BocaEspeciais

Há 20 anos, Maradona voltava a jogar no Boca: relembre o fim da lenda

maradona00

O retorno de Dieguito ao time do coração veio a exatamente um mês do 35º aniversário do craque, e precisamente no dia em que terminava a suspensão de 15 meses imposta pela FIFA pelo doping na Copa 1994. Ídolo incontestável pelo que produzira em pouco mais de um ano nos auriazuis, entre 1981-82, Maradona teve bons momentos, mas nada que lembrasse-o como fora de série. Não se livrou dos problemas e polêmicas cada vez mais atrelados à sua trajetória nos anos anteriores, nem conseguiu títulos. Se entre 1981-82 Diego havia feito 46 gols em 69 jogos (atuando os 90 minutos de 65 deles) no clube do coração, de 1995-97 foram 41 jogos (só 19 completos) e 9 gols: dois de bola rolando, dois de falta e o resto de penal. Hora de relembrar os tristes anos finais de sua carreira.

Costuma-se dizer que Maradona teve duas etapas no Boca: a de 1981-82 e a de 1995-97, mas a rigor elas foram quatro. Em 1992, ele saciou um pouco a vontade da garotada boquense ao defender o ex-clube (e marcar um gol) no segundo tempo de amistoso com o Sevilla (seu clube na época), onde jogou pelas duas equipes – contamos aqui. Após aquele regresso em 1995, deixou o futebol em meados de 1996. E retornou aos gramados e ao Boca uma quarta vez em meados de 1997.

Maradona havia começado 1995 no Racing, como técnico. Foi sofrível, mas tolerado na Academia pela expectativa de que se convertesse em jogador dela ao fim da punição (veja aqui). Deixou Avellaneda ainda em abril após derrota eleitoral do presidente racinguista que o trouxera. Em maio, chegou a ser dado como certo no Santos, com aval até de Pelé. Mas teria imposto a condição de ser também o treinador santista, algo que tumultuou o ambiente da Vila a ponto dos praianos sofrerem resultados ruins. Também queria a vinda do amigo Claudio Caniggia – algo que já tentara no Racing.

A ida ao Santos não se concretizou e em junho começou a negociação com o Boca. Os auriazuis, que desde que Maradona saíra tiveram pouquíssimos títulos, enchiam-se de esperanças ao reviver a vitoriosa parceria daquele dourado 1981: Diego em campo e Silvio Marzolini de técnico. Para arrematar, Caniggia também negociou com o clube do coração (já se declarava boquense mesmo quando defendia o River, em 1986). O Grupo Eurnekian enfim adquiriu em 21 de julho o passe de Maradona por 10 milhões de dólares em troca dos direitos televisivos de onze amistosos – um deles, convenientemente, contra a seleção da Armênia (já em 1 de fevereiro de 1996). E foi contra outra seleção a reestreia de Dieguito.

maradona01
O anúncio conjunto com Caniggia, a reestreia contra a Coreia do Sul, e a volta à Bombonera contra o Colón

Naquele setembro de 1995, Maradona já vinha atraído manchetes mundiais ao liderar em Paris a criação de um sindicato internacional de jogadores. No fim do mês, viajou à Coreia do Sul para encontrar os colegas de Boca. Atendeu a um encontro de boas-vindas do comitê local que organizava a Copa de 2002 e promoveu aulas de futebol para crianças, mas até com elas polemizou: não ficou integralmente nos eventos que agendara, e em ao menos um sequer compareceu. O que não impediu de sair aplaudido aos 40 do segundo tempo aquele pai de família que havia tingido de loiro uma lateral dos cabelos, em referência à camisa que voltava a defender. Havia mesmo sido razoável.

Maradona dera assistência ao gol de Carlos MacAllister na vitória por 2-1, partida presenciada em pessoa pelo presidente argentino Carlos Menem e transmitida ao vivo no Brasil pelo Sportv. Enquanto esperava a suspensão de Maradona terminar, o Boca, apesar de desempenho decepcionante de Caniggia, vinha se saindo bem, invicto no Apertura com duas vitórias e três empates. O retorno de El Diez à Bombonera veio uma semana após a vitória nos sul-coreanos: em 7 de outubro, contra o Colón. Apesar da pompa, o jogo teve qualidade decepcionante e só no fim a vitória veio – de outro reforço, Darío Scotto.

O marcador de Maradona foi o lateral-direito Hugo Ibarra, posteriormente grande ídolo no próprio Boca (esteve nas quatro Libertadores vencidas entre 2000 e 2007). Torcedor do clube, Ibarra contou com humor em 2012: “Me lembro que Caniggia foi com a sola em Unali, e o tumulto terminou com amarelo para Cani e vermelho para Toresani. Insólito. E o gol dos 1-0 nos meteram no minuto 93, já havia passado o tempo adicionado, e se não entrava essa nos faziam jogar 90 minutos mais. Além disso, Scotto meteu o gol ensanguentado, não podia estar em campo, mas nesse dia valia tudo”.

A primeira ânsia dos fãs de futebol pôde ser enfim saciada na rodada seguinte. Foi a primeira vez em que Maradona enfrentou em jogos competitivos o Argentinos Jrs – ao emprestá-lo ao Boca em 1981, seu primeiro clube incluiu uma cláusula que proibia o craque de enfrentar os vermelhos. A vinte minutos do fim, Dieguito acertou as redes do estádio do Vélez após bela cobrança de falta. Celebrou em disparada, mas sem alegria no rosto, seja por enfrentar a equipe que o formou, seja por sentir que ainda não estava no patamar que deveria se colocar. Foi o único gol da partida (vídeo abaixo).

O Boca embalou e emendou bons resultados: 2-1 fora de casa no Gimnasia de Jujuy, 0-0 com o então campeão San Lorenzo, 1-0 fora de casa no Belgrano, 1-0 no grande Vélez daquele tempo, 1-0 fora de casa no forte Gimnasia LP da época (vice do San Lorenzo no Clausura), 2-0 fora de casa no Banfield, 0-0 com o Rosario Central que dali a uns meses venceria a Copa Conmebol, 0-0 contra o River no Monumental… Maradona só não esteve contra o Central. Não marcou em nenhuma dessas partidas, mas inspirava os colegas a fazerem do Boca o líder invicto a três rodadas do fim.

Na antepenúltima rodada, então, Maradona voltou a marcar. Só que foi de pênalti. E em plena Bombonera o Boca tomou de uma vez a mesma quantidade de gols que sofrera no campeonato inteiro até então. Mesmo marcando quatro gols, os xeneizes saíram derrotados, em um maluco 6-4 justo para aquele Racing que se saía tão mal com Maradona de técnico. O Vélez de Carlos Bianchi vinha na cola e, ao vencer na mesma rodada, roubou a liderança. E garantiu a taça na rodada seguinte, vencendo seu jogo enquanto o Boca, sem Maradona, perdia de virada a dois minutos do fim para o Estudiantes. Até hoje a derrapada final é incompreendida pela torcida.

Para 1996, o técnico da vez foi outro celebrado parceiro de Maradona: Carlos Bilardo. O Boca também trouxe a joia Juan Sebastián Verón e enfim Caniggia deslanchou. E o início foi arrasador, com quatro vitórias e um empate nos cinco primeiros jogos. No sexto, veio a primeira derrota (1-0 para o Newell’s, com Diego perdendo pênalti) e uma lesão do grande astro. Sem ele nas três rodadas seguintes, o desempenho despencou: 1-1 com o Independiente, o acachapante 6-0 em casa para o Gimnasia LP, no dia em que a Bombonera inaugurava seus camarotes VIP, e 1-0 para o Colón.

As vitórias voltaram com Maradona: 4-1 no Argentinos Jrs, 2-1 fora de casa no San Lorenzo e 2-0 no Belgrano. Maradona perdeu outro pênalti neste dia, mas compensou com um golaço aos 45 do segundo tempo. Mesmo vindo pelo flanco direito, arqueou as pernas para usar sua mágica canhota para encobrir sem ângulo e de fora da área o goleiro, em lance que lembra o de Van Basten na final da Eurocopa 1988 (vídeo abaixo). Só que na rodada seguinte o Boca levou de 5-1 do Vélez em noite mágica de Chilavert (autor de dois gols) e terrível para Dieguito – pelo resultado e por expulsão.

O Boca venceria as três partidas seguintes, dentre elas o célebre 4-1 no River com show de Caniggia, autor de três gols e beijado na boca por Maradona. Mas voltou a perder para Racing e Estudiantes, no fim destas partidas, enquanto novamente o eficiente Vélez não deixava de vencer seus jogos. Diego sentia-se péssimo. Havia errado cinco pênaltis seguidos. Contra Belgrano, Rosario Central e River (um dos gols de Caniggia veio no rebote), eles não fizeram maior falta, mas não deixavam de abalar o craque. Especialmente quando os outros dois influíram na pontuação: além daquele 1-0 para o Newell’s, o outro foi na reta final no 1-0 para o Racing, que venceu a cinco minutos do fim.

Muito criticado pela queda de desempenho e pelo beijo em Caniggia, Maradona anunciou sua aposentadoria ao fim daquele campeonato, “cansado de ver as filhas chorarem”. Sucumbira às drogas e já em agosto de 1996 anunciou que se trataria na Europa. O presidente do Boca, Mauricio Macri, tampouco queria-o de volta enquanto não se demonstrasse curado, declarando temer que o astro morresse em campo. Os tablóides adoraram: segundo eles, Maradona teria quebrado a recepção de um hotel na Espanha após ficar preso no elevador e chegou a fazer festa regada a cocaína e vinte prostitutas. O inegável é que em outubro seu empresário, Guillermo Coppola, foi preso após ser flagrado portando cocaína e ecstasy, e que em abril de 1997 o astro passou mal ao vivo na TV chilena.

Maradona chegou a declarar que não voltaria ao futebol argentino, para fugir da pressão. Ventilou do Peñarol ao nascente futebol japonês, mas ainda em abril de 1997 se comprometeu com o Boca. No mesmo mês, chegou a participar de um amistoso pelo Resto do Mundo contra a Europa. Dizendo-se disposto a voltar até à seleção, submeteu-se a treinos com o ex-corredor Ben Johnson para retomar a velha forma. A reestreia, em julho, novamente transmitida ao vivo para o Brasil (pela ESPN), foi em amistoso contra outro ex-clube, o Newell’s. Logo aos cinco minutos, um filme se repetiu: gol de falta e comemoração não muito efusiva.

Maradona ainda tinha moral para palpitar nas contratações, sugerindo as vindas de Martín Palermo e Guillermo Barros Schelotto (autor de três gols naqueles 6-0 do Gimnasia LP), talvez suas maiores contribuições ao Boca naqueles últimos anos de carreira. Na primeira rodada da nova temporada, marcou de pênalti em um 4-2 no Argentinos Jrs. Magro, parecia em forma. Mas o antidoping voltou a escancarar a presença de cocaína, gerando comoção nacional. Seu pai teria chegado a desmaiar com a divulgação. Maradona foi suspenso preventivamente. A contraprova deu positiva, mas o astro negava. Seus advogados insistiram na tese de que o frasco de urina examinado não seria de Diego e exigiram um teste de DNA. A justiça autorizou sua volta desde que se submetesse a antidoping após cada partida.

maradona02
Em duas imagens contra o River (Caniggia, ele e Francescoli, que foto!), mais decadência: em 1981, fez cinco gols em 4 clássicos. De 1995-97, nenhum em 3. À direita, comemora os 4-1 no rival em jogo onde perdeu pênalti

A mesma justiça, porém, voltava a atormenta-lo com ameaça de prisão por outra polêmica, anos antes, quando ele atirara (sem balas de verdade) contra paparazzi à espreita dele. Mas a morte da Princesa Diana dias depois, exatamente em fuga dos fotógrafos, virou esse jogo. Com o efeito suspensivo, Maradona voltou a campo contra o Newell’s. E novamente marcou diante dos rubronegros, dessa vez de pênalti. Foi seu último gol (no mesmo dia, o “pupilo” Schelotto estreou e marcou seu primeiro gol pelos auriazuis, o da vitória, começando a ser ídolo). Foi o primeiro dos quatro jogos que fez no espaço de dez dias. O último gol por bem pouco não veio no segundo, em falta caprichosamente impedida pela ponta dos dedos de Chilavert e pela trave contra o Vélez. Dieguito demonstrava animação: na edição de 22 de setembro, após vitória sobre o San Lorenzo no terceiro desses jogos, o Jornal do Brasil registrou que ele só largaria o futebol se algum problema afetasse a saúde de seu pai.

Apesar do otimismo, a maratona complicou Maradona (sem trocadilho), que sentiu lesão muscular na quarta e última partida da série. Foi uma derrota de 2-1 para o Colo-Colo pela Supercopa. Foi exatamente a única partida que El Diez fez por uma competição sul-americana: seu Argentinos Jrs não chegava às cabeças para se classificar, ele saiu do Boca antes da Libertadores de 1982, chegou ao Newell’s em 1993 quando a fase áurea da equipe havia passado e aquele estrelado Boca dos anos 90 não conseguia títulos (a Libertadores ainda era enxuta e só admitia dois clubes por país). Além disso, o clube estava cauteloso, pois se a AFA havia liberado Maradona apesar do antidoping positivo, talvez uma competição da Conmebol pensasse diferente. Após um mês parado, Maradona realizou seu último ato.

O retorno foi justamente no Superclásico, no Monumental. O River vinha de dois títulos seguidos e caminhava ao terceiro, enquanto o rival, mesmo sem Maradona, parecia voltar aos trilhos. Dieguito não fez um bom primeiro tempo e pediu para ser substituído enquanto o River vencia. O Boca terminaria ganhando o jogo de virada, para a euforia do craque. Mas quatro dias depois ele cumpriu aquela promessa: a imprensa divulgou que seu pai havia morrido, o que não era verdade. A pedido dele, Maradona anunciou sua aposentadoria. Falamos aqui. Na época, a imprensa chegou a supor que seria por novo antidoping (a moralidade do tratamento condescendente a ele influenciava até nas eleições argentinas, também naquelas semanas), mas o exame deu negativo.

Chegou a anunciar um mês depois que seguiria jogando, mas no futebol mexicano. E já em 1998 chegou a ser sondado pelo All Boys, justamente o tradicional rival do Argentinos Jrs, onde tudo começara. Nada disso se concretizou, nem um jogo-despedida pela Argentina (Passarella foi pressionado a usar o desafeto na última partida das eliminatórias, quando a seleção já estava classificada, mas não se curvou). O Boca, sem ele, perdeu apenas uma partida naquele Apertura, justamente na rodada seguinte ao anúncio de sua aposentadoria. O clube, mesmo sem contar com o astro na metade final do campeonato, somou 44 pontos, uma das melhores campanhas dos torneios curtos – o recorde é do San Lorenzo de 2001, que somou apenas três a mais. Ainda assim, os auriazuis perderam o título por desempenho ainda melhor do River, que apesar da derrota no dérbi somou 45. Detalhamos aqui.

maradona04
“Por que, Deus?”, se indagam os argentinos após o antidoping de 1997. Brigado com a imprensa, Maradona largou o Boca antes de fazer mais tabelas com o jovem Riquelme, como na foto à direita

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “Há 20 anos, Maradona voltava a jogar no Boca: relembre o fim da lenda

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

5 × dois =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.