“Algum dia, seus gols voltarão a Núñez”, encerrava o texto sobre Fernando Ezequiel Cavenaghi na edição especial de 2010 em que a revista El Gráfico escolheu os cem maiores ídolos do River. Não era exagero. Esqueça a passagem pelo Internacional: menos badalado que muitos, era de Cavegol a quinta melhor média de gols no clube, logo abaixo de um mito como Alfredo Di Stéfano. Dos que jogaram mais de cem vezes, era a segunda melhor, abaixo somente do matador que nos anos 30 popularizou nacionalmente o River, Bernabé Ferreyra. Até então, eram 72 gols em 121 jogos. Mas o que fez Cavegol ser apenas o quinto a merecer jogo-homenagem no clube foi justamente a fase menos letal, que viria depois: a fidelidade na segundona e a redenção coroada com a Libertadores 2015.
Segundo aquela El Gráfico, a melhor média de gols pertencia ao imbatível Luis Rongo, justamente o reserva de Bernabé. Ambos conseguiram índice superior a um gol por jogo. Rongo, mais fominha, fez 58 em 49 (média de 1,2 gol por partida) e manteria mais de um gol por jogo também no Fluminense. Ferreyra, 187 em 185 (1,01). O terceiro foi o Gerd Müller argentino, ainda em tempos menos retranqueiros do futebol: Luis Artime, com seus 70 gols em 80 jogos perfazendo 0,88. O fenômeno Di Stéfano fez 49 em 66, tendo média de 0,72. A de Cavenaghi era 0,6.
Dos contemporâneos ou quase a Cavenaghi, somente Julio Cruz (0,59), Enzo Francescoli (0,57) e Martín Cardetti (0,51) também conseguiram mais de meio gol por jogo. Ou seja: matadores mais renomados como Javier Saviola, Hernán Crespo, Marcelo Salas, Gonzalo Higuaín e Radamel Falcao não chegaram perto dos números do Torito. Que nos juvenis havia dado mostras incrivelmente similares às de sua primeira passagem: somara 71 gols em quatro anos, quase o mesmo número daqueles 72 acumulados em outros quatro anos (2001-04). Isso após ter marcado dois no próprio River, aos 12 anos, no seu jogo-teste pela equipe de Bragado onde jogava, os dois dela na derrota de 6-2.
O natural de O’Brien que vivia em Chacabuco desde os seis anos, após a separação dos pais, ficou na hora em Núñez. Seu avô Edgardo diria que “quando Fer estava nas inferiores e era gandula, olhávamos os jogos do River para ver se aparecia atrás de alguém. E cada vez que o focavam um momentinho gritávamos como loucos”. O primeiro treino no time adulto veio em meados de 2000, sob o técnico Américo Gallego. Voltou a marcar dois gols. E quando enfim teve mais de dez minutos no time principal, também deixou duas vezes a sua marca, em plena Libertadores, dessa vez com um gol e uma assistência (para Javier Saviola), após entrar faltando 17 minutos. Foi em 6 de março de 2001, contra o Guaraní paraguaio, substituindo Nelson Cuevas.
Gallego saiu e o substituto Ramón Díaz inicialmente desdenhou da promessa: “é um gordinho popozudo“, explicou o novo treinador, que só passou a usar Cavenaghi no Clausura 2002. Resultado: artilharia do torneio com 15 gols em parcas 19 rodadas, e aos 18 anos de idade. Cerca de metade desses gols merecem menção especial: em La Plata, Cavenaghi acumulou uma tripleta (ou hat trick, para os moderninhos) em espaço de menos de dez minutos. E foi para virar um jogo perdido de 2-0 para o Estudiantes. Em outra visita à cidade, marcou a cinco minutos do fim o único gol de uma partida quase que literalmente de seis pontos contra o Gimnasia, na época a melhor equipe platense. Seria justamente de seis pontos a diferença entre River e o vice Gimnasia ao fim do campeonato.
Cavenaghi, por fim, terminou o serviço no jogo do título, na penúltima rodada, marcando os três gols finais no 5-1 de virada sobre o Argentinos Jrs. Falamos recentemente daquele Clausura: clique aqui. Cavenaghi ainda faturaria o Clausura 2003 e o Clausura 2004, sendo em ambos o terceiro na artilharia, marcando também em ambos no Superclásico na Bombonera. No primeiro, o River abriu 2-0, mas Guillermo Barros Schelotto evitou a derrota local ao marcar os dois do empate. No outro, seu cabeceio gerou o único gol da partida, suficiente para o River ultrapassar o próprio Boca na liderança, que não seria mais perdida. Foi por dez anos a última vitória millonaria no campo rival. Pena que Marcelo Bielsa, mesmo priorizando jovens na Copa América de 2004, não desse atenção àquele atacante.
Após aquele campeonato, Cavenaghi, sondado pela Juventus, rumou à Rússia, não tendo “mais que palavras de agradecimento. Me ficou pendente ganhar uma Libertadores, mas sei que voltarei jovem e vou conseguir”, profetizou. Para ele, o fato de o Spartak Moscou, com quem acertou, jogar a Liga dos Campeões e o CSKA Moscou ter ganho a Copa da UEFA naquele ano eram demonstrativos da força do novo cenário onde atuaria. Na época, achou melhor ser cauteloso na Europa e via nos russos um passo intermediário rumo a um gigante; além disso, “a Juve não ofereceu nada”. O Spartak havia ganho praticamente todos os títulos pós-URSS até 2001, mas entrou em jejum só finalizado neste 2017.
Cavenaghi, ausência notória nas Olimpíadas de Atenas (foram 13 gols em 22 jogos nos juvenis da seleção, com artilharias em 2003 tanto no Sul-Americano sub-20 como no Mundial sub-20), não repetiu nas estepes os números que reunia nos pampas , assim como o River não repetiria nem mesmo os bons desempenhos domésticos, culminando na queda em 2011. Quando a má fase do atacante ainda não estava gritante, estreou pela seleção principal ainda em dezembro de 2004 (o técnico já era José Pekerman), em jogo não-oficial contra a Catalunha, entrando no intervalo no lugar de Diego Milito. Em 2006, cavou transferência ao Bordeaux, onde a partir de 2007 retomaria a boa fase.
Quem só acompanhou a dominação recente do Paris Saint-Germain não tem ideia do poderio do Lyon hepta seguido na Ligue 1. Desde o terceiro título da série, Juninho Pernambucano e colegas, mesmo sem obscenos investimentos estrangeiros, vinham assegurando títulos com mais de dez pontos de diferença para o vice. O hepta veio em 2008, mas com “só” quatro de diferença para o Bordeaux de Cavenaghi, eleito o melhor estrangeiro na França ao fim da temporada. Foram 15 buts em 25 jogos, fazendo-o voltar à seleção (ou estrear, em jogos oficiais) em 2008. Foram quatro jogos entre março e junho, sempre saindo do banco, sem gols: foram só 88 minutos acumulados entre os 2-0 no Egito no Cairo, o 4-1 no México em Los Angeles e os o 0-0 com os EUA (Nova Jersey) e com a Bielorrússia (Minsk), jamais tendo o gostinho de defender a Albiceleste em alguma cancha argentina, uma pena.
Cavenaghi seria novamente artilheiro do elenco do Bordeaux na temporada seguinte, que enfim encerrou a série do Lyon bem como dez anos de jejum dos Girondins, que até hoje não voltaram a vencer o campeonato. Mas o declínio de Cavegol veio rápido e ele foi emprestado ao Internacional no início de 2011. Da colônia argentina no colorado (Andrés D’Alessandro, Pablo Guiñazú e Mario Bolatti), foi o que menos se destacou no título estadual arrancado em reviravolta nas finais com o Grêmio (o Tricolor vencera por 3-2 no Beira-Rio, mas o Inter devolveu o placar no velho Olímpico e levou nos pênaltis). Na reserva de Leandro Damião, então no auge da carreira, não foi difícil rescindir com os gaúchos. Explicou assim na época, também à El Gráfico:
“Estava em Porto Alegre com minha esposa olhando o jogo pela televisão. E pensava que o River ia se salvar, ainda mais quando meteu o 1-0 no início. Até quando faltavam dez minutos esperava esse gol que depois chamasse o outro, mas não chegava. E não chegou. Foi um golpe duríssimo para mim. Terminou e em dois minutos chamei Néstor (Sívori), meu empresário. Lhe disse: ‘quero voltar ao River custe o que seja, não me importa nada, falemos com os que se tenha que falar mas quero voltar’. Sabia que teríamos que falar com o pessoal do Bordeaux e do Inter, mas estava convencido de que iam entender minha situação. Os clubes entenderam o que eu queria, digamos que já não era um tema econômico, e sim sentimental. O primeiro passo era combinar com o Inter”.
“No dia seguinte, encarei o presidente. Entendeu. O segundo passo era me desvincular do Bordeaux. O presidente se portou um fenômeno. Resolvemos os números e pronto. Foi tudo muito rápido. O comentário mais comum é de ‘obrigado por voltar’. Veja, justo hoje vieram ao treino uns garotos argentinos que vivem na Nova Zelândia. Abriram uma torcida lá com meu nome e do Chori (Alejandro Domínguez, outro a voltar). E pensar que há gente do River que nos banca desde esse rincão longíssimo do planeta, que nos conhece e cria uma torcida com nosso nome! Há um mês, vieram uns japoneses também torcedores do River, há fãs do Chori na China, não se pode acreditar. Nos explicaram que haviam decidido pôr nossos nomes na torcida pela atitude que tivemos de voltar ao clube num momento tão difícil”.
O cartão de visitas veio ainda na pré-temporada, com dois gols para ajudar a empatar partida que o River perdia em casa por 3-0 para o Nacional uruguaio. Cavenaghi foi o artilheiro do Millo e terceiro na artilharia geral da Primera B Nacional de 2011-12, com média de um gol a cada duas rodadas: foram 19 em 38, com destaque especial aos quatro da vitória por 4-1 sobre o Gimnasia de Jujuy na casa adversária e aos três no 7-1 sobre o Atlanta, goleadas que foram exceção nos mares turbulentos da segundona. O River chegou a estar fora da zona de acesso direto e só garantiu a subida e o título na última rodada, após perseguição feroz do Rosario Central do técnico Juan Antonio Pizzi e do Instituto de Córdoba da revelação Paulo Dybala: contamos aqui.
Quando o título veio, Cavenaghi já estava ofuscado por David Trezeguet (contratado na pausa de fim de ano) na referência ofensiva. Ainda assim, foi sob protestos da torcida que o River dispensou Cavegol ao fim da temporada para o Villarreal. Sem render tanto na Espanha nem no Pachuca mexicano, o filho pródigo voltou pela segunda vez a Núñez em 2014. Já não era o goleador de outrora e vivia na reserva de Rodrigo Mora e Teo Gutiérrez, mas, como prometera ao sair em 2004, enfim saboreou as glórias internacionais que insistiam em escapar dos millonarios naquele período bom da virada do século. Naquele 2014, veio a Sul-Americana, encerrando jejum de 17 anos sem títulos continentais. Em 2015, foi a vez da Recopa, e, sobretudo, da Libertadores.
Teo foi ao Sporting na pausa entre quartas-de-final e semifinais e Lucas Alario veio para repô-lo, mas ainda assim o velho ídolo pôde ser titular na partida decisiva no Monumental, e como capitão nos redentores 3-0 no Tigres. Despedida perfeita, para um último pé-de-meia na Europa, rumando ao Chipre, onde ainda pôde saborear seu último título: campeão local ano passado com o Apoel Nicósia anotando 19 gols em 18 jogos de campeonato. No último sábado, veio enfim a última oportunidade para o Monumental entoar “El Cavegooool, El Cavegoool“. E ele fez jus à ocasião, com quatro no jogo de estrelas do River e alguns amigos do atacante como Daniel Orsanic e David Nalbandian, do mundo do tênis. Em jogos oficiais, El Torito terminou com 112 gols em 212 jogos no River.
Além de manter a média acima de meio gol por jogo, os 112 foram o suficiente para entrar no Top 10 de maiores artilheiros absolutos de El Más Grande. Antes dele, somente Ángel Labruna (em 1957), Norberto Alonso (1986), Enzo Francescoli (1999) e Ariel Ortega (2013) também receberam um jogo-tributo. Não por acaso, são quatro dos seis homens presentes na capa daquela mencionada El Gráfico dos ídolos millonarios de 2010, juntos do mencionado Bernabé Ferreyra e do recordista de anos no time principal, Amadeo Carrizo. “Isto não é uma despedida, isto é uma homenagem, porque eu deste clube não penso em sair nunca mais”, falou o ídolo às lágrimas.
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