País cosmopolita, a Argentina não deixou de receber expressivo número de franceses. Já foi até governada por um na época colonial e por descendentes na ditadura – Alejandro Lanusse e Carlos Alberto Lacoste, que teria influenciado para a seleção vestir a marca Le Coq Sportif nos anos 80. Dos ícones máximos na música (Carlos Gardel) e na política (tanto Juan Domingo Perón como Evita tiveram antepassados gauleses) a um premiado Nobel em medicina (Bernardo Houssay), a colônia francesa no país também já rendeu diversos nomes de destaque ao futebol. Na via oposta, a França já recebia contingentes de argentinos muito antes de hermanos há mais de cem anos reforçarem os Bleus e criarem panelinhas em times franceses: a província de Buenos Aires tem a cidade de Boulogne sur Mer em homenagem à localidade de mesmo nome no Canal da Mancha na qual faleceu no exílio o herói-mor da independência, José de San Martín.
Esse intercâmbio para além das quatro linhas já foi destacado sobretudo em quatro Especiais publicados na época da Eurocopa de 2016, além de notas esparsas sobre os argentinos de sucesso nos principais times da França. A final do Mundial de 2022 é uma boa ocasião para compila-los.
Os argentinos da seleção francesa
Argentinos já praticavam futebol na França muito antes do advento da Lei Bosman, mesmo quando não possuíam origem gaulesa. Os primeiros usados pela seleção tinham sangue italiano e jogaram já nos anos 10, quando o foot ainda era amador. Foram os irmãos Paul e Félix Romano, que praticavam no Étoile de Deux Lacs. Paul, provavelmente nascido Pablo, foi o primeiro argentino nos Bleus, em 1911, por três partidas. Já Félix jogou só uma vez pela seleção, em 1913. Félix, porém, teria carreira mais conhecida: defenderia também a seleção italiana, após ir jogar no Torino. Na Itália, ele virou Felice Romano. É o único sul-americano que jogou por dois países europeus. Por ironia, o jogador dos Bleus e da Azzurra jamais foi da Albiceleste. Ele e o irmão emigraram cedo à Europa, sem registros de terem praticado futebol na Argentina.
Como os Romano, André Chardar, provavelmente nascido Andrés, desenvolveu a carreira já na França – principalmente no Sète, jogando algumas vezes nos anos 30 pelos gauleses. Também nos anos 30, Miguel Ángel Lauri, neto de um francês de sobrenome Larroi grafado com equívoco na imigração argentina, jogou uma vez pela França. Ao contrário dos anteriores, Lauri foi adquirido do futebol argentino, onde La Flecha de Oro (ele era veloz e loiro) brilhou no superataque do Estudiantes de 1931: explicamos aqui. Lauri, a quem já dedicamos este Especial, também defendera a terra natal, na Copa América de 1935. Jogou pela França em 1937, no embalo do auge do Sochaux.
Lauri tinha todas as credenciais para ir à Copa do Mundo de 1938, sediada na própria França. Mas ainda em 1937 optara por voltar ao Rio de Prata, reforçando o Peñarol a tempo de ser campeão uruguaio ao fim daquele ano com direito a gol do argentino no 4-0 decisivo sobre o rival Nacional na penúltima rodada; em teoria, ele até voltou ao Sochaux a tempo do Mundial, deixando o Peñarol em fevereiro de 1938, e esteve na comemoração do segundo e último título francês do clube da Peugeot. O entrave foi a falta de cidadania. O argentino abdicara do passaporte, assustado com a exigência que lhe viria de alistar-se nas forças armadas locais.
Seu primeiro sucessor foi uma das maiores lendas entre os treinadores de futebol. Ainda que Helenio Herrera, de argentino, só possuísse documentos de identidade: filho de espanhóis, cresceu na então colônia francesa do Marrocos. Como jogador, defendeu algumas das forças parisienses pré-PSG: o Red Star (esteve no último título do clube fundado por Jules Rimet, a Copa da França de 1942) e o Stade Français, hoje voltado ao rúgbi. Ainda no início da vitoriosíssima trajetória como técnico é que serviu aos Bleus, em 1947, conciliando com o mesmo trabalho no Stade Français. Em 1948, rumou ao Atlético de Madrid para fazer dele, por uns anos, a mais vitoriosa equipe da capital espanhola antes de levar seu toque de Midas também, em especial, a Barcelona e Internazionale.
Nos anos 60, houve os três argentinos seguintes dos Bleus. Em 11 de março de 1962, estrearam juntos o meia Ángel Rambert e o ponta-direita Héctor de Bourgoing, em derrota de 3-1 para a Polônia na qual De Bourgoing anotou o gol francês. Neto de um francês e formado no Lanús (cidade que por sinal deve seu nome ao franco-argentino que era proprietário da área), Rambert foi protagonista do maior momento do Lyon no século XX, antes dos lioneses sonharem com a era Juninho. Ganhou os primeiros troféus expressivos do clube, as Copas da França de 1964 e 1967. Teria ido à Copa do Mundo de 1966 se não calhasse de se lesionar pouco antes. Em paralelo, o atacante Néstor Rambert, irmão seu formado no Independiente, se mostrava um reserva útil justamente no rival Racing campeão argentino de 1966 e da Libertadores em 1967.
Vale um parêntese para falar da família. O sucesso de Ángel credenciaria Néstor a também eventualmente defender o Lyon, na virada para os anos 70 – filho do primeiro e consequente sobrinho do segundo, Sebastián Rambert defenderia algumas vezes a Argentina nos anos 90, no embalo do seu brilho pelo Independiente (clube para o qual o tio Néstor voltara a tempo de ser o primeiro técnico infantil de Sergio Agüero) campeão do Clausura 1994, da Supercopa 1994 (foram dele os gols do título) e da Recopa 1995. A carreira promissora não decolou tanto como se esperava, mas Sebastián ainda defenderia a dupla Boca e River, sendo justamente o último a fazer uma troca direta entre ambos, em 1997. E, ao trabalhar como assistente técnico do San Lorenzo nos anos 2000, fez da família Rambert a única envolvida com os cinco grandes do futebol argentino. Dedicamos a ela este Especial.
Também já dedicamos a De Bourgoing este outro Especial. É que, como Lauri, ele também defendeu antes sua Argentina natal – estreou inclusive ainda como jogador do modesto Tigre, em 1956. Em 1957, passou ao River e venceu a Copa América como reserva do astro Omar Corbatta e ao fim foi campeão argentino com o novo clube. Contudo, não bastou para ir ao Mundial da Suécia: o técnico Guillermo Stábile preferiu chamar apenas o próprio Corbatta como ponta-direita e levar mais centroavantes para as posições ofensivas. A falta de vitrine na Copa de 1958 não foi um empecilho: Gabriel Hanot, histórico jornalista esportivo do L’Équipe e idealizador da Liga dos Campeões e da Bola de Ouro, recomendara ao Nice a contratação do franco-argentino. Que viraria justamente um centroavante na Côte d’Azur.
A França não se classificou à Copa de 1962, usada como termo final de uma tolerância da FIFA a naturalizados que já houvessem defendido seus países de origem: por isso, a Espanha perdeu o argentino Alfredo Di Stéfano, o uruguaio José Santamaría e os húngaros Ferenc Puskás e László Kubala e a Itália já não contaria com os hermanos Omar Sívori, Humberto Maschio e Antonio Angelillo. A diretriz também só aceitava naturalizações de quem fosse filho de cidadãos da terra, o que atrasou a estreia de Néstor Combin pelos Bleus. Ele emigrou cedo à França a ponto de até cumprir lá o serviço militar. Descoberto em sua santafesina cidade natal de Las Rosas, faria dupla de sucesso precisamente com Ángel Rambert naquele Lyon campeão em 1964, anotando os dois gols do título.
No mesmo 1964 a FIFA relaxou um pouco a regra e permitiu naturalizações de netos com origens no país de adoção, o que era o caso de Combin – imediatamente utilizado pela França a partir de abril, nas eliminatórias à Eurocopa. Enquanto De Bourgoing seguia proibido, Combin pôde reeditar nos Bleus a parceira de sucesso que tinha com Rambert no Lyon e saltou ao futebol italiano. Ao contrário do velho parceiro, garantiu vaga na Copa do Mundo de 1966, embora uma fase ruim que atravessava o limitasse a ser usado no 1-1 contra o México. Rambert não foi à Inglaterra, mas De Bourgoing, então no Bordeaux, sim, sob vista grossa da FIFA. Após quatro anos, reestreou, mas também despediu-se: foi utilizado somente contra os velhos rivais uruguaios e até marcou gol, de pênalti, sem evitar a derrota de 2-1.
Combin, do seu lado, ainda defendeu a França em 1968, não tendo ignorado seu grande sucesso na Itália: foi um raríssimo campeão tanto na Juventus como no decadente rival Torino e, com o Milan, protagonizou – para o bem e para o mal – o primeiro título da equipe no Mundial Interclubes, já em 1969. É que sua imagem empapada em sangue ao retornar à Argentina para enfrentar o Estudiantes ajudou a afugentar os europeus da disputa. Também já dedicamos um Especial próprio sobre o atacante, ainda o último nativo da Argentina utilizado pela seleção francesa. Pois os nomes seguintes, embora detentores de cidadania argentina, nasceram todos na própria França. Foi primeiramente o caso de David Trezeguet, de origem francesa distante, herdada de um bisavô.
Trezegol nasceu por acaso na Normandia quando o pai Jorge, de carreira arruinada na Argentina após um antidoping positivo, jogava no Rouen – mostramos aqui. David cresceu na Grande Buenos Aires a ponto de torcer pelo River, formar-se no Platense e falar espanhol com sotaque portenho. Inclusive, estaria em uma pré-convocação de 40 jogadores da Argentina para o Mundial sub-20 de 1995 (no Qatar, por sinal), com sua ausência na lista final virando com o tempo o grande senão ao título da Albiceleste. Mesmo sem espaço em um Platense forte, a dupla cidadania de Trezeguet lhe credenciou a um mês de testes na pré-temporada do Paris Saint-Germain. O negócio não foi fechado com os parisienses, mas vingou com o Monaco e o resto é a história conhecida: o jovem foi em 1997 a seu próprio Mundial sub-20 e estreou na principal em 28 de janeiro de 1998, a tempo de garantir-se na Copa do Mundo como um reserva útil… que até comemorou com gorro alviceleste o título sobre o Brasil.
Trezeguet seria na sequência o herói da dramática conquista da Eurocopa 2000 e mesmo que passasse a vilão pelo pênalti perdido na final da Copa de 2006 ainda seguiu até 2008 na seleção. Época em que os Bleus já sondavam alguém recém-contratado pelo Real Madrid, o jovem Gonzalo Higuaín. Alguém com suas similaridades a Trezeguet: nascera na Bretanha por conta do pai, igualmente jogador (o ex-zagueiro Jorge, que pudera vestir as camisas do trio Boca, River e San Lorenzo), defender na época uma equipe local, o Brest. El Pipita passou anos indeciso até aceitar-se argentino já na complicada reta final das eliminatórias para a Copa de 2010, estreando com direito a gol naquele épico contra o Peru, embora os holofotes acabassem parando na redenção do veterano Martín Palermo.
A França precisou contentar-se com Neal Maupay, nascido de mãe argentina em Versalhes; curiosamente, ele ajudou por linhas tortas a Albiceleste, que descobriria um goleiro em Emiliano Martínez após El Dibu substituir de emergência no Arsenal o alemão Bernd Leno, lesionado acidentalmente por Maupay. Entre 2011 e 2014, enquanto Trezeguet reforçava sua argentinidade como um herói no regresso do River à primeira divisão antes de defender também o Newell’s, os golzinhos de Maupay ainda pelo Nice lhe fizeram defender as seleções sub-16. sub-17, sub-19 e sub-21 dos Bleus, mas terminou nunca atingindo nível para ter chances na equipe principal – que, livre dos gols perdidos de Higuaín, venceu a Copa do Mundo de 2018.
França, a primeira adversária argentina nas Copas
O primeiro duelo Argentina x França marcou justamente a estreia e o primeiro gol da Albiceleste em Copas. Os Bleus já haviam estreado, em 13 de julho, no 4-1 sobre o México, no antigo estádio do Peñarol em Pocitos – inclusive, marcando o primeiro gol do torneio, de Lucien Laurent. Apenas dois dias depois, conheceram então o estádio do Nacional. E o 1-0 não refletiu o que foi a partida, na qual a grande figura foi justamente as constantes defesas do goleiro francês Alexis Thépot: “até os postes e o travessão jogaram para ele!”, declararia Francisco Varallo. La résistance caiu só a dez minutos do fim, em petardo de Luis Monti cobrando uma falta. O próprio Varallo, cansado de perder chances, teria insistido para que o volante chutasse daquela vez… e deu certo.
A curiosidade é que o jogo foi encerrado antes dos 90 minutos pelo árbitro brasileiro, que, avisado do erro, ordenou a retomada quando alguns jogadores já haviam se trocado. E. por muito tempo, apesar do intenso intercâmbio entre os dois países, aquele foi o único duelo entre as seleções. Mas o encontro ganharia quase aura de clássico nos anos 60 e 70, a concentrarem quase todo o histórico. Em 3 de junho de 1965, o Parc de Princes viu um amistoso 0-0, sem que a França chegasse a usar algum dos três argentinos que naturalizara naqueles anos.
O mês de janeiro de 1971 viu dois novos amistosos: no dia 8, os visitantes em La Bombonera não se intimidaram e venceram por 4-3; remanescente do encontro anterior, Jean Djorkaeff, pai de Youri, até marcou um dos gols. Quatro dias mais tardes, Mar del Plata viu o troco: 2-0. O zagueiro argentino César Laraignée, com gols de pênalti nos dois compromissos, acabaria cavando uma transferência à terra das origens. Em 25 de junho de 1972, o Djorkaeff pai viveu seu quarto Argentina x França, dessa vez na Fonte Nova, pela Taça Independência – uma minicopa organizada pela CBD para os 150 anos do Grito do Ipiranga. Foi a rodada final da fase de grupos e as duas seleções terminaram co-líderes. Havia somente uma vaga para a fase seguinte e o melhor saldo de gols premiou os sul-americanos, cujo atacante Carlos Bianchi acabaria logo exportado à Ligue 1.
Apesar dos muito gols de Bianchi na liga francesa, ele não voltaria à seleção porque ela já podia contar em 1974 com a revelação Mario Kempes. Um de seus primeiros gols pela Argentina – precisamente, o segundo oficial – veio no amistoso pré-Copa em 18 de maio de 1974; foi o único no Parc des Princes. Em 26 de junho de 1977, então, os franceses voltaram a La Bombonera, casa provisória da Argentina ao longo daquele ano enquanto o Monumental era reformado para a Copa. O técnico argentino César Menotti ainda não havia encontrado a equipe-base e usou uma formação experimental bem diferente da consagrada dali a um ano: Héctor Baley, Jorge Carrascosa, Daniel Killer, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Américo Gallego, Omar Larrosa e Ricardo Villa, Pedro González, Leopoldo Luque e René Houseman decepcionaram no 0-0.
Mas em 6 de junho de 1978, agora pela segunda rodada da Copa do Mundo, o Monumental até viu Michel Platini empatar o placar aberto por um pênalti convertido por Passarella. Mas o grande craque dos Bleus, já derrotado na estreia para a Itália, saiu amargurado com uma eliminação precoce na fase de grupos: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Passarella e Tarantini, Gallego, Osvaldo Ardiles e José Daniel Valencia, Kempes, Luque e Houseman venceram a partir de um golaço de um Luque que ainda não sabia da morte de um irmão naquela mesma data – no que foi a última derrota francesa em Copas para seleções sul-americanas.
Platini seria a grande ausência do encontro seguinte, um amistoso pré-Copa em 26 de março de 1986. Maradona estava em campo no Parc des Princes, mas não evitou derrota por 2-0. A Alemanha Ocidental depois impediria uma final de Copa do Mundo entre os dois grandes craques. E seria preciso aguardar mais de vinte anos por novo duelo entre as seleções adultas, já que as duas favoritas ao título em 2002 inventaram de caírem ainda na fase de grupos; nos juvenis, destaque à final de 1998 do tradicional Torneio de Toulon: Lionel Scaloni esteve do lado vencedor por 2-0, gols de Walter Samuel (hoje um de seus assistentes) e Francisco Guerrero, em uma Argentina em que Riquelme vestia a camisa 8 enquanto a 10 era curiosamente de Guiñazú – enquanto a equipe de Raymond Domenech alinhava Mickaël Silvestre, Louis Saha e Frédéric Kanouté, depois adotado pela seleção do Mali.
Em 7 de setembro de 2007, então, Trezeguet enfrentou pela única vez a Argentina. No Stade de France, Javier Saviola marcou o único gol. O Vélodrome foi o cenário do encontro de 11 de fevereiro de 2009. Novamente, a Albiceleste não se inibiu e foi vitoriosa em gols de Jonás Gutiérrez e de Messi. E então vieram as oitavas-de-final de 2018. A melhor partida da Argentina na Rússia não bastou naquele 30 de junho, quando Kazan viu um dos jogos mais frenéticos do torneio: Kylian Mbappé abriu cedo seus trabalhos ao só ser derrubado com pênalti, prontamente convertido por Antonie Griezmann. Mas a atrapalhada equipe de Jorge Sampaoli achou um gol no fim do primeiro tempo (Ángel Di María), outro no início do segundo (Gabriel Mercado) e empolgava.
Mas então Benjamin Pavard achou um golaço que se acerta uma vez na vida. Dez minutos depois, já estava em 4-2 diante da incapacidade argentina em brecar a partidaça de Mbappé, autor de mais dois gols. Didier Deschamps deu-se ao luxo de tira-lo junto com Grizmann e quase se deu mal: Sergio Agüero acertou a cabeça já no minuto 45 e permitiu acréscimos de abafa argentino. E houve mesmo uma boa chance final de um empate, mas o êxito do chuveirinho não se repetiu e Deschamps livrou-se de uma prorrogação sem seus homens-gol.
A influência francesa no futebol argentino
A primeira divisão conta com três clubes cujas localidades homenageiam franco-argentinos: o Lanús é de cidade homônima (onde nasceu Diego Maradona) que remete ao sobrenome do antigo proprietário da região. Das divisões inferiores, o Defensores de Cambaceres, da cidade de Ensenada, remete ao escritor e político Eugenio Cambacérès. O Deportivo Laferrere é da cidade que leva o nome do político e dramaturgo Gregorio de Laferrère. Há ainda a cidade de Bel Ville, no interior cordobês. Não tem tanta expressão, mas pariu Mario Kempes, Osvaldo Ardiles (e Hernán Barcos).
Já o Boca tem sua La Bombonera endereçada na rua que relembra o coronel parisiense Frédéric “Federico” de Brandsen, personagem das guerras de independência da Argentina, assim como Jacques “Santiago” de Liniers, vice-rei nos anos coloniais que batiza o bairro do Vélez – cujo maior artilheiro, Carlos Bianchi, recebeu o apelido de Virrey por causa desse vice-rei bem antes de ser justamente o artilheiro mais efetivo em média de gols na história do campeonato francês. Fica a curiosidade de outro militar francês que viveu na Argentina: Antoine de Saint-Exupéry, o autor de “O Pequeno Príncipe”.
O Racing, por sua vez, deve o nome ao franco-argentino Germán Vidaillac, fundador que portava uma revista francesa que mencionava a palavra Racing na capa. Para algumas versões, a revista se referia ao Racing de Paris, clube hoje voltado ao rúgbi juntamente com o Stade Français outrora treinado por Helenio Herrera, mas cujo time de futebol chegou a vencer a seleção brasileira em 1963. O rúgbi argentino, aliás, conta com a Deportiva Francesa, que revelou dois dos maiores jogadores da seleção da bola oval, o pilar Rodrigo Roncero e o fullback Juan Martín Hernández (sobrinho de Patricio Hernández, jogador da seleção de futebol na Copa de 1982).
A imigração francesa ecoa no futebol argentino desde os primórdios, caso do primeiro grande ídolo do Boca: filho de franceses, Bleo Pedro Fournol acabou mais conhecido como Calomino, sobrenome da família que o criara; já dedicamos este Especial ao pai da “pedalada”, também um dos líderes da primeira Copa América ganha pela Albiceleste, em 1921. A comunidade fez-se presente também já na primeira Copa do Mundo – um dos gols da Argentina na final de 1930 foi de Carlos Peucelle, filho de um imigrante gaulês segundo o livro Quién es Quién en la Selección Argentina, que o descreve como um atacante rápido, técnico e de senso coletivo. Foi sua ida do Sportivo Buenos Aires ao River no ano seguinte que originou o apelido de Millonarios a este clube.
Peucelle justificaria cada centavo: é considerado um dos pais de celebrada La Máquina, o grande elenco dos anos 40; ainda jogando quando esse time nascia e depois, como assistente técnico, indicando novas peças. Quando já tinha 32 anos, Peucelle chegou a marcar três gols pela Argentina em um 6-1 no Brasil, em 1940. Já dedicamos a ele este Especial. E talvez sua grande contribuição ao futebol tenha vindo após parar de jogar: é considerado o descobridor de ninguém menos que Alfredo Di Stéfano, que dispensa comentários. O próprio Di Stéfano é possivelmente o mais ilustre franco-argentino do futebol, pois sua mãe, Eulalia Laulhé Gilmont, era filha de um francês (com uma irlandesa).
Outro de comprovada origem francesa foi o lateral Lucas Orban, daquele Tigre vice da Copa Sul-Americana 2012; ele ao menos declarou que seu sobrenome vem de um avô franco-basco, não devendo levar acento. Recém-chegado ao Bordeaux, Orban estreou na seleção argentina em um 0-0 com o Equador em novembro de 2013. Não se firmou, só participando de outra partida, dois anos depois (2-0 sobre El Salvador), embora desde 2017 integre a ascensão do Racing.
Os jogadores abaixo, por sua vez, têm sobrenomes franceses (alguns franco-bascos, como o de Orban), mas não confirmamos que teriam raízes na França. Suas presenças na nota são meramente especulativas. Afinal, considerando apenas a Europa, a língua francesa abrange também Bélgica, Luxemburgo, Mônaco, Suíça e cantos menores de outros países:
Família Le Bas: presente no auge futebolístico do Atlético del Rosario, antigo Rosario Athletic, um dos primeiros clubes do futebol argentino e o primeiro rosarino no campeonato, em 1894. Contando com Alberto, Alfredo e Ricardo Le Bas, o time venceu três vezes a Copa Competencia (torneio que na virada do século XIX para o XX opunha clubes portenhos, rosarinos e uruguaios) e ainda é a equipe rosarina com mais troféus internacionais no futebol. Ricardo era o mais destacado: tinha sido até campeão suíço em 1901, com o Grasshoppers. Os Le Bas (o sobrenome significa curiosamente “O Baixo”) também foram campeões nacionais em 1905 no rúgbi, esporte que virou o foco principal do clube – um dos fundadores, em 1899, da federação argentina da bola oval.
Amadeo Vernet: volante da primeira década da seleção, nos anos 1900. Jogou nela vindo de outros dois clubes voltados atualmente ao rúgbi, o San Isidro e o Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires.
José Durán Laguna: primeiro presidente do Huracán, foi um dos primeiros jogadores deste clube na seleção, além de ter participado dos primórdios também do Independiente. Estreou pela Argentina de uma forma pitoresca: foi na primeira Copa América, em 1916, no primeiro Brasil x Argentina desse torneio. Ele estava na plateia e foi “convocado” no improviso para substituir alguém. E acabou fazendo o gol da Argentina no empate em 1-1. Nos anos 20, participou como jogador e depois como treinador nos primeiros títulos argentinos do “seu” Huracán. Também foi um dos raros negros utilizados pela Albiceleste. Foi o técnico do Paraguai na Copa do Mundo de 1930. Lá ficou conhecido como José Laguna Durand – daí sua inclusão nessa lista especulativa.
Roberto Sancet: zagueiro que ao jogar pela seleção em 1919 se tornou o primeiro representante do Gimnasia LP nela.
Juan Carlos Adet: centroavante dos primórdios do Almagro, no auge do clube, jogou pela seleção (quatro vezes, em 1919) vindo do Columbian, um dos times que dariam origem aos tricolores.
Jaime Chavin: ponta-esquerda que esteve nos primeiros títulos argentinos do River (pelo torneio de 1920) e Huracán (1921), e também na primeira Copa América vencida pela Argentina, em 1921. Era apelidado de El Ruso mesmo.
Ernesto Malbec: volante central com pouco mais de uma dezena de jogos pelo Racing entre 1920 e 1921, ano do oitavo título argentino do clube – onde destacou-se mais como cartola; chegou a presidi-lo no biênio 1933-34 e também em 1936.
Julio Rivet e Juan Carlos Laularette: ambos raros jogadores dos extintos Del Plata e Progresista, respectivamente, a jogarem pela seleção. O ponta Rivet atuou seis vezes em 1922, incluindo na Copa América e o meia-direita Lalaurette, uma, em 1923, contra o Brasil.
Alfredo Carricaberry: ponta do primeiro grande momento do San Lorenzo, onde passou dez anos e esteve nos três primeiros títulos argentinos do clube, nos anos 20. El Vasco esteve no título da Copa América de 1927 (a primeira que a Argentina ganhou fora de casa) e foi medalha de prata nas Olimpíadas de 1928.
Félix Loustau: El Chaplin foi um dos seleto cinco presentes em todo o recordista tricampeonato seguido da Argentina na Copa América, apesar das taças virem em anos seguidos, nas edições de 1945-46-47. E ele foi o único titular absoluto. Ponta-esquerda da celebrada La Máquina do River, clube que defendeu nos anos 40 e 50. Apesar de diversas fontes apontarem seu sobrenome como de origem francesa (é bem aparente como corruptela de Lousteau e com isso preferimos mantê-lo nessa lista especulativa), Loustau se considerava descendentes de hispano-bascos, e seu sobrenome era narrado à maneira espanhola de ler. Dedicamos-lhe este Especial. Há também, sem parentesco com o craque, gerações de árbitros argentinos com o sobrenome Loustau, dos quais Juan Carlos Loustau trabalhou na Copa de 1990 enquanto o filho Patricio Loustau, na de 2014 – também apitou a final entre Palmeiras e Santos pela Libertadores 2020.
Mario Boyé: há fontes que dizem que o sobrenome também pode ter origem alemã. Fato é que El Atómico, a quem já dedicamos este Especial, foi primeiro ponta a ser artilheiro do campeonato argentino, em 1946. Ídolo de Boca e Racing, Boyé foi outro dos cinco presentes em todo o recordista tri da Argentina na Copa América, e fez o primeiro gol argentino em Wembley. Sem parentesco com ele, Lucas Boyé, formado no River e hoje no Elche, estreou pela seleção em 2022, mas não se garantiu no Qatar.
Norberto Pairoux: centroavante que sofreu com dura concorrência na seleção em meio à dourada geração dos anos 40. Revelado no Atlanta, foi campeão no Independiente em 1948 e foi uma das estrelas atraídas pelo Eldorado Colombiano (no seu caso, pelo Deportivo Cali).
Juan Carlos Auzoberry: profissionalizado já na França, o defensor viveu todos os dourados anos 50 do Nice.
Roberto Marteleur: saiu da várzea de Quilmes para ser o primeiro argentino do Lyon, em 1959.
Orlando Gauthier e Héctor Maison: não jogaram juntos, mas vale falar de ambos de uma só vez. É que em 1957 eles chegaram a ser enfrentar como estrelas principais de Excursionistas e Argentino de Quilmes, respectivamente, em jogo decisivo para evitar o rebaixamento à terceirona. Nunca decolaram na terra natal, mas a origem pareceu facilitar uma carreira digna da dupla na França: na década seguinte, Gauthier passaria oito anos entre Nancy, Lille e Aix (participou do único acesso deste clube à elite, em 1967). Maison esteve no Nice, que ainda respirava seu auge dos anos 50; e no Lyon, então modesto – e que com ele venceu o segundo troféu de sua história, a Copa da França de 1967.
Osvaldo Dandru: atacante de poucos registros no Newell’s, foi colega de Maison naquele Nice.
Rolando Robinet e Carlos Robelle: se profissionalizaram já na França, respectivamente do Toulon e do Rouen nos anos 60.
Oscar Malbernat: em um time mau afamado como o Estudiantes dos anos 60, seu capitão era um volante refinado, descrito dessa forma em 1968 até pela revista oficial do Manchester United(derrotado pelos pincharratas no mundial daquele ano). Presente em todo o tri seguido na Libertadores do clube de La Plata, El Cacho passou rapidamente pela seleção, mas justamente nos anos marcados pela ausência na Copa do Mundo de 1970. Já dedicamos este Especial a Malbernat.
Família Subiat: Néstor Gilberto Subiat era reserva do Vélez nos anos 30. No futebol argentino, o mais proeminente foi seu filho, Gilberto Alejo Subiat, camisa 10 do Platense quase finalista de 1967 (eliminado pelo Estudiantes de Malbernat em sensacional virada de 4-3). Gilberto Alejo jogou depois na França pelo Mulhouse, clube onde o filho Néstor Gabriel Subiat, nascido ainda na Argentina em 1966, profissionalizou-se. Néstor Gabriel depois foi jogar no futebol suíço pelo Lugano, naturalizou-se e defendeu a Suíça na Copa do Mundo de 1994. Falamos aqui.
Héctor Toublanc: meia de anos obscuros no Argentinos Jrs, foi mais um exportado mais pela praticidade da cidadania extra do que pela categoria. Defendeu o Rennes em 1970.
Juan Carlos Trebucq: meia-atacante revelado no Gimnasia LP e com passagem razoável no River no fim dos anos 60. Seus melhores números apareceram na França, pelo Troyes.
César Laraignée: apelidado de El Turco embora seu sobrenome seja uma corruptela de L’Araignée (“A Aranha”), foi um zagueiro bastante técnico que teve o azar de viver o período do longo jejum do River, onde foi colega de Trebucq. Pela seleção, curiosamente, dois de seus três gols foram sobre a França, em dois amistosos seguidos na Argentina, em 1971. No ano seguinte passou ao Reims, onde passou meia década convivendo com diversos jogadores argentinos. Tio materno do ex-corintiano Juan Manuel Martínez.
Néstor Mourglia: não deixou lembranças no Vélez, mas pôde defender o Lyon na temporada 1976-77.
Pedro Larraquy: este meia é quem mais vezes jogou pelo Vélez no século XX, clube que defendeu 455 vezes dos anos 70 aos 80 – ainda é o segundo na lista geral, ultrapassado apenas por Fabián Cubero. De bom controle de bola e jogo aéreo, com o tempo se converteu em zagueiro. Esteve pela Argentina na Copa América de 1979.
Oscar Garré: jogador que mais vezes defendeu o Ferro Carril Oeste, entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80 – e único a vencer a Copa do Mundo como atleta verdolaga, como lateral titular na metade inicial do certame de 1986. Embora fosse justamente o atleta mais criticado da delegação. Contamos neste Especial dedicado a ele.
Miguel Ángel Gambier: na Argentina, protagonizou uma das maiores viradas que o país já viu, o 3-2 do Platense sobre o River em pleno Monumental após derrota parcial de 2-0. Fez os três gols e o resultado, na última rodada, serviu para evitar o rebaixamento do Tense. Depois venceu a segunda divisão por Lanús e Colón.
Oscar Passet: revelado no Unión, El Flaco foi dono do gol do San Lorenzo na maior parte dos anos 90. Esteve no dramático título do Clausura 1995, que quebrou o maior jejum sanlorencista na elite (21 anos). Chegou a ser testado na seleção, mas sem se firmar.
José Antonio Chamot: lateral-esquerdo formado no Rosario Central, onde foi profissionalizado em 1988 e destacou-se a ponto de receber ainda antes da Copa de 1990 uma primeira convocação à seleção – embora só viesse mesmo a estrear já em 1993, em plena repescagem ao Mundial dos EUA. Àquela altura, estava desde o segundo semestre de 1990 moldado a ferro em lutas pela permanência no futebol italiano, inicialmente no Pisa e então no auge do Foggia. Titular na Copa de 1994, cavou transferência à ascendente Lazio, onde ficou por quatro temporadas, representando-a na Copa de 1998. Como jogador do Milan, iria também à de 2002, mesmo já às voltas com lesões.
Pablo Rotchen: bom zagueiro do Independiente vitorioso de 1994-95, esteve na seleção na Copa América de 1997.
Eduardo Coudet: colega do jovem David Trezeguet no forte Platense de 1994, o volante nunca chegou à seleção por mais que se consagrasse por diferentes camisas argentinas. Foi titular na épica Copa Conmebol do Rosario Central sobre o Atlético Mineiro em 1995, colecionou títulos argentinos com o River na virada do século e também soube ser querido no San Lorenzo (tendo diferentes passagens, embora sem troféus) e no Racing – já como treinador do time campeão argentino em 2019. Na nova função, deixou viúvas no Internacional de 2020.
Darío Dubois: era daquele jogador cult das divisões de acesso, mais pelo chamativo visual maquiado ao estilo Kiss, Robert Smith ou Misfits. Esse zagueiro de quarta e quinta divisão associou-se mais ao Ferrocarril Midland. Infelizmente, acabou misteriosamente assassinado em 2008.
Matías Donnet: ídolo no Unión, teve seu grande momento no último Mundial Interclubes vencido pelo futebol argentino. Foi dele o gol de empate do Boca contra o Milan, em 2003, taça que isolou os auriazuis como time argentino mais vezes campeão mundial (e um dos quatro sul-americanos, ao lado de Peñarol, Nacional e depois São Paulo). Acabou eleito oficialmente o melhor em campo, embora seja lembrado no Boca mas como um talismã pontual do que como ídolo.
Germán Denis: último nome destacado revelado no sumido Talleres de Remedios de Escalada, foi um goleador sem troféus de um Independiente em crise; é o maior artilheiro do clube no século XXI, mas nunca pôde ser campeão no Rojo. Chegou a jogar pela Argentina já como jogador do Napoli, mas nunca consolidou-se como conseguiria na recente ascensão da modesta Atalanta. Já veterano, foi reserva do Lanús (ironicamente o tradicional rival daquele Talleres) vice da Libertadores 2017.
Juan Mercier: ex-jogador dos rivais Platense e Argentinos Jrs (onde esteve no último título do clube, o Clausura 2010), o volante foi um dos pilares do sólido meio-campo do San Lorenzo campeão pela primeira vez na Libertadores, em 2014.
Ricardo Noir: atacante pouco expressivo profissionalizado em 2008 no Boca, conseguiu passagens por Newell’s, Huracán e Racing. Teve bom retrospecto em um Banfield decadente, seu clube entre 2012 e 2015.
Pablo Mouche: seu sobrenome significa literalmente “Mosca”, condizente com o patamar nada artilheiro desse atacante de poucos gols pelo Boca, pelo Palmeiras e por onde mais jogasse. Ainda assim, esteve brevemente na seleção, nas equipes caseiras usadas entre 2011 e 2012.
Gabriel Hauche: El Demonio é mesmo um endiabrado segundo atacante que soube mostrar serviço nas seleções experimentais caseiras; foram três gols em cinco jogos pela Argentina (entre 2009 e 2011), normalmente em partidas em que o técnico Maradona ou o sucessor Sergio Batista usaram apenas jogadores do campeonato argentino. Foi peça regular do Argentinos Jrs campeão pela terceira e última vez, no Clausura 2010, bem como no Racing campeão no Transición 2014, primeiro título argentino racinguista desde 2001. Viraria filho pródigo nos dois clubes.
Pablo Magnin: atacante que ascendeu duas vezes com o Unión à elite, em 2011 e 2014.
Rodrigo de Paul: outrora um ponta promissor que o Racing apressou-se a vender em maio de 2014 ao Valencia, calhando de perder a conquista daquele Transición. Gradualmente, passou a volante e começou a ser notado já a partir de 2018, com a Udinese. Virou indiscutido escudeiro de Messi na Argentina vencedora na Copa América de 2021, encerrando jejum de 28 anos.
As panelinhas argentinas no futebol francês
A dominância até opressiva do Paris Saint-Germain na Ligue 1 mascara que o campeonato francês é historicamente marcado pelo equilíbrio entre ciclos de diversos clubes. E os argentinos têm influência marcante nesse contexto, inclusive no futebol parisiense pré-PSG. O Red Star venceu a segunda divisão de 1938-39 como o iniciante treinador Guillermo Stábile, ex-jogador da casa – em um elenco com os hermanos Alejandro Scopelli, seu ex-colega na Copa de 1930, e Oscar Tarrío, ambos recém-campeões da Copa América de 1937. Mas, com o estouro da Segunda Guerra Mundial em seguida, Stábile não ficou para a glória: na ocasião da volta olímpica, o comandante já era Auguste Chantrel enquanto o artilheiro da Copa de 1930 iniciava décadas de trabalho à frente da seleção argentina.
O Red Star teria outros argentinos na sua história, a exemplo dos já citados Helenio Herrera e Néstor Combin – assim como o Racing de Paris, o Stade Français, o Cercle e o Paris FC, as outras camisas da capital que já apareceram na Ligue 1. Nenhuma delas chegou a ser marcada por algum conjunto volumoso de argentinos (a não ser no rúgbi, que viu Racing e Stade emergirem a partir do final dos anos 90 e se rechearem de talento hermano), mas já mereceram este Especial.
Quem sim tratou de reunir uma colônia foi, primeiramente, o Sochaux, de auge em paralelo àquele acesso do Red Star. O já citado Miguel Ángel Lauri não estava sozinho naquele auge da equipe da Peugeot: convivia com Raúl Sbarra, Oscar Tellechea e os uruguaios Héctor Cazenave (que defenderia a França na Copa de 1938, ao contrário do argentino), Ramón Ithurbide, Pedro Duhart (igualmente utilizados pelos Bleus, em outras ocasiões) e Ramón José Irigaray. Os dois únicos títulos do Sochaux na nascente Ligue 1, em 1935 e (já com aquele tempero rio-platense) em 1938, chegaram a ser o suficiente para fazer dele o maior campeão francês até os anos 50, quando um Nice reforçado com outros hermanos o superou.
Foi a década dourada dos rubro-negros, que nela ganharam todos os seus quatro títulos franceses – 1951, 1952, 1956, 1959. Também levantaram naquele tempo duas das suas três Copas da França, em 1952 e 1954. Héctor González (1951-61) esteve em todos os troféus. Juan Carlos Auzoberry (1954-64) também passou dez anos na Côte d’Azur. Luis Carniglia (1951-55, marcando nas duas finais da Copa, além de técnico no título de 1956) e o matador Rubén Bravo (1954-57), ex-Botafogo, também venceram no período.
O time da Riviera, ainda que sem o êxito dos anos 50, recebeu ainda recebeu Alberto Muro (1956-59), Osvaldo Dandru (1959-64), o citado Héctor de Bourgoing (1959-63), Héctor Maison (61-64), Horacio Barrionuevo (66-67), Rafael Santos (66-69), Raúl Nogués (1980-81), Rolando Barrera (1985-87), Jorge Domínguez (85-86), Ariel Cozzoni (1990-91), Pablo Rodríguez (2002-03), Pablo Dolci (2003-06). Também formou o citado Neal Maupay e foi um dos primeiros clubes da carreira de Carlos Bianchi como treinador.
A panelinha seguinte de sucesso foi aquela do Lyon dos anos 60, não limitada a Combin e aos irmãos Rambert. O segundo título na Copa da França, em 1967, veio com gol de Ángel Rambert em dupla com o citado Héctor Maison – formado no Tigre antes de ser polido naquele Nice. Os lioneses, que hoje abrigam Nicolás Tagliafico, tiveram ainda uma porção de outros argentinos desde o pioneiro Roberto Marteleur (em 1959), mas normalmente solitários em Gerland: o ponta Claudio García venceu a Ligue 2 em 1989 e outro, César Delgado, participou da conquista final na Ligue 1, concluindo o hepta em 2008.
Mas bem maior foi o sucesso individual do colega Lisandro López, contratado junto ao Porto em 2009 para suprir a saída do garoto Karim Benzema ao Real Madrid. Licha não venceu a Ligue 1, mas fez meio gol por jogo no campeonato (59 em 119 partidas) e foi a principal referência da melhor campanha lionesa na Liga dos Campeões, parando nas semifinais de 2009-10 – ele poderia ter ido à Copa do Mundo se não tivesse concorrência tão mais badalada no ataque, como contamos nesse Especial dedicado aos argentinos do clube.
Em paralelo àquela fase do Lyon dos anos 60, o Nantes vencia com o bi de 1965 e 1966 os seus primeiros títulos franceses, com a dupla Rafael Santos e Ramón Müller. Dos sete troféus do clube, cinco viriam exatamente entre meados dos anos 60 e 70. As vitrines do estádio de La Beaujoire receberiam os troféus também em 1973, 1977 e 1980, além da Copa da França de 1979. Tempos de uma nova colônia: foi como jogador do clube que o lateral Ángel Bargas (1972-79) tornou-se o primeiro a jogar pela seleção argentina vindo do futebol europeu, em 1973. Iria à Copa do Mundo de 1974 e no estádio Beaujoire repetiu a dupla com o ponta xará Ángel Marcos (1971-75), vitoriosa no Chacarita campeão argentino pela única vez, em 1969.
Bargas jogou também com Hugo Curioni (74-75), ex-Boca, que se destacaria mais como goleador no Metz; e também Oscar Müller (74-84) e Víctor Trossero (78-80). Os dois últimos foram campeões com o zagueirão Enzo Trossero (1979-81), sem parentesco com Víctor e grande ídolo no Independiente. Les canaris ainda abrigariam Víctor Ramos (84-85), Jorge Burruchaga (85-92), Julio Olarticoechea (86-87), Javier Mazzoni (1997), Néstor Fabbri (98-2002), Sergio Comba (98-99), Diego Bustos (98-2000) e Julio Rossi (2005-07).
Enquanto Burruchaga venceria como jogador auriverde a Copa do Mundo de 1986, o zagueiro Fabbri esteve nas últimas taças do clube: as outras duas Copas da França, no bi de 1999 e 2000, e a última Ligue 1, em 2001. Mais recentemente, o time amou o trágico Emiliano Sala. Já dedicamos este Especial para a influência argentina no Nantes.
Já o Monaco teve seu primeiro argentino em Raúl Conti (1953-56) e demorou a colher. Vieram na sequência Eduardo Gianella (64-65), Miguel Pérez (66-67), José Cammamari (67-68) e então uma panelinha inicial com dois ídolos do Independiente, Aníbal Tarabini (73-75) e José Omar Pastoriza (73-76), juntando-se ao superartilheiro Delio Onnis. Simplesmente brigaram contra o rebaixamento. Sem eles, Onnis – nascido na Itália, mas crescido na Argentina como um ídolo de Almagro e Gimnasia e considerado argentino a ponto de não concorrer à Bola de Ouro da própria France Football, ainda restrita a europeus – enfim foi campeão em 1978, agora junto ao meia Raúl Nogués (1977-80) e do zagueiro Heriberto Correa (1976-79), paraguaio que havia jogado pela Albiceleste nas eliminatórias à Copa de 1974.
Nogués e Onnis também venceram a Copa da França em 1980. Onnis, até hoje maior goleador do clube, seria o grande rival de Carlos Bianchi nas lutas pelas artilharias na Ligue 1, em duelo digno de Messi e Cristiano Ronaldo: cada um conseguiu cinco vezes. O Principado também apreciou o zagueiro Juan Simón (1983-86), campeão da Copa da França em 1985 (ele depois jogaria todos os minutos da Copa do Mundo de 1990), e o veterano atacante Ramón Díaz (1989-91), campeão nela em 1991, última vez em que ela foi vencida pelos monegascos – a ausência de Díaz ao mundial de 1990, como desafeto de Maradona, foi uma das maiores injustiças da convocação.
Monte Carlo depois celebrou em 2000 a conquista francesa regida pela dupla de David Trezeguet (1996-2000) com Marcelo Gallardo (1999-2003), eleito naquele ano o melhor jogador da Ligue 1. Desde então, os monegascos só voltaram a ganhar o torneio na base da revelação Mbappé, em 2017. Mas puderam sentir o gosto de uma final de Liga dos Campeões em 2004, com o armador Lucas Bernardi (2001-08) e o lateral Hugo Ibarra (2003-05), nomes históricos de Newell’s e Boca.
Marcado por títulos bissextos, o Monaco também já contou com Víctor Trossero (1980-81), Omar da Fonseca (86-88), Javier Saviola (2004-05) e Sergio Almirón (2007-08), dentre outros, compilados neste Especial dedicado ao clube.
Fundado em 1970, o Paris Saint-Germain também já foi contemplado com um Especial só para si. Afinal, seus primeiros argentinos datam ainda de 1977 e o time procurou não fazer feio, contratando o zagueiro Ramón Heredia (vice europeu com o Atlético de Madrid em 1974, ano em que esteve na Copa do Mundo) e o matador Carlos Bianchi – cujo brilho como treinador ofusca que, enquanto jogador, El Virrey foi um homem-gol à altura de Messi.
Bianchi, de fato, seria o maior artilheiro do campeonato argentino se não passasse tanto tempo no futebol francês – e vice-versa, pois sua média de gols (sobretudo os 107 em 124 jogos pelo Stade de Reims) era mais expressiva que a do “rival” Delio Onnis. Só na Cidade-Luz, foram 60 gols em apenas 70 jogos. Desses gols, 37 vieram na temporada 1977-78 e só foram superados no clube pelos 38 de Ibrahimović em 2015-16. O detalhe é que saíam em um contexto em que os parisienses sequer chegavam ao 10º lugar, o que só engrandece os feitos individuais de Bianchi no Parc des Princes.
Osvaldo Ardiles foi o primeiro jogador que representou o clube na seleção argentina, em 1982. Omar da Fonseca esteve no primeiro título francês, em 1986. Gabriel Calderón seria o primeiro a disputar uma final de Copa do Mundo como atleta do PSG, em 1990. Mas uma panelinha propriamente dita tardou até a temporada 2001-02, reunindo o atacante Martín Cardetti aos defensores Mauricio Pochettino e Gabriel Heinze.
Poch pôde ir ao Mundial da Ásia enquanto El Gringo Heinze, ainda desconhecido na ocasião para o grande público, emergiu na sequência – em tempos modestos, significou muito o título da Copa da França de 2004, junto a Juan Pablo Sorín. Quem não se deu tão bem foi um Gallardo veterano, em 2007. Heinze, por sua vez, queimou-se ao virar a casaca – com sucesso. Ele e Lucho González conviveram entre 2009 e 2011 no Olympique de Marselha, o “inimigo” em Le Classique.
Os argentinos do Olympique também já mereceram Especial próprio. Os marselheses já reuniam desde os anos 50 alguns deles – sobretudo entre 1974-77, período em que o Vélodrome chegou a ver simultaneamente o citado Raúl Nogués junto a Alfredo Troisi e os consagrados Héctor Yazalde (primeiro argentino a lograr a Chuteira de Ouro europeia, algo que só Messi também conseguiu dentre os hermanos) e Norberto Alonso, o primeiro a representar a seleção vindo do OM.
Mas o máximo alcançado naquele período dos anos 70 foi o título na Copa da França de 1976, com Nogués e Yazalde titulares. No auge, o time chegou até a sonhar seriamente com a contratação de Maradona em 1989 e o desejo foi recíproco, mas Dieguito terminou, a contragosto, segurado firmemente pelo Napoli, apesar de promessa de liberação caso vencesse a Copa da UEFA daquele ano. Sobreveio então o famoso rebaixamento como punição extracampo aos subornos detectados na temporada 1992-93.
Os ciel et blancs nunca mais foram os mesmos e só puderam vencer a Ligue 1 uma outra vez, já em 2010, justamente com Heinze (que pôde defender a seleção vindo de dois rivais europeus, algo raro) e Lucho. Mas a nova década acabou então marcada por um PSG turbinado pelo Qatar. Javier Pastore foi o primeiro medalhão da nova era e, mesmo não chegando ao patamar de protagonismo que chegou a esperar-se de quem chegou a ser visto como “novo Messi”, abriu caminho no Stade de France para Ezequiel Lavezzi, Ángel Di María, Giovani Lo Celso, Leandro Paredes, Mauro Icardi, uma volta de Pochettino como treinador… e, claro, o próprio Messi.
Messi, contudo, é justamente o único argentino no plantel atual, após um expurgo creditado a um Mbappé transformado em todo-poderoso pelos dirigentes. Condimento extra para a final talvez mais desejada pelos xeques do Qatar.
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