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Há 15 anos, Argentina vencia no Brasil pela última vez

O chileno Eduardo Vargas não foi o primeiro aplaudido pela torcida brasileira após marcar gol no Brasil, como na semana passada. Tampouco Messi, após 0-0 no Mineirão em 2008. Claudio Javier López, por exemplo, sentira o mesmo há 15 anos, quando El Piojo (“O Piolho”) deu à Argentina vitória sobre o Brasil, histórica por vários motivos: até hoje, foi o último triunfo hermano na casa rival; foi no Maracanã, onde a Argentina não vencia o rival havia 41 anos, quando Pelé estreara com a canarinho; uma década e meia atrás, era Ronaldo quem jogava pela primeira vez no Maracanã pela seleção brasileira; foi também a primeira vitória de Daniel Passarella sobre ela.

Antes, a Albiceleste só havia vencido duas vezes no Maracanã: em um 2-1 amistoso de 5 de dezembro de 1956 considerado não-oficial pelos brasileiros, que atestam que teriam usado apenas um combinado do Rio de Janeiro; e, também por 2-1, na referida Copa Roca de 1957, em 7 de julho, quando Pelé estreou e também marcou seu primeiro gol pela seleção. O jogo não é menos histórico na Argentina, por ter sido o último de Ángel Labruna pela seleção; até hoje, ele, já com 39 anos incompletos naquele duelo, é o mais velho a ter feito um gol por ela.

Mesmo a última vitória no rival dentro do Brasil já datava de um bom tempo: fora em 4 de março de 1970, no Beira-Rio, em amistoso preparatório para os brasileiros à Copa do Mundo do México (para a qual os argentinos não haviam se classificado). No intervalo, um 3-2 no Morumbi pela Copa Roca de 1963, e, no ano seguinte, um 3-0 no Pacaembu pela Copa das Nações, competição considerada a maior conquista da seleção argentina até a Copa de 1978.

No encontro entre os melhores camisas 9 da época, Passarella (abraçado com Ayala) e Ortega celebraram López

Era a última parada de Argentina e Brasil na América do Sul antes de amistosos finais pela Europa pré-Copa do Mundo de 1998. Os brasileiros já estavam classificados como campeões de 1994, ao passo que os argentinos, após chegarem a ficar em quarto lugar, terminaram as eliminatórias na liderança. A decepção argentina do período, a eliminação para o Peru na Copa América de 1997, estava um pouco relativizada por Passarella ter levado uma seleção B. Já os brasileiros, estrelados por Romário e Ronaldo, procuravam afastar ligeira crise.

O Brasil, embora tenha vencido a Copa América (a primeira que ganhou no exterior) e também a Copa das Confederações em 1997, dera vexame na Copa Ouro de 1998, por mais que tivesse mesclado jogadores da seleção principal com alguns últimos testados: empates com Jamaica e Guatemala e derrota histórica para os EUA em grande atuação de Kasey Keller. No jogo anterior ao de 15 anos atrás, 2-1 na Alemanha em Stuttgart, mas a zaga (um envelhecido Aldair e um destemperado Júnior Baiano) saiu bastante criticada, e Dunga, expulso.

No Maracanã, Zagallo acionou Taffarel (Atlético Mineiro), Cafu (Roma), Júnior Baiano (Flamengo), Aldair (Roma) e Roberto Carlos (Real Madrid), Zé Elias (Internazionale), César Sampaio (Yokohama Flügels), Raí (Paris Saint-Germain) e Denilson (São Paulo), Ronaldo (Internazionale) e Romário (Flamengo). Os titulares de Passarella foram Germán Burgos (River Plate), Nelson Vivas (Lugano), Roberto Ayala (Napoli) e Néstor Sensini (Parma), Javier Zanetti (Internazionale), Matías Almeyda (Lazio), Juan Sebastián Verón (Sampdoria), Ariel Ortega (Valencia), Diego Simeone (Internazionale), Claudio López (Valencia) e Gabriel Batistuta (Fiorentina).

Nenhuma das seleções jogou vistosamente naquele 29 de abril de 1998. Prevaleceu o nó tático dos defensores argentinos sobre o celebrado ataque brasileiro em uma partida sonolenta e burocrática que aparentava terminar sem gols, para o desânimo das 100 mil pessoas que se despediam dos jogadores antes da Copa. Contudo, a seis minutos do fim, Verón, puxando contra-ataque, lançou para López galopar pela esquerda.

López, que na seleção vinha se saindo bem muito mais por assistências (contabilizava onze em 22 jogos até então pela Argentina) do que por gols, embora substituísse muito bem Romário no Valencia, levou a melhor sobre Júnior Baiano – e então arriscou um chute forte antes da chegada do palmeirense Cléber (que até aparece na foto que abre essa matéria, caído), que entrara no lugar de Aldair. Ainda haveria tempo para que o autor do gol desse lugar a Pineda, da Udinese; para a torcida brasileira gritasse ironicamente “olé” para os toques argentinos; e para Marcelo Delgado, do Racing (onde era a antiga dupla de López, aliás), também entrar, no lugar de Ortega.

A derrota foi marcante. “O Zagallo vai ter que me engolir”, bradou um torcedor na televisão, em alusão ao desabafo do técnico após a Copa América de 1997. Foi o último jogo antes da convocação e o treinador preteriu alguns. Pior especialmente a Zé Elias, então alternativa a Dunga, e a Cléber, reserva imediato entre os zagueiros, que não reapareceram nem após cortes entre alguns contemplados: o Velho Lobo inicialmente chamou Doriva (Porto), Flávio Conceição (Deportivo La Coruña) e o flamenguista Zé Roberto como opções de volantes ao capitão e a Sampaio; e, após o corte de Romário, preferiu Emerson, do Bayer Leverkusen, como mais um da posição – enquanto que, ao precisar cortar o próprio Flávio Conceição, optou por um lateral-direito – o folclórico são-paulino Zé Carlos.

O duelo contra a Holanda na Copa 1998 parecia ser o outro dia iluminado de Claudio López pela Argentina, com direito a um “feliz cumple, viejo” para parabenizar o aniversário do pai. Mas precisou ser consolado por Crespo e ter uma casquinha tirada pela revista brasileira Placar. Vingança?

“Clebão”, por sua vez, inicialmente perdeu a suplência para o botafoguense Gonçalves e o são-paulino Márcio Santos, que não jogava pela seleção desde a derrota para a Noruega em maio de 1997. O próprio Márcio acabaria precisando ser cortado também, mas quem acabou chamado de última hora seria um André Cruz (Milan) recém-recuperado de uma operação de hérnia de disco. Já o outro reprovado foi Raí, que naqueles dias emendava o fim de temporada europeia pelo Paris Saint-Germain com a reta final do São Paulo no estadual. O veterano reaparecia na seleção pela primeira vez desde a Copa 1994, para a posição em que Zagallo buscava um substituto ao fraturado Juninho Paulista. Sem se sair bem, acabou substituído pelo milanista Leonardo no decorrer do jogo.

Cerca de uma quinzena depois, Raí seria campeão paulista com o São Paulo – em tempos em que um título desses, para o radar de imprensa, público e CBF, tinha muito mais peso do que algum sucesso europeu. Mesmo assim, a comissão técnica optou por dar nova chance a Giovanni, mais jovem e sob embalo de grande fase no Barcelona. O antigo “messias” santista, ausente na canarinho desde seu único jogo (e no qual só atuara alguns minutos finais) na Copa América 1997, recuperava a forma exuberante que exibia em 1996 na Catalunha após todo um ano de 1997 em baixa (a ponto de quase ter ido ao São Paulo em um troca-troca por Denilson) por clube e seleção, entre má fase e lesões.

Já do lado vencedor, não houve corte entre os que entraram em campo há 15 anos. O desempenho de López só deve ter reforçado a convicção de Passarella em não levar outro ponta, Claudio Caniggia, que vinha salvando-se em um Boca Juniors em má fase, preferindo assim rechear o resto das opções de ataque com centroavantes natos: Batistuta, Hernán Crespo e um Abel Balbo que chegara a renunciar à Albiceleste em 1996. O jogo de 15 anos atrás foi a partida mais recordada de El Piojo López pela Argentina, onde costumava ter desempenhos irregulares. No mundial, se destacaria também na tarde da eliminação, quando empatou parcialmente em 1-1 contra a Holanda no dia do aniversário do pai… e, talvez até mesmo por isso, tenha sido um dos mais arrasados pela queda no penúltimo minuto, no recordado gol de Dennis Bergkamp.

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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