jogos contra o Napoli no estádio do Vélez e a Roma em Mar del Plata, ambos pela “Copa Carlos Saúl Menem”, vencida pelos argentinos), e quando o torneio foi retomado, em 27 de julho, parecia com problemas: Perico Pérez era visto como sem ritmo e não escondia a insatisfação ao ver Raúl Cascini começar o semestre na titularidade, Rotchen pegaria dois jogos de gancho ao acumular oito amarelos e Gareca estava lesionado no tendão de aquiles.
Recomeçou o torneio em duelo direto com o Central (treinado por… Pedro Marchetta) e empatou o terceiro jogo seguido, mas saiu no lucro: perdia de 2-0 e o reserva Walter Parodi teve sua noite de talismã, substituindo o lateral Craviotto para marcar os dois gols da igualdade, cabeceando bola levantada por López e aproveitando a sobra de um cabeceio furado de Garnero em cruzamento de Cagna. Cascini foi expulso e Pérez retomaria sua vaga. Menos mal para Brindisi e colegas que simplesmente todos os concorrentes empataram também. Na rodada seguinte, porém, os de Avellaneda não passaram de um 0-0 com o Argentinos Jrs, que vinha mandando seus jogos em Mendoza (!) por acordo com patrocinadores que reforçavam o Bicho com jogadores como Faryd Mondragón, Roberto Acuña ou Gabriel Cedrés. O único ponto alto da partida foi um cabeceio de Rambert no travessão.
Um dia depois, o Huracán se isolou na liderança ao arrancar em Corrientes um 3-2 sobre o cascudo time do Deportivo Mandiyú, com gol de falta de Pelletti aos 44 do segundo tempo; o Rojo foi ainda igualado pelo Central, que soubera bater por 2-0 dentro de La Plata um time interessante do Gimnasia, campeão em janeiro da Copa Centenário. Por fora corria o San Lorenzo, com dois pontos a menos que seu grande rival após vencer por 2-0 o Gimnasia de Salta com dois gols do ídolo brasileiro Silas. Mesmo em uma semana com Cascini e Parodi sentindo contraturas e Gareca treinando à parte por tendinite, além de outros desfalques por suspensão, o Independiente desencantou. Brindisi encontrara enfim a formação titular, que rendeu um sonoro 4-0 no Banfield, ainda aspirante ao título ao começar a rodada a três pontos do líder.
Zanetti estava suspenso e o Taladro foi presa fácil em goleada que marcou uma reconciliação de Usuriaga e Pérez com Brindisi; ambos não vinham jogando e abriram e fecharam a goleada, com o volante fazendo questão de comemorar seu golaço (um petardo de fora da área após Ángel Comizzo bater roupa) abraçando o treinador. O colombiano, que batera colocado entre dois zagueiros, também deu a assistência aos outros dois gols, cruzando pela direita para Rambert gingar e colocar no canto e pela direita para López emendar trombando. Essa partida marca o deslanche de Usuriaga na Argentina e do próprio Rojo, que ainda não havia marcado mais de dois gols em uma só partida no Clausura e logo se acostumaria a golear.
O Huracán, do seu lado, seguia líder absoluto ao ganhar depois o duelo direto com o Central, gol de Pelletti. Na antepenúltima rodada, isso se inverteria: o Globo jogou antes e evitou a derrota com gol de Couceiro no penúltimo minuto, em 2-2 na “casa” do Argentinos Jrs em Mendoza. Poderia ser igualado pelos de Avellaneda se estes vencessem o Boca, e na época os auriazuis eram fregueses: os diablos tinham quatro vitórias a mais que os xeneizes no duelo. Em La Bombonera, Gustavito López, habilitado por belo enfileiramento de Cagna, não desperdiçou cara a cara com Carlos Navarro Montoya para abrir o placar, que seria maior se Usuriaga não acertasse a trave após driblar El Mono, em tarde onde os visitantes jogarem bem melhor. Mas, faltando 15 minutos, sofreram o empate em lance de azar: Islas espalmou, a bola resvalou na própria zaga e voltou para Sergio Martínez, sozinho e sem impedimento pela “assistência” involuntária, abaixar a cabeça para marcar no gol vazio.
Assim, o Huracán logrou chances de título por antecipação na penúltima rodada. Era preciso que o Globo ganhasse e o Rojo caísse em La Plata para um o Gimnasia, com torcida (em êxtase pelo rebaixamento do Estudiantes na véspera) historicamente aliada à do Racing e treinado pelo velho ídolo racinguista Roberto Perfumo. E era o que acontecia no intervalo. No Bosque platense, uma bomba de Guillermo Barros Schelotto dava a vitória aos alviazuis e em Parque de los Patricios os uruguaios Pelletti e Delgado provocavam a euforia quemera com um 2-0 no Banfield.
O 2-0 huracanense se manteve, mas os comandados de Brindisi aguaram a queima na Quema: Ríos (em golaço de fora da área, soltando de primeira a bola afastada pela defesa), Pérez (de pênalti que rendera a expulsão do oponente Guillermo Sanguinetti, que usara a mão para impedir gol de Garnero), Rambert (tocando para o gol vazio a bola recuada por Usuriaga, que atraíra o goleiro à trave esquerda) e duas vezes Usuriaga assinalaram uma virada inapelável de 5-1. El Palomo teve para si atribuído um gol contra de Darío Ortiz e fechou a conta com classe: tocou de calcanhar para Cagna, recebeu dele de volta e concluiu um toque sutil colocado na gaveta, mantendo o Independiente um ponto atrás do líder; o Central, ao ser derrotado pelo River, deixou o páreo. Por coincidência, a rodada final renderia justamente o confronto direto. A favor do time de Avellaneda, o fator casa. A favor da surpresa do torneio, o embalo de que não perdia desde aquela 7ª rodada e a prerrogativa de jogar pelo empate.
“Esse é um plantel muito especial. Veja que a maioria são garotos e além disso não existe nenhuma estrela. Somos humildes”, destacava o goleiro Gutiérrez, descartando qualquer oba-oba dos visitantes. De fato, nenhum jogador do Huracán estava no pódio da artilharia do campeonato, dividida entre Hernán Crespo (River) e Marcelo Espina (Platense e primeiro sucessor de Maradona com a camisa 10 da Argentina), com onze gols cada – Sergio Martínez, do Boca, e Claudio Spontón, também do Platense, assinalaram oito e Rubén Capria, do rebaixado Estudiantes, fez sete. Note-se assim que também não havia ninguém do Independiente nessa tabela; o Rojo era outro time que sabia balancear coletivamente suas peças, a ponto dos dois primeiros lances de perigo serem proporcionados pelo volante Perico Pérez – primeiro, em falta espalmada por cima do travessão por Gutiérrez, e depois uma bomba rasante de fora da área, rebatida para conclusão que passou perto desferida por Rambert em chute cruzado.
O placar foi aberto aos 18 minutos, com assistência de Gustavito López em cruzamento rasteiro, antevendo a infiltração que o velho compadre Pascualito Rambert protagonizou para emendar entre a zaga adversária – concluindo bela jogada tramada desde o meio pelos pés do Palomo Usuriaga, Pérez, Cagna, novamente Usuriaga, Rambert e Garnero até chegar em López pela esquerda. O técnico Brindisi, contido, sequer sorriu; ele declararia que não chegou exatamente a sofrer e que se sentiu “feliz por alcançar o campeonato”, sem esconder ter sido cobrado pelas amizades próximas, “mas sempre souberam me entender porque os conheço desde os 10 anos. Eles queriam que o Huracán ganhasse, mas sabiam que o amigo precisava desse título”. Dany Garnero, em magistral folha-seca, anotou o 2-0.
Ainda no jogo, o Huracán quase diminuiu. Sempre perigoso na bola parada, Barrios soltou um míssil rasante que furou a barreira de uma falta, mas Islas conteve no reflexo. O goleirão confessaria: “não era a final que eu queria jogar, porque sou torcedor do Huracán. Apesar disso, ali quis ganha-lo, e lhe ganhei”. O primeiro tempo terminou no 2-0. O terceiro começou com Luli Ríos recolocando no ataque a bola que chegou de um tiro de meta de Gutiérrez. López pegou, triangulou com o parceiro Rambert (pronunciando “Râmbert” pelos argentinos e não “Rambér” como ordenaria o idioma de suas origens francesas) e cruzou no limite da linha de fundo para o amigo mergulhar desajeitado, mas com sorte: seu cabeceio resvalou no adversário César Couceiro e a bola terminou tomando mansamente o caminho do gol.
Posteriormente, Barrios impediu sobre a linha que Rambert anotasse seu terceiro gol; Garnero deixara no chão com um drible seco um quemero e colocara Pascualito na cara de Gutiérrez, que foi driblado, mas o atacante perdera ângulo. Entregue, o Huracán ainda teve Pelletti expulso pelo segundo amarelo após carrinho traseiro em Rambert, que havia recebido livre um passe verdadeiramente bochinesco de López para partir ao gol. O quarto gol tardou, mas veio. E de outro alguém com passado relacionado ao Huracán. Ao contrário de Brindisi ou Islas, Ricardo Gareca nunca fora torcedor huracanense, longe disso. Hincha doente do Vélez, foi um entre tantos espectadores frustrados em 1971, quando La V Azulada, então líder na rodada final, perdeu em casa de virada para um instável Huracán, ficando no vice (justamente para o Independiente).
“Lembro que o Huracán não tinha nada a perder nessa tarde e que o Vélez antecipou o festejo do campeonato, já tinha toda a festa armada. Isso é complicado. E não me esqueço mais de como as pessoas rasgavam os carnês de sócios. É uma imagem muito forte”, relataria El Tigre em 2009, semanas após uma vingança já como técnico velezano campeão exatamente em duelo direto contra um Huracán que chegara líder na rodada final para visitar o vice-líder – tal como em 1994. Há 25 anos, Gareca, ainda jogador (saíra do banco para substituir Rambert), teve seu troco pessoal. Lançado por Garnero, Cagna cruzou desde a ponta-esquerda para o próprio Garnero ajeitar de cabeça para o veterano fuzilar.
“Um dos dois tinha que ganhar e ganhou o melhor”, resignou-se o técnico Cúper. Em 2 de setembro já começava o Apertura 1994. Na primeira rodada, seus jogadores adentraram em campo com uma camisa extra, na mão, para lançarem à torcida, em reconhecimento ao apoio na campanha que mais vencera no Clausura – e que paradoxalmente terminou em segundo para a equipe que de fato teve o melhor ataque e melhor defesa. O Globo ganhou por 3-1 do Deportivo Mandiyú, vencendo também nas duas rodadas seguintes, mas desandou na 7ª rodada após um simbólico 4-1 sofrido diante do Vélez.
Nada terminaria como antes: cairia para 14º no Apertura e Cúper se mandaria para o Lanús, levando Hugo Morales juntos para a chamada Cúperativa levar os grenás à conquista da Copa Conmebol de 1996 enquanto o ex-clube iniciava uma série de temporadas ruins que, salvo a de 1995-96, seria marcada por campanhas nos últimos lugares até cair (com Islas de goleiro pelo time do coração, enfim) em 1999. Já no Clausura 1995, o Huracán seria o penúltimo enquanto via o rival San Lorenzo encerrar jejum de 21 anos, sob o trabalho técnico de um outrora torcedor huracanense chamado Héctor Veira.
Em paralelo à queda dos vice-campeões, o Independiente vivenciava seu único período de conquistas contínuas desde o fim da Era Bochini: três meses depois da reconquista nacional (ainda a penúltima do Rojo, sucedida só pelo elenco de Gabriel Milito e Pablo Guiñazú em 2002, e que inclusive igualou-o na época ao rival Racing na contagem geral, incluindo o amadorismo), Brindisi e comandados levantaram o título internacional que mais faltava ao Rey de Copas, a Supercopa Libertadores.
Em abril de 1995, então, foi a vez da única Recopa vencida pelo clube – que, mesmo sob desmanche do elenco vencedor há 25 anos (incluindo os quemeros Brindisi e Islas, que deram lugar a Miguel Ángel López e Faryd Mondragón, respectivamente) e primando mais pelo pragmatismo do que belo jogo bonito, ainda foi copeiro diante do centenário Flamengo no bi da Supercopa, em dezembro de 1995; só aí encerrou-se uma era fugaz, mas suficientemente intensa para sedimentar alguns dos maiores ídolos em Avellaneda, e atrofia ainda sentida em Parque de los Patricios.
Para mais detalhes, recomendamos seguir a conta @1994Campeon no twitter, que procura relembrar cada dia-a-dia do Independiente de 1994 desde os acontecimentos de julho
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