Talvez o time de nome mais exoticamente sonoro da Argentina, o Chaco For Ever, da cidade chaquenha de Resistencia, segue com motivos para comemorar. No ano passado, o alvinegro completou seu centenário e festejou o título da quinta divisão. Hoje, relembra seu maior título, a da segundona da temporada 1988-89. O maior logro de um clube da província do Chaco, logo compreendido por torcedores: na histeria do gol, o alambrado cedeu. Mesmo os com sangue no rosto pelo acidente logo subiram de volta às arquibancadas, para permitirem o jogo prosseguir.
Exagero de fanáticos ou não, pudera: com diversos desmandos, o For Ever conseguiu desfazer uma vantagem de sete pontos que o então líder Lanús possuía – vale ressaltar que na época a vitória valia 2 e não 3 (a elite de 1988-89, retratada anteontem, implantou os 3 pontos, mas só para ela mesmo). O título foi garantido exatamente em confronto direto com o próprio Lanús: por acaso eles se encontraram na última rodada, em Resistencia, com os grenás só 1 ponto à frente após desperdiçar diversos.
Os alvinegros, do seu lado, superaram as próprias bagunças e percalços, o que não os impediam de se arrastar e se superar nos seus jogos. As dificuldades não poupavam nem os rostos mais conhecidos: Hugo Noremberg, artilheiro do campeão, que vinha de bons momentos no sumido Ferro Carril Oeste (esteve no segundo e último título argentino verdolaga, do qual falaremos ainda neste semana), passou por problemas pessoais por seguir no Chaco. Outro era Daniel Sperandío, dez anos depois de ser campeão mundial sub-20 com Maradona e que já não tinha vigor físico, mas alma sim. Eles tinham contratos em dólares e o clube sofria para pagar-lhes por conta da pesada inflação que atingia o país.
O Chaco já se portava como a principal equipe local. Uma breve explicação histórica: apesar do nome, historicamente o campeonato argentino era restrito à Grande Buenos Aires e La Plata. A partir dos anos 30, abriu-se só a times de Rosario e Santa Fe. Em 1967, então, instituiu-se o Torneio Nacional. O campeonato argentino foi renomeado “metropolitano” e perdeu sua vaga na Libertadores, só retomada em 1973. Seus melhores colocados se juntariam aos melhores do interior no Nacional.
O Torneio Nacional vigorou até 1985 e o For Ever foi o primeiro (já em 1967) e mais presente clube chaquenho, ainda que normalmente nas últimas posições – o rival Sarmiento só participou uma vez, em 1977, contra as seis alvinegras. Ainda no ano de 1985, após a conclusão do Nacional, o campeonato argentino instituiu um calendário europeu e se nacionalizou, passando a abarcar todo o país, mas da segundona para baixo. No primeiro semestre de 1986, torneios regionais definiram os diversos representantes do interior na primeira segundona nacionalizada, a da temporada 1986-87.
Na época, só o campeão subia de forma direta. Do segundo ao nono haveria um minitorneio em mata-mata ao fim da temporada para definir a outra vaga. O For Ever logo demonstrou força. Só ficou de fora das semis dessa fase na temporada 1986-87 no critério de gols fora de casa (perdeu do Belgrano em Córdoba por 2-1 e ganhou dele em Resistencia por 3-2) e perdeu a final da de 1987-88 para o San Martín de Tucumán, que venceu em casa por 1-0 e fora por 2-0, após os chaquenhos terem eliminado times mais tradicionais – haviam passado por Huracán e Colón.
A temporada 1987-88 foi justo a primeira segundona a promover interioranos à elite: além do San Martín, o campeão Deportivo Mandiyú, de Corrientes, primeiro clube em que Maradona foi técnico (contamos essa trajetória neste outro Especial). Ter chegado tão perto e ficar de fora abalou inicialmente os ânimos: na temporada seguinte, o futuro campeão só conheceu na 7ª rodada a primeira vitória, um 2-0 no Central Córdoba de Santiago del Estero após ter levado de 5-1 do Colón na 6ª.
Os três jogos seguintes tiveram duas vitórias. Mas, após derrota fora de casa para o Talleres de Remedios de Escalada na 11ª rodada, a então dupla técnica Roberto Telch e Miguel Tojo (grandes ídolos do San Lorenzo como jogadores) saiu. Já ali haviam sete pontos de vantagem para o Lanús, que somava 16 contra os 9 alvinegros. Contratou-se de forma interina um ex-jogador da casa, Oscar Palavecino.
Ou era para ser de forma interina. Porque sob ele o For Ever só perdeu quatro vezes nas 31 rodadas seguintes. 18 delas foram vencidas, com destaque para um 5-1 no Douglas Haig, um 2-0 fora de casa no cascudo Chacarita (que depois levaria de 3-0 em Resistencia), um 3-0 fora de casa no Temperley, um 2-0 no expressivo Huracán, um 3-1 fora de casa no Tigre, 2-1 nos tradicionais Colón e Quilmes. Venceu-se ainda o Lanús em Lanús, por 2-0. A segunda posição foi alcançada na 30ª rodada.
Ainda assim, o título, a sete rodadas do fim, parecia do Lanús. No clássico com o Banfield, massacrou por 5-1 enquanto o For Ever, no coração, arrancava um 2-1 do Douglas Haig fora de casa. E a tabela que restava era muito favorável aos grenás. Seus três jogos em casa seriam contra três adversários ameaçados de rebaixamento, o Estación Quequén, o Tigre e o Central Córdoba de Santiago. Fora, pegaria o Huracán e o Colón, mas também o incipiente Deportivo Maipú.
Os grenás, incrivelmente, não venceram nenhum. Em casa, só empataram. Fora, igualaram com Huracán e Colón mas perderam justo do Maipú. E quase perderam para o Quequén também, pois empataram no fim. Os alvinegros, do seu lado, iam ascendendo: foram nesse período dois 3-0, sobre Chacarita e (fora de casa) Temperley, além de empatar como visitante com o Atlético Tucumán e o forte Unión, time que mais à frente venceria o minitorneio da temporada. O pensamento de “Chaco pode” passou a ecoar.
Faltava vencer em casa o líder, que já havia sido derrotado fora pelos chaquenhos. A semana prévia foi marcada por ansiedades ruins, entre aqueles que pipocavam e entre aqueles que se desentendiam com a diretoria por salários não pagos – a dois dias, alvinegros nessa estafa chegaram a abandonar a concentração. No jogo, 28 mil outros ansiosos, os torcedores, presenciaram um Lanús segurar-se no primeiro tempo com um 0-0 que lhe daria o título. Mas, aos dez do segundo tempo, Luis Sosa sofreu pênalti para os caseiros, convertido por Felipe Di Marco e aí veio a citada avalanche.
httpv://www.youtube.com/watch?v=62qNDcW6DhI
O Lanús ainda esteve perto de reaver o título e acesso que lhe escorriam pelos dedos, com uma cobrança de falta de Gilmar Villagrán acertando a bola no travessão aos 49 do segundo tempo. Mas ficou nisso. O Chaco For Ever, a província do Chaco e a cidade de Resistencia eram de primera, onde conseguiriam se manter por dois anos, até criando um dérbi com o Mandiyú da vizinha Corrientes, o Clásico de la Puente General Belgrano (que separa as duas províncias).
Apesar de breves na elite, os chaquenhos fizeram suas travessuras, como um 3-1 no Estudiantes, um 2-1 no San Lorenzo, 1-0 no Racing, um 3-0 no Newell’s, um 0-0 com o Boca na Bombonera, um 3-1 fora de casa em reencontro com o Lanús em 1991, um 2-1 fora contra o Vélez e, sobretudo, um 5-0 no Racing de Córdoba: foi sua maior goleada na primeira divisão e foi válida justo pelo tira-teima que definiria o último rebaixado em 1990. O adversário havia sido vice nacional em 1980 e jamais voltou à elite.
Primeiro clube de José Luis Cuciuffo, campeão com a seleção na Copa 1986, o For Ever não é de primeira desde 1991, ainda prosseguindo na segundona até 1998. Quebrou financeiramente dez anos depois do título de um quarto de século atrás, em 1999, mas deixou sua marca, como uma lembrança em propaganda da Coca Cola em 2011. Abaixo, as fichas técnicas daquele 27 de maio de 1989:
Chaco For Ever: Gustavo Ferlatti, Hugo Parrado, Felipe Di Marco, Celso Freyre, Raúl Valdez, Daniel Cravero, Daniel Sperandío (Mauricio Esquivel), Carlos Rosas (Juan Carlos Argüello), Hugo Noremberg, Luis Sosa e Alfredo Fernández. T: Oscar Palavecino. Lanús: José Perassi, Horacio Bidevich, Daniel Wiktor, Juan Cabrera, César Segovia, Jorge Cabrera, Rolando Bertolini, Abel Moralejo (Jorge Jansa), Gilmar Villagrán, Guillermo Alonso, Dardo Pérez Cortez. T: Roberto Rogel. Árbitro: Juan Carlos Loustau. Gol: Di Marco (10/2º)
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