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Há 10 anos, o Boca ganhava o último título mundial da Argentina

Hoje é dia de natal. Dez anos atrás, a data foi extremamente gorda para os torcedores do Boca, em um semestre dourado que já havia contabilizado uma Libertadores e um nacional. Desde o dia 14 de dezembro, também o mundo era azul e amarelo. O Boca Juniors ganhou assim uma tríplice coroa. Assim como o Santos no meio do ano, o Milan tinha o favoritismo e as grandes estrelas. Mas o heroísmo desse jogo foi além. Foi aos pênaltis, rumo ao tri-mundial em Yokohama, Japão.

Para falar deste clássico, assim como sobre o título da Libertadores 2003 (clique aqui), a visão de um torcedor Xeneize: eu.

Como em 2000 e em 2001, a partida começou nervosa, pelo simples fato de enfrentar um time europeu mais forte. Era o Milan campeão da Liga dos Campeões ignorando Rivaldo no banco e reforçado com Cafu e Kaká, que chegaram depois daquele título e já estavam bem firmados no time, com destaque para a rápida adaptação do jovem meia, esperado para ser reserva. Aumentou este nervosismo um chute do próprio Kaká, logo aos 2 minutos. Pato Abbondanzieri viu a bola sair apenas.

Ficamos menos tensos aos poucos, eu e o resto dos Xeneizes. Incluindo os jogadores, que no toque de bola equilibraram o jogo. Aliás, a primeira boa chance veio com Donnet, que, prenunciando sua atuação decisiva que lhe faria ser eleito oficialmente o melhor em campo, emendou um chute de primeira num tiro livre. A confiança começava a crescer, podíamos vencer assim como superamos o Santos.

Eis que de repente, Battaglia, de faixa na cabeça, perdeu uma disputa com Pirlo, que, com espaço, sempre apronta. Naquela vez, foi um passe magistral para Tomasson, depois do corta-luz de Shevchenko. Cara a cara com Pato, o dinamarquês venceu. Milan 1-0, aos 23 do primeiro tempo.

O gol: entre Maldini e Dida, Iarley tenta encobrir, mas o goleiro rebate. Donnet pegou a sobra para empatar e é seguido por Clemente e (ao fundo) pelo brasileiro

Naquele momento, o Milan cresceu. Atacava ainda mais. Até Gattuso arriscava para o gol. Tudo parecia se encaminhar para o desastre. Eis que Cafu erra numa saída de bola. Com espaço pela esquerda, Barros Schelotto cruzou pra área. Iarley se esticou e tocou a bola com a pontinha da chuteira. Dida defendeu, mas no rebote, Donnet girou e marcou o empate: Milan 1-1 Boca, cinco minutos depois.

Neste 2013, em entrevista exclusiva ao Futebol Portenho (clique aqui) por conta dos 10 anos em que fez o gol da histórica vitória do Paysandu sobre o Boca na Bombonera pela Libertadores, Iarley revelou que aquela era uma jogada ensaiada: “a gente fez durante todo o ano, que era o Schelotto ficar aberto e eu faço um desmarque no meio da zaga – ele tinha uma técnica muito grande de colocar a bola onde ele queria. Ele colocou, tentei dar uma cavadinha por cima do Dida, o Dida defendeu e o Matías Donnet chegou e… fez o gol”.

O próprio técnico Carlos Bianchi já havia dito algo no mesmo sentido no último fevereiro à principal revista esportiva argentina, a El Gráfico: “É um tiro livre que um trabalha no plantel, e há certa pessoa que tem que ir por um lado e outros para o outro.” Depois disso, a tensão se prolongou.

Bianchi e seus comandados jogaram na defensiva, apostavam no contra-ataque. A ideia era marcar bem o meio-campo de Seedorf, Kaká e Pirlo. Tinham de se proteger também de Sheva e Inzaghi no segundo tempo. Depois que Pipo entrou, aliás, o Rossonero ficou bem mais perigoso.

Me lembro demais quando Tévez entrou, no lugar de Barros Schelotto. No início, não gostei de ver o Mellizo substituído; embora decisivo na Libertadores, Tévez vinha de suspensão de 45 dias que lhe privara do ritmo ideal de jogo. Bianchi revelou que previa que o duelo duraria 120 minutos e que, como Schelotto também não teria ritmo ideal, por estar machucado, o técnico optou por usar cada um por uma hora na dupla ofensiva com Iarley (que chegou a ser poupado no campeonato argentino justamente para estar 100% bem fisicamente para o Japão). O jovem Carlitos, aos 19 anos, se uniu a ele e Donnet para dar alma nova ao Boca.

Com velocidade, habilidade e ousadia, ele pressionou, enquanto Matías o auxiliava nos passes. Era a resistência contra um time mais forte. Rendeu o empate na prorrogação até a dureza dos pênaltis. Coração na boca nessa hora.

Nunca esqueço que a torcida já gritava o nome do Pato. Grande goleiro, mas tinha a ingrata missão de competir contra Dida, notório pegador de penais – o Milan havia sido campeão europeu assim. Mas Abbondanzieri não se intimidou. Voou para catar o primeiro chute, bem fraco de Andrea Pirlo. Depois que Schiavi confirmou sua estrela de bom cobrador, a vantagem era boa demais logo de cara.

Só que ficou tudo igual depois que Rui Costa encheu o pé, e que Dida lembrou ao Japão da fama dele, na batida de Battaglia. Preocupação momentânea, já que o ainda cabeludo Seedorf isolou a batida dele a la Baggio. Na sequência, o iluminado Donnet não decepcionou. A certeza do título. A vibração definitiva, suprema, veio depois da cobrança do Costacurta. Grande zagueiro, péssimo batedor. Pato defendeu com a canela, e a bola ainda voltou às mãos do italiano.

Abbondanzieri salvando o pênalti de Pirlo e celebrando diante do fracasso de Seedorf

Bastou a Cascini – ironicamente, assumido torcedor riverplatense em sua juventude – estufar a rede no ângulo direito de Dida para confirmar. Xeneizes em Yokohama conquistavam o mundo pela terceira vez. E, de quebra, superavam o Independiente como clube argentino mais campeão mundial, tendo ainda melhor aproveitamento que ele (que só venceu duas em seis tentativas contra as três em cinco do Boca). Não à toa, os auriazuis também passaram a se proclamar como Rey de Copas, apelido originalmente do Rojo de Avellaneda. A partida valia também esse “título”, pois Boca e Milan estavam empatados na liderança em número de copas internacionais.

Houve como engordar ainda mais o peru natalino? Houve, justamente no Peru: em 19 de dezembro, cinco dias depois da taça, o River não conseguiu sequer levantar o troféu de consolação do continente, a Copa Sul-Americana. Perdeu a final para o Cienciano, ainda hoje o único time peruano campeão na América. Foi a última final continental do rival. Já o Boca mostraria sua diferenciação até nesse torneio, ao chegar às duas finais seguintes dele e vencer ambas. Mas isso já é outra estória…

MILAN: Dida; Cafu, Alessandro Costacurta, Paolo Maldini, Giuseppe Pancaro; Gennaro Gattuso (Massimo Ambrosini 12/1º prorrogação), Andrea Pirlo, Clarence Seedorf; Kaká (Rui Costa 33/2º); Andriy Shevchenko e Jon Dahl Tomasson (Filippo Inzaghi 15/2º). T: Carlo Ancelotti. BOCA JUNIORS: Roberto Abbondanzieri; Luis Perea, Rolando Schiavi, Nicolás Burdisso, Clemente Rodríguez; Diego Cagna, Raúl Cascini, Sebastián Battaglia, Matías Donnet; Guillermo Barros Schelotto (Carlos Tévez  27/2º) e Iarley. T: Carlos Bianchi. Árbitro: Valentin Ivanov (RUS). Gols: Tomasson (23/1º) e Donnet (29/1º). Pênaltis: Rui Costa acertou, Pirlo, Seedorf e Costacurta erraram para o Milan; Schiavi, Donnet e Cascini acertaram, Battaglia errou para o Boca.

*Com a colaboração de Caio Brandão

Ex-torcedor do River, Cascini converte o pênalti que garantiu o último Mundial do Boca
Rodrigo Vasconcelos

Rodrigo Vasconcelos entrou para o site Futebol Portenho no início de julho 2009. Nascido em Buenos Aires e torcedor do Boca Juniors, acompanha o futebol argentino desde o fim da década passada, e escreve regularmente sobre o Apertura, o Clausura e a seleção albiceleste

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