Gigena e outros 3 gols argentinos em clássicos brasileiros
O que não falta no Brasil são clássicos. Mas marcar três gols em um é raro. Ainda mais para jogadores estrangeiros, especialmente nos últimos 50 anos: o sucesso em mundiais da seleção ocasionou a aceitação de forasteiros apenas em casos de protagonismo instantâneo. Mesmo assim, os argentinos são donos da maioria dos hat tricks (expressão inglesa para quem marca três gols em um só jogo) em dérbis brasileiros. Um desses momentos completa dez anos hoje, no principal dérbi do interior do país.
O clássico em questão é o de Campinas. Em que pese rivalidades tão ou mais ferrenhas que ele em outros interiores (como Brasil-Pelotas e Caxias-Juventude no Rio Grande do Sul, Botafogo-Comercial em Ribeirão Preto, Campinense-Treze em Campina Grande, Central-Porto em Caruaru…), é inegável que Guarani e Ponte Preta têm mais projeção nacional, seja pela tradição, seja também por certa presença de ambos em anos recentes na primeira divisão do campeonato brasileiro.
Agora, corta para 2002. Pelo Brasileirão, a Ponte encerrou um jejum de nada menos que 15 anos sem vencer o rival, ironicamente no primeiro ano desde 1999 em que ela não se classificou aos mata-matas decisivos e quando tinha acabado de vender seu grande artilheiro, Washington (o “Coração Valente”). Todo esse tempo evidencia uma decadência, mas também revela a supremacia que a Macaca tinha no encontro: antes, o Guarani tinha menos vitórias. Naquele período, com seis triunfos, conseguiu reverter. Mas a vantagem ficou em… só 2 vitórias a mais, diminuída para 1 naquele fim de tabu.
Se em 2002 a Ponte Preta, embora não-classificada, tornou a ciscar os mata-matas (incluindo uma apresentação de gala em 3-1 em plena Vila Belmiro sobre o futuro Santos campeão), em 2003 ela passou a fugir do rebaixamento. E viu a distância no clássico aumentar: em pleno Moisés Lucarelli, levou de 3-1 do Bugre pelo campeonato paulista e 2-0 pelo primeiro turno do Brasileirão.
Para o segundo turno, os alvinegros contrataram um certo Darío Alberto Gigena. Revelado pelo Belgrano, sua maior conquista na carreira viera justamente com o arquirrival Talleres, em 1999, na última edição da desprezada Copa Conmebol – inclusive marcando gol na insólita final, contra os alagoanos do CSA. Ainda na Argentina, também já havia virado a casaca na cidade de Santa Fe, passando pelo Unión entre 1998-99 e pelo Colón entre 2000-02. Na Ponte, ficou só naquele segundo semestre de 2003, logo retornando ao Colón. Deixou só 7 gols. Mas todos vitais para um time que só escapou do rebaixamento por um único ponto: até aquele 11 de outubro de 2003, fizera no 1-1 contra o Figueirense, 2-2 contra o Grêmio e 2-2 contra o Vasco. Ia marcando sempre no fim das partidas: aos 43, aos 39 e aos 46 do segundo tempo, respectivamente.
Mas o que ficou para a história foi mesmo o clássico. O Brinco de Ouro já havia reservado a quebra do tabu um ano antes, e viu também o único hat trick estrangeiro do Derby Campineiro: em tarde chuvosa e gramado naturalmente encharcado, Gigena marcou um em giro na grande área bugrina e dois de pênalti, fazendo os três gols pontepretanos nos 3-1 e até vestindo uma máscara da Macaca. Ele só marcou mais uma vez pela Ponte, aos 33 (do segundo tempo, é claro) nos 2-2 contra o Fluminense, no Maracanã. Mas nunca mais foi esquecido e sempre que pode visita o clube (veja), o que incluiu um rápido regresso em 2011.
Antes de 1958, o Brasil do “complexo de vira-latas”, expressão de Nelson Rodrigues, tinha seu futebol marcado pelo Platinismo (expressão do irmão de Nelson, Mário Filho, nome oficial do Maracanã): enxergando-se em inferioridade aos rivais do Rio da Prata, os clubes brasileiros consideravam um luxo ter um hermano de segunda linha ou em fim de carreira consigo – e eles brilhavam: Valido e Volante no Flamengo, Rafanello no Vasco, Sastre, Renganeschi e Poy no São Paulo, Dacunto no Palmeiras, Santamaría, Spinelli e Rongo no Fluminense, Basso no Botafogo…
Mas, com a soberba do sucesso mundial, veio o extremo oposto; a paciência com estrangeiros ficou bem menor, o que se reflete nas estatísticas dos forasteiros que conseguiram marcar três vezes em clássicos tupiniquins: daqueles que confirmamos, seis ocorreram até 1948, quando o Brasil havia vencido só duas Copas América, em 1919 e 1922, tempos de Friedenreich. Desde então, venceu-se a Copa América 1949, foi vice mundial em 1950 e em doze anos, entre 1958-70, já era a seleção mais campeã mundial. E só viu quatro hat tricks estrangeiros em clássicos, incluindo a tarde de Darío Gigena.
Os argentinos compõem metade dos dez hat tricks que encontramos. O primeiro dos hermanos teria completado anteontem 75 anos (lembramos disso aqui): de Alfredo González, ex-Boca e um dos quatro que o Flamengo teve na virada dos anos 30 para os 40, ao lado de Carlos Volante, Agustín Valido e Raimundo Orsi. González chegou a ser o terceiro maior artilheiro estrangeiro do Mengo e também marcaria seus gols em clássicos por Vasco e Botafogo. Fez três em um 5-0 no próprio Botafogo em 9 de outubro de 1938. Valido fez outro naquele dia, em pleno campo de General Severiano.
O segundo teria sido de Juan Raúl Echevarrieta, ex-Gimnasia y Esgrima La Plata e até hoje o maior artilheiro estrangeiro do Palmeiras (105 gols em 125 jogos), então Palestra Itália. Em amistoso contra o Santos dentro da Vila Belmiro, fez todos os gols palestrinos da vitória por 3-2 em 12 de julho de 1941. Curiosamente, iria ao próprio Santos no ano seguinte, onde também mostrou faro de gol. No filme O Casamento de Romeu e Julieta, foi homenageado no nome da personagem de Luana Piovani, que seria uma mistura de Julinho Botelho com Echevarrieta.
Em 4 de setembro de 1943, Adolfo Milman, mais conhecido pelo apelido de Russo, marcou três em 5-3 do seu Fluminense sobre o Botafogo nas Laranjeiras, pelo campeonato carioca. Segundo maior artilheiro dos Fla-Flus, Russo teve uma história singular: descendente de judeus ucranianos, era nativo da província argentina de Entre Ríos, mas crescera na cidade gaúcha de Pelotas e chegaria a defender a própria seleção brasileira – caso único entre argentinos (foi no duelo contra o Peru pela Copa América de 1942).
O próximo é o maior goleador forasteiro do Internacional: José Villalba, de carreira feita já no Brasil. Também é o segundo maior artilheiro dos Grenais. Membro do histórico elenco dos anos 40 do clube (o “Rolo Compressor”), marcou quatro em um 7-0 na Baixada em 17 de setembro de 1948, até hoje a maior goleada colorada sobre o Grêmio. Naquele dia, o Inter tinha ainda outros argentinos, o meia Moisés Beresi, ex-gremista (único hermano na dupla Grenal) e o técnico, Carlos Volante.
Villalba conseguiria a marca ainda única para estrangeiros no Brasil de repetir ao menos três gols em outra rivalidade: defendendo o Atlético Paranaense, anotou três em um 6-5 sobre o Coritiba em 15 de março de 1951, até hoje o Atletiba com mais gols. Mas o argentino seguinte demorou mais de meio século, sendo o próprio Gigena dez anos atrás. Depois dele, só outro estrangeiro continuou essa história: Carlos Tévez, em 6 de novembro de 2005, fez talvez a sua maior apresentação pelo Corinthians campeão brasileiro daquele ano. Foi na tarde em que o Timão surrou o Santos com um 7-1 com três de Carlitos, em uma goleada não vista desde os tempos de amadorismo.
A seguir, os outros hat tricks estrangeiros em clássicos brasileiros. Conhece mais algum? Comente!
18 de julho de 1909: o primeiro Grenal teve a maior goleada do Grêmio e do clássico. Foi simplesmente 10-0, com cinco gols de Edgar Booth, britânico nascido na Alemanha.
18 de maio de 1941: o São Paulo, ainda um clube jovem, goleou pelo Campeonato Paulista o Santos por 4-2 no Pacaembu com todos os gols tricolores marcados por Eugênio Chemp, ucraniano naturalizado brasileiro.
2 de outubro de 1977: o uruguaio Herbert Revetria marcou todos os gols do Cruzeiro nos 3-2 sobre o Atlético na final do Campeonato Mineiro. Então ídolo, o goleiro argentino do Galo, Miguel Ángel Ortiz (veja aqui), acabaria crucificado e deixaria o clube.
25 de maio de 1997: pelo Paulistão, no Morumbi, o colombiano Víctor Aristizábal marcou três em um 4-1 do São Paulo no grande Palmeiras da época.
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