Ao menos nos últimos 40 anos, nenhum jogador viveu tanto o Racing quanto Gustavo Adolfo Costas Makeira. Aliás, nenhum em toda a gloriosa história racinguista: trata-se justamente de quem mais defendeu a Academia em campo, por 337 vezes entre 1982 e 1996. Só que, se nesses tempos o Blanquiceleste acostumou-se à frustração, sofrimento e escassez de glórias, Costas foi um dos maiores fiéis nessa situação. Hoje, o atual técnico do Barcelona de Guayaquil (que ontem enfrentou o Boca pela Libertadores) completa 50 anos e será brevemente lembrado aqui.
Também personificou o Racing por outras razões: torcedor do clube, foi mascote da mítica Equipo de José, o elenco do técnico Juan José Pizzuti que, em 1967, fez do clube o primeiro da Argentina a vencer a Copa Intercontinental – ver aqui; ficaria famosa a foto em que Costas aparece uniformizado e carregado por um dos pilares daquele plantel, o volante Juan Carlos Rulli. O clube, porém, por muito tempo nada mais ganhou depois do ápice de sua história.
Era 1982, quando o jejum ganhava anos de debutante, que debutou este ex-zagueiro que, se não perfilava exatamente classe, viraria ídolo da torcida pelos anos e anos de dedicação à instituição de Avellaneda. Em seis jogos, o garoto de 19 anos já usaria a braçadeira de capitão pela primeira vez. Um ano depois, sob o comando mesmíssimo José Pizzuti, a situação ganharia ares de tragédia que nem Shakespeare escreveria: a partir de 1983, em uma manobra para evitar novo rebaixamento de um clube grande após o descenso do San Lorenzo em 1981, instituiu-se o famigerado sistema de promedios, a usar a média de pontos da temporada em vigência com a anterior para rebaixar os clubes.
Os promedios salvaram ali o River Plate, mas condenaram o Racing. Se a queda à segunda divisão já seria uma página negra por si só, o modo como se deu só trouxe mais dama: a queda, a uma rodada do fim do Torneio Metropolitano de 1983, foi contra uma “imitação”, o Racing de Córdoba, que vinha fazendo campanhas melhores que a do “original”. E o último jogo seria contra o arquirrival Independiente, que, se vencesse em casa o clássico de Avellaneda, seria campeão. Venceu. E, em 1984, no ano em que a Academia disputou a segundona, os mesmos jogadores do rival venciam pela 7ª vez a Libertadores e, pela 2ª, a Intercontinental. Como tudo pode piorar, o Racing não conseguiu subir de imediato.
“Não quero me lembrar o que foi isso. Os que éramos torcedores do Racing, de coração, choramos muito, e juramos mudar a história como fosse”, afirmou Costitas. O passo na segundona, enfim, acabaria em 1985, ainda que sem o título; ao fim do octagonal final que reuniu os melhores abaixo do campeão Rosario Central, os alvicelestes, que na final do octagonal de 1984 haviam perdido para o Gimnasia y Esgrima La Plata, bateram o recém-decaído Atlanta, com um 4×0 e um 1×1. Um dos poucos gols de Costas (foram 9 pelo time do coração) veio nesses play-offs, nos 2×0 sobre o Quilmes pela semifinal.
Não que as glórias tenham voltado de imediato, pelo contrário. Em crise financeira, a equipe teria ainda que ficar um semestre sem jogar e, com isso, sem receber por ingressos, patrocínio na camisa e nas placas do estádio e por direitos de transmissão. Era a transição para o calendário “europeu”, instituído pela primeira divisão em 1985 (a segundona, por sua vez, mantivera ali um calendário do início ao fim do ano), em temporada que só se encerraria no primeiro semestre de 1986.
Para manter seus jogadores em forma, o clube os “alugou” por 150 mil dólares a outra Academia, o Argentino de Mendoza, que lutava justamente para entrar na segundona que o Racing acabara de deixar. Costas esteve também naquela campanha frustrante: o Argentino sequer chegou às finais do torneio mendocino, classificatório para a nova segundona (que se tornaria “europeia” a partir do segundo semestre).
Mas a volta à elite mostrou uma equipe renascida: o Racing terminou a 5 pontos do campeão de 1986-87 (Central) e 7 do de 1987-88 (Newell’s). Em paralelo à reta final desta última temporada, também disputava a primeira Supercopa Libertadores, torneio a reunir somente os campeões de La Copa. Foi ali que o Blanquiceleste se aliviou nos tempos de jejum nacional (1966-2001): deixando para trás Santos, River Plate e Cruzeiro, o clube foi campeão, ainda que não tenha sido Costas o primeiro a receber o troféu: “em 1988, dei a braçadeira ao Fillol (que retornava ao clube), ele era um monstro…”.
Após a conquista, o Racing deu nova mostra de reação, terminando o primeiro turno do campeonato de 1988-89 liderando. Só que tudo mudou bem na metade do certame: em confronto contra o mesmo Boca Juniors que Costas enfrentou ontem, e que vinha sendo o maior concorrente, a partida foi interrompida após um rojão racinguista atingir o goleiro boquense, Navarro Montoya. Os tribunais deram os pontos do jogo aos auriazuis. No segundo turno, La Acadé teve apenas três vitórias e terminou só em 9º. O campeão? Foi o Independiente. Costas, do seu lado, foi ao Locarno, da Suíça.
Após três anos na segundona helvética, o zagueiro retornou a Avellaneda em 1992, a tempo de voltar com o Racing a uma final de Supercopa contra o Cruzeiro. Os mineiros, desta vez, levaram a melhor (4×0 no Mineirão). Depois de anos em baixa após o drama de 1988-89, o clube tentava reagir. No Apertura 1993, a Academia seguiu na cola do River, tendo 1 ponto a menos até as últimas duas rodadas, só realizadas já em março de 1994. Em novo confronto traumático contra o Boca, levou de 0x6 e pouco adiantou vencer o Estudiantes: a diferença para o River se manteve e este foi campeão.
Costas manteve-se no Racing por mais dois anos, a tempo de desengasgar-se com o adversário de ontem. No Apertura 1995, o Boca, turbinado com a volta de Maradona e a vinda de Caniggia, seguia líder invicto na competição, onde havia levado apenas seis gols até a 16ª rodada, a antepenúltima. Recebendo os de Avellaneda, que estavam em 3º, sofreu só naquela tarde na Bombonera outros mesmos seis gols: aos 10 minutos do primeiro tempo, já perdia de 3×0, em jogo frenético finalizado em 6×4 para os visitantes, a desentalar recentes reveses de seis (outro havia sido em 1991, por 1×6).
O Boca só conseguiu 1 ponto nos dois jogos seguintes e terminou em 4º, e a festejada dupla Maradona-Caniggia deixaria o clube anos depois sem conseguir um título. Embalado pelo trio Rubén Capria, Claudio López e Marcelo Delgado, o Racing, do seu lado, quase ficou com a taça: precisava vencer o Colón em 18 de dezembro e torcer por um tropeço do novo líder, o Vélez, que pegaria o… Independiente, que ainda estava na ressaca do título da Supercopa de 1995, sobre o Flamengo, dez dias antes. Em Avellaneda, o Fortín de Carlos Bianchi fez 3×0. Em Santa Fe, os Blanquicelestes levaram de 1×5.
Simbolizando bem os últimos tempos do Racing, assim o capitão Costas, pouco após tornar-se quem mais suou na celeste y blanca de Avellaneda (supera em três jogos o ex-goleiro Agustín Cejas, antigo dono da marca), praticamente teve de despedir-se: em 1996, sem ser levado em conta pelo técnico Miguel Brindisi, foi para o vizinho Arsenal de Sarandí, então na segunda divisão, onde jogou por mais 2 anos, encerrando a carreira no Gimnasia y Esgrima de Jujuy.
Filho nada pródigo, Gustavito voltou ao Racing outras vezes, sempre em momentos de angústia, ainda que seu trabalho como treinador ali não tenha sido dos mais satisfatórios: foi trabalhar como técnico em 1999 e 2007, anos em que novas ameaças de rebaixamento pairavam no Cilindro; na primeira ocasião, pouco após o anúnico da falência da instituição, impedida na prática pela comoção generalizada. Na função, foi campeão nacional no Peru (bi com o Alianza Lima em 2003-04), Paraguai (Cerro Porteño em 2005) e Equador (Barcelona em 2012, finalizando jejum de 15 anos deste).
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