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Grondona: a próxima vítima?

Ricardo Teixeira estava longe de ser um caso único de longevidade no poder associada a práticas clientelistas e acusações de corrupção. Nesses quesitos, provavelmente Julio Grondona seja um caso ainda mais sério. Há mais de 32 anos no poder, o poderoso dirigente viu 13 presidentes comandarem a Argentina ao longo de sua permanência na presidência da AFA.

Em um olhar geral, a força política de Grondona faz Ricardo Teixeira parecer um iniciante. Sua chegada ao poder foi apoiada pela ditadura militar, e hoje o poderoso chefão é a aliado próximo do kirchnerismo, o mesmo que promove a caçada aos mesmos carrascos que o colocaram no poder. Jamais teve opositores sérios: em apenas uma ocasião houve um postulante que conseguiu concorrer contra o presidente da AFA. Assim como Teixeira, Grondona criou uma extensa rede clientelista, que inclui muitas trocas de favores e intimidação sempre que necessário.

Grondona também é forte na FIFA, onde é vice-presidente sênior e circula com desenvoltura. Na copa de 2006 a escolha de Horacio Elizondo para apitar tanto a abertura como a grande final (algo que jamais havia ocorrido na história dos mundiais) foi vista como uma importante demonstração de força política do poderoso chefão argentino.

Por um ângulo institucional, a posição de Grondona parece tão sólida quanto sempre foi. Acaba de ser reeleito para mais um mandato e mantém uma forte rede de apoio entre os presidentes dos clubes. O Futbol Para Todos, parceria com o governo federal, permitiu que a AFA controle inteiramente as transmissões das partidas de futebol da primeira e segunda divisão, de forma que qualquer crítica direta ou indireta à associação e seu máximo dirigente estão completamente fora de cogitação. Nas principais partidas das rodadas é frequente ver Marcelo Araujo (narrador titular da equipe do FPT) mandando recados de Grondona e desferindo violentos ataques contra seus inimigos.

Mas há sinais de essa força esteja sendo mais questionada do que historicamente foi. Para começar, nas última eleição da AFA houve dois postulantes à presidência que não conseguiram concorrer, por não conseguirem o número de apoios necessários para registrar a candidatura. Na verdade Fernando Raffaini, presidente do Vélez, as conseguiu, mas a máquina de Grondona entrou em campo para “convencer” alguns clubes a retirar suas assinaturas. Raffaini representaria um projeto no qual os clubes tivessem mais poder em relação à AFA, e o sucesso de seu modelo de gestão no Fortín o credenciaria para ser um possível adversário de peso.

O outro opositor de Grondona, mais explícito em seu antagonismo, é o empresário Daniel Vila, presidente do Independiente Rivadavia, de Mendoza. Dono do segundo maior grupo de comunicações do país (depois do Clarín), Vila centra sua campanha em tentar seduzir os clubes do interior, que segundo ele não teriam vez em um AFA demasiado portenha (ainda que contenha importantes veículos portenhos, como a TV America e a Rádio La Red, o grupo de Vila é muito forte no interior do país).

Com sua enorme força midiática, Vila era um adversário considerável. Principalmente porque na última temporada a hegemonia portenha na primeira divisão era massacrante: apenas Colón, Newell’s e Godoy Cruz não estavam sedidados em Buenos Aires (capital ou província). A isso se pode atribuir o projeto do supercampeonato, com a fusão entre primeira e segunda divisões. A idéia de Grondona era se mostrar um democrata do futebol, ampliando o espaço da principal divisão no país. Uma concessão muito importante que mostra a preocupação da AFA com as críticas. E a necessidade de voltar atrás no projeto também pode ser visto como uma importante derrota, que mostra que a associação não logrou impor o mesmo à população e à imprensa.

Também se pode lembrar que há pouco menos de um ano Julio Grondona protagonizou um escândalo internacional, com denúncias de que teria vendido seu voto para a candidatura do Qatar para sediar o mundial de 2022. E pouco antes da última eleição, um de seus desafetos, o empresário Carlos Ávila, divulgou um vídeo autoincriminador de Grondona, em que o poderoso chefão implica a si próprio em corrupção. Denúncias de manipulação de resultados através da intimidação de árbitros também pipocaram.

Há quem diga ainda que o governo argentino vê com simpatia a idéia de que o projeto Futbol Para Todos seja tocado por outras mãos. Nessa visão, Cristina Kirchner e seus assessores avaliariam que Grondona não se preocupou em melhorar a infra-estrutura do futebol argentino ou em acabar com a violência dos barrabravas, algo que supostamente o dinheiro do programa deveria financiar. A Casa Rosada acredita ainda que a associação do governo a um personagem tão questionado possa trazer arranhões à sua imagem.

E finalmente há a idade avançada de Julio Grondona, um homem de 80 anos e que passou por uma delicada cirurgia recentemente. Após a intervenção o presidente da AFA declarou que sua saúde faria com que o atual mandato seja o último. Uma possível coincidência com Ricardo Teixeira, que alegou motivos de saúde para deixar a CBF.

Em suma, a posição de Julio Grondona é, sob muitos aspectos, tão forte quanto antes. No entanto, sua imagem fora do mundo dos dirigentes de clubes é mais negativa do que nunca, e seus inimigos tem o atacado com muita desenvoltura, gerando escândalos que arranham ainda mais a imagem do presidente da AFA. Sendo assim, talvez seja possível imaginar que esse verdadeiro reinado possa estar com os dias contados.

 

 

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

View Comments

  • Troco um rebaixamento do Boca pela chance de torrar esse filha da p**a a lança-chamas. Aliás, ele, o Macri e metade da diretoria do Boca. Deal?

  • O Teixeira perto do Grondona é peixe pequeno quando o assunto é pilantragem e manipulação para ficar no poder.

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Tiago de Melo Gomes

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