Antes de tudo, cabe um pedido de desculpas por não estarmos falando aqui do Alumni, como prometido no especial “futebol e rugby” anterior. O motivo é que, nesta madrugada, a Argentina enfrentou a Escócia na Copa do Mundo. Então, nada mais condizente para que fosse abordado neste dia um clube cujo nome evidencia suas origens escocesas, pois Santo André é o padroeiro da Escócia, cuja bandeira carrega sua cruz em formato de X. Ainda mais quando o time em questão se trata do primeiro campeão argentino de futebol.
A St. Andrew’s Scots School, ainda ativa, fora criada na década de 30 do século XIX pela comunidade escocesa em Buenos Aires. Foi natural que, além do ensino da língua, costumes e religião das raízes, fossem ensinados e praticados esportes britânicos, dentre os quais o futebol. Em 1891, a recém-fundada Liga Argentina de Futebol da Associação realizou então o primeiro campeonato local do esporte.
Entre abril e setembro, cinco times, dentre os quais o Buenos Aires FC (que abriu esta série, aqui) e o de St. Andrew’s, realizaram partidas de turno e returno entre si. Ao fim, este e o Old Caledonians (curiosamente, outro time de nome referente à Escócia, chamada de Caledônia pelos antigos romanos) terminaram na frente, empatados em pontos após obtiverem os mesmos números de vitórias (seis), empates (um) e derrotas (uma).
Embora o Old Caledonians tivesse saldo de gols e número de gols pró mais favoráveis, não havia previsão de critérios de desempate e ambos foram considerados campeões. Coincidentemente, o mesmo ocorrera na Escócia, que também em 1891 finalizou o seu primeiro campeonato futebol; ali, o título foi dividido entre Dumbarton e Rangers, em torneio iniciado no ano anterior.
Todavia, como a associação argentina só possuía fundos para comprar medalhas suficientes para uma equipe, requisitou um jogo extra para decidir com quem elas ficariam. Foi uma verdadeira final escocesa, não só pelas origens dos dois postulantes, mas também porque seus elencos, incluindo os reservas, eram de fato inteiramente compostos por imigrantes da Escócia.
Naquele tirateima, o St. Andrew’s venceu por 3 a 1, com seus três gols marcados por Charles Douglas Moffatt. Os demais dez jogadores titulares da equipe vencedora daquele jogo eram F. Carter, L. Penman, W. Waters, F. Francis, H. Barner, A. Buchanan, J. Caldwell, A. Lamont, E. Morgan e J. Buchanan. Por causa dessa vitória, é largamente aceito nos dias atuais que ela foi a única campeã do primeiro torneio. A partida completou recentemente 120 anos, tendo sido realizada em 13 de setembro de 1891.
Uma segunda edição do campeonato deveria ter ocorrido no ano seguinte, mas discussões emperraram-na, sucumbindo com a própria associação. Uma nova Associação Argentina de Futebol da Associação então surgiu, sob orientação de Alexander Watson Hutton, da Buenos Aires English High School, considerado o patrono do futebol argentino. O segundo campeonato foi realizado em 1893.
Watson Hutton, que era escocês, fora anteriormente da St. Andrew’s Scots School, mas ela só veio a retornar na edição seguinte, a terceira, em 1894. Terminou em penúltimo e não voltou mais. A atual Associação do Futebol Argentino (a AFA), sucessora direta daquela nova associação, por sua vez, não reconhece oficialmente o pioneiro torneio de 1891 (bem como tal antecessora) e, com isso, a conquista do St. Andrew’s.
No futebol, o resquício para além das estatísticas deixado pelo clube está no uniforme do Independiente. O primeiro deles era o mesmo de um certo Plate United, onde jogara um dos fundadores do Rojo (que só em 1908 viria a usar camisa vermelha e assim ganhar tal apelido). A roupa do Plate, por sua vez, era baseada na de St. Andrew’s: camisa branca levando no peito o brasão da escola, que remete diretamente aos símbolos escoceses – a Cruz de Santo André branca sobre fundo azul envolta em cardos, a flor nacional da Escócia – e calções e meias em azul marinho (mantidos assim mesmo após a troca para a camisa vermelha).
O primeiro escudo do então Independiente Football Club (mais tarde, Club Atlético Independiente) consistia justamente em uma bandeira escocesa com a sigla IFC. Na última década, isto foi relembrado diversas vezes, com o time de Avellaneda utilizando camisas reservas brancas e/ou em azul marinho (cor-símbolo da Escócia) com o antigo distintivo. Entre elas, a usada no segundo jogo da final da última Copa Sul-Americana, contra o Goiás, no Estádio Libertadores de América.
Paralelamente aos primórdios dos diablos, em 1911, ex-alunos da St. Andrew’s Scots School fundaram o Club San Andrés, para manter seus vínculos com a antiga escola. O rúgbi seria um dos esportes adotados, embora a afiliação na União de Rúgbi do Rio da Prata só ocorresse em 1941. Exatos cem anos depois de sua criação, o San Andrés obteve apenas títulos de acesso. O futebol também é praticado, mas de forma amadora, com a equipe distante até das divisões inferiores. Logicamente, eles também se vestem de azul marinho, como as seleções escocesas.
***
Na Copa passada, a Argentina bateu a Escócia por 19 a 13 nas quartas-de-final, em jogo que obrigou a mudança de horário de nada menos que um Boca x River tamanha a expectativa. Quanto ao jogo disputado neste dia 25, os Pumas impediram de forma dramática a revanche dos Thistles (“Cardos”). Os sul-americanos não estiveram tão bem como nas suas duas partidas anteriores do grupo e o primeiro tempo encerrou-se com parcial vitória adversária por 6 a 3, de virada. No segundo, chegaram e empatar, mas os britânicos não demoraram a abrir 12 a 6 de vantagem.
Apenas o setor defensivo argentino funcionava bem, impedindo o oponente de converter um try, a jogada mais valorizada – no rúgbi, quem chega com a bola à linha de fundo adversária obtém cinco pontos para a sua equipe e ainda consegue o direito de obter mais dois pontos no chute de bola parada (a conversão) sempre oferecido a quem alcança o try; os demais gols, de bola parada ou rolando, valem três.
E foi através dela, alcançada por Lucas González Amorosino a sete minutos do fim, que os argentinos se salvaram. Encostaram ali no placar, fazendo 12 a 11, para em seguida virarem a partida, ao acertarem o chute de conversão. No tempo restante, os escoceses estiveram perto de efetuar um try, mas o resultado não se alterou mais, encerrando-se em 13 a 12 para nossos vizinhos, que assim passam a estar em situação confortável para avançar às quartas-de-final – na última rodada, enfrentam no dia 2 de outubro a Geórgia, enquanto a Escócia terá pela frente a arquirrival Inglaterra.
Argentina: Martín Rodríguez (Lucas González Amorosino), Gonzalo Camacho, Marcelo Bosch, Felipe Contepomi, Horacio Agulla, Santiago Fernández, Nicolás Vergallo, Juan Martín Fernández Lobbe (Genaro Fessia), Juan Manuel Leguizamón, Julio Farías Cabello, Patricio Albacete, Manuel Carizza, Juan Figallo, Mario Ledesma (Agustín Creevy) e Rodrigo Roncero (Martín Scelzo). Técnico: Santiago Phelan.
Escócia: Chris Paterson, Max Evans, Nick De Luca, Graeme Morrison, Sean Lamont, Ruaridh Jackson (Dan Parks), Rory Lawson (Mike Blair), Kelly Brown (Richie Vernon), John Barclay, Ally Strokosch, Jim Hamilton, Richie Gray (Nathan Hines), Geoff Cross, Ross Ford (Doug Hall) e Allan Jacobsen (Alasdair Jackson). Técnico: Andy Robinson.
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Mêo Dêos, errata braba minha: cem anos depois, não noventa (antepenúltimo parágrafo).
Sem proble, Caio. Parabéns por esse trabalho. Muito bom mesmo e principalmente agora com o arraso dos Pumas na Escócia. Dá-lhe Pumas!!!
Opa, obrigado! :)
Esta série ainda não chegou na metade, outros dela logo irão ao forno...
(erro corrigido)