O título da matéria não é exato. A Argentina tem uma forma singular de ver seus campeonatos. Dependendo da ótica, o tradicional Belgrano de Córdoba já havia disputado torneios argentinos de primera. Mas seu primeiro acesso ao campeonato teria mesmo ocorrido há 25 anos. A partir de 28 de julho de 1991, a metade celeste de Córdoba redobrava os festejos, após ter comemorado naquela mesma semana a reconquista da Copa América pela seleção argentina, após 31 anos. Em uma campanha que, se não causou o rebuliço internacional do acesso de 2011 (rebaixando o River), causou comoção para além do bairro de Alberdi.
Explica-se. O campeonato argentino, apesar do nome, historicamente concentrou-se na Grande Buenos Aires e La Plata. A partir de 1939, admitiu clubes da cidade de Rosario, colocando diretamente na elite a dupla principal Newell’s e Rosario Central e outros (como o Central Córdoba) na segundona. Nos anos 40, foi a vez de admitir a dupla principal da cidade de Santa Fe, Colón e Unión, ambos na segundona. No início dos anos 50, em última homenagem em vida a Evita Perón, o Sarmiento de Junín, da cidade em que a primeira dama crescera, também foi colocado na segundona.
Clubes de outros cantos ficavam relegados a ligas regionais. A maior vitrine dos jogadores interior eram os hoje esquecidos campeonatos de seleções provinciais, valorizados até o fim dos ano 50 (algumas partidas rendiam mais público que alguns jogos entre gigantes do campeonato argentino). Buscando outra forma de nacionalizar o futebol argentino, a partir de 1967 foi criado o Torneio Nacional, opondo os melhores do campeonato argentino com os melhores das ligas do interior. O Nacional não era uma espécie de Copa da Argentina; seus jogos também eram vistos como de um torneio de elite.
O campeonato argentino foi renomeado de Metropolitano e continuou disputado na maior parte do ano, mantendo seu próprio rebaixamento. O Nacional, normalmente espremido nos últimos meses, experimentou diversos formatos. Inicialmente, era em pontos corridos em turno único. Depois, com participação cada vez maior, envolvia uma primeira fase com diversos grupos, com líderes travando um mata-mata até um grupo final (houve quadrangulares, hexagonais, octagonais…) ou uma decisão propriamente dita. O Nacional foi disputado até 1985 e o primeiro representante cordobês foi justamente o Belgrano, em 1968.
Apesar do pioneirismo e de algumas boas campanhas celestes, foram seus vizinhos quem mais chamaram a atenção. O Instituto, estreante em 1973, revelou Mario Kempes, Osvaldo Ardiles e Miguel Oviedo, todos campeões da Copa de 1978. O Racing de Córdoba foi vice-campeão em 1980. E o Talleres por minutos não foi campeão em 1977. La T dominou o campeonato cordobês nos anos 70, com seis títulos seguidos, e foi o segundo clube que mais forneceu jogadores à Argentina na Copa de 1978: o mencionado Oviedo e também Luis Galván e Daniel Valencia.
Assim, o Talleres foi admitido no próprio Torneio Metropolitano em 1980. O Instituto também, em 1981, assim como o Racing, em 1982. O Belgrano, ofuscado até quando ia bem (ficou a dois pontos da classificação no Nacional de 1977, mas só o líder avançava. Foi justo o futuro campeão Independiente, quem derrotaria na final o Talleres) ficou de fora. Em 1985, após a disputa do último Torneio Nacional, a AFA reformulou seu calendário: a elite teria um só campeonato, disputado nos moldes europeus, iniciado no segundo semestre daquele ano e finalizado no primeiro semestre de 1986.
A mudança seria implementada na segunda divisão a partir do segundo semestre de 1986. E a segunda divisão, também “metropolitana”, seria nacionalizada. No primeiro semestre de 1986, a AFA promoveu dois campeonatos visando a nova segundona: um, entre os clubes “metropolitanos”, definiria quem permaneceria naquele escalão e quem seria repassado à terceirona. Foi este torneio que condenou a patamar mais inferior nanicos tradicionais de Buenos Aires como Atlanta, Nueva Chicago, Defensores de Belgrano, Deportivo Morón e Estudiantes de Buenos Aires, todos rebaixados.
Os sobreviventes ainda teriam uma chance de subir imediatamente à elite, em mata-mata que envolveu o penúltimo colocado da elite de 1985-86, o Huracán, que ao perder a finalíssima para o Sportivo Italiano foi rebaixado pela primeira vez. Os lugares dos metropolitanos rebaixados à terceirona seriam ocupados pelos melhores de outro campeonato, entre clubes do interior.
Esse torneio do interior, por sinal, foi vencido pelo Belgrano, que pôde responder às troças dos vizinhos com a afirmação verdadeira de que eram os únicos cordobeses vencedores de um torneio nacional de elite promovido pela AFA. Meses depois, em julho de 1986, a torcida celeste ainda se deu ao gosto de ver Maradona, recém-endeusado na Copa do Mundo, jogar um amistoso pelo Belgrano, contra o Vélez. E garantido na segunda divisão nacional, o Pirata quase subiu à elite.
Após ter sido terceiro colocado na temporada 1986-87, o clube do bairro de Alberdi chegou até a final da repescagem, eliminando no caminho o Huracán. Venceu o Banfield na primeira final por 1-0, mas perdeu a segunda por 2-0. Desde então, sempre esteve nas cabeças. Caiu nas quartas-de-final da repescagem para o Huracán na temporada 1987-88. Esteve a quatro pontos do acesso direto na temporada 1988-89, mas caiu logo nas oitavas-de-final da repescagem. Foi semifinalista da repescagem de 1989-90. No campeonato de 1990-91, o acesso direto foi perdido por dois pontos a menos que o campeão Quilmes.
Mas dessa vez a repescagem não escaparia. A partir da 30ª rodada, vitória por 1-0 fora de casa no Villa Dálmine, os celestes emendaram 17 jogos de invencibilidade em um campeonato onde tiveram a companhia dos vizinhos Instituto e Racing de Córdoba, ambos rebaixados em 1990. Nos clássicos, ganhou por 2-0 e por 4-2 do Instituto e empatou em 1-1 e ganhou por 2-1 do Racing. O Pirata tinha chances de título na última rodada e venceu o Banfield por 1-0, mas o líder Quilmes, pelo mesmo placar, derrotou o Almirante Brown e pôde descansar mais cedo. O Belgrano terminou em terceiro.
A terceira colocação lhe deu o direito de começar na repescagem já nas quartas-de-final. Saiu de Rosario com um 3-3 contra o Central Córdoba, derrotado no jogo de volta por 3-1. O grande drama veio nas semifinais, onde a terceira colocação novamente rendeu privilégios. Afinal, os celestes perderam de 1-0 para o San Martín em Tucumán e ganharam em casa só por 2-1. A melhor campanha na primeira fase prevaleceu sobre o gol fora de casa. E o jogo estava no 1-1 até o penúltimo minuto, quando o uruguaio Luis Ernesto “Chiche” Sosa marcou o gol agônico da classificação.
A final foi uma vingança contra o Banfield após a final de 1987. Na ida, o Belgrano saiu do Florencio Sola com um 1-1. Para depois sapecar um 4-0 no estádio Córdoba, gols de Daniel Alonso (duas vezes), Omar Herrera e a grande revelação daquele elenco, Roberto “Diablo” Monserrat, mais tarde campeão por San Lorenzo e River em meados daquela década.
A escalação vencedora daquele 28 de julho foi Javier Sodero; Ángel Cortés, José Flores, Enrique Nieto e Marcelo Flores; Roberto Monserrat, Lucio Alonso, Víctor Heredia e Luis Ernesto Sosa; Gustavo Spallina e Omar Herrera, treinados por Jorge “Jabalí” Guyón. Dos outros campeões, destaque ao ponta Julio César Villagra, remanescente do time que bateu na trave em 1987. Ele fez um dos gols nos 3-1 sobre o Central Córdoba no mata-mata. Foi carregado pelos colegas na volta olímpica.
A temporada da elite de 1991-92 enfim viu não só o Belgrano no campeonato argentino, como também o principal clássico cordobês, contra o Talleres, dérbi mais vezes realizado no país. No Torneio Nacional, o clássico se realizara só quatro vezes, sempre equilibrado, em 1974 (1-1 e 0-0) e 1975 (2-1 para o Talleres e 2-2). No primeiro reencontro, ainda em 1991, os celestes tiveram hambre: 3-0 para eles na maior goleada que a rivalidade já viu na divisão principal. História que será melhor relembrada em breve em nota dedicada ao duelo, enfim a ser reeditado em 2016, depois de quatorze anos, após o acesso do rival.
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