Futebol e Política: Copa América
O alto número de estádios utilizados na Copa América (oito, contra seis na Copa de 1978 e três na Copa América de 1987) fez com que muitos refletissem sobre a possível relação entre a escolha das sedes e o interesse do governo no torneio. E o tema repercutiu bastante no Brasil, de modo que é relevante pensar no assunto.
Vale notar que reinou alguma confusão entre os que tematizaram a questão, tanto lá como cá. Alguns interpretaram que o governo premiou as províncias leais, e outros fizeram a leitura oposta: a escolha visou “amolecer” as províncias mais resistentes ao governo.
Nem uma coisa nem outra. Na verdade seria difícil fazer uma seleção baseada nesses critérios. Cristina Kirchner se reelegeu com folga em quase todas as províncias, mas em muitas delas teve dificuldade para eleger governadores leais. Todas as províncias escolhidas votaram majoritariamente na presidenta, mas várias elegeram governadores da oposição. Essas províncias seriam qualificadas então como leais ou opositoras ao governo?
Foram sedes a cidade de Buenos Aires e a província de Santa Fé, duas partes do país em que Kirchner teve vitórias apertadas e onde o governo não consegue emplacar seus candidatos locais há muito tempo. Mas também foram sedes as províncias de Salta e Jujuy, onde a presidenta é muito popular, alcançando 64% dos votos e elegendo tranquilamente os governadores que desejava. Não há dados para supor que simples critérios eleitorais tenham balizado as escolhas das sedes.
Mas o governo teve efetiva participação na decisão das sedes. A princípio a AFA elegeu cinco cidades para abrigar o torneio: La Plata, Santa Fé, Córdoba, Salta e Jujuy. A aliança com o kirchnerismo levou a entidade máxima do futebol argentino a incluir as outras três sedes: Buenos Aires, Mendoza e San Juan. Note-se que são regiões com perfil eleitoral muito distinto. Buenos Aires tem resistências à presidenta, mas Mendoza lhe deu 50% dos votos e San Juan 65%. Por que então escolher essas cidades em especial?
Simples: o governo queria demonstrar que (para citar o projeto de transmissão das partidas de futebol doméstico) o futebol é para todos. A inclusão das cidades citadas fez com que cada região do país tivesse duas sedes no torneio, exceto a Patagônia: Salta e Jujuy representando o Norte, San Juan e Mendoza o Cuyo, Santa Fé e Córdoba o Centro e Buenos Aires e La Plata a cidade/província de Buenos Aires.
O contraste desejado era com as competições anteriores. Em 1978 a copa teve como palco principal as regiões mais ricas do país. Foram sedes Buenos Aires (com dois estádios, o Monumental de Nuñez e o José Amalfitani), a província de mesmo nome (Mar del Plata, onde o Brasil jogou na primeira fase, cidade sem tradição futebolística além dos torneios de verão) e as ricas Rosário, Mendoza e Córdoba. Em 1987 a Copa América foi jogada em apenas três cidades, as maiores e mais ricas do país, Buenos Aires, Rosário e Córdoba. Claramente houve em 2011 a intenção política de exemplificar, através do futebol, a idéia de que uma nova Argentina nascia, e para todos, não apenas os mais prósperos, perfeitamente dentro da ideologia kirchnerista.
O que significa que dois dos elementos tidos como mais aberrantes da escolha das sedes (a ausência de um papel importante para Buenos Aires além de sediar a final e a grande importância dada a La Plata) não têm relação com o governo, que na verdade diminuiu essa “aberração”. No projeto original Buenos Aires sequer estava inclusa no projeto, e La Plata faria inclusive a grande final.
Na verdade, mesmo em um país tão politicamente polarizado como a Argentina essa foi claramente uma questão menor. A ingerência do governo na escolha das sedes do torneio não foi tida como um tema relevante, ainda que a grande imprensa, sempre pronta a criticar as ações governamentais, eventualmente tenha se pronunciado a respeito. Talvez não seja exagero dizer que se tratou de uma questão que interessou mais aos brasileiros que propriamente aos argentinos.
Ótimo texto! El fútbol es del pueblo! Fútbol para Todos!
Tiago, bacana essa série.
Porém, no início da série achei que os textos teriam uma análise mais neutra da atuação governamental. Porém observo um viés pró-governo.
Apesar de possuir simpatia pelas ideias de Jorge Altamira, não diria que sou contra ou a favor do Kirchnerismo.
Hoje na imprensa argentina todo programa governamental é 8 ou 80. Papel-jornal para uns é democratização da informação e para outros censura à liberdade expressão.
O Fútbol para todos é um assunto que pode ser analisado integrando tanto a ótica do Canal 7 quanto a do Grupo Clarín.
Boa observação, Ricardo. Te respondo da seguinte maneira: não sou kichnerista, e se pudesse votar na Argentina teria votado em Altamira na ultima eleição. Na verdade eu tenho tentado apresentar os dois lados. A questão é que como por aqui o viés de toda a imprensa (inclusive esportiva) é tão acentuadamente a favor da oposição que no fim eu acabo inserindo mais a perspectiva governista, já que a da oposição de direita é tão conhecida por todos graças a essa postura da nossa imprensa. Mas na verdade o post do FPT foi bem critico tanto ao governo quanto à oposição. Neste eu de fato acho que o discurso de quem critica o governo está errado, pois o kirchnerismo não deu muita pelota para a Copa América. E na verdade na Argentina isso nem foi muito alvo de assunto, tanto no governo quanto na oposiçao. Não acho que o governo esteja correto em sua postura frente ao futebol, mas acho que nossa mídia está mais errada ainda em ver o kirchnerismo simplesmente como um punhado de demagogos oportunistas e autoritarios.
Caro Tiago. Essa série foi bem esclarecedora pela análise de alguns fatos que eu desconhecia. Continuo achando a política NEFASTA E PODRE. E prefiro viver a ilusão que o futebol não tem nada a ver com isso.
Compreendi seu posicionamento Tiago.
Um abraço.