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Ginóbili, o astro do basquete incorporado pela NBA quando estava em… Macapá!

O nome Futebol Portenho nunca impediu que este site fosse além desse esporte bretão. Inclusive, já abordamos por diversas vezes outro esporte bretão amado pelos argentinos, o rúgbi. E o básquet também já mereceu alguns especiais (aqui, aqui e aqui), assim como boxe (aqui e aqui) e automobilismo (sobre o olhar argentino em Senna e nos 20 anos em Fangio). No dia em que o maior expoente argentino da bola laranja se aposenta, mais do que válido relembrar alguns causos contados por ele: Emanuel Ginóbili, retirados de larga entrevista que “Manu” concedeu à El Gráfico em 2011. Onde contou, sem deixar de mencionar o futebol e Messi, diversas ironias do seu destino – como ter dúvidas na adolescência se poderia seguir no esporte, incluindo rebaixamento na estreia, até a mencionada história em Macapá.

A entrevista é bastante interessante ao revelar diversos micos e fracassos inimagináveis à superestrela que se tornou o argentino que conseguiu seu primeiro título de NBA já na primeira temporada na liga ianque (2002-03) pela sua franquia de sempre, o San Antonio Spurs; bem como quem personificou as campanhas memoráveis da seleção, em especial no vice no Mundial de 2002 e no ouro nas Olimpíadas de 2004 (marcando literal e cinematograficamente no último segundo da estreia a cesta da vitória quatro segundos após a Argentina ficar atrás do placar contra o mesmo algoz da final de 2002, os sérvios; se perdesse, não avançaria de fase). Ambas as campanhas tiveram direito de eliminar a potência-mor EUA.

Aliás, a aposentadoria de Manu vem exatamente na véspera do 14º aniversário daquele ouro olímpico. O título da entrevista revela ainda a humildade do astro nascido em Bahía Blanca: “a seleção é melhor sem mim do que sem Scola”, soltou ele em referência ao único argentino cestinha de uma Copa do Mundo (em 2010), entre tantas lições de um jogador, acima de tudo, esforçado. Selecionamos as principais dentre as cem perguntas e respostas para traduzir, com algumas observações nossas em colchetes:

Até que ponto te traumatizava quando jovem não conseguir espichar? 
Muitíssimo. Sonhava em viver do basquete e sabia que medindo 1,75 metros [hoje ele tem 1,98m] as chances eram ínfimas. Via que meus irmãos eram altos e que me faltavam centímetros, e ficava impaciente até a loucura. Me media uma vez por semana. Meu pai pegava uma faquinha, colocava sobre minha cabeça e marcava no azulejo da parede. Eu estava desesperado.

É verdade que te penduravas em corrimões, que foste a um médico, que tomavas levedura de cerveja para crescer e que até saltavas com tampinhas?
O dos corrimões é mito, haha. O resto, não. O de saltar com tampinhas era normal. Todos os que alguma vez jogaram basquete fizeram isso.

Acusaste o golpe quando te cortaram da seleção de cadetes de Bahía [Blanca], pela baixa estatura?
Isso me matou. O torneio ia ser em Mar del Plata, onde meus irmãos estavam jogando, então estava muito empolgado. De fato, meus pais haviam planejado ir nesse fim de semana. Quando deram os nomes dos que continuavam, um por um, e eu não apareci, foi duro. A verdade é que eu não era tão bom.

Por que te comparavas tanto com teus irmãos?
Porque era o que tinha à mão. Sempre busquei parâmetros. Fiz em Bahía [Blanca], na Itália e na NBA. Me comparava com os que eram superiores, porque sou assim: competitivo. Quando era jovem, meus irmãos eram minha referência. E queria supera-los até nos boletins do colégio.

Em 1988 no seu primeiro clube, o Bahiense del Norte: ainda baixinho, o que lhe enlouquecia

O que significou o rebaixamento com o Bahiense?
Tive cinco ou seis circunstâncias em minha carreira que, em seu momento, foram o pior que me aconteceu. Acontece o mesmo quando tenho que responder sobre as coisas boas. Agora que o tempo passou, por exemplo, coloco o título da Euroliga com o Kinder [atual Virtus Bologna] em um plano não tão importante. Porém, nesse instante, foi o máximo para mim. O rebaixamento foi duro, mas o do corte da seleção de cadetes ou a derrota na semi do Mundial sub-22, em seu momento, também foram empaladas.

Se comenta que depois do rebaixamento não paravas de chorar.
Sim. Alguém vê agora, 18 anos depois [atualmente, 25 anos], e diz: “bem, não era tão grave, no outro ano sobe e pronto”. Mas nesse momento me matou. O Bahiense era a minha casa; meu pai dedicava muito tempo ao clube, meus irmãos haviam conquistado coisas aí; e eu, na minha estreia na primeira divisão, terminei caindo. Chorei como um bebê. Eu era um bebê, bah.

Como pode ser que o estádio leve teu nome e não tenhas uma camisa?
Porque nunca fui campeão, no Bahiense só te presenteiam a camisa quando consegues um título. No ano que ganhamos, eu havia acabado de ir a [Andino de] La Rioja, então não pude estar.

Te emputecia muito não ser campeão? 
Muitíssimo. Nem com a Seleção de Bahía [Blanca] podia ganhar. E isso que nesses [Torneios] Provinciais, Bahía ganhava sempre “caminhando” ou, pelo menos, partia sempre como favorita. Bem, nem isso. Minha geração era débil. Com o Bahiense saíamos segundos ou terceiros, nunca pudemos conseguir títulos. Era desesperador: até ir à Itália não ganhei absolutamente nada.

Quase quebras o pescoço no Bahiense, jogando pelo Estudiantes [de Bahía Blanca]?
Sim, eu era um kamikase. Não me interessava nada. Me infiltrava sempre. Não me importava se estava [Fabricio] Oberto na minha frente, e que Oberto tenha estado na minha frente e me esborrachasse no piso (risadas). Nessa vez, me infiltrei e o que estava defendendo me jogou para baixo. Caí de cabeça. Então me internaram e saí com colar ortopédico, um desastre. Foi uma das poucas partidas que minha mãe foi me ver na quadra. Fica tão nervosa que nem sequer quer assistir os jogos, sempre me pede que arremesse de fora, que não penetre contra os grandalhões.

No que te mudou a passagem pela Itália?
Minha primeira temporada foi de estudo. Queria saber onde estava parado. Quando começou a Liga, a A2, me dei conta de que podia jogar e em um mês comecei a me comparar com os da A1. Observava como jogava tal pessoa, como penetrava ou arremessava pessoa tal… para dar o salto, devia primeiramente subir com o Reggio [Viola Reggio Calabria]. E não foi fácil.

A saída de [Predrag] Danilović assim que chegaste ao Kinder [atual Virtus Bologna] foi um golpe de sorte?
Eu havia ido para outro papel. Ia ser o sexto homem [termo no basquete equivalente ao do “12º jogador” no futebol, aquele reserva que sempre entra] e a ideia era que ganhasse experiência com o Danilović, que nesse momento era um dos melhores da Europa. E no dia da apresentação da equipe começaram a me dar indiretas do tipo “que sorte tiveste, justo agora ele vai se sair!”. Eu não sabia de nada. Até que li o anúncio de que ele deixava o basquete. Uma loucura. Eu havia me mentalizado para outra coisa e além disso queria aprender com ele. Pelo menos no primeiro ano. Muitos pensam que fui comemorar quando ele saiu, nada a ver. Tinha três anos de contrato, e de repente devi assumir responsabilidades desmedidas para um garoto de 23 anos. Terminou bem como poderia ter terminado mal.

A cesta histórica no último segundo contra a Sérvia e Montenegro, nas Olimpíadas de 2004: também vingança contra quem ganhara da Argentina a final da Copa do Mundo de 2002

O que estavas fazendo na noite em que te draftaram para a NBA?
Dormia, haha. Estava concentrado com a seleção em Macapá, um lugar do Brasil que vale a pena buscar na Internet. Contei a meu companheiro Tiago [Splitter], o brasileiro dos Spurs, que havia passado por aí e ele não acreditava em mim. Um lugar raríssimo, sem estradas. Eu não sabia que o draft era nessa noite. Terminei de comer e fui me deitar. Na manhã seguinte, me levanto, vem alguém e me conta que o San Antonio havia me escolhido. “Estás louco, vai embora daqui”. Não acreditava. Demorou para cair a ficha.

Quando te deste conta de que ganhavam do Dream Team no Mundial de Indianápolis [Copa do Mundo de 2002]?
Luis [Scola] diz que ele sempre acreditou que poderíamos ganhar. Eu nunca li essas notas. No meu caso, estava um pouco mais cético, sabia que íamos romper a alma, mas nada além. Não queria pecar de sonhador. Porém, quando em um momento acumulamos 14 [pontos de vantagem] e via que eles jogavam mal e nós cada vez melhor, me disse internamente: “eles são nossos”. Me ficou uma imagem de quando faltavam três minutos. Me entreolhei com Pepe [Juan Ignacio Sánchez], os dois com os pelos arrepiados. Os festejos foram um grande desafogo.

Pudeste desfrutar o segundo lugar [embora eliminassem os EUA, os argentinos terminaram derrotados na final, em desfecho polêmico contra a então Iugoslávia]?
É espantosa a lembrança: não pude desfrutar a final do mundo. Inclusive, depois, na entrega das medalhas, me sentei em um canto, amargurado. Na véspera, o médico da seleção me dizia: “vais chegar lá”. E eu olhava o tornozelo e tinha uma berinjela. Havia entrado no dilema: não queria parecer medroso e perder o jogo, mas, por outro lado, não podia me mover. Então forcei a situação e pedi para jogar uns minutos. Quis me fazer de herói e ajudar até no aspecto psicológico, mas esse plantel não precisava. Ao fim, joguei uns 15 minutos.

A máxima loucura de um fã.
Alguém batizou o filho de Ginóbili. Uma barbaridade. Se colocasse Manu ou Emanuel, vá lá, mas pôs meu sobrenome. Lembro de outros dois que se tatuaram. Alguém colocou Ginóbili no braço e outro copiou um autógrafo. Também lembro de um cara no Japão que me perseguia. No Japão e na China aconteceram coisas bizarras: gente que parecia que me conhecia de 20 anos atrás. Muito generosos: me queriam dar presentes, raríssimo.

Como foi teu “não encontro” com [Michael] Jordan?
Muito triste. Eu era um fanático doente pelo Jordan. Meu quarto estava todo emparedado com fotos dele. Então esperei esse momento durante muito tempo. Na temporada 2002-03 todo mundo sabia que ele jogava sua última temporada com os Wizards. Era esse ano ou nunca. Os enfrentamos duas vezes: na primeira não joguei porque estava lesionado, então me preparei mentalmente e não sofri. No segundo choque, por outro lado, estava desesperado para entrar. E joguei somente sete segundos, que ainda por cima foram quando ele estava no banco [vale relembrar: aquela ainda era a primeira temporada do argentino na NBA, longe do patamar que alcançaria]. Via como os quartos iam se passando e me indignava. Não perdoei nunca [o treinador Gregg] Popovich.

É verdade que Huevo [Oscar] Sánchez te fez algo parecido?
Foi terrível (risos). Jogávamos pelo Andino [de La Rioja] em Bahía [Blanca]. Havia feito ir toda a família à quadra do Estudiantes, até meu avô, a quem custava muito movimentar-se. Todos os meus companheiros de segundo grau, meus amigos… eu vinha jogando, não é que não entrasse nunca. Então fiz que todos fossem. E bem, ao fim do primeiro quarto, Huevo me escalou para que defendesse Martín Ipucha. Era a última bola do quarto. Defendi, terminou o quarto e não entrei mais. Não toquei na bola. Estive na quadra por um total de 17 segundos. Um papelão.

Tiveste medo de morrer esmagado após a cesta agônica na Sérvia nos Jogos Olímpicos de 2004?
Siiiim, quase me asfixiam. Nesse momento, estava sofrendo muito. Não podia respirar. E não exagero. Era dor, totalmente. Primeiro cansaço e êxtase, mas depois desespero. Não era fácil, caras pesados. Assim que começaram a se jogar todos em cima, meti os cotovelos abaixo para poder tomar um pouco de ar. Foi uma loucura (risos).

Destaque maior de campanha educativa nutricional com Luciana Aicega (hóquei), Messi e Felipe Contepomi (rúgbi)

Qual dos dois triunfos sobre o Dream Team valorizas mais?
Pela importância, o de Atenas. O de Indianápolis é valioso por como se deu, por esse momento em que olhas o outro e dizes: “puta que pariu, vamos ganhar dessas caras”. Em 2004, por outro lado, era um objetivo mais concreto. Estávamos nas semis e queríamos a medalha. Além disso, foi outra cátedra de basquete, jogamos brilhantemente.

O ouro ou teus anéis de NBA?
O anel de 2005 foi espetacular, a forma como se conseguiu, a pressão que vivi nessa última partida contra o Detroit. Mas um ouro olímpico é diferente de tudo. Aliás, pelo contexto do torneio, vale mais. Se perguntares ao Kobe Bryant por seu ouro em Pequim, ele vai te dizer que está alegre e nada mais. Tinha que ganhar esse título, os Estados Unidos não tinham outra alternativa. O nosso em Atenas, por outro lado, era muito diferente. Ninguém na Argentina sonhou com um primeiro lugar assim, jamais.

Pena que o festejo ficou ofuscado quando te esqueceram no estádio.
A calentura que tinha nesse dia não posso te explicar. Ganhamos o ouro, todos felizes, cantos, saltos, camisas voando, premiação, emoção… e em um momento, enquanto falava com alguns jornalistas, me conectaram com meu pai. Era uma conexão-ponte. Não se escutava nada. Eu estava aos gritos e comecei a me distanciar um pouco do ônibus da equipe para tentar entender algo. Devo ter caminhado 20 metros, não mais. Quando me dei volta, todos haviam ido. Estava verde. Sozinho, fora do [estádio] Oaka, batendo em portas, desesperado. Depois alguém da organização me levou, creio, e os alcancei quando entravam na Vila [Olímpica]. E ainda por cima perderam a minha bola. Estive três anos buscando respostas a isso e um dia, acreditando que havia cicatrizado minha ferida, me contaram bem o que aconteceu. Eu havia trocado uma camisa minha pela bola nem bem terminou a final, e quando chegamos na Vila, antes de sair a festejar, a deixei com meus calçados em um bolso, ao lado da cama. Quando voltamos, não estava mais ali. Como estava puto…

Por que disseste que Scola é mais imprescindível que você na seleção?
Acredito que a seleção sem mim é uma equipe melhor do que a seleção sem Luis. Eu tenho na minha posição Carlitos (Delfino), que é um reserva do caralho. Por outro lado, como Luifa não há ninguém, não há um jogador como ele. Nem na Argentina, nem no mundo. Não vais encontrar na FIBA caras que te garantam 20 pontos e tantos rebotes. É Pau Gasol e ele. É imprescindível. Mais do que eu.

Interesse por futebol, de 1 a 10.
Em jogos da seleção, 6; no campeonato argentino, 1. Com a seleção ainda me interesso. Por exemplo, sofri com a Copa América [de 2011]. Me doeu que criticassem tanto os jogadores. Me ponho no lugar de caras como Messi, sobretudo, e me indigno. Quero que tudo vá bem pelos jogadores, não mais. O único que me atrai é a seleção, pelo sentimento, mas o jogo em si não me interessa. Prefiro ver tênis.

[O comentarista esportivo] Juan Pablo Varsky diz que tua história não é a de um predestinado, concordas?
Li e concordo totalmente. Um predestinado é LeBron James ou Kobe, que quando tinham 18 anos todos já sabiam que iam chegar entre os melhores do mundo. Tente encontrar alguém, inclusive em Bahía [Blanca], que te diga que eu, aos 17 anos, ia terminar jogando na NBA. Nem minha família…

Qual a sensação de ser porta-bandeiras da delegação argentina em uma Olimpíada?
Foi gradual a digestão. No momento em que me comentaram, disse: “hmmm, acho que prefiro ir com os jovens atrás me cagando de rir, tirando fotos e saltando”. Debati com meus amigos porque não estava seguro. Mas depois foi um momento inesquecível: recebi o afeto de toda a delegação que vinha atrás de mim e me caiu a ficha de que estava sendo o rosto do meu país em um evento que assistem milhões de pessoas. Me lembro que na prévia, antes de entrar, estávamos todos cantando, eufóricos: um momento muito forte. E quando entramos no estádio esse, gigantesco, imponente, me marcou.

Nota pessoal: o tradutor adquiriu na época o exemplar da revista que continha a entrevista, comprada pelo pai, apaixonado por basquete (campeão estadual infantil) e que reconheceu Ginóbili na capa. A edição originou a paixão do tradutor pelo rúgbi, através de encarte no exemplar com um miniguia apaixonante pela Copa do Mundo da bola oval, que iniciaria naqueles meses. O sentimento foi fulminante, com o tradutor ingressando no Futebol Portenho para inicialmente escrever sobre rúgbi. Muitas coisas boas que aconteceram na vida dele se deveram a esse esporte, e ele deve agradecer boa parte delas, indiretamente, a Emanuel Ginóbili. Gracias, Manu!

Luis Scola, Andrés Nocioni, Carlos Delfino e Ginóbili juntos nas Olimpíadas do Rio: os últimos remanescentes dos campeões de 2004

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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