Assim como os prognósticos da Seleção Argentina na Copa do Mundo (às 4:30 da manhã, pelo horário de Brasília, os Pumas enfrentarão a anfitriã Nova Zelândia pelas quartas-de-final com amplíssimo favoritismo para os All Blacks, em jogo a ser transmitido pela ESPN), esta série de especiais vai se aproximando do fim. Este falará do Club Atlético Porteño, o último time argentino atualmente dedicado ou que oferece mais prioridade ao rúgbi que chegou a ser campeão nacional no futebol.
Apesar da expressão espanhola, o então Porteño Athletic Club também teve raiz britânica, bem como as demais equipes pioneiras do futebol argentino. No seu caso, em 1895, por jovens de sobrenomes O’Farrell, Gahan, Kenny, Cavanagh, Geoghegan, Feliberg, Tyrrel, Dogerthy, Aneil, Rath, Bowes, MacLean e Dillon, membros da comunidade irlandesa (a Irlanda foi totalmente britânica até 1922 e mesmo a porção independente da ilha continua bastante influenciada por seus antigos patrícios) na capital federal. O time foi fundado justamente como Capital Athletic Club.
O novo nome também poderia se referir à cidade de Buenos Aires (porteño é o gentílico em castelhano para ela), mas a razão para a mudança foi outra: apreciadores também de um turfe, os fundadores do Capital costumavam se encontrar no Hipódromo Argentino, no bairro portenho de Palermo. A escolha do novo nome deu-se exatamente em função de um desacreditado potro, chamado Porteño, em que tiveram sucesso ao apostar no Gran Premio Nacional.
Uma inesperada vitória do equídeo em questão (apenas 300 dos 19.000 bilhetes vendidos confiaram nele naquele páreo) rendeu aos membros do clube dinheiro suficiente para arranjar um jogo de uniformes e uma bola; por motivo parecido, o pequeno mas tradicional Platense, onde surgiu David Trezeguet, escolheu ainda o incomum marrom como sua cor. As cores do Porteño, por sua vez, eram o azul e o branco, em listras na camisa – antes mesmo da própria seleção adotá-las (isto se daria em 1908).
Obteve o acesso à elite com o vice-campeonato na segunda divisão de 1906. Com isso, em 1907 debutou não apenas na primeira divisão, como também nas Copas Competencia e Honor (torneios eliminatórios entre times rosarinos e das associações argentina e uruguaia; enquanto a Competencia tinha uma decisão internacional realizada em duas partidas, na Honor ela ocorria em jogo único em Montevidéu).
Nas Copas, a primeira impressão foi desastrosa, caindo em ambas no primeiro confronto (e por 1 x 5 frente ao San Isidro e um 0 x 8 contra o Alumni, time já visto nesta série). Já no campeonato, a equipe obteve uma razoável sexta colocação, conseguindo mais da metade dos pontos que disputou. Com isso, já naquele ano houve a primeira convocação de um jogador do Porteño à Seleção Argentina, o ponta-direita Ricardo Pertino.
No ano seguinte, houve uma pequena mudança: no campeonato, o Porteño ficou em sétimo e caiu na Copa Competencia já no primeiro confronto, em um 0 x 5 contra o Belgrano Athletic. Mas, na Copa Honor (mais valorizada pelos argentinos em razão de sua maior dificuldade), esteve bem perto de chegar à decisão; passou pelo Estudiantes de Buenos Aires, pelo mesmo San Isidro que lhe goleara no ano anterior e pelo Newell’s Old Boys, caindo na final argentina (que antecedia a internacional) por 1 x 2 frente ao Quilmes.
O Teño voltaria a ter campanha marcante em 1910, quando ficou atrás apenas do grande time do Alumni no campeonato argentino, terminando com quatro pontos a menos que o campeão. No ano seguinte, ambos concorreram de forma ainda mais acirrada, terminando o certame empatados, forçando um jogo extra entre eles. Mais experientes, os adversários venceram, ainda assim por apenas 2 a 1.
Antonio Piaggio terminou o campeonato como um dos artilheiros; seria o único jogador do Porteño a conseguir ser o máximo goleador da elite argentina. No mesmo 1911, o time voltou a cair na final argentina da Copa Honor, desta vez em um 2 x 3 contra o Newell’s.
Em 1912, houve uma cisão na associação. O Porteño juntou-se ao Estudiantes de La Plata e ao Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires e formou a Federação Argentina de Futebol, juntamente com algumas equipes que pertenciam à segunda divisão – dentre elas, o Atlanta e o Independiente. Houve então dois campeonatos, o da associação e o dissidente, da federação.
Neste, bastante equilibrado, o Porteño voltou a terminar o torneio como um dos líderes, empatando na ponta desta vez com o Independiente, ambos com três pontos de diferença para o quinto colocado, o Argentino de Quilmes. Na realidade, a equipe de Avellaneda teria sido a campeã, ao golear o próprio Argentino na última rodada (5 a 0), mas propôs a anulação do resultado em razão de o adversário ter escalado um time muito fraco e um tirateima com o Porteño, com quem acabou ficando igualado em razão do cancelamento do título.
Essa verdadeira final acabaria não jogada até o fim: o jogo extra estava empatado em 1 x 1 até os 42 do segundo tempo, quando os Rojos reclamaram de um gol seu que deveria ter sido validado, resolvendo então retirar-se do campo, em protesto. O “tapetão” decidiu que o título deveria então ficar com o time de Palermo, que ali conseguia seu primeiro troféu de elite. Naquela inacabada decisão, jogaram por ele Juan José Rithner; H. Viboud, R. González; V. Abadía, Pedro Rithner (autor do gol), B. Berisso; M. Genoud, Antonio Piaggio, A. Galup Lanús, A. Márquez e F. Ramos.
Apesar da escalação pouco britânica, o Porteño, em razão das origens, foi de certa forma o último campeão argentino não-criollo; o vencedor daquele ano no campeonato da associação foi o Quilmes, equipe também fundada por britânicos (é, por sinal, o mais velho clube de futebol ainda em atividade na América). Pois, em 1913, os campeões nacionais seriam o Estudiantes de La Plata (na federação) e o Racing (na associação), ambos criados por argentinos além de tal comunidade. Naquele ano, o Teño decepcionou, terminando em oitavo dentre dez participantes. Isto foi bem compensado em 1914.
Sem jamais deixar a ponta superior da tabela, o clube obteve, de forma invicta, o seu segundo título. Em 1915, as duas ligas reunificaram-se. A quem poderia esperar uma campanha mais fraca (os times da ex-federação eram tidos como secundários), o Teño respondeu intrometendo-se nas primeiras colocações, conseguindo um quarto lugar entre 25 competidores naquela que foi a primeira edição a reunir, com a chegada do San Lorenzo na elite, todos os que ficariam conhecidos como os grandes do futebol argentino (o River Plate estreara nela em 1909; o Racing, em 1911; o Independiente, em 1912, na FAF; o Boca Juniors, em 1913 e o Huracán, em 1914, ambos na associação).
Mais do que isso, também em 1915 o Porteño conquistou a fase argentina da Copa Competencia, e sobre o Racing – o grande time da década, onde seria heptacampeão nacional seguido (fato jamais igualado na Argentina). Tal etapa já valia um troféu, chamado Copa Competencia Jockey Club. Martín Garat e Carlos Izaguirre fizeram os gols da vitória sobre La Academia racinguista. A decisão internacional, porém, foi perdida em casa para o Nacional.
As campanhas que se seguiram foram em sua maior parte medianas, exceções feitas a novo troféu Competencia Jockey Club (vencendo o River Plate na final), em 1918 (a decisão internacional foi novamente perdida em casa, agora para o Montevideo Wanderers); e a um quarto lugar em 1920, no torneio da Associação Argentina de Futebol – no ano anterior, havia ocorrido nova dissidência, com a maior parte das equipes formando a chamada Associação Amadora.
O Porteño remanesceu na AAF, onde os principais times eram o Boca Juniors e o Huracán, e, em um torneio sem rebaixamentos, salvou-se do descenso mesmo ficando em último lugar em três ocasiões: isso ocorreu em 1921, 1923 e 1926. A decadência ficou refletida nos elencos que a Argentina enviou às Copas América anualmente realizadas entre 1922 e 1926: apenas jogares de clubes da AAF foram selecionados, e em nenhuma destas ocasiões escolheu-se alguém do Porteño.
Nas edições anteriores, a história fora outra: na primeira Copa América, de 1916, foi chamado Juan José Rithner (jogador do Teño que mais atuou pela seleção, com dez jogos); em 1917, Edwin Clarcke; no terceiro, em 1919, o mesmo Clarcke (vice-artilheiro ali) e também Carlos Izaguirre, Emilio Sande e Eduardo Uslenghi; em 1920, o mesmo Uslenghi e Juan Salvador Presta, que foi o único chamado em 1921 – quando a Albiceleste enfim sagrou-se, pela primeira vez, campeã.
Também defenderam a seleção, como jogadores do Porteño, os atletas Eugenio Cacopardo, Emilio Goín, Roberto González Escarrá (cuja única participação foi no primeiro Argentina x Brasil, em 1914), A. Márquez, os já mencionados Ricardo Pertino e Antonio Piaggio, Pascual Polimeni, J.B. Sheridan (o único comprovadamente de raízes irlandesas, como os fundadores do clube; jogou também no Belgrano, objeto do especial anterior desta série) e Nicolás Vivaldo.
Em 1927, por pressão do próprio presidente argentino, Marcelo Torcuato de Alvear, houve nova reunificação das ligas. Ambas reuniam 50 times, mas acertaram realizar um torneio mais enxuto, com 34. Incluído nele, o Porteño foi ainda um dos clubes beneficiados com uma regra que suspenderia seu descenso na primeira ocasião em que terminasse em posição de rebaixamento, a partir dali.
Isto o livrou de uma queda já naquele ano, em que terminou exatamente em último, com 30 derrotas em 33 jogos. A colocação se repetiu em 1928 (agora com 27 derrotas em 35 partidas) e desta vez a equipe não se livrou. Ela esteve perto de retornar no ano seguinte: foi a vice-campeã da segunda divisão de 1929, mas só o primeiro colocado (ali, o Honor y Patria) podia ascender. Na segundona de 1930, já ficou em penúltimo.
Em 1931, o profissionalismo instalou-se oficialmente no futebol argentino. Ele já vinha ocorrendo informalmente na década anterior, inclusive na liga daquela que se denominava Associação Amadora. Sem forças para encarar a nova competitividade, o decadente Porteño resolveu manter o clube ativo, mas no rúgbi, até hoje restrito apenas a equipes amadoras na Argentina.
Na realidade, a discussão profissionalismo x amadorismo já havia dividido o próprio rúgbi: ainda no século XIX, na Grã-Bretanha, clubes defensores do profissionalismo, normalmente ligados aos operários, desvincularam-se da União de Rúgbi e formaram a atual Liga de Rúgbi. Nela, foram criando diferenças nas regras que praticamente formaram um novo esporte, mais semelhante ao futebol americano, a partir do rúgbi original (que não deixou de ser a modalidade mais popular no resto do mundo e cuja Copa do Mundo vem ocorrendo neste momento).
Atualmente, o chamado Rugby Union também admite o profissionalismo, assim como o seu dissidente Rugby League (mais popular no norte da Inglaterra, onde foi originado, e também na Papua Nova Guiné e na Austrália – que tem a principal seleção da modalidade, cuja Copa do Mundo foi vencida pelos Kangaroos em 9 das 13 edições). Esta mudança ainda não foi implementada na Argentina, justamente o único país do alto escalão do Rugby Union a manter firmemente o amadorismo, e já em 1932 o Porteño afiliou-se à União de Rúgbi do Rio da Prata.
A entrada no rúgbi, por sua vez, provocou pequena alteração no uniforme do Porteño: listras azuis escuras passaram a ser alternadas, no lugar das brancas, com o tom de azul mais claro já presente. A nova cor era uma referência ao então Sportive Française (atual Deportiva Francesa), clube da comunidade franco-argentina de onde haviam chegado reforços para o Teño; a camisa reserva, por sua vez, carrega o verde irlandês. Em 1935, ascendeu à segunda divisão, conseguindo em 1951 um lugar na primeira.
Porém, nunca obteve maior destaque na elite, jamais conseguindo nestes exatos sessenta anos que se passaram algum título na URBA (a União de Rúgbi de Buenos Aires, sucessora da do Rio da Prata e cujo torneio, apesar de provincial, é mais valorizado do que o próprio nacional), sendo caracterizado pelo sobe-e-desce nas divisões; atualmente, encontra-se na quarta, a mais baixa. A instituição, desde 1971, está sediada na pequena cidade de San Vicente, no limite sudoeste da Grande Buenos Aires.
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