Há uma semana Cristina Kirchner tomou posse para um novo mandato presidencial. Tendo em vista que se trata de um governo que estabeleceu uma relação direta com o futebol, é um tema que merece reflexão no FP. Este post inicia uma série de especiais sobre a relação entre o atual governo argentino e o futebol do país, tentando ver os pontos de vista de todos os envolvidos no debate em torno do tema.
Que a relação governo-AFA tem objetivos políticos é algo que não se pode discutir. A AFA ganhou muito, já que passou a ter o respaldo das máximas autoridades do país, e controlou cada vez mais as transmissões de TV do futebol do país, incluindo a seleção nacional. O kirchnerismo, por seu lado, pôde utilizar o futebol como um exemplo a mais de que se preocupa com o bem-estar de todos os seus cidadãos, e não apenas da elite do país, o que é a idéia básica do governo desde a chegada de Nestor Kirchner ao poder.
No entanto, é preciso aprofundar o tema. Afinal, a imprensa brasileira normalmente lê o kirchnerismo pelo ponto de vista da oposição. E no que tange ao futebol as coisas não são distintas. As ações governistas nesse campo são vistas por aqui a partir de idéias muito simples, como “as sedes da Copa América foram escolhidas a partir da lealdade dos governadores das províncias ao kirchnerismo” ou “o televisionamento do campeonato argentino com dinheiro estatal é pura demagogia”. Nessa visão, o governo usa o futebol para se premiar os dóceis apoiadores e se vingar dos que o contestam, tudo em nome da demagogia. E os que contestam as iniciativas do governo são praticamente mártires à beira da morte por inanição por questionarem um governo semi-ditatorial.
Na verdade o quadro acima peca por uma surpreendente ingenuidade. Admite os argumentos dos opositores ao governo como “verdade”, vendo todas as iniciativas governistas no campo futebolístico como “manipulação”. E deixa de perceber algo muito simples: o discurso incorporado pelos jornalistas brasileiros ao defender tal ponto de vista é tão político quanto as ações governistas em relação ao futebol. Nada mais é do que a reprodução do que se vê nos meios oposicionistas, que permitem que a política influencie abertamente suas linhas editoriais, inclusive no que diz respeito ao futebol.
Tome-se como exemplo o maior grupo jornalistico do país, o Clarín. Apoiadores de primeira hora do kirchnerismo, romperam com o governo quando Cristina Kirchner apoiou a “ley de medios”, impedindo a concentração da posse dos meios de comunicação. E se tornou inimigo do governo de vez quando perdeu seus lucros fabulosos com o futebol desde que o campeonato local passou a ser transmitido pela TV Pública. Seus inúmeros veículos (que incluem importantes membros da imprensa esportiva, como o diário Olé e a rádio Mitre) estão proibidos de ressaltar qualquer elemento positivo da associação entre o governo e a AFA.
O segundo maior grupo de mídia argentina é comandado pelo empresário Daniel Vila, presidente do Independiente Mendoza e candidato eterno à presidência da AFA. Impedido pelo regimento da entidade de se candidatar às ultimas eleições (por não ter conseguido o número exigido de apoio entre os clubes), se proclamou “presidente da AFA” em uma eleição feita fora da entidade entre seus amigos e apoiadores. E os veículos de sua propriedade (que incluem a TV America e a rádio La Red, além de inúmeros do interior do país) endossaram essa idéia, dando como manchete a eleição de seu chefe à presidência da AFA, em uma situação que ultrapassou todos os limites do ridículo.
Quando um honesto jornalista brasileiro pega o telefone em sua redação e liga para um jornalista argentino em busca de informações sobre temas do futebol local, tem imensas possibilidades de encontrar um interlocutor de um desses veículos (aos quais se deve incluir o La Nacion, outro opositor ferrenho do governo, responsável pelo site esportivo Canchallena), com linha editorial imposta de cima, obrigados a descartar todos os elementos da parceria AFA/governo como fruto de demagogia e interesse político, retratando eles próprios como mártires da moralidade. Isso quando muito frequentemente nada mais são que vozes que defendem interesses que são tão políticos quanto os do kirchnerismo e os da AFA (o que aliás não difere muito do que vemos por aqui: qual a chance de um jornalista estrangeiro ligar para uma redação brasileira e ouvir que Lula e Dilma são simplesmente demagogos, corruptos e com poderes semi-ditatoriais?).
Em suma, é uma história na qual não há santos. Governo e AFA se uniram pelos seus interesses, e frequentemente são atacados por uma oposição (normalmente de tons acentuadamente direitistas) que também tem seus interesses igualmente político-monetários. E é essa complicada trama que tentaremos esclarecer ao longo desta série.
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Eu entendo o intuito de vcs, de mostrar o lado do governo. Mas cuidado pra não tentar justificar as ações deles. A demagogia dos kirchners é FATO. Se eles fazem isso por motivos x, narrem os motivos, mas não acusem de "ingenuo" quem ve demagogia na relação governo/afa.
Esse é o perigo: no afã de explicar a complicada relação futebol x politica, cria-se uma peça oficialista, em defesa do governo.
Marcelo, teus argumentos são válidos, mas o problema maior não é esse. É a imprensa se a suprema dona da verdade. Todo governo vai querer capitalizar politicamente com esse tipo de ação. Isso a gente sempre espera, por mais que seja errado.
O Olé (sim, aquele jornaleco odiado por aqui) só começou a descer o pau no Grondona - e nos barras - depois do lançamento do Fútbol para Todos, quando o velho escroto herdeiro de uma meretriz se juntou com o casal K. Antes, nem um pio. Dá pra desconfiar, não dá?
Completando: a rádio La Red é grotesca. Ouço boatos de trocas de favores, em dinheiro e espécie, para que seus apresentadores critiquem ou detonem alguém. Não há como provar cabalmente essas histórias, mas isso não significa que sejam todas falsas.
Lembra da briga Riquelme x Palermo no Boca? Pois bem: rola um lance por aí que o Palermo seria uma espécie de alcaguete do Macri, porque Román nunca foi amiguinho dos repórteres, de dar entrevistas exclusivas etc., em suma, de lamber o saco do poder. O Palermo lambia. E como. Até a faixa de capitão do goleador exibia slogans do PRO, o partido neocon liderado por Mauricio Macri, ex-presidente boquense (aliás, protegido pela mídia anti-K). Tem fotos e vídeos com indícios disso que falo. Com a saída do Palermo, o Boca se ajeitou. Porque acabaram os arreganhos nos bastidores.
Marcelo, ninguem aqui vai "defender" o governo e muito menos a AFA. E creio que isso ficou explicito no segundo paragrafo do texto. A questão é apenas tentar entender melhor o que está em jogo, para além de repetir um discurso que é tão político quanto o discurso oficial. Repetir o que o governo diz é tão acrítico quanto repetir o que a oposição diz. São dois discursos politicamente orientados, e assim devem ser tratados. E é a linha que está série irá adotar.
Amigos de PF, estão entrando num terreno muito difícil. Vocês já sabem disso, valeu pela coragem. Eu que moro já há quase 5 anos no Brasil sindo dificuldades para debater a política argentina sem ser acusado de K ou funcional à direita. Fica difícil mesmo dar uma opinião numa situação politica que não aceita terceiras opiniões.
Mesmo assim é uma das coisas que me da saudade, aqui não se fala de política exceto em círculos bem reduzidos. Tenho saudade daquela paixão para discutir tudo: política, futebol, música.
Abraços!
hola, me parece muy interesante la nota porque trabaja sobre temas que recien estan empezando a problematizarse y discutirse a nivel masivo. antes eran temas de los que solo opinaban los entendidos y si alguien que no era entendido se sumaba a la discusión era mirado con desconfianza. Futbol y politica siempre estuvieron entrelazados en Argentina y en otros lugares del mundo, pero prensa, medios de comunicación, futbol y politica también los estuvieron. Hasta los campeonatos recuperaron un poco de entusiasmo con Futbol para Todos, se estaban volviendo muy aburridos. Un abazo y Felicitaciones.