A Conmebol já foi muito mais desorganizada no passado. Há exatos vinte anos, pareceu não ter ligado que dois torneios seus dividiriam as mesmas datas finais, impedindo que cada uma merecesse enfoque exclusivo dos fãs. Por outro lado, rendeu um dia único ao futebol de qualquer país da confederação: dois clubes argentinos sagraram-se campeões continentais ao mesmo dia. Dois clubes, aliás, de fora dos “cinco grandes” (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo): Vélez e Lanús.
Hoje nem a Supercopa (vigente de 1988-97) nem a Conmebol (1992-99) existem mais, fundidas na Copa Sul-Americana. Explica-se: a Sul-Americana foi criada em substituição à Copa Mercosul (1998-2001), que por sua vez substituía a Supercopa. Mas os critérios de participação lembram os da Copa Conmebol: a taça vencida pelo Lanús era um torneio continental de consolação aos times não classificados à Libertadores, em paralelo ao que a Copa da UEFA, atual Liga Europa, fazia na Europa.
Já a Supercopa Libertadores reunia os campeões da Libertadores, competição que o Vélez ganhara em 1994. Como esse critério excluía times comercialmente interessantes, foi substituída pela Copa Mercosul, torneio que prezava só o peso das camisas: San Lorenzo, Rosario Central, Talleres (Argentina), Cerro Porteño (Paraguai), Universidad de Chile, Universidad Católica (Chile), Corinthians, Palmeiras e Atlético Mineiro (Brasil) puderam assim participar antes de vencerem a Libertadores, ainda ausente para alguns. Já Argentinos Jrs e Estudiantes, campeões da Libertadores mas em péssima fase nos anos 90, incluindo rebaixamentos de ambos, foram deixados de lado, assim como o Atlético Nacional, restrito à Copa Merconorte. Já o Vélez foi mantido na Mercosul.
Pudera: o clube do bairro de Liniers vivia meteoricamente o maior momento de sua história, com títulos seguidos desde 1993, quando ganhara só seu segundo título argentino, o primeiro em 25 anos. Em 1994, veio a Libertadores e o Mundial. A Libertadores possibilitou a estreia na Supercopa em 1995, desastrada: derrotas para o Flamengo, por 3-2 em casa e por 3-0 com direito a gol do flop Edmundo entre as pernas de Chilavert, na noite recordada pela pancadaria entre o brasileiro e Flavio Zandoná. Paralelamente, porém, o time lograva no Apertura novo título argentino. 1996, por sua vez, já havia rendido no Clausura um novo título nacional, no único bicampeonato velezano. Posteriormente, viriam a Recopa em 1997 e mais um título argentino em 1998, encerrando aquela fase áurea.
Sem a mesma grandiosidade, o Lanús também se erguia. Exceto no vice-campeonato do elenco apelidado de Globetrotters quarenta anos antes, em 1956 (um dos jogadores era José Ramos Delgado, futuro ídolo do Santos de Pelé), os grenás eram uma instituição de alguma tradição mas pouco expressiva. Nos anos 80, chegaram a perambular até pela terceira divisão. Mas sob o comando técnico de Héctor Cúper, começariam a brigar pelas cabeças: repromovidos à elite em 1992, ficaram a dois pontos do campeão River no Apertura 1993, em 6º no Apertura 1994 e em 3º em três torneios seguidos: Apertura 1995, Clausura 1996 e Apertura 1996. Os soldados de Cúper viravam a Cúperativa.
Sobre aquele Lanús, que seria ainda vice da Copa Conmebol seguinte (para o Atlético Mineiro), vice no Clausura 1998 (para o Vélez, por sinal) e 4º no Apertura 1998, sendo depois emulado na fase áurea do Real Mallorca (que com os ex-grenás Cúper, Roa, Siviero e Ibagaza seria vice da Recopa Europeia em 1999), já dedicamos este outro especial. Por isso, este focará mais no título velezano. Aquele Vélez havia perdido o timoneiro Carlos Bianchi para a Roma desde julho. Mesmo sem El Virrey, substituído por Osvaldo Piazza, manteve a ponta na reta final do Clausura, encerrado em agosto.
Piazza, sempre grato ao antecessor, declararia que só sentiu-se verdadeiramente campeão na Supercopa: “esses homens tiveram a virtude de fazer-me sentir um técnico, coisa que ainda não havia experimentado em sua real dimensão. Sem a aceitação dos jogadores, não levamos nada a cabo”. Bianchi saíra, mas ainda havia José Luis Chilavert, apesar do goleirão ter sido sondado pela Roma também. O paraguaio estava impossível em 1996. Na rodada final do Clausura, garantira o empate do título ao defender um pênalti de Jorge Burruchaga: falamos aqui. Mas vinha se notabilizando ainda mais não por evitar, e sim por fazer gols. 1996 foi o ano em que ele começou a marcar em série através de faltas – até então, tinha apenas um assim na carreira, em 1994.
Em 1996, antes da Supercopa, Chila já havia feito mais três gols de falta (uma enormidade para a época, abrindo caminho para Rogério Ceni começar em 1997 a aperfeiçoar a moda). Não poderia ter escolhido adversários melhores: nada menos que River, a 60 metros do gol; Boca, em um 5-1 no qual marcou também outro, de pênalti, na equipe de Maradona, Verón e Caniggia; e na seleção argentina, empatando em 1-1 em pleno Monumental pelas eliminatórias. Esse gol veio em 1º de setembro. No dia 18, começou a Supercopa, já na fase de oitavas-de-final. Chilavert, que esteve perto de ir embora (uma semana após marcar gol na seleção argentina, foi simbolicamente condenado criminalmente por uma briga campal dois anos antes), a ponto do Vélez contratar ninguém menos que Sergio Goycochea, passaria a fazer seu nome no Brasil. Apenas o início foi complicado.
Em Porto Alegre, o Grêmio alcançou parcialmente um 3-1 de virada. Também copeiríssimos na época, os gaúchos escancaravam isso na camisa reserva que vestiam, a reproduzir duas faces do globo terrestre junto ao distintivo. Após Patricio Camps acertar um chutaço de fora da área, os comandados de Luiz Felipe Scolari viraram com dois gols nos últimos quinze minutos do primeiro tempo: Saulo antecipou-se a Chilavert para cabecear cruzamento de Carlos Miguel pela esquerda e depois Arce acertou um golaço de falta no ângulo do compatriota. No segundo tempo, Carlos Miguel repetiu a jogada aérea, dessa vez para Ailton. Deu certo mesmo com Chilavert escolhendo esperar.
Mas o Vélez foi buscar o empate no Olímpico com gols-relâmpago aos 17 e aos 21 do segundo tempo. Raúl Cardozo escapou da característica tesoura de Dinho e cruzou. Danrlei não segurou e Guillermo Morigi, de primeira, foi bem oportunista. Depois, o goleiro e Mauro Galvão disputaram juntos uma bola cruzada e o veterano zagueiro marcou contra, em lance que lembra Júlio César e Felipe Melo contra a Holanda na Copa de 2010. Em Buenos Aires, o jogo ficava no 0-0, o que forçaria pênaltis, até Christian Bassedas emendar cruzamento aos 42 minutos do segundo tempo.
A partir daí, o cenário ficou mais tranquilo. E rendeu o quarto gol de falta de Chilavert no ano, justamente contra compatriotas do Olimpia, abrindo o placar dos 3-0 complementado por Camps e Bassedas no José Amalfitani. Qualquer reação alvinegra no Defensores del Chaco foi inviabilizada aos 29 minutos do jogo da volta, quando Camps marcou o único da partida no Paraguai. O Olimpia foi o único oponente não-brasileiro naquela campanha campeã invicta, redimindo a vergonhosa participação de 1995. De volta ao Brasil, o Vélez enfrentaria Santos na semifinal e Cruzeiro na decisão. E venceu mesmo fora de casa, curiosamente ambos em Minas Gerais. Com Chila marcando.
O Santos mandou sua partida em Uberlândia. As moscas (com ambos longe de casa, só pouco mais de duas mil pessoas foram ao estádio João Havelange) viram Martín Posse arriscar um bico sem ângulo entre Edinho e a trave. O Santos ainda empatou, com Alessandro completando um rebote para um gol vazio após ganhar de Mauricio Pellegrino na dividida enquanto Chilavert, que dividira antes, assistia caído. Mas o paraguaio se redimiu com toda a frieza necessária para converter um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo, após mão de um santista na bola.
Na volta, Chilavert não marcou, mas deu assistência: um tiro de meta chegou diretamente a Posse, que deslocou Narciso e fuzilou o canto de Edinho. Robert depois concluiu um belo gol: os santistas coordenaram vários toques de primeira e Jamelli lançou. Morigi tentou interceptar mas entregou para o meia driblar Chilavert e, mesmo sem ângulo, empatar. Mas ficou no 1-1. Pela frente, o Cruzeiro aquecia bem o elenco que venceria a Libertadores dali a alguns meses: eliminara os cascudos Nacional e Boca (segurando o 0-0 na Bombonera) e se classificara com um 4-0 sobre o Colo-Colo – em Santiago.
Mas, em casa, a Raposa não esteve tão calibrada na decisão. E acabou sofrendo a primeira derrota brasileira para argentinos no Mineirão. Chilavert ruiu aos 42 minutos do segundo tempo o tabu, colocando no alto sem chances para Dida um pênalti que Célio Lúcio aplicou sobre Omar Asad – o herói internacional de 1994 se recuperava da primeira das lesões que abreviaram-lhe a carreira, tendo entrado nos últimos quinze minutos; El Turco titular da vez era o lateral Claudio Husaín.
Já em Buenos Aires, a fatura foi liquidada cedo, com dois gols antes dos dez minutos de jogo. Aos quatro minutos, Zandoná cobrou uma falta na medida para Patricio Camps, livre, dominar com e fuzilar Dida. Depois, os argentinos interceptaram bola na defesa cruzeirense e avançaram com tudo. Posse tentou cruzar, mas Gelson Baresi serviu para marcar contra, pegando Dida no contrapé. Festa para os comandados de Piazza, que como jogador havia sido revelado justamente no Lanús. Horas depois, devido ao fuso com Bogotá, o ex-clube segurou por 85 minutos a derrota de 1-0 para o Santa Fe, com Carlos Roa sendo vencido apenas pelo pênalti convertido aos 5 do primeiro tempo; os grenás haviam feito a lição em casa antes, por 2-0.
No ano seguinte, o ineditismo de 4 de dezembro de 1996 poderia se repetir. Em 17 de dezembro de 1997, o River venceu a última edição da Supercopa (confira). Na mesma data, o Lanús, novamente na final da Conmebol, deixou o Mineirão com um 1-1 honroso, mas já estava fora do páreo: havia, no dia 6, sido goleado em casa pelo Atlético por 4-1, em noite lembrada pelo quebra-quebra generalizado tal como naquele Vélez x Flamengo de 1995. Mas isso é outra história…
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