Conhecida pela qualidade e quantidade na renovação e exportação dos jogadores, a Argentina segue ampliando seu mercado no futebol e hoje possui grande destaque na formação de treinadores, que ocupam cargos mundo afora. Diego Simeone, Marcelo Bielsa, Mauricio Pochettino, Jorge Sampaoli, José Pékerman, Tata Martino, dentre outros, são frutos do primoroso trabalho realizado pela ATFA, a Associação de Treinadores do Futebol Argentino, que forma cerca de 1.000 treinadores por ano.
O argentino Leo Samaja vive em Florianópolis e coordena a ATFA no Brasil, que já existe há dois anos. Para saber mais sobre, o Futebol Portenho entrevistou Leo, responsável por todas as atividades da instituição no país.
Leo, além de coordenador, você é treinador? Há quanto tempo atua na função?
Sim, sou treinador profissional formado na ATFA e desde 2006 venho realizando trabalhos em categorias de Base como Treinador no Futebol Argentino e tendo colaborado ademais com diferentes comissões técnicas no futebol profissional.
Qual a relação existente entre a ATFA e a AFA?
Nossa escola é o braço acadêmico da AFA, e instituição responsável pela formação obrigatória de todos os treinadores argentinos, contando hoje com convênios de colaboração com várias Federações do continente em matéria formativa, recebendo profissionais e atletas em atividade dos diversos países de América para sua formação e crescimento como futuros treinadores.
Além da formação de treinadores, quais são os objetivos do curso?
O objetivo central é a formação integral do profissional para torná-lo um treinador inteligente, o que consideramos o único caminho possível para alcançar o verdadeiro objetivo de nossa profissão que é transformar simples atletas em verdadeiros jogadores inteligentes, pensantes, capazes de saber do jogo e decidir com base no conhecimento.
Qual a duração do curso da ATFA? Ele é realizado somente de maneira presencial?
O curso de treinador profissional tem uma duração de 2 anos sendo completado de forma online (em português para o Brasil) e após ter aprovado as 18 matérias, devendo realizar o exame presencial final em Buenos Aires. Trata-se do mesmo plano de estudo, duração e título que o fornecido na modalidade presencial.
Existe algum pré-requisito, formação acadêmica, para realizar o curso?
Para poder completar o curso, o interessado deverá ser maior de 25 anos e contar com ensino médio. Não exigimos nenhuma outra formação acadêmica. Em nosso país, como também no resto dos países de nossa região, assim como na Europa, o Professor de Educação Física cuida da preparação física dos atletas, não se envolvendo na função do Treinador. Para tomar o comando, deve-se contar com um preparo específico para a função. Nosso curso cumpre com essa missão, formar treinadores fornecendo as ferramentas necessárias para liderar um grupo de atletas de base ou de elite. Por essa razão, ademais dos treinadores que tiveram a sorte de viver do esporte como atletas, temos também aqueles que provêm de diferentes profissões alheias ao futebol: médicos, advogados, engenheiros, psicólogos, etc.
Quantos alunos o Brasil possui na ATFA?
Atualmente contamos com 50 alunos ativos no Brasil.
Em relação aos alunos brasileiros, quais as virtudes e dificuldades mais encontradas?
Começando pelas virtudes, os brasileiros que chegaram a nossa escola se aproximaram com um grande espírito e sede de conhecimentos. O desejo de alcançar transformações acredito seja uma das maiores virtudes. Em relação às dificuldades, nossa escola propõe um sistema de avaliação e atividades que devem ser cumpridas em prazos definidos. Alguns alunos se encontraram com um modelo de trabalho que não permite fugir das responsabilidades ou adiar prazos de cumprimento. Esta rigidez do modelo, dentro de um curso que se apresenta dinâmico e flexível em muitas outras questões, representou para muitos alunos um grande obstáculo a ser superado. Porém, rapidamente compreenderam que a responsabilidade exigida de forma inegociável por parte de nossa escola tem sua razão de ser. Nossa profissão exige tal responsabilidade, então devemos no início de nossa caminhada incorporá-la a nossos hábitos.
Qual o valor da mensalidade do curso no Brasil?
O valor é de R$ 700 por mês ao longo dos 2 anos de curso.
Existe uma estimativa sobre em quantos países a ATFA forma treinadores?
Além de recebermos alunos em nossas 40 escolas presenciais na Argentina, a modalidade à distância representa uma sala de aula global. Temos alunos (treinadores e assistentes, atletas em atividade, ex-atletas, jornalistas, ou simples apaixonados pelo nosso esporte) de todos os países sul-americanos, e muitos outros países tais como Espanha, Portugal, Estados Unidos, Austrália, China, dentre outros.
Com o diploma em mãos, o novo treinador poderá atuar em qualquer país vinculado à FIFA?
Sim, nosso título é aceito e reconhecido no mundo inteiro. Tratando-se de uma escola de grande prestígio e história, esse reconhecimento foi conquistado com base nos resultados já demonstrados, além de participarmos ativamente em todos os congressos de futebol que são organizados no mundo. Na Europa a equivalência é dada com a Licença UEFA A, e na Ásia com a Licença AFC A, permitindo em ambos os casos comandar qualquer equipe profissional
Qual a principal diferença entre o treinamento esportivo no futebol da Argentina e do Brasil? Existe alguma vertente mais buscada pelos argentinos?
A obrigatoriedade do título fez com que nossos treinadores e preparadores físicos não se conformassem com o lugar alcançado. Existe na Argentina um espírito de competição permanente entre os profissionais que se encontram no comando, seja em escolinhas, base ou mesmo profissional. Isso inevitavelmente fez com que o futebol de base se enriquecesse e assim o futebol profissional continue sendo alimentado de forma permanente. Embora a política dentro do futebol seja similar, a grande diferença a encontramos com a impossibilidade de que qualquer amigo ou familiar de um membro da diretoria, ou mesmo um ex-atleta sem ter passado as horas exigidas com os livros entre suas mãos, possa assumir um cargo de treinador sem a devida competência. Em relação às vertentes, procuramos nunca trair nossa essência. Respeitamos nossa tradição, o futebol que nasceu em nosso solo e aceitamos com humildade o conhecimento que vem de fora. Procuramos tomar o melhor, aquilo que é novidade, porém adaptando-o à nossa realidade. Nenhum clube argentino se permitiria imitar um futebol que não tenha nosso DNA.
Existem muitos comentários sobre uma divisão de escolas no futebol da Argentina, a de Menotti e Bilardo. Para você, existe alguma predominante atualmente?
Essa divisão é antiga, uma briga em realidade mais filosófica que física. Faz parte de um símbolo que nos empurra, porém não divide. O símbolo tem isso, para alguns representa uma coisa e para outros, uma coisa bem diferente.
Bilardo representa um futebol voltado à praticidade e o resultado, ganhar ou ganhar, muitas vezes sem importar o como. Entendemos que ambas são caras de uma mesma moeda. Nosso desafio é conviver com ambas, aprender de ambas, e que cada treinador disponha das ferramentas que permitam escolher o caminho a ser percorrido.
Como você enxerga a questão sobre os rodízios com o elenco dentro de uma competição? Existe uma maneira para que a prática seja melhor assimilada?
Não existe uma receita mágica que funcione para todos, nem em todo momento. Porém, desde minha ótica, como treinadores devemos alcançar o grande objetivo que é a conformação de um grupo. Isso implica identificar os diferentes níveis de nossa estrutura. Trabalhamos durante a semana para a conformação da escalação ideal, temos um 11 na cabeça e corremos atrás para materializar essa nossa ideia. Mudar permanentemente acaba muitas vezes gerando uma confusão na dinâmica de grupo. O rodízio é necessário sempre que de acordo com nossa planificação e os períodos de carga e descarga de nossos atletas. O descanso é necessário, então o rodízio obrigatoriamente faz parte da rotina. Porém, se o rodízio for produto da confusão ou pela priorização do resultado em vez do funcionamento, o final já conhecemos todos.
Ricardo Gareca, hoje com destaque na seleção peruana, ficou conhecido pelo excelente trabalho no Vélez, sobretudo na renovação da equipe e lançamento de novos jogadores. Seria possível definir por que Gareca não deu certo no Brasil?
Difícil responder sem ter respirado o oxigênio do vestiário que ele teve de enfrentar. O futebol não é só aquilo que se observa dentro de campo. Existem outros fatores que levam um treinador a ter sucesso ou não em uma equipe: o relacionamento com a torcida, com a diretoria, com a imprensa, e fundamentalmente com o vestiário. Por um lado, o fato de Gareca ser Argentino já gerou certa resistência, dentro e fora do grupo. Porém não posso dizer que a nacionalidade dele foi o passaporte ao fracasso. Dar uma opinião desde fora sempre é mais fácil, porem exige uma maior responsabilidade. Posso dizer que ele no Velez contou com tempo para trabalhar, a diretoria acreditou no trabalho dele, deu carta branca para interagir com a estrutura de base, e correram todos atrás de um mesmo objetivo.
E a Seleção Argentina, como você tem visto? Tem preferência por algum treinador?
A Seleção Argentina trata-se de uma equipe de estrelas que carrega nas costas uma mochila muito pesada: a conquista. A era pós Maradona não tem sido fácil, da mesma forma que para o Brasil superar a perda do Pelé foi também um caminho de lágrimas que engoliu uma geração inteira de filósofos da bola (Zico, Sócrates, Júnior, entre outros) cobrando deles em vez de maravilhar-se com o que eles conseguiam fazer: tornar simples o complexo.
O Tata Martino é um treinador que respeito e admiro. Já revolucionou o futebol Paraguaio, foi escolhido para comandar a melhor equipe de todos os tempos do Barcelona, porém infelizmente em um momento inadequado (prévio a uma Copa do Mundo). Acredito terá sua grande prova daqui a dois anos na Copa do Mundo, onde poderá trabalhar para a conformação de uma equipe repleta de estrelas, o que parece fácil fazer estando sentado no sofá da sala.
Em relação a preferências particulares, Marcelo Bielsa e Diego Simeone são treinadores que conseguem trabalhar em diferentes situações, diversos modelos e esquemas, e uma grande penetração no núcleo dos grupos que comandam. Pekerman pela praticidade e clareza. Da nova geração, Diego Cocca, Gabriel Milito e Guillermo Barros Schelotto acredito que tenham tudo para dar certo.
Existem jogadores que mesmo durante a carreira já estudam na ATFA para futuramente serem treinadores? Hoje por exemplo, quem já realiza o curso?
Na Argentina trata-se de uma prática habitual. Embora não todos com o claro objetivo de se tornar treinadores no curto prazo, porém para crescer como futebolistas adquirindo um conhecimento integral do jogo, o que os torna mais inteligentes e capazes, verdadeiros treinadores dentro do campo sendo respeitados e reconhecidos como líderes positivos. Atualmente Javier Mascherano (Barcelona), Pablo Zabaleta (Manchester City), Martin Demichelis (Marchestar City), Andrés D’Alessandro (River Plate), Lucas Pratto (Atlético Mineiro), Bryan Ruiz (camisa 10 da seleção de Costa Rica e atualmente no Sporting de Lisboa), Júnior Díaz (lateral da seleção de Costa Rica e atualmente no futebol alemão), Diego Forlán e Marcelo Zalayeta (ambos do Peñarol do Uruguai), Juan Mercier (San Lorenzo), Mauro Cetto (Rosario Central), são só alguns dos atletas que se encontram em atividade e que em paralelo estão se preparando para esse futuro.
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