Há 20 anos, acabava o jejum de 35 do Racing
A foto acima, que hoje completa 20 anos, retrata Claudio Úbeda e Gabriel Loeschbor. Há poesia: une quem há mais tempo estava no Racing na altura daquele 27 de dezembro de 2001, Úbeda, com um ídolo instantâneo. Com só seis meses na Academia, Loeschbor acabava de marcar o gol que encerrou uma das secas mais dramáticas de um gigante de uma potência no futebol, os 35 anos sem títulos nacionais do clube de Avellaneda. Um jejum que faz os famosos sofrimentos estaduais de Corinthians (1954-77) e Botafogo (1968-89) parecerem um pequeno desconforto – e, talvez, também até os hiatos maiores de Atlético e Internacional no Brasileirão. Já contamos a sina racinguista nos dez anos daquele senhor acontecimento (clique aqui) e também nos quinze (aqui). Mas vale dissecar em maior profundidade o contexto suportado por uma das torcidas mais fiéis e apaixonadas do planeta.
Para oferecer uma noção mais exata ao leigo acerca do drama, é necessário primeiramente relembrar a trajetória grandiosa da instituição. O Racing orgulha-se de ter sido o primeiro grande time do estilo criollo – expressão que na América Espanhola designa o descendente do conquistador espanhol (ou, de modo mais abrangente, latinos em geral, de mestiços com indígenas a ítalo-descendentes) e não um termo pejorativo a negros, vale frisar.
Desde a criação, em 1891, até 1912, o campeonato argentino era meio “britânico” não só nos sobrenomes envolvidos: passes largos, poucas surpresas, chuveirinhos na área adversária em busca de um cabeceio ao gol, certa lentidão. Mesmo a grande rivalidade daquela época, entre Alumni e Belgrano Athletic, era cavalheira, asséptica. O futebol argentino passaria a ter um selo “nativo” através do Racing, trajado desde 1910 com as cores da bandeira nacional, lembrando a seleção (embora a inspiração tenha sido, na realidade, o Argentino de Quilmes, justamente o mais antigo clube criollo).
Dez anos depois de sua fundação, o time de Avellaneda tornou-se em 1913 a primeira equipe fundada fora da comunidade britânica a sagrar-se campeã da primeira divisão e já ali recebeu o apelido de La Academia, antes mesmo de fazer ainda mais jus à alcunha: emendou outros seis títulos àquele, para o desencanto do craque-mor do Alumni e primeiro jogador-símbolo da seleção argentina, Jorge Brown. Em 1921, ano de um oitavo título argentino do Racing, Brown declarava à revista El Gráfico que “o futebol que eu cultivei era uma real demonstração de dureza e energia. Um jogo mais brusco, porém viril, bonito, vigoroso. O futebol moderno está enfraquecido por um excesso de passes próximo ao gol. É um jogo que está mais fino, talvez mais artístico, até aparentemente mais inteligente, mas perdeu seu entusiasmo primitivo. É importante manter em mente que o futebol não é um esporte delicado… é um jogo violento e forte”.
Brown seria ainda mais elitista à revista Caras & Caretas nos anos 30: “no meu tempo, o jogo era um esporte para pessoas cultas. Que se pode fazer para que o futebol se jogue como se jogava antigamente? Não há nada a se fazer… os cavalheiros que em meu tempo haviam jogado futebol hoje jogam o polo ou o rúgbi. Meus filhos jogam o rúgbi e o polo, mas eu, vendo a difusão que está tomando o rúgbi, lhes advirto: ‘tenham cuidado, muchachos; tratem de fazer que o rúgbi não se torne popular demais, porque senão…”. Detalhe é que ainda em 1911 o Racing criara um time de rúgbi, logo extinto por ser expulso da liga da bola oval ainda naquele ano, por promover contra os rugbiers do Belgrano Athletic uma baderna vista como inaceitável pelos “gentlemen” do oponente. Esse outro esporte bretão passaria a ser o foco do grosso dos clubes anglo-argentinos campeões entre 1891-12 (exceção ao Quilmes), que gradualmente se desligaram do football convertido em fútbol.
Aquele heptacampeonato nacional consecutivo ainda é uma marca exclusiva do Racing na país – e demorou cem anos para outro clube de uma nação campeã mundial superar a marca, com os octas da Juventus em 2019 e do Bayern em 2020. Mas, na Argentina, desde 1919 o máximo que houve em taças seguidas na liga foram tricampeonatos. E um tri, por sinal, tornou-se outra marca pioneira de La Acadé. Ela venceu outras duas vezes o campeonato antes do fim em 1931 do amadorismo (em 1921 e 1925), só tendo menos taças que as dez do já desativado Alumni. Rivalizava com o Boca como equipe mais popular do país. Mas chegou a ficar 24 anos sem novas conquistas no torneio, por mais que os anos 30 vissem em Evaristo Barrera o maior artilheiro blanquiceleste até hoje no profissionalismo (seus incríveis 136 gols em 141 jogos ainda fazem dele o maior artilheiro do futebol argentino a jamais ter sido aproveitado pela seleção) e os 40 fossem guarnecidos por José Salomón, recordista de partidas pela seleção até os anos 70.
Em 1949 então, o clube, já sem o xerife Salomón mas contando com o maior artilheiro da Copa América (Norberto Méndez), não só terminou um aquele tabu de 24 anos (suficiente para ser superior ao de qualquer outro dos cinco grandes até hoje) como deu largada para em 1951 tornar-se o primeiro tricampeão no profissionalismo. A marca ainda igualava os três títulos profissionais já obtidos pelo arquirrival Independiente – o terceiro, exatamente em 1948, torneio que o Racing até liderava até a famosa greve fazer os clubes recorrem aos juvenis na reta final. Ainda em 1951, El Cilindro, o recém-inaugurado estádio do time, batizado oficialmente com o nome do popular presidente Perón, recebeu a primeira edição dos Jogos Pan-Americanos.
Aquele tricampeonato em 1951 também fazia do Racing se igualar ao Boca como maior campeão nacional na soma de títulos com o amadorismo (doze cada um). O Boca até se isolou de novo à frente em 1954, mas foi superado com os troféus racinguistas de 1958 e 1961. Até 1964 (quando o Boca novamente pôde ultrapasssar), a metade celeste de Avellaneda ainda podia se gabar em ter a maior quantidade de títulos na contagem desde 1891. Mas, mesmo nas bonanças esportivas, o Racing era marcado por uma desorganização institucional, o que explicava o jejum já expressivo de 24 anos entre os títulos de 1925 e 1949; e, também, as entressafras sensíveis quando os elencos vencedores (os tricampeões de 1949-51 ou a mesma equipe-base de 1958-61) envelheciam.
Ontem mesmo, o obituário do ídolo santista Dorval no UOL mencionou que o brasileiro, inicialmente comprado pela Acadé em 1964, precisou ser devolvido ao Santos justamente pelos argentinos não terem quitado o negócio. Naquele torneio, o Racing fez dez gols a mais que o campeão Boca. Mas a crise também fez a cartolagem a ceder ao próprio Boca outros destaques, o volante Federico Sacchi e o atacante César Menotti.
Em 1965, o clube já lutava contra as últimas colocações quando recorreu ao homem-gol do elenco de 1958-61, o recém-aposentado Juan José Pizzuti. Deu tão certo que Pizzuti (curiosamente, torcedor do Independiente na infância), segundo profissional com mais gols pelo clube, ficaria muito mais lembrado pelo papel de treinador: no embalo de 14 jogos de invencibilidade seguida, o mesmo elenco que passava vergonha saltou para um 6º lugar ao fim do ano. E, sob reforços bastante pontuais, emendou mais 25 jogos seguidos sem perder em 1966.
O total de 39 jogos invictos foi um recorde profissional na liga argentina a durar até 1999 e rendeu o título de pontuação mais alta que o campeonato viu nos anos 60 (a ponto de o vice River ter reunido pontuação suficiente para ser campeão em qualquer outro ano daquela década). Na soma total com o amadorismo, La Acadé terminou 1966 com um só título a menos que o recordista Boca (16 contra 15). E mesmo uma contagem apenas com o profissionalismo era generosa: River doze, Boca dez, Racing seis, Independiente cinco, San Lorenzo quatro.
Pois em 1967 a chamada Equipo de José levou o futebol argentino pela primeira vez ao teto do futebol mundial. Tornou-se o segundo time do país a vencer a Libertadores. O primeiro fora justamente o Independiente, que já o fizera duas vezes. O vizinho, todavia, havia perdido os dois Mundiais que disputara, ambos contra a Internazionale. Foi do Racing a primeira conquista argentina mundial. O adversário era justamente um time que batera La Grande Inter na final europeia, o Celtic. Mas o que se seguiu ao auge foi praticamente uma queda livre. Uma crise cujo momento mais baixo renderia a seguinte declaração do profissional recordista de jogos pelo clube, o zagueiro Gustavo Costas (1982-95): “era terrível ter que ir jogar em Campana sabendo que na tribuna havia torcedores que haviam ido a Glasgow”. Costas seria o técnico no turbulento 1999 (chegaremos lá), mas a fala se deu ainda pela segunda divisão de 1985.
De início, o desgosto passava longe de um drama daqueles; consistia em ver um time ainda forte perder torneios nos detalhes. Foi com a saída de Pizzuti para a seleção em 1970 (a Albiceleste havia acabado de ser desclassificada da Copa do Mundo e, com o novo treinador, pôde até derrotar o Brasil dentro do Beira-Rio antes do embarque canarinho ao México) que o desempenho despencou. E os anos 70 terminaram marcados pela torcida ver arquirrival se apoderar seguidamente da Libertadores e também conseguir um Mundial. Nos anos 80, veio o rebaixamento, seguido de insucesso na segunda divisão enquanto o rival era novamente campeão mundial. Até que os anos 90 terminassem marcados pela decretação de falência – ou, no calculado drama da administradora judicial Liliana Ripoll, pelo dia “em que o Racing deixou de existir”.
Muita água poluída do Riachuelo havia passado por baixo da ponta Transbordador, que une Avellaneda de Buenos Aires sobre a foz daquele riacho junto ao Rio da Prata. O clube tentara de tudo, de contratações de medalhões enquanto não conseguia pagar zeladores a técnicos finalistas de Libertadores que não conseguiam emplacar no Cilindro (o próprio Pizzuti, que retornaria mais de uma vez, além de Osvaldo Zubeldía, Pedro Dellacha, Humberto Maschio, Ángel Labruna, Juan Carlos Lorenzo, José Omar Pastoriza e Luis Cubilla) ao passo que o arquirrival se cansou de ganhar títulos treinado por ex-jogadores do próprio Racing – os citados Dellacha, Maschio e Pastoriza, todos na Libertadores, além de Vladislao Cap (Metropolitano 1971, a catapultar o Rojo ao tetra contienntal de 1972-75) e Miguel Ángel Brindisi (Clausura 1994, Supercopa 1994 e Recopa 1995).
O ponto crítico de quase extinção na célebre declaração de Liliana Ripoll se deu em 1999, ano em que o Boca quebrou o recorde de 39 jogos da Equipo de José, conseguindo um a mais. E ano em que os seis títulos parados no tempo do Racing profissional já estavam bem distantes dos demais grandes: River 29 (ou 30, com o amadorismo), Boca 19 (ou 25), Independiente 13 (ou 15), San Lorenzo 9 (ou 14). Aos racinguistas, era preciso recorrer ao amadorismo (algo pouco aceito na época) para recolocar La Acadé como terceira maior campeã (15, como o arquirrival) e distanciá-la dos novos ricos: o Vélez já tinha cinco títulos, quatro apenas nos anos 90, enquanto a dupla Newell’s e Central somava quatro cada um.
Os detalhes sórdidos de cada ano dos 35 de seca na elite (majorados porque precisamente em 1967 instituiu-se dois torneios anuais, realizando-se 59 campeonatos argentinos em meio ao jejum…) são pormenorizados na linha do tempo abaixo, onde também mencionaremos as saídas dos principais nomes do elenco de 1967 – os onze acima do dia do título mundial mais dois que chegarem a ser titulares nas decisões da Libertadores (Miguel Mori e Jaime Martinoli, também artilheiro do elenco campeão argentino de 1966):
1967: consegue conciliar a Libertadores com o Metropolitano, chegando às duas finais. Nessa hora, prioriza com sucesso o continente: na decisão doméstica, nove dias antes, usa um time misto, derrotado pelo Estudiantes, que termina com 37 anos de domínio absoluto dos cinco grandes na elite argentina. O foco exitoso no inédito título Mundial ao futebol argentino faz o clube se desleixar abertamente no Nacional: fica só em 13º, então sua pior campanha na história, enquanto o Independiente (treinado pelo brasileiro Osvaldo Brandão) termina campeão em pleno clássico na rodada final, carimbando com um 4-0 a faixa dos campeões do mundo – homenageados com pompa antes da partida pelo próprio rival. Dois gols são de Luis Artime, assumido torcedor racinguista até hoje, mas profissional ao extremo a ponto de ser quem mais marcou gols na Academia (!). O capitão Oscar Martín é o primeiro campeão mundial a sair de cena, pendurando as chuteiras naquele dérbi.
1968: o experiente meia Juan José Rodríguez parte para o Quilmes e o atacante Jaime Martinoli, ao Newell’s. Eliminado nas semifinais da Libertadores, mas vencedor na Espanha dos torneios Conde de Fenosa (eliminando o Flamengo) e Costa del Sol, o campeão do mundo fica a um ponto dos mata-matas no Metropolitano e duela diretamente pelo título do Nacional contra o River (então o gigante impregnado a jejum: já eram 11 anos e seriam 18) na rodada final. Mas ambos empatam e são igualados pelo Vélez, o que força um triangular que acaba vencido pelo intruso – é o primeiro título argentino de La V Azulada. Naquele Nacional, o 4-1 sobre o Independiente será até 2016 a última vitória racinguista por três gols de diferença no clássico. O meia-atacante Humberto Maschio pendura as chuteiras para uma passagem-relâmpago como técnico da seleção nos primeiros meses de 1969. Outro a sair é o brasileiro João Cardoso, talismã na Libertadores: o ponta ruma ao Náutico.
1969: o volante Miguel Mori, único jogador campeão da Libertadores por Independiente e Racing, ruma ao Newell’s, enquanto Norberto Raffo, homem-gol na Libertadores 1967, parte para o Atlanta. Mas, com a artilharia do reforço brasileiro Silva Batuta, o Racing faz a melhor campanha da fase inicial do Metropolitano, jogando pelo empate a semifinal em jogo-único com o modesto Chacarita. Só que o Chaca marca o único gol já aos 41 minutos do segundo tempo e adiante conquista seu único título na elite. No fim do ano, o Racing fica a um ponto da conquista da esquecida Supercopa Mundial, que na época reunia os times campeões mundiais – no grupo sul-americano, o Peñarol vence por 4-1 na rodada final e supera La Acadé (vencedora dos dois duelos contra o Santos de Pelé) em um ponto. Isso custa um novo Nacional morno, apenas em 8º, mas Pizzuti termina o ano contratado para técnico da seleção.
1970: José Santiago é o primeiro técnico pós-Pizzuti. O Racing, que perde o goleirão Agustín Cejas ao Santos, é 11º no Metropolitano (após apenas três vitórias em 17 rodadas, o time recorre a Juan Urriolabeitia como novo treinador) enquanto o Independiente arranca uma virada mesmo dentro Cilindro para, novamente, ser campeão em pleno clássico – o gol do título, a dez minutos do fim, é feito pelo ex-juvenil racinguista Héctor Yazalde. Também é ali que o Rojo supera o rival em títulos argentinos no profissionalismo. No Nacional, a equipe termina em 6º em um grupo de dez times, a dez pontos da distante classificação. O volante Juan Carlos Rulli pendura as chuteiras. Voltará em 1973, como um dos tantos treinadores que naufragariam no jejum.
1971: o velho ídolo Maschio volta como treinador, mas o Racing, que perde os xerifes Roberto Perfumo (ao Cruzeiro), Alfio Basile e Nelson Chabay (ambos ao Huracán), segue patinando no Metropolitano: na 20ª rodada, José D’Amico assume como novo treinador para, na 25ª, ser trocado por Victorio Spinetto. Os três são técnicos com trabalhos históricos em outros cantos na função (D’Amico encerrou no Boca um jejum de oito anos em 1962; Spinetto ergueu uma Copa América e catapultou Vélez, Atlanta e depois brilharia no Ferro Carril Oeste; e logo será mencionado o que Maschio conseguiu), mas não engrenam no caos do Cilindro: novo 11º lugar no Metro enquanto o campeão é novamente o Independiente, e por conta de incrível tropeço do então líder Vélez na rodada final. O técnico do Rojo campeão é Vladislao Cap, ídolo racinguista como jogador nos anos 50. No Nacional, 8º lugar em um grupo de 14 times enquanto os vizinhos vão até as semifinais.
1972: Víctor Rodríguez é o novo treinador e o time até faz um Metropolitano decente. Com um jovem Ubaldo Fillol no gol e com o ex-gremista Néstor Scotta no ataque, a Academia é vice-campeã, mas longe de brigar seriamente pelo título com o San Lorenzo. Em paralelo, o Independiente vence a Libertadores tendo como treinador outro ídolo racinguista dos anos 50, Pedro Dellacha. Juan Carlos Cárdenas, autor do gol do título mundial e ainda capaz de marcar em três clássicos em 1972, parte para um pé de meia no México. No Nacional, 5º lugar em um grupo de treze times. Rodríguez parece ter feito milagre: será o técnico da Argentina na Copa de 1974 (em triunvirato com Vladislao Cap e José Varacka). Campeão tanto do Metropolitano como do Nacional, o San Lorenzo (do treinador Juan Carlos Lorenzo, que passará sem brilho pela Academia em 1980) chega a sete títulos profissionais e ultrapassa o Racing, agora o menos campeão dos cinco grandes nesse critério.
1973: o time, que perdeu o lateral Rubén Díaz ao San Lorenzo, começou tendo em Juan Carlos Rulli seu novo treinador. Rulli, que se torna o único elo com o time de 1967, é moído na 16ª rodada. Mario Griguol assume interinamente na 17ª e na sequência os cartolas apostam em Ángel Labruna, credenciado pelo título do Nacional de 1971 com o Rosario Central. O Independiente vence a segunda Libertadores seguida e o ídolo racinguista da vez a se consagrar no rival é Maschio. Enquanto o Racing é só 12º no Metro (o campeão é o Huracán, que encerra jejum de 45 anos) e depois 9º de quinze times em seu grupo no Nacional, o Independiente lhe iguala como campeão mundial. O jogo seguinte do Rojo é justamente um Clásico de Avellaneda no Cilindro, onde dá volta olímpica sob aplausos da própria plateia da casa. O Racing perde por 3-1 o dérbi (último dos parcos cinco jogos como racinguista do ídolo santista Manoel Maria, mais lembrado em Avellaneda por supostamente ter uma perna menor que a outra) e Labruna não ajuda mesmo muito, chegando a pressionar o goleiro Fillol a aceitar oferta daquele River em jejum.
1974: Pizzuti volta pela primeira vez, com ares messiânicos. O Racing briga pelas primeiras posições no Metropolitano (fica a um ponto de avançar ao quadrangular-final; o campeão será o Newell’s, em seu primeiro título argentino) e no Nacional (3º em seu grupo). Mas vê Labruna ir ainda mais longe com o Talleres, sensação do Nacional. E vê, sobretudo, o Independiente ser campeão pela terceira vez seguida na Libertadores. E também passar a somar mais vitórias no clássico, quando vence por 4-1 no primeiro turno do Metro – depois, ainda aplica como visitante um 5-1 no returno…
1975: Pizzuti segue no cargo, mas perde o toque de Midas: o Racing despenca para 16º no Metropolitano, leva outro 5-1 em casa no clássico (seguido de um 4-1 no returno) e a lenda, goleada por 7-1 pelo Unión na 15ª rodada, só aguenta até a 23ª. José Santiago reassume interinamente até a chegada de Osvaldo Zubeldía na 26ª. O Independiente vence a quarta Libertadores seguida e seu técnico, novamente, é o velho ídolo racinguista Dellacha. Zubeldía havia sido tri com o Estudiantes na Libertadores e vencido com o San Lorenzo o Nacional de 1974, mas o máximo que consegue é carimbar a faixa do rival com um memorável 5-4 (autor de quaro gols, Alberto Jorge se manda dali semanas depois…) já no Torneio Nacional – torneio onde La Acadé termina em 5º em um grupo de oito. Os dois torneios domésticos de 1975 são vencidos pelo River (seu técnico? Labruna), que encerra em alto estilo um jejum de dezoito anos.
1976: para repor a saída do artilheiro Scotta, o ídolo Chango Cárdenas volta do México, mas, pela primeira vez, o Racing briga contra o rebaixamento. Zubeldía dura até a 11ª rodada, Juan Carlos Giménez (ídolo do time tricampeão entre 1949-51) preenche o cargo pelas três seguintes e Roberto Iturrieta assume na 15ª. Ainda em julho, Dellacha volta para casa, se tornando um raríssimo caso de técnico de Independiente e Racing num mesmo ano. No Nacional, o time é 4º em um grupo de oito. Cárdenas pendura as chuteiras.
1977: Alfio Basile começa como treinador do Racing, em um primeiro ciclo no cargo. Não tem êxito apesar das contratações superfaturadas do craque Ricardo Villa (80 milhões de pesos) e do xerife Daniel Killer, ambos jogadores da seleção: Basile deixa de ser tolerado na 36ª rodada de uma campanha de 17ª colocação no Metropolitano. Juan Carlos Giménez o substitui por oito rodadas. Nas três finais, o cargo fica vago, sendo creditado à diretoria de futebol do clube embora na prática o regressado ídolo Cejas atue como jogador-treinador. Para o Nacional, Víctor Rodríguez reassume o comando. O time vai bem e termina em segundo no seu grupo, propiciando até que o veterano Cejas fosse pré-convocado à Copa do Mundo. Mas só o líder avançava. O líder foi o Talleres. Que, com três jogadores a mais em casa, perde a quatro minutos do fim uma polêmica decisão para… o Independiente. O técnico rojo é José Omar Pastoriza, que virara ícone do vizinho desde que fora dispensado em 1966 pelo Racing.
1978: Víctor Rodríguez dura até a rodada de um morno 9º lugar no Metropolitano, vencido por um Quilmes a encerrar jejum de 66 anos. Novamente, o cargo fica oficialmente com a diretoria de futebol, embora Cejas seja outra vez o jogador-treinador improvisado até Juan Urriolabeitia retornar para o início do Nacional. Killer e Villa vencem a Copa do Mundo como racinguistas (até hoje são os únicos com essa honra), mas sem protagonismo (Killer sequer entra em campo) e não viram ídolos em Avellaneda. A Academia faz um bom papel no Nacional, avançando aos mata-matas, mas cai cedo já nas quartas-de-final para o Unión. O campeão? Foi o Independiente.
1979: o ano começa com a contratação midiática de Omar Sívori como treinador. O Maradona dos anos 50 conduz um trabalho razoável, a um ponto da classificação aos mata-matas do Metropolitano. O time ainda lidera seu grupo no Nacional, mas sem exatamente tranquilidade: Carlos Cavagnaro substitui Sívori na 11ª rodada. O Racing novamente cai nas quartas-de-final, para o Rosario Central.
1980: Juan Carlos Lorenzo chega mais do que credenciado como novo técnico, após levar o Boca a três finais seguidas de Libertadores nos três anos anteriores. Mas não dá liga: sai após a 35ª rodada de um 10º lugar aquém do esperado. É substituído para as duas rodadas finais por uma dupla técnica de dois jogadores-treinadores, o goleiro Cejas e o meia Hugo Zavagano. Víctor Rodríguez regressa para o Nacional, mas sem tirar leite de pedra como antes: o time de Avellaneda é vice-lanterna do seu grupo e vê a imitação Racing de Córdoba (treinado por Alfio Basile) chegar à decisão, com direito de eliminar nas semifinais o Independiente. Andorinha solitária, Cejas deixará o clube ao fim da temporada, aceitando ser reserva de luxo de Fillol no River.
1981: Pastoriza volta ao Racing após quinze anos e a tremenda identificação com o rival não impede um Metropolitano decente, onde o Racing, embalado pela vice-artilharia de Juan Ramón Carrasco, fica a um ponto do pódio. Detalhe: com o time basicamente sem jogar no Cilindro, pois o clube vê mais lucro alugando-o à feira municipal. Tantas dívidas obrigam mesmo os cartolas a venderem antes do Nacional as revelações Julio Olarticoechea ao River, Juan Barbas ao Real Zaragoza e… Gabriel Calderón ao Independiente, pelo qual faz dois gols em seu primeiro clássico com a camisa rival, já no Nacional. Os três irão à Copa de 1982 já por suas novas equipes (Calderón ainda é o segundo e último a defender a seleção vindo de ambos os rivais). O Racing, por sua vez, termina na lanterna de seu grupo no Nacional, mas Pastoriza ainda tem crédito para seguir.
1982: o Nacional, onde não há rebaixamento, passa a ser disputado no primeiro semestre. De novo, o Racing fica na lanterna de seu grupo, liderado justamente pelo Racing de Córdoba; chega a ficar 725 minutos sem fazer gols. Após a 13ª rodada, Pastoriza dá lugar a Horacio Collazo. Que, após três jogos, dá lugar a Carlos Cavagnaro. Que, após oito jogos, incluindo um 5-1 sofrido contra o newell’s, não resiste a um 4-0 para o Racing cordobês. O ex-goleiro Rogelio Domínguez, que deixara o Racing rumo ao Real Madrid em 1957, volta ao Cilindro para ser o novo treinador na reta final do Nacional, primeiro título do modesto Ferro Carril Oeste. Domínguez não salvará a barca no Metropolitano, torneio que instituirá o famigerado promedio para edições futuras, mas ainda condenará naquela edição os dois últimos na tabela normal. A Academia escapa da degola por um ponto, mas Domíguez seguirá para 1983. Detalhe: no Metro, o time perde por 2-0 um clássico em que os gols do Independiente são feitos por torcedores racinguistas, o atacante Carlos Morete e o zagueiro Enzo Trossero – guarde esse nome.
1983: sem computar pontos ao rebaixamento, a campanha razoável no Nacional (terminou nas quartas para o futuro campeão Estudiantes) se torna enganosa. Domínguez dura até a 3ª rodada do Metropolitano, altura em que a Academia, precisando pontuar contra o promedio péssimo, ainda não havia vencido. José Silguero assume interinamente até o messias Pizzuti voltar como bombeiro já na 6ª rodada. Em vão: se tornará o primeiro campeão de Libertadores e rebaixado com um mesmo clube. O descenso se consuma ainda na penúltima rodada, em derrota em casa justamente para o Racing de Córdoba (embora na tabela regular a Academia fique acima até do River de Francescoli). Com um time de juvenis, o time encara na última justamente o Independiente. Que termina campeão. Um dos gols do título é daquele zagueiro Enzo Trossero, torcedor racinguista na infância. E o treinador rival é novamente Pastoriza…
1984: uma virada de mesa é ventilada, mas não engrena e a camisa pesada do Racing passa longe de pesar sozinha na segunda divisão. Jogo mais sintomático é uma derrota de 4-2 para o Banfield na qual o zagueiro racinguista Enrique Belloni marca dois gols contra… e em espaço de seis minutos! O surpreendente Deportivo Español dispara na liderança e ao título, que na época rendia o único acesso direto. Jorge Castelli, que começara a empreitada, dá lugar ao agora ex-goleiro Cejas. Dona só da 3ª melhor campanha, a Academia precisa se sujeitar a um mata-mata pela segunda vaga de acesso e até chega à decisão, mas perde as duas partidas para o Gimnasia. Enquanto o gigante não sobe, o Independiente conquista sua sétima Libertadores e depois se isola como maior campeão mundial do futebol argentino até então. Ah: na primeira divisão, o Argentinos Jrs é campeão pela primeira vez (Metro) e o Ferro, pela segunda (Nacional).
1985: novamente, o time passa longe de caminhar com um pé nas costas na segundona, vencida com folga pelo Rosario Central enquanto La Acadé tem quatro treinadores na campanha: Cejas começa, Cayetano Rodríguez e depois Juan Carlos Giménez prosseguem e por fim Alfio Basile assume para os mata-matas pela segunda vaga de acesso. Em maio, falece Natalio Perinetti, último remanescente vivo do hepta nos anos 10 e ainda recordista total de jogos pelo clube. Mas o final dos mata-matas é mais feliz: a equipe vence o Atlanta nas finais e retorna à elite exatamente em um 27 de dezembro, mesma data redentora de 2001. Até ali, houve suspense – o 4-0 no jogo de ida da decisão tem sua comemoração aguada com uma mudança no regulamento pela qual o saldo de gols não será critério de desempate. O 1-1 no jogo de volta esteve longe de ser relaxante…
1986: a segunda divisão de 1985 fora travada ao longo do ano, mas a primeira divisão adotou calendário europeu, instituindo a temporada 1985-86. Assim, o Racing fica inativo no primeiro semestre de 1986 e aceita alugar seu plantel (incluindo o treinador Rogelio Domínguez, de volta) ao Argentino de Mendoza, que disputaria uma seletiva classificatória à edição de 1986-87 da segundona (a marcar a adoção do calendário europeu nela também). Foram seis vitórias, um empate e três derrotas, mas a experiência vira mais uma piada: o Argentino terminou em 5º e as vagas iam até o 4º colocado. Basile, que estava no Vélez, volta para o torneio de 1986-87 da primeira divisão, trabalhando desde o início do regresso racinguista.
1987: o trabalho de Basile é honroso, com o Racing terminando em 5º ao fim da temporada 1986-87 e iniciando um sentido tabu contra o Independiente. E, para a temporada 1987-88, convence o craque uruguaio Rubén Paz a trocar Paris (onde curiosamente defendia o Racing local) por Avellaneda; o goleirão Fillol volta após quatorze anos para ser outro reforço, trocando por sua vez o Rio Manzanares (a banhar o antigo estádio do Atlético de Madrid) pelo Riachuelo. O bom início de temporada inclui um 6-0 no Boca.
1988: no primeiro semestre, o Racing conquista seu primeiro troféu desde o Mundial, a edição inaugural da Supercopa, torneio onde a Conmebol reunia somente campeões da Libertadores (curiosamente, quem marca o gol final é um assumido torcedor do Independiente, Omar Catalán). Em paralelo, também fecha o pódio do campeonato de 1987-88, mantendo o tabu no clássico. Com a maestria de Rubén Paz e a segurança de Fillol, o time ainda termina o ano na liderança do primeiro turno do campeonato de 1988-89. Como a Libertadores de 1988 se deu no segundo semestre e sua edição de 1989 já começaria no primeiro, a liderança provisória serviu para La Acadé voltar à competição após mais de vinte anos. Mas uma partida ainda em 22 de dezembro pesará no ano seguinte…
1989: em 22 de dezembro de 1988, Racing e Boca encerraram o primeiro turno de 1988-89 com um duelo direto entre líder e vice-líder. Rojões racinguistas acertaram o goleiro boquense Carlos Navarro Montoya e o jogo, em 0-0, foi suspenso no intervalo. Os tribunais depois deram a vitória ao Boca e La Acadé despencou, somando só três vitórias no segundo turno inteiro. Basile durou até abril, quando o time caiu no primeiro mata-mata da Libertadores para o futuro campeão Atlético Nacional. Héctor Martínez o substituiu a partir da 31ª rodada de um campeonato que, no fim, terminou ganho exatamente pelo Independiente. Além de Basile (reconhecido pela AFA, a fazer dele técnico da seleção após a Copa de 1990), também vão embora Paz e Fillol. Para o segundo semestre, o Racing contrata seu ex-jogador Pedro Marchetta. Cai na Supercopa logo no primeiro duelo, para um Boca que terminaria campeão após oito anos de seca.
1990: Marchetta dura até a 24ª rodada. Reserva importante do time de 1967 e com trabalho de acessos seguidos no San Martín de Tucumán, o uruguaio Nelson Chabay o substitui para a reta final do campeonato de 1989-90. Para a temporada 1990-91, a AFA passa a adotar a fórmula Apertura e Clausura. No Apertura, o time de Chabay, reforçado com o xodó nacional Sergio Goycochea, simplesmente empata os nove primeiros jogos e até vence o seguinte, mas o uruguaio cai tão logo é derrotado na 11ª rodada. Juan Carlos Oleniak (um dos jogadores mencionados em O Segredo dos Seus Olhos) assume interinamente, estreando contra o Cruzeiro na Supercopa. La Acadé avança para cair na fase seguinte, mas Oleniak permanece até o fim do ano.
1991: o ano começa com a volta do velho ídolo Perfumo como novo treinador. Reage e briga pela liderança do Clausura com o Boca, mas desgringola ao ver o ídolo Rubén Paz (de volta) lesionar-se enquanto marcava gol na 13ª rodada: na 14ª, leva de 6-1 no duelo direto com o Boca. Ainda assim, termina em 4º, com a mesma pontuação do 3º. Mas até mesmo Perfumo é moído; a queda nos pênaltis contra o mesmo Boca nas semifinais da liguilla pre-Libertadores (logo após conseguir reverter um 3-0 para um 5-1 contra o Vélez!) e três rodadas iniciais sem vitórias no Apertura o fazem dar lugar a Osvaldo Sosa. Goycochea, que torce para o Independiente, opta por rumar à segunda divisão francesa (Brest) tão logo vence a Copa América com a seleção e o semestre seguinte é péssimo: eliminado no primeiro duelo na Supercopa, o Racing termina em 13º no Apertura, mas Chiche Sosa ainda segue para 1992.
1992: Sosa cai após derrota em casa para o Platense na 10ª rodada do Clausura. Seu substituto é ninguém menos que Humberto Grondona, o próprio filho do homem. O que não significa exatamente favorecimento institucional da AFA; o 7º lugar no Clausura até dá lugar a uma campanha finalista na Supercopa (com gostinho de no primeiro mata-mata eliminar com um gol de mão o Independiente, na única vez em que o Clásico de Avellaneda valeu pelo continente), mas sob o custo de um Apertura bem desleixado (16º lugar enquanto o Boca, campeão, encerra seu pior jejum doméstico: “apenas” onze anos). Cada campanha deixa sua ressaca no gosto da diretoria e Humbertito, que nunca escondeu torcer pelo Independiente como toda a famiglia, não seguirá para 1993.
1993: Eduardo Solari chega em janeiro mas sai já em maio após muita irregularidade de resultados. Para as três rodadas finais do Clausura, o Racing é dirigido por uma dupla técnica de Rodolfo Della Pica como o histórico Pizzuti. Termina em 8º de um torneio embolado (vencido pelo Vélez após 25 anos…), a três pontos do vice Independiente. Para a temporada seguinte, a diretoria traz Carlos Babington, assistente técnico de Basile nos anos 80 e com brilho próprio no seu Huracán. Na Copa Centenário, vai até o antepenúltimo degrau. Na Supercopa, cai no primeiro mata-mata. Mas empolga em um Apertura também embolado: termina o ano como líder em um pega-pega com o Independiente e outros cinco clubes, mas a bagunça do calendário joga as quatro rodadas finais para serem retomadas só em fevereiro de 1994.
1994: na reestreia do Apertura 1993, o então líder abre 2-0 sobre o Ferro Carril Oeste, mas Mariano Dalla Líbera, autor do gol, faz jus ao apelido de Loco ao tirar a camisa embora já estivesse amarelado. É expulso e o Ferro reage, arrancando um 2-2 que serve de baque tremendo a um time tão afetado pelo jejum: não sai do 1-1 na visita ao Lanús, leva de 6-0 do Boca e volta a vencer tarde demais, na rodada final. Um River menos vistoso termina campeão por um pontinho a mais. No Clausura, Babington perde a magia e sai em junho. Rodolfo Della Pica reassume interinamente para as cinco rodadas finais de um torneio que termina ganho pelo Independiente (treinado pelo ex-jogador racinguista Miguel Brindisi…) enquanto La Acadé é 12ª. Della Pica ainda trabalha na primeira rodada do Apertura 1994, sendo então substituído por Luis Cubilla. Com o uruguaio, a equipe cai no primeiro duelo da Supercopa, volta a perder do Independiente após onze anos (um dos gols é de Hugo Pérez, que não comemora por ser assumido torcedor racinguista) e não decola nunca enquanto vê o vizinho vencer a própria Supercopa também. Héctor Martínez é o técnico interino nas três rodadas finais de um novo 12º lugar.
1995: a diretoria ousa e anuncia em janeiro ninguém menos que Diego Maradona como treinador (em dupla técnica com Carlos Fren), sob a expectativa de que o astro se converta em jogador do clube tão logo termine a suspensão que a FIFA lhe impunha pelo doping na Copa do Mundo de 1994. Diego só vence dois jogos em onze rodadas no Clausura (o campeão será o San Lorenzo, a encerrar jejum de 21 anos), é expulso em pleno clássico com o Independiente (0-0) e pede para sair aproveitando-se da não-reeleição do presidente que o trouxera, Juan De Stéfano. Héctor Martínez reassume interinamente e, para o segundo semestre, Marchetta retorna ao Racing após um bom trabalho no arquirrival no Apertura 1993. A equipe volta a cair no primeiro mata-mata da Supercopa e Marchetta não empolga, saindo na 14ª rodada do Apertura. Vitorioso no Independiente de 1994-95, Brindisi topar revirar a casaca e assume na 16ª após trabalho interino de Rodolfo Domínguez. E faz a Academia ter chances de título até a rodada final, com direito a um troco histórico para cima de Maradona. O problema é que foi preciso torcer para o Independiente ajuda-los contra o líder Vélez. Independiente que estava na ressaca do bicampeonato da Supercopa… e La Acadé sequer fez sua parte: levou de 5-1 do Colón. Três gols foram de Marcelo Saralegui, que havia acabado de deixar o Racing naquele segundo semestre.
1996: campeão dos amistosos torneios argentinos de verão após 26 anos, o Racing de Brindisi só termina em 8º no Clausura, quando vê uma vitória que o aproximava da liderança na 9ª rodada escapar até por gol de goleiro (Carlos Bossio, do Estudiantes, se arrisca em um escanteio aos 46 do segundo e consegue empatar de cabeça, no primeiro gol do tipo na primeira divisão argentina) enquanto que na 12ª o Huracán empata um 2-0 com um gol em impedimento e outro no finalzinho, em falta desviada pela barreira. O ídolo Claudio López se despede na pausa para as Olimpíadas. Mas a sorte até sorri no fim: campeão do Apertura da temporada 1995-96, o Vélez também vence o Clausura, abrindo uma vaga-extra para a Libertadores 1997. E o Racing, outrora goleado por 6-0 pelo Gimnasia no Clausura, aproveita o baque do vice-campeonato sobre os gêmeos Barros Schelotto e ganha o jogo-extra contra os platenses. Mas Brindisi sai após ser derrotado em casa na estreia do Apertura. Basile volta após sete anos e levará o Racing a um 4º lugar, embora longe do título. Na Supercopa, a Academia cai na fase de grupos.
1997: o time de Basile permite que a torcida sinta o cheirinho da Libertadores após trinta anos, vencendo nos mata-matas River e Peñarol, para o anticlímax de cair nas semifinais para o Sporting Cristal. Enquanto isso, ficava só em 7º no Clausura. Carlos Babington voltou para substitui-lo a partir da 3ª rodada do Apertura. E viveu a inusitada situação de, ainda a serviço do Huracán, perder as duas primeiras rodadas para Estudiantes e Independiente para então ser derrotado pelos mesmos clubes na 3ª e 4ª rodadas. A Academia cai novamente na fase de grupos da edição final da Supercopa e termina em 13ª no Apertura. O maestro Rubén Capria é vendido para saldar dívidas. E Babington, sem surpresas, é despedido ao fim do ano pelo recém-eleito presidente racingusita Daniel Lalín.
1998: antigo assistente de Menotti e depois de Jorge Valdano, o romântico Ángel Cappa começa o ano como novo treinador de La Acadé. Com direito a um ato de exorcismo no estádio na pré-temporada, que pouco adiantaria: os reservas do Colón ganham por 2-0. Presságio ruim que se confirmou no 15º lugar no Clausura. Mas Cappa ganha sobrevida para o Apertura diante da ambição do presidente Daniel Lalín, que faz o clube gastar muito do que já não tinha para armar grande elenco para o Apertura, o que inclui até a recompra do ídolo Capria. Há jogos de encanto, como um clássico que pintava para goleada esfriada com suspeito blecaute no campo do Independiente, e o Racing até termina em 3º enquanto lidera seu grupo na Copa Mercosul, substituta da Supercopa. Mas no Apertura cedo ficou claro que ninguém seria páreo a um Boca ainda mais arrasador sob o recém-chegado Carlos Bianchi, campeão invicto. Na Mercosul, o San Lorenzo elimina nos pênaltis nas quartas-de-final.
1999: o clube vence o quarto torneio de verão seguido, mas a estripulia financeira de Lalín logo recebe o boleto, jamais pago. Às vésperas da estreia no Clausura, a recuperação judicial do Racing é convertida em falência e a equipe é impedida de jogar, embora veja seu estádio lotar mais do que muitos campos com bola rolando, tomado por uma romaria de torcedores em pânico. Quando a autorização judicial vem, Rodolfo Zapata é o treinador designado pelo presidente Lalín enquanto o juiz do caso nomeia uma dupla técnica formada pelo ex-zagueiro Gustavo Costas e por Maschio. De algum modo, o time termina em 14º no Clausura e em 6º no Apertura, embora tenha uma campanha zerada na Copa Mercosul (com direito a 7-0 sofrido contra o Palmeiras). Sem receitas, chega até a jogar amistoso (3-2 na Universidad de Chile, em Santiago) em troca de equipamento de água quente, e precisa passar ao Boca o ídolo Marcelo Delgado, representante racinguista na Copa do Mundo de 1998. Tita Mattiusi, a fiel zeladora de décadas e figura materna dos jogadores, falece em agosto – como mais uma credora.
2000: Autor de quatro gols naqueles 5-4 sobre o Independiente em 1975, o xodó Alberto Jorge assume para o Clausura, mas é mais uma figura querida devorada pelo redemoinho. O time termina em antepenúltimo e a partir da 9ª rodada do Clausura recorre à dupla Oscar López & Oscar Cavallero, experientes nas divisões de acesso, para segurarem o rojão da vergonhosa lanterna no Apertura; nem o time rebaixado terminara nessa então inédita colocação final. Aquele Racing acaba não interessando à Copa Mercosul, que mesclava critérios técnicos (jamais atendidos por aquele momento tenebroso) com convites a camisas pesadas.
Em janeiro de 2001, a Blanquiceleste S.A., a empresa recém-criada (naquele mesmo mês) para a administração judicial do departamento de futebol do clube (os demais setores esportivos e institucionais seguiriam mesmo à deriva), contrata um técnico barato e sem qualquer passado na casa: Reinaldo Merlo. Não permite muita fé, com a capa da revista El Gráfico até ironizando a sigla S.A. como um “Salve-se, Academia”. O que Merlo tinha era bastante história no River: El Mostaza ainda é o recordista de jogos pela equipe de Núñez, única que defendera como jogador. Mas o ex-volante conseguirá atrair devoção ainda maior pelo que aprontará sobre o próprio Millo ao fim do ano: é em Avellaneda que se tornará estátua alguém de relevo bastante baixo em uma carreira de treinador que já era longa.
Merlo se tornara técnico em 1987 no Los Andes, na segunda divisão de 1986-87, sem ir longe. Seu River, decepcionado com o trabalho da César Menotti na temporada 1988-89, apostou então no velho ídolo. Que começou bem: em dupla técnica com Norberto Alonso, saborearam a liguilla pre-Libertadores (repescagem que de 1986 a 1992 reunia os melhores times abaixo do campeão na tabela geral pela segunda vaga argentina no torneio) do pós-temporada. Mas ambos saíram ao fim do primeiro turno da vitoriosa temporada 1989-90, renunciando após a derrota eleitoral do presidente que os empregara – foram então substituídos pelo recém-aposentado Daniel Passarella, que assim começou a nova carreira. Espécie de Zico do River, o tal Alonso aliás torcia para o Racing na infância. E se permitiu cornetar o velho parceiro após o título: “liguei para ele na hora e o felicitei, mas lhe disse a verdade: que a equipe jogava horrível. Digo a verdade a meus amigos. De todo modo, o importante era cortar a seca de 35 anos”.
Ainda visto como um técnico promissor no início dos anos 90, Merlo rumou à AFA para treinar a seleção sub-20. Seria um fiasco: no Mundial da categoria em 1991, nem o garoto Mauricio Pochettino evitou a lanterna da Albiceleste em um grupo que tinha até uma curiosa seleção unificada da Coreia. Para o pré-Olímpico dos Jogos de Barcelona, a AFA deliberou que Alfio Basile (agora técnico da seleção principal) trabalhasse diretamente com a sub-20 enquanto Merlo foi redirecionado à sub-17. El Mostaza igualmente foi infrutífero nessa, caindo outra vez na primeira fase do Mundial da categoria, em 1993. Mas é o convívio com Basile (foi seu assistente técnico na Copa de 1994) que estreitará laços entre os dois, pesando para que Merlo chegasse a Avellaneda com algum respaldo mesmo sem reluzir na maior parte dos trabalhos que teria até 2001.
Até aparecer como estranho no ninho do Cilindro, Merlo não deixara muito rastros por Bolívar (1995), Temuco (1998) e Atlético Nacinal (1999). As exceções eram poucas: seu Chacarita lutou pela liderança no primeiro turno da segundona de 1998-99, o que rendera o convite do Atlético Nacional – já sem Merlo, o acesso do Chaca se confirmaria mesmo. No Belgrano, conseguiu dramaticamente evitar o rebaixamento na temporada 1999-2000, em repescagens com reviravoltas contra o Quilmes. Com esse trabalho ainda fresco, ele chegou prometendo colocar entre os oito primeiros do Clausura o time que havia terminado na lanterna do torneio anterior, colocação que impunha ameaça séria de rebaixamento pelos promedios.
Ele no fim pôde dizer que cumpriu com sobras a promessa, mas não sem percalços: a estreia foi uma derrota em casa de 1-0 para o Talleres. O segundo jogo foi um 2-2 com o modesto Los Andes, concorrente direto na luta contra a queda. Àquela altura, o Racing somava só três vitórias nos últimos 44 jogos. O desafogo veio com um 2-0 sobre o San Lorenzo (que adiante terminaria campeão no embalo de onze vitórias seguidas, que virariam treze no início do Apertura, ainda um recorde profissional a qualquer clube na liga), e, dois jogos depois, vencia-se também o Boca de Bianchi. Uma sequência razoável de uma outra derrota até a 12ª rodada deu então lugar a um 4-0 em pleno Cilindro aplicado pelo nanico Almagro – outro concorrente na tabela de promedios.
O Racing só empatou os dois jogos seguintes (chegando a perder dois pênaltis no 1-1 com o Lanús), levou de 3-0 do River, sofreu empate de 1-1 com o Vélez mesmo jogando com um a mais… Restavam três rodadas e o time estava na última colocação salva da degola, perseguido por um Argentinos Jrs apenas três pontos abaixo nos promedios. Na 17ª e antepenúltima rodada, o concorrente ficou só no empate com o já rebaixado Los Andes enquanto a Academia perdia na visita ao Colón. Até que Diego Milito, com 39 graus de febre, saiu do banco para arrancar no último minuto um golaço de fora da área que livrava por antecipação os riscos de queda. Redenção a um torcedor que ainda estava longe de ser ídolo: era apenas seu terceiro gol na carreira adulta, iniciada ainda em 1999. Curiosamente, o primeiro também havia sido contra o Colón (no Clausura 2000), e o mesmo time voltaria a sofrer com ele no Apertura 2001.
Sem peso nos ombros, o Racing pôde se soltar nas duas rodadas finais: sapecou um 4-1 no Rosario Central e encerrou a temporada se dando ao gosto de bater o Independiente na casa rival, 1-0. Assim, Merlo era só tranquilidade em agosto: “ficamos em quarto, embora pelo saldo de gols nos posicionássemos em quinto. Agora [temos] que brigar acima. Brigando com as potências”. Não bastou para que a Copa Mercosul de 2001 se interessasse em convidar La Acadé, mas a desnecessidade de dividir o segundo semestre em duas frentes talvez tenha sido de boa valia. Merlo sabia no que estava se metendo: “eu sei que o Racing devorou um montão de treinadores. Essa é uma torcida especial. Sei que de repente tenho que arrancar ganhando. Porque é uma torcida que sofreu muito e não me cabe outra alternativa que ser campeão”. Releia o relatório ano-a-ano e conte: foram mais de 70 as contratações de técnicos em meio ao jejum…
Para o Apertura, o Racing não teria o bom goleiro Gastón Sessa, que soubera bancar os momentos ruins e salvaguardar os bons na temporada 2000-01. El Gato partiu ao Vélez, onde viveria seus melhores momentos, polêmicas à parte. Também foi embora outro bom elemento dos anos anteriores, a grife Adidas. Com exceção aos anos de 1995 e 1997, a marca alemã vestia o Racing desde 1982 e caprichara em especial nas camisas dos complicados momentos de 1999 e 2000, até hoje reconhecidas pela torcida como a única coisa digna de boas lembranças daqueles anos.
Inicialmente, o Racing jogou sem marca até a quinta rodada marcar a reestreia da Topper (com um desenho arrojado, adotado há três dias pela atual fornecedora, a Kappa, em camisa comemorativa dos 20 anos da redenção). Ela dava alguma sorte: desenhara a camisa vice-campeã do Apertura 1995 e a semifinalista da Libertadores 1997. Não seria diferente em 2001, a render até a seguinte propaganda da empresa brasileira após o título: “Chango, já podes sair de férias”, em referência à repetição ad aeternum do gol mundial de Cárdenas em 1967 – tamanha que os rivais diziam que uma hora o vídeo daquele chute terminaria exibindo a bola ir para fora.
Além da Topper, houve pacotão de novidades para 2001. Sessa foi reposto por Gustavo Campagnuolo, recém-campeão do Clausura mas perdendo a vaga para Sebastián Saja (depois também campeão no Racing, em 2014) naquele San Lorenzo ao longo daquela campanha. Já em Avellaneda ele tomou sem cerimônia o posto na segunda rodada para não larga-lo mais: Gastón Pezzuti, desde 1997 no clube, só atuaria na rodada inaugural mesmo, esquentando o banco nos outros dezoito jogos da campanha. Outros titulares instantâneos foram o defensor Gabriel Loeschbor (18 jogos, 4 gols) e o atacante Rafael Maceratesi (17 jogos e cinco gols, foi o terceiro na artilharia interna do plantel campeão), ambos do Rosario Central recém-semifinalista da Libertadores; o volante Gustavo Barros Schelotto (18 jogos, 1 gol), reserva útil do Boca campeão de tudo em 2000 e que, vendido ao Villarreal na virada para 2001, não emplacara em La Liga; e os defensores Francisco Maciel e Martín Vitali, dois dos três jogadores usados em todas as dezenove partidas.
Maciel, que vinha do Almagro recém-rebaixado, e Vitali não marcaram gols, mas não se resumiram a evita-los: Vitali contribuiu com cincos assistências, liderando esse quesito enquanto Maciel, com três, foi o vice-líder nisso. Curiosamente, como Pancho Maciel (único titular jamais substituído em toda a campanha), Vitali tinha um rebaixamento recente no currículo, com o Ferro Carril Oeste em 2000. Mas o mais chamativo é que El Pelado praticamente vinha do Independiente, onde esteve emprestado pelo Ferro na temporada 2000-01, não tardando a conquistar a metade vizinha e alviceleste de Avellaneda. É uma raríssima figura a defender os dois rivais em um mesmo ano.
Também chegaram para o Apertura três opções regulares de banco: o volante Leo Torres (13 jogos, 2 gols) vinha da Coreia do Sul após seis anos de Belgrano, onde conhecera Merlo; o lateral-direito Gerardo Bedoya, do Deportivo Cali vice da Libertadores 1999 e recém-campeão com sua Colômbia na Copa América 2001, jogaria 12 vezes (com 3 gols), se mostrando um talismã na reta final. Também colombiano, o volante Alexander Viveros deixou o Fluminense e até constaria em dezoito súmulas, mas normalmente vindo do banco como opção a Barros Schelotto; não marcou gols, mas era efetivo em segurar a bola.
Dos nomes mais presentes, quem por outro lado já estava no Cilindro era, por ordem de antiguidade, o capitão Claudio Úbeda, prestigiado em 18 jogos após anos e anos entre tapas e beijos com a torcida: ex-juvenil do Independiente, o zagueiro era o único remanescente do time vice em 1995, ano de sua chegada à Academia; o Clausura 19998 profissionalizou os pratas-da-casa Maximiliano Estévez (o baixinho de chuteiras brancas, uma novidade para a época, seria no elenco o artilheiro com 7 gols, além de fornecer três assistências, em 17 jogos) e Adrián Bastía, volante de 18 jogos, sem gols e muitos cartões: sete amarelos advertiram a garra desmedida que a torcida adorava no Polaco; o lateral-esquerdo Carlos Arano (15 jogos, 1 gol) e o atacante Diego Milito, por sua vez, foram profissionalizados no Apertura 1999, torneio em que o volante José Chatruc chegara do Platense recém-rebaixado. Chatruc apareceria em 16 jogos, terminando como vice-artilheiro com 6 gols e vice-amarelado com cinco advertências.
Milito, como já dito, não só estava longe do renome como era visto apenas como o inábil irmão mais velho do precoce Gabriel Milito, desde 1997 no rival Independiente e já um jogador de seleção: embora tenha sido o outro jogador a atuar nas 19 partidas (junto de Maciel e Vitali), não foi ainda ali que El Príncipe emplacou, embora conseguisse na campanha o mesmo número de gols que tinha na carreira inteira até então – apenas três. Sua assiduidade talvez tenha sido uma dica do olho clínico de Alfio Basile (que, como Pizzuti, era na infância um torcedor do Independiente convertido em ícone racinguista…) ao compadre Merlo, pois Basile tratou de afirmar o seguinte na revista especial de título publicada pela revista El Gráfico, ao comparar o time de 2001 com o elenco campeão argentino anterior no distante 1966:
“Não há estrelas no plantel. Ou dois jogadores com um cartel superior ao resto. Não, em geral, todos estão mais ou menos na mesma. Em um nível muito parelho. Esta é uma das diferenças que encontro com a equipe de 1966. Neste Racing não há figuras no plantel. Têm tudo pela frente. Atenção, que nem tudo é empurre ou velocidade. A equipe tem ordem. E também sabe ordenar-se durante as partidas. Destacar um jogador não me parece justo. Todos contribuíram. Mas gostaria de me deter em um muchacho que as pessoas castigaram um pouquinho. Me refiro ao pibe Milito. Tem algo. E suspeito que tem algo mais do que mostrou até agora. Pelo manejo, pelo que tenta e até pelo que não sai”.
Ao menos naquele 2001 a mesma El Gráfico já se referia a Milito como “alma e vísceras do Racing”, crescido “à sombra de frustrações que vinham desde o fundo da história”. Por ordem de antiguidade, o plantel se completou ainda com alguns reservas obscuros, nenhum com gols: o citado goleiro Gastón Pezzuti (só usado na estreia, como já dito, mas de rotineira aparição nas rodadas seguintes invadindo o gramado para comemorar gols dos colegas) estava no time adulto desde 1997 – assim como o volante Javier Lux (irmão mais velho do recém-aposentado goleiro riverplatense Germán Lux), usado sete vezes na campanha. Eram ambos pratas-da-casa.
Já o ano de 1999 marcara a profissionalização dos volantes Gustavo Arce e Diego Loscri, o que não lhes serviu muito para o Apertura 2001: Arce só jogou uma partida (os dois minutos finais da penúltima rodada, para ser mais exato) e Loscri, embora utilizado por Merlo em dezoito partidas do Clausura, não saiu do banco uma só vez no Apertura – até passaria no Brasil em 2004, pelo rebaixado Guarani. Loscri só foi uma vez relacionado ao banco, na 13ª rodada. Outro a compor elenco, mas jamais sair do banco, foi Néstor Ruiz, juvenil inscrito como goleiro reserva na estreia e na 9ª rodada. Houve ainda dois reforços para o Apertura que terminaram esquecidos por Merlo: vindo do Talleres, o atacante Luis Rueda atuou nos 15 minutos finais da estreia e nos seis minutos finais da 4ª rodada; já Cristian Ríos, ex-Unión, só apareceu na foto do pacotão de novidades – nem relacionado ao banco chegou a ser.
Eis, enfim, como se deu a campanha até lá, em que o técnico Merlo sempre usou a mesma camisa azul, sempre tocou a grama antes do apito inicial e sempre fez chifrinho com a mão a cada cobrança de falta adversária – com aspas da revista pós-título da El Gráfico:
1ª rodada, 17 de agosto (Racing 2-1 Argentinos Jrs): “não foi uma boa partida. O Racing não jogou bem e esteve a ponto de retirar-se do campo sem o triunfo. E mais, a equipe de Sergio Batista foi superior em vários setores do campo, sobretudo no meio-campo. Era difícil tirar a bola de Federico Insúa, um dos melhores de sua equipe. Desde as tribunas se escutavam algumas queixas à atuação frouxa. O primeiro gol do Racing marcou o lateral-esquerdo Carlos Arano, com um canhotaço de fora da área. O clube havia gasto muito dinheiro em incorporações, mas o garoto das inferiores fez a diferença. Para além das palavras, o Racing ganhou com uma dose de sorte. O 2-1 final apareceu através de um gol contra de [Pablo] De Muner quando faltavam 12 minutos (…). Ganhou por sorte, talvez a necessária para ganhar o campeonato”. Na tabela, 7º colocado, com 3 pontos – e o River, em 5º, com os mesmos 3. Vitali teve a nota mais alta, um 8.
2ª rodada, 26 de agosto (Independiente 1-1 Racing): o Clásico de Avellaneda dividiu holofotes com o 13º jogo de vitória seguida do San Lorenzo. O Independiente de Enzo Trossero (agora treinador) e também de Pablo Guiñazú, Diego Forlán e Mariano Pernía vinha de um convincente 4-1 sobre o Vélez na estreia. O Rojo jogou melhor e foi premiado com um gol de Forlán já faltando doze minutos. Nisso, “a modéstia original recebeu uma formidável motivação”, quando Loeschbor arrancou um empate no último minuto em clássico na casa rival, num cabeceio que puniu a catada de borboletas do goleiro Ariel Rocha à bola levantada a 40 metros dali pelo vira-casaca Vitali. “Ali começava a projetar-se a equipe. A tomar impulso. A se afiançar”. Porque “o Racing também é um estado de espírito. Um extraordinário estado de espírito que foi se potencializando apenas começou a desdobrar-se o campeonato (…). O fator psicológico entrava em cena. Esta atitude foi o motor fundacional da equipe de Merlo. Porque lhe outorgou seguranças que não tinha; porque lhe permitiu elaborar um projeto muito mais ambicioso; e porque ofereceu à sua gente e a si mesmo a certeza de que podia. Em suma, a equipe começou a acreditar no sentido mais generoso e altruísta da palavra (…). Se adivinhou uma personalidade crescente para bancar os compromissos. Para sair da cruz nas dificuldades”. Na tabela, ainda 7º, com 4 pontos – o River já era líder, com 6. Loeschbor teve a nota mais alta, um 7.
3ª rodada, 28 de agosto (Rosario Central 0-1 Racing): José Chatruc voltava de suspensão que cumpria desde o Clausura. Nem o Racing e nem o Rosario Central produziram muita coisa, embora a iniciativa partisse mais dos rosarinos. Campagnuolo mostrava-se o grande destaque racinguista pela segunda rodada seguida até o próprio Chatruc aparecer de surpresa para anotar o único gol em chute rasteiro de longa distância ajeitado por Vitali. “O Racing ganhou. Outra vez sem jogar bem. Mas isso não importava muito”, sintetizou a El Gráfico. Na tabela, ia ao 5º lugar, com os mesmos 7 pontos do River, agora 3º. Chatruc e Vitali foram os mais bem avaliados, com nota 7.
4ª rodada, 31 de agosto (Racing 2-1 Newell’s): contra o Newell’s dos jovens Maxi Rodríguez, Leo Ponzio e Sebá Domínguez, “a figura foi o atacante Diego Milito”. Pela primeira vez na carreira adulta, ele marcou dois gols em uma mesma partida – de cabeça, aos 13, aproveitando sem goleiro um rebote ruim da zaga; e sendo oportunista aos 40 contra a hesitação de um zagueiro com o goleiro para se intrometer em bola que parecia perdida. E “foi a primeira vez que a equipe de Mostaza Merlo mostrava um futebol para robustecer o sonho”, pois “sempre atacou e teve várias oportunidades de aumentar o marcador. Só entraram duas e foram suficientes para ganhar a partida”. Com os mesmos 10 pontos do River, era o 3º e o Millo, novamente líder. Milito, Maciel e Campagnuolo levaram nota 8 e vale menção ao 7 de Bastía.
5ª rodada, 8 de setembro (Talleres 0-2 Racing): o Talleres do técnico Ricardo Gareca estava focado na Copa Mercosul (a ponto de ser o lanterna do Apertura) e usou um time misto em casa. Mas até uma concussão cerebral do capitão Úbeda foi preciso superar, em uma partida dura, a marcar também a estreia do icônico uniforme da Topper. “E o Racing resolveu bem, sem brilhar, mas com um muito bom trabalho de Gabriel Loeschbor, autor do primeiro gol e seguro no fundo. O destacável, contudo, era a regularidade que mostrava Campagnuolo. (…) Ao Racing lhe custou chegar ao gol, já que o primeiro foi feito aos 29 do segundo tempo e o 2-0 marcou um ex-jogador do Belgrano, Leo Torres, quando se esfumaçava a partida. Ganhou bem, embora outra vez não lhe sobrasse nada. A equipe olhava até o título e pese não ser brilhante, era muito efetiva”. Com 13 pontos, o Racing foi o último líder argentino do mundo pré-11 de setembro de 2001, isolando-se na ponta pela primeira vez desde 1993 – o River desceu para 3º ao estacionar nos 10. Nota mais alta foi de Loeschbor, um 7.
6º rodada, 16 de setembro (Racing 0-0 Belgrano): o outro time cordobês era justamente um que se engraçava na disputa pelo título. O Belgrano soube sair com um pontinho de Avellaneda tendo razões para reclamar da arbitragem de Gabriel Brazenas, que só exibiu um amarelo a Arano embora sua falta tremenda em Rubiel Quintana rendesse uma fratura no perônio do colombiano (prontamente desculpadas por Arano, diga-se). “O 0-0 foi um reflexo da partida: ruim e quase sem chegadas ao gol. Se falavam do Belgrano como grande surpresa, muito mais crescia a candidatura do Racing, que todavia deixou em seu campo dois pontos chaves e resignou momentaneamente a liderança”. Com 14 pontos, era o 2º, com o River em 9º, mas com 11. Bastía levou um 7 enquanto todo o trio ofensivo (Chatruc, Milito e Maceratesi), em contraste, foi premiado com nota 4.
7ª rodada, 23 de setembro (Huracán 0-1 Racing): foi a rodada em que Merlo proferiu o célebre discurso do “vamos passo a passo, ainda falta muito para que termine o campeonato”, para diminuir a pressão sobre um Racing novamente líder (posição que não deixaria mais, justamente), com 17 pontos e que precisou de alguma sorte para chegar lá. E para diluir críticas por um segundo jogo seguido de ajuda arbitral, pois Horacio Elizondo não apitou um pênalti claro por mão de Loeschbor. Jogando em casa, o Huracán também foi punido pela péssima pontaria de seus atacantes, embora os do Racing se saíssem ainda piores: Milito levou 4 e Maceratesi e Leo Torres foram cornetados com nota 3. Foi preciso uma aparição surpresa de Gustavo Barros Schelotto para marcar o único gol, aos 22 do segundo tempo – um lindo e raçudo voleio que emendou de primeira pela direita bola cruzada por Milito desde o outro flanco. Mas a nota mais alta foi para o 8 de Campagnuolo (para Schelotto, foi 7). Na tabela, o River aparecia cinco pontos abaixo, apenas em 8º.
8ª rodada, 30 de setembro (Racing 4-1 San Lorenzo): talvez a melhor partida do Racing no torneio. Sem dúvida, a melhor até ali. Recuperou-se logo que Lucas Pusineri abrisse aos 23 o placar a um San Lorenzo logo campeão da Mercosul, mas que usou titulares no duelo. “Outra vez Loeschbor anotou e abriu caminho à goleada. O segundo tempo do Racing foi excelente. Ganhou em todos os rincões e demoliu o San Lorenzo, o campeão. Além do mais, o técnico decidiu uma mudança antes da partida: tirou Maceratesi e optou por pôr de titular Maximiliano Estévez, que logo se converteu em um dos fatores desequilibrantes da equipe. Fez um gol, foi a figura e a torcida do Racing engordou seu sonho de obter o tão ansiado título”. A cabeça certeira de Loeschbor empatara em escanteio aos 41; a virada veio aos 10 do segundo, com Estévez encobrindo a saída de Saja ao ser habilitado na cara do gol por Milito; e aos 16 Bedoya liquidou (golaço: interceptou passe adversário, ganhou na corrida e sua perna esquerda também encobriu Saja), abrindo caminho até para o reserva Maceratesi (a substituir Milito) redimir-se com um quarto gol, aos 32, concluindo sem goleiro um baile de Estévez contra dois marcadores pela esquerda. Na tabela, Racing com 20 pontos contra 15 do 5º colocado River. Estévez recebeu um 8, assim como Campagnuolo. Loeschbor, Bedoya e Bastía levaram um 7.
9ª rodada, 3 de outubro (Unión 0-2 Racing): “se a sorte de campeão existe, o Racing já tinha uma boa dose dela. Contra o Unión, ficou em evidência”. O time de Santa Fe (do ídolo racinguista Rubén Capria, agora adversário) brigava contra a rabeira da tabela, mas jogava em casa. E o líder invicto “não teve brilho e lhe custou gerar situações. Porém, novamente levou os três pontos”. Chanchi Estévez abriu o placar aos 22 do segundo, aproveitando contra o gol vazio um rebote do goleiro à tentativa de Milito, após belo passe de Chatruc habilitando ambos na cara do gol. E, já aos 48, “outra vez, como frente o San Lorenzo, voltou a ser decisivo o colombiano Bedoya, que selou o resultado com um golaço quando o Unión buscava a igualdade. O outro herói de Santa Fe foi Gustavo Campagnuolo, não só por sua notável atuação, mas também porque nessa noite foi convocado para a seleção para a partida contra o Paraguai. Seus companheiros o ovacionaram no regresso ao hotel”. O arqueiro, que jamais chegaria a entrar em campo pela Argentina, levou mais um 8, enquanto diversos 7 contemplaram Milito, Estévez, Bedoya (no seu gol, o colombiano pedalou diante de um zagueiro e acertou sem ângulo um chute potente pela ponta esquerda) e Loeschbor. Na tabela, 23 pontos e o River, ainda cinco atrás, já era vice-líder.
Aqui, cabe um primeiro parêntese extracampo. No fim de semana seguinte, não houve rodada em função das eleições para o Senado, ocorridas em 14 de outubro. O forte descontentamento com a presidência de Fernando de la Rúa repercutiu com abstenção de 25% (alta demais em um país de voto obrigatório) e outros 24% de votos brancos ou nulos – e, claro, com eleição em massa de opositores ao governo, que se viu ainda mais limitado. A empolgação do povo com o título mundial da seleção sub-20 em casa, em julho (sem ninguém do Racing), já era algo tão distante quanto a euforia com a imposição da presidência de Carlos Menem de igualar o peso ao dólar nos anos 90, populismo que cobrava agora seu preço.
10ª rodada, 21 de outubro (Racing 2-1 Colón): dessa vez, se enfrentava o outro santafesino, o Colón. E, mesmo em Avellaneda, foi complicado. O Racing preferiu apostar no contra-ataque e até abriu o placar assim, com Milito, logo aos 17 minutos: Bastía arriscara um míssil rasteiro de longe e a bola ia para fora, mas a providencial perna direita de El Príncipe matou o goleiro. Parecia melhorar quando no fim do primeiro tempo o adversário Pablo Morant foi expulso por reclamação, após ter um gol seu anulado por falta em Úbeda no cabeceio. Mas o Sabalero conseguiu igualar logo aos 2 do segundo tempo (Patricio Graf, ex-Racing e Independiente). Merlo preferiu tirar o defensor Vitali para reforçar o ataque com Maceratesi e foi premiado: o reserva marcou o da vitória aos 30, aproveitando a sobra de um chute de Estévez (que, desde a esquerda, recebera boa bola do iluminado Milito) rebatido na zaga. Campagnuolo, novamente, o melhor em campo – nota 7. Na tabela, seguia-se cinco pontos de vantagem ao vice-líder River (26 a 21).
11ª rodada, 28 de outubro (Estudiantes 2-3 Racing): “o 3-2, em La Plata, seguramente terá produzido o mesmo efeito multiplicador no plantel do Racing. A interpretação de que para detê-lo tinha que dar absolutamente tudo. E talvez não bastasse. A força psicológica em primeiro plano. A velha mentalidade ganhadora. O conceito de superar os próprios limites, (…) para compensar suas dívidas futebolísticas”. Pudera: o Estudiantes do técnico Néstor Craviotto (ex-Independiente) fez um primeiro tempo contundente a ponto de Loeschbor até ter minutos de vilão ao marcar gol contra. Foi 2-0 que teria sido 3-0 se Tecla Farías não perdesse sozinho na frente de Campagnuolo. A sacudida de Merlo no intervalo incluiu a substituição do apagado Schelotto (o velho ídolo do Gimnasia estava especialmente afetado pela hostilidade do Estudiantes e levou uma nota 3) por mais um atacante, Maceratesi. Mas quem protagonizou a rápida reação foi Estévez, com gols-relâmpago aos 4 e 6 do segundo tempo para empatar – de cabeça, aproveitando chuveirinho preciso de Vitali e depois de carrinho, em cruzamento rasteiro do mesmo Vitali no lamaçal que estava o estádio alvirrubro. Chatruc, carregando desde o meio para então concluir de bico na saída do goleiro, virou heroicamente para 3-2 aos 26 uma partida que não foi uma qualquer. Estévez levou um 7 de melhor em campo. Na tabela, Racing 29 pontos contra 24 do River.
15ª rodada, 1º de novembro (Boca 3-1 Racing): não, você não leu errado. Para o Racing, a 15ª rodada, agendada no cronograma para os dias 24 e 25 de novembro, foi antecipada pois seu adversário, o Boca, teria que conciliar-se com a disputa com o Bayern Munique no Mundial Interclubes (dia 27). Se esperava que o Boca não jogasse para ajudar o River e pareceu que isso influenciou no desleixo que os homens de Merlo se exibiram na Bombonera, em jogo que chamou a atenção também por marcar o primeiro duelo dos gêmeos Barros Schelotto – embora inicialmente Gustavo começasse no banco, substituindo Viveros ao passo que Guillermo já havia aberto 1-0 aos 27 do primeiro. O Schelotto racinguista entrou assim que o antigo ídolo alviceleste Marcelo Delgado executara a lei do ex para ampliar a 2-0. O próprio substituto de Delgado, Ariel Carreño, fez 3-0 aos 30. Estévez, apenas de pênalti, descontou já aos 38. Contra a maestria de um Riquelme nota 9 para a El Gráfico, um medíocre 5 distribuído a Campagnuolo, Loeschbor, Viveros e Vitali foi a mais alta naquela tarde para os líderes, que ainda tiveram Úbeda expulso. A tabela seguiu com Racing 29 pontos contra 24 do River, mas com o vice-líder ligeiramente beneficiado por ter um jogo a menos. E por ainda haver confronto direto pela frente.
12ª rodada, 4 de novembro (Racing 4-1 Gimnasia): Gustavo Barros Schelotto não teve maiores problemas contra o Gimnasia do coração, mas pareceu discreto perto da partidaça de Chatruc. O colega de armação fez o jogo da sua vida, com dois gols e uma assistência em um 4-1 sonoro – e uma nota 10 da El Gráfico (abaixo dele, Vitali levou um 7). Só não se envolveu no primeiro, em que Estévez desviou cruzamento de Vitali pela direita. Mas então mergulhou um peixinho para aproveitar cruzamento de Maciel no segundo; girou contra três marcadores para acertar um chute colocado no canto nos 3-1; e usou a cabeça para habilitar outra cabeça, a de Maceratesi, no último. Mesmo com um jogo a mais permitindo uma vantagem enganosa na tabela, então em sete pontos, houve alegria paralela pelo River não sair do empate com o San Lorenzo. O Millo estava com 25 contra 32 do líder.
13ª rodada, 11 de novembro (Nueva Chicago 4-4 Racing): com a Argentina ainda voltada à repercussão do jogo festivo de despedida de Maradona na véspera, o estádio do Vélez, alugado pelo Chicago, viu um embate maluco. Contra um nanico que aprontava (2-1 no River, 2-0 em Rosario sobre o Central, 3-2 também fora de casa no Huracán, 2-0 em La Plata sobre o Estudiantes…), o Racing precisou mesmo se superar. Futuro reforço do Internacional, Juan Herbella marcou contra em escanteio aos 11 minutos e La Academia parecia tranquila. Mas o pessoal do bairro de Mataderos desorientou a todos, com seu máximo ídolo, Christian Gómez, arrancando uma virada-relâmpago aos 27 e 29. Com 15 minutos de segundo tempo, os visitantes fizeram 3-1. E então o Cilindro veio uma epopeia equiparável à de La Plata: Chatruc diminuiu logo, aos 19, emendando falta cobrada por Torres; e os reservas Maceratesi (aos 28, seu chute passou entre as pernas do goleiro e o Rafagol tratou de conferir na sequência) e Leo Torres (cabeceando aos 36 uma trivela de Estévez) conseguiram uma contra-virada espetacular para 4-3. O Chicago ainda aprontou, arrancando o 4-4 aos 41 minutos, deixando algo da agridoce no paladar do líder com 33 pontos. Menos mal que o River perdera do Colón e a vantagem podia permanecer em oito. Loeschbor, Chatruc e os reservas Maceratesi e Torres receberam a nota mais alta, um 7. Curiosidade: a seleção da Ucrânia sondou dois adversários daquela tarde: Chatruc e Julián Kmet, ambos com origens naquele país.
14ª rodada, 18 de novembro (Racing 1-0 Chacarita): a montanha-russa de uma semana antes deu lugar a um jogo sonolento contra o Chacarita. Foi preciso uma ajudinha de Gabriel Brazenas para o jogo não terminar 0-0: o juiz apitou um pênalti inexistente em Chatruc aos 45 do primeiro tempo, convertido por Estévez. “Talvez tenha sido uma das partidas mais frouxas da equipe ao longo do Apertura. Mas a essa altura do certame, o corpo técnico, os jogadores e os torcedores priorizavam a vitória sobre o método para consegui-la. O Racing ganhou e isso foi o suficiente. Assim se aproximava da glória”. Campagnulo e Loeschbor, com 7, tiveram as notas mais altas. Na tabela, Racing 36 a 28 sobre o River, que ainda tinha um jogo a menos enquanto o líder teria uma folguinha no fim de semana seguinte, por ter antecipado a 15ª rodada.
16ª rodada, 2 de dezembro (Racing 1-1 River): no fim de semana em que a 15ª rodada foi enfim realizada para o grosso dos participantes, um furioso D’Alessandro (torcedor racinguista na infância…) marcou duas vezes em um 4-1 na visita do vice-líder River ao Chacarita. A distância na liderança, assim, foi a cinco pontos e poderia reduzir-se a perigosos dois se o Millo aprontasse em pleno Cilindro no duelo direto. Os visitantes, com D’Ale e Ortega (melhor em campo, com um 7), não se inibiram em vir mesmo para cima. E desceram ao intervalo sorrindo: aos 44 minutos, um velho xodó do Independiente feito Esteban Cambiasso abriu o placar para seu novo clube. Àquela altura, o empate para a maioria que lotou o Cilindro já seria visto como vitória. E veio com êxtase aos 41 minutos do segundo tempo: o veterano Ángel Comizzo afastou mal um cruzamento de Vitali e na sobra Bedoya encheu o pé para fazer o tempo esquecer que tomou apenas uma nota 6 (a mesma dada a Campagnuolo, Úbeda, Loeschbor e Estévez) na análise fria da El Gráfico sobre os melhores da Academia. Faltando três rodadas, a distância em preciosos cinco pontos seguiria, agora em 37 a 32. Curiosidade: os irmãos Lux (Javier do Racing e Germán do River) não jogaram, mas estiveram em bancos vizinhos naquele dia.
Segundo parêntese político: no mesmo 2 de dezembro, o enfraquecido presidente De la Rúa impôs uma medida desesperada de seu ministro da economia, Domingo Cavallo. O chamado “corralito” limitava o dinheiro a poder ser sacado em bancos, visando frear a contínua evasão de receitas ao exterior. Era questão de tempo uma convulsão social mais séria.
17ª rodada, 9 de dezembro (Banfield 0-0 Racing): se o Racing vencesse o Banfield e o River perdesse do Lanús, enfim acabava o jejum. Assim, os fanáticos de La Acadé tomaram o estádio do Huracán (os ingressos das arquibancadas se esgotaram em oito horas e das tribunas, em dois dias), alugado pelo adversário. O Millo tratou de abrir dois gols logo no início do seu compromisso. E foi a vez de a arbitragem prejudicar o líder: Sergio Cagni anulou erroneamente nada menos que dois gols legítimos de Estévez – um deles, verdadeiro golaço encobrindo com toque sutil o goleiro. Ainda assim, foi uma tarde apática, com nota 4 ao próprio Estévez e nota 3 a Milito enquanto Campagnuolo segurava na retaguarda com um 7. Loeschbor, até então presente em todos os minutos da campanha, ainda deixou mais cedo o gramado com uma contratura muscular. Na tabela, o River encostou no cangote do líder: 38 pontos contra 35, mas Merlo mostrava fé. Muita fé: “acabou o ‘passo a passo’. Peguei nojo. Agora digo que vamos ser campeões”, jurou o treinador.
18ª rodada, 16 de dezembro (Racing 2-0 Lanús): por 58 minutos, a seca de 35 anos acabava. Um gol quase acidental de Maceratesi aos 27 do primeiro tempo (um intenso bate-rebate, com direito a bola salva em cima da linha, terminou com uma bomba sem direção de Vitali desviando no tórax do Rafagol para entrar) se somava a um 1-1 do Argentinos Jrs com o River, resultados que antecipavam a redenção racinguista. Tão relaxante cenário que Estévez teve uma nota 2. Mas o River tratou de adiar tudo à rodada final, marcando duas vezes mesmo como visitante. Ao menos o Racing não se descuidou. O 2-0 foi garantido em contra-ataque no último minuto: dando mostras de sua habilidade escondida, Milito gingou duas vezes contra a marcação e soltou de trivela um tiro no travessão. Chatruc aproveitou livre o rebote para garantir que o líder jogasse pelo empate na rodada final, dali a uma semana. Mas não seria tão fácil… ah, sim: 41 a 38 na tabela; e a nota 6 a Campagnuolo, Bedoya, Bastía e Vitali foram as mais altas.
E então a rodada final, originalmente programada para 21 de dezembro, precisou ser cancelada, diante do terceiro – e maior – parêntese político, nas linhas abaixo.
Protestos desencadeados em 19 de dezembro contra o corralito já haviam causado mortes – dezenas de mortes, incluindo execuções sumárias de quem estava com mãos desarmadas ao alto. Naquele mesmo dia 19, Flamengo e San Lorenzo deveriam encerrar a Copa Mercosul de 2001. Os cariocas já estavam hospedados em Buenos Aires, mas a final só seria disputada dali a mais de um mês; Galvão Bueno, presente na capital argentina para narrar aquela partida, foi improvisado às pressas como repórter televisivo para descrever o caos da pior crise político-econômica da Argentina: entre 20 de dezembro e 2 de janeiro, o país teve nada menos que quatro presidentes (De la Rúa, Rodríguez Saá, Camaño e Duhalde). A edição normal da revista El Gráfico, ainda semanal, saiu do mesmo jeito. A manchete: “o povo parou tudo”, sobre a foto de uma mãe e sua aparente filhinha sob efeitos de gás lacrimogêneo. O site da revista relembrou na última semana os vinte anos daquele perigo.
Para quem ainda se importava com futebol mesmo entre a torcida do Racing, só faltava ver um título tão perto virar poeira diante da possibilidade de um campeonato cancelado, hipótese que chegou mesmo a ser levantada. A revista brasileira Placar até retratou o clube como uma metáfora da própria Argentina. O azar não chegou a tanto: clubes, sindicato e a AFA decidiram deixar a última rodada do Apertura para o início de fevereiro de 2002 mesmo. Mas protestos dos fanáticos na porta do sindicato levaram a acordo, abrindo-se exceções para os jogos que interessavam ao título: as partidas de Racing (contra o Vélez) e River (contra o Rosario Central) terminaram remarcadas para o dia 27, ainda naquele ano de 2001.
Se à Academia havia pressa pelo desjejum, ao Millo interessava poder comemorar ainda em 2001 um título no ano do centenário oficial do clube, que já vinha de um bivice seguido. Ainda que as chances de celebrar ainda em 2001 fossem remotas: diante da desvantagem de três pontos, as chances do River se limitavam a tentar igualar-se na liderança ao Racing caso vencesse e o líder perdesse, o que forçaria um jogo-extra provavelmente já para 2002. Mas o River tratou de fazer em cheio a sua parte, abrindo, antes mesmo de começar a partida do concorrente, um placar fechado em 6-1 para cima dos rosarinos, a maior goleada do torneio. Restava torcer para que o Vélez se mostrasse interessado em manter em um título a distância entre si e o Racing na tabela de troféus na liga profissional. O Fortín, de fato, empregaria jogo duro.
19ª rodada, 27 de dezembro (Vélez 1-1 Racing): Campagnuolo seria o melhor em campo na análise fria da El Gráfico, com um 8. Não foi algo isolado: a defesa racinguista foi em peso mais bem avaliada que o resto do time, a ponto de impor uma nota 4 aos dois atacantes velezanos (Roberto Nanni e Darío Husaín). Do meio-ataque, o Racing jogou com Chatruc (nota 4) e Barros Schelotto (5), Estévez (5) e Maceratesi (5). Já a linha de três de volantes viu Bedoya pegar um 7, Bastía receber um 6 e só um erro quase fatal colocou em 5 a nota de Vitali, enquanto que, ao redor de Campagnuolo, Úbeda levou 6 e os outros dois, um 7: Maciel e o herói Loeschbor. Reflexos também de um primeiro tempo nervoso do líder.
A tranquilidade demorou até aos 8 minutos do segundo tempo. Na metade do campo adversário, Estévez sofreu falta após dar passe para Chatruc e o árbitro Gabriel Brazenas preferiu não dar vantagem, apitando a infração. Na cobrança, Bedoya cruzou para a área, com Loeschbor emendando de cabeça. A bola quicou no chão e entrou para as redes por entre as pernas de Gastón Sessa. Brazenas fez vista grossa à posição duvidosa daquele (sugestivo!) camisa 13 de sobrenome alemão de complicada pronúncia – o próprio Merlo o chamava de “Lôbor”, enquanto os colegas o gracejavam como “Kevin”, em referência ao cantor de quem o rosto daquele defensor era sósia nos Backstreet Boys, então no auge.
Daquele Vélez (Sessa, o futuro vascaíno Emiliano Dudar, Sebastián Méndez e Fabricio Fuentes, Emilio Hidalgo, Juan Carlos Falcón e Leandro Somoza, Federico Domínguez e Leandro Gracián, Husaín e Nanni), os nomes mais chamativos aos brasileiros com o passo do tempo estavam no banco mesmo: o técnico era Edgardo Bauza, que não acionou Eduardo Domínguez (recentemente sondado no Internacional como novo treinador), mas colocou aos 18 minutos o jovem Jonás Gutiérrez no lugar de Somoza. Aos 26, os dois técnicos mexeram: Milito garantiu sua assiduidade perfeita de 19 jogos entrando no lugar de Maceratesi, enquanto o inoperante Nanni deu lugar a Mariano Chirumbolo, que estreava no futebol adulto exatamente ali.
Pois o tal Chirumbolo aproveitou aos 32 minutos uma bola mal recuada de Vitali e, livre a dois passos da pequena área, o garoto que sobrenaturalmente vestia camisa com número 35 nas costas empatou a peleja. Havia coisas que só aconteciam com o Racing e a narração, talvez prevendo infartos, preocupou-se imediatamente em esclarecer que “com esse resultado, o Racing segue sendo o campeão”. Mas uma virada fortinera em casa frente ao histórico mal-assombrado do líder não era nada improvável, mesmo com a expulsão de Jonás Gutiérrez cinco minutos depois – curiosamente, o futuro ídolo do Newcastle até levou uma nota 5 da El Gráfico, enquanto os demais reservas acionados não chegarem a pontuar. Merlo gastou tempo trocando Estévez por Viveros já aos 40 (o colombiano ainda conseguiu ser amarelado no minuto seguinte) e Schelotto por Arano aos 46.
O Vélez não desistiu e, naqueles acréscimos, até o ex-racinguista goleiro Sessa foi à grande área como mais uma opção ofensiva em escanteio. Em 2010, indagado se não se ressentia de ter perdido a glória por seis meses a menos em Avellaneda, Sessa respondeu com tranquilidade: “se o Racing foi campeão em 2001, foi porque a equipe anterior a salvou do rebaixamento, e a mim me tocou ir muito bem nesse torneio. Não segui no Racing porque não chegamos a um acordo: me oferecia muito menos grana do que ganhava quando havia sido um dos eixos da equipe e considerei que não reconhecia meu trabalho. (…) Eu não ia meter um gol no Racing, mas também estava o River na briga e eu tinha muitos amigos no River [clube de Sessa na temporada 1999-2000]. Não ia fazer o gol, mas talvez atraísse uma marcação e causasse bagunça”.
Não se repetiu o filme com Bossio em 1996. Para o êxtase de uma torcida tão sofrida, a invadir tanto o campo velezano quanto o Cilindro (jamais havia se visto dois estádios serem tomados de uma vez pela mesma torcida) e o Obelisco, a igualdade no placar terminou inalterada. No bairro de Liniers, a volta olímpica durou 50 minutos, e por três ela foi perdida pelo septuagenário ídolo Maschio, a deixar precocemente as arquibancadas para evitar exaltações.
Cientes do valor do feito, os jogadores primeiro se recolheram aos vestiários para guardar em suas sacolas as valorizadas camisas campeãs e então voltaram para saudar “um povo” que “estava chorando”, abrangendo “os que acreditavam e não acreditavam”, que “se abraçavam como só se abraçam os que voltam da guerra”. Uma massa que já havia rapidamente perdoado o erro de Vitali a ponto de lhe dedicar a cantoria “vejam, vejam que loucura! Vejam, vejam que emoção! Vitali saiu do Rojo, veio à Academia para ser campeão!”.
No mesmo dia do título, outra notícia excelente ao clube: o governo interino estabeleceu que dívidas em dólares respeitariam a velha proporção de 1 peso para 1 dólar. 48 horas depois, o campeão voltou a campo para amistoso festivo com o Guaraní, clube paraguaio onde o ídolo Gustavo Costas era treinador (função na qual venceria pelo Santa Fe a Sul-Americana 2015) na época. Venceu por 5-1 com gols de Estévez, Loeschbor, do pouco aproveitado Rueda, do cornetado Milito e até de Loscri, um dos reservas que não chegarem a ser usados na campanha vencedora – enquanto que, na mesma data de 29 de dezembro, três jovens eram executados no bairro da Floresta por um militar de folga revoltado com críticas deles à repressão policial aos protestos populares. Mas o Racing retomaria a estabilidade da mediocridade: com exceção ao Clausura 2002, onde o 6º lugar final do time de Merlo escondeu uma nova briga pelo título com o River, e ao Clausura 2005, onde o elenco do jovem Lisandro López e do veterano Diego Simeone lutou para valer contra o campeão Vélez de Sessa e dos irmãos Zárate, La Acadé normalmente fez campanhas de meio de tabela. E esteve a um triz de um segundo rebaixamento, em 2008 e 2010.
Nisso ainda viria depois um novo jejum expressivo, até 2014, com o agora ídolo Milito (que começaria a arrebentar em 2002) e uma pé-quente Topper novamente recém-regressada – dessa vez, no lugar da Olympikus – como únicos remanescentes de 2001 (Merlo, já sem toque de Midas em nova passagem, saíra um pouco antes), e ainda foi preciso aguardar mais cinco anos por um novo troféu na liga. Mas, por outro, lado, os torcedores podem a cada 27 de dezembro ver melhor desfrutada na mídia aquela conquista. Pois, mesmo naquela redenção, as características agruras do time se fizeram presentes, em um último parêntese político: aquela rodada se deu exatamente uma semana depois da histórica fuga de helicóptero do renunciado ex-presidente De la Rúa da Casa Rosada. Assim, o auge da crise argentina (a se desdobrar no referido “massacre da Floresta”) continuava a tomar conta dos noticiários, que relegavam no geral a segundo plano matérias como a que registrou essa declaração de Chatruc: “se eu tivesse que destacar quatro coisas do Racing campeão, são: sacrifício, fome, ganas de buscar a glória e colhões para consegui-la. Ficamos na história”.
Acima, vídeo com os lances dos gols e os festejos dos torcedores nos dois estádios. E abaixo, reportagem israelense sobre judeus argentinos comentando a paixão pelo Racing que carregaram para Israel. Há imagens dos times de 1967 (embora a música utilizada, “Canción para mi muerte”, onde a lenda Charly García canta que “hubo un tiempo en que fui hermoso/y fui libre de verdad/guardaba todos mis sueños/en castillos de cristal”, só tenha sido lançada em 1973 pela banda Sui Generis), mostrando aos 1min05s o gol do brasileiro João Cardoso na final da Libertadores; e de 2001. Está em hebraico, mas é possível distinguir em perfeito sotaque portenho no início a cantoria “En el norte/Y en en sur/Brillará blanca y celeste/La Academia, Racing Club” – e no fim um “hasta la muerte”… seguido do canto “Sí, sí señores, yo soy de Racing/Sí, sí señores, de corazón/Porque en este año de Avellaneda, de Avellaneda/Salió el nuevo campeón”.
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