Rubén Darío Insúa parece ser mais conhecido no Brasil como o técnico do Barcelona de Guayaquil vice para o Vasco da Gama na Libertadores de 1998, conforme entrevista que deu em 2020 ao Correio Braziliense. Ainda como jogador do time equatoriano, deu trabalho ao São Paulo na edição de 1992 da competição. Mas, na Argentina, ele é todo um símbolo no San Lorenzo, inclusive como treinador campeão da primeira Sul-Americana (que não teve vitrine no Brasil: os times daqui não jogaram aquela edição 2002…), e, em menor grau, do Independiente – onde experimentou final em uma terceira competição continental, a Supercopa.
El Gallego – apelido comum na Argentina a espanhóis e descendentes – faz hoje 60 anos. Hora de relembrar o ex-volante, que não tem parentesco com outros Insúa ilustres (nos anos 2000, Emiliano e Federico também jogaram pela seleção).
Estrela solitária no San Lorenzo rebaixado – e quase campeão imediato na elite
Nascido no bairro de Parque Chacabuco, nas vizinhanças dos redutos sanlorencistas em Boedo, pisou pela primeira vez no clube aos 12 anos e só sairia dali aos 25, já como um volante completo que, admirador de Falcão, sabia armar jogo e também se sujeitar às fricções defensivas. Ele estreou em 10 de dezembro de 1978, contra o San Martín de Mendoza. Foi entrando no lugar do ponta César Lorea em derrota por 2-0 fora de casa, já pela 11ª rodada do Torneio Nacional. Para a sua posição, o clube já tinha um craque em Claudio Marangoni – ídolo de um certo Fernando Redondo e que, curiosamente, também teria muito êxito com o Independiente.
Mas o ápice da crise econômica pelas bandas do bairro de Boedo fizeram o clube (lanterninha em seu grupo naquele Nacional 78, ocasionando na demissão de um maestro feito Adolfo Pedernera), além de vender seu estádio Gasómetro, desfazer-se do próprio Maranga para o Sunderland. Assim, o novo técnico, Carlos Bilardo, começou a dar mais chances ao garoto de 18 anos, fogueado em campanhas de metade inferior de tabela tanto no Metropolitano como no Nacional. Mas foi em 1980 que Insúa realmente firmou-se, como um volante com alguma chegada ao ataque – marcando inclusive seus primeiros golzinhos: no 2-2 em Santa Fe com o Colón, em um 3-2 sobre o River e no 2-2 com o Instituto.
Contudo, o time realmente não ajudava: no Metropolitano 1980, os cuervos foram a última equipe salva da degola, por três pontos, sem se livrar de uma lanterna no Nacional. Em 1981, El Gallego foi um dos garotos que, em meio a reforços estelares sem êxito feito Omar Larrosa, Rubén Suñé ou Héctor Scotta, se empenharam para desatolar o time da fuga contra um rebaixamento ainda inédito. Deixou três gols na reta final, em vitórias sobre Talleres (2-1, na 23ª rodada), 6-2 dentro de Córdoba sobre o Instituto (29ª rodada) e 3-2 sobre o River na 32ª e antepenúltima, quando o Ciclón pareceu ter pinta de que escaparia.
Não deu, mesmo que o time dependesse apenas do empate para se livrar na rodada final. A torcida o caçou ao apito final – mas para implorar que ele permanecesse no clube, o que foi simbolizado por um torcedor aleijado que buscou aproximar-se dele para fazer esse pedido. É uma das anedotas presentes no verbete dedicado a El Gallego no Diccionario Azulgrana, que começa exatamente assim: “a geração mais sofrida de cuervos, aquela que padeceu o descenso, o venerou como se fosse uma divindade. Por carisma, bondade e uma entrega incondicional às cores (…). E anos mais tarde confessou que aquela súplica pesou consideravelmente para tomar a decisão de jogar o torneio da Primera B“.
Foi o primeiro rebaixamento de um dos cinco grandes argentinos – que não deixou de ser admitido no Torneio Nacional de 1981. Onde até ficou a dois pontos da classificação, perdidos, em cruel ironia, para paródia San Lorenzo de Mar del Plata (Insúa inclusive marcou, nos 3-2 no balneário). Mas, em março de 1982, o rebaixado no campeonato argentino mostrava nível equiparável a quem estava para competir na Copa do Mundo: com dois gols de Insúa, convertido em um veterano de 21 anos, o Sanloré venceu por 2-0 a seleção de El Salvador em amistoso não-oficial.
El Gallego seria o caudilho do time que, arrebatando mais público do que boa parte dos jogos de primeira divisão, conquistou sem problemas a Primera B – foram onze gols, metade deles de pênalti, incluindo no jogo do acesso (sobre o El Porvenir, no estádio do Vélez). A volta ao nível principal em 1983 começou satisfatória, avançando-se à segunda fase de grupos do Torneio Nacional, agora realizado no primeiro semestre. Assim, Insúa já esteve na primeira convocação do novo treinador da Argentina, Carlos Bilardo, para amistoso contra o Chile em 12 maio (2-2 em Santiago), embora não chegasse ainda a entrar em campo naquela ocasião.
Em paralelo, o próprio Bilardo tomava as rédeas também da seleção juvenil, que em junho participaria do tradicional Torneio Esperanças de Toulon. Insúa foi chamado… o que também brecou uma possível transferência. Ao Barcelona.
“Maradona, Schuster e Insúa [uma referência ao aguardado trio de estrangeiros imaginado pelos catalães]. Queria morrer…. mas nesse instante havia uma excursão na França e tinha que decidir… escolhi a seleção. A nós nos ensinaram que o mais importante é a camiseta nacional. E não me arrependo”, garantiu ele recentemente. Na competição, Bilardo coordenou uma garotada que, além de Insúa, incluía futuros campeões mundiais (Pumpido, Batista, Ruggeri, Héctor Enrique), vices (Comizzo, Monzón) e ainda gente do quilate de Ricardo Gareca e Gerardo Tata Martino.
Só o líder de ambos os grupos de quatro times avançava à decisão e a Albiceleste prevaleceu sobre a URSS, onde os nomes mais ilustres foram os de Lyutyi, Zygmantovich (adversários da Argentina na Copa de 1990), Mykhaylychenko (da Sampdoria campeã italiana) e de Hamlet Mkhitaryan, pai de Genrikh; sobre a França de Bats e Bellone, de triste memória aos brasileiros em 1986; e sobre a Irlanda. A decisão, em 12 de junho, foi contra o Brasil de Luvanor, Zé Teodoro, Wilson Gottardo, Luís Carlos Winck e Mirandinha “Newcastle” – do time do técnico Sebastião Lapola, somente o zagueiro Júlio César iria a uma Copa do Mundo.
E quem abriu o placar foi Insúa, cobrando pênalti, aos 20 minutos de jogo. Mesmo sem jogar bem, como reconhecido até pela revista Placar, os canarinhos encontraram o empate sete minutos depois (com o são-paulino Nelsinho cobrando direto para o gol uma falta de dois toques, em lance que, para desespero argentino, não foi invalidado) e prevaleceram nos pênaltis por categóricos 3-0. Mas, onze dias depois, o volante foi recompensado, estreando pela seleção principal. Foi em outro amistoso contra o Chile, em Buenos Aires, vencido por 1-0, ainda que saindo do banco para substituir Carlos Arregui, em 23 de junho.
Em paralelo, o Torneio Metropolitano começara ainda em 11 de junho. Em 26 de junho, Insúa marcou o primeiro de seus dez gols naquele campanha, em 3-1 sobre o Unión. Os recém-chegados da segundona e sem casa própria (o San Lorenzo alugou basicamente o estádio do Vélez, como naquela partida) simplesmente brigaram seriamente pelo título. Em paralelo, seu craque foi chamado à Copa América, travada entre julho e agosto. Nela, acabou usado somente em um polêmico 2-2 com o Equador em Quito. Substituiu o atacante Víctor Ramos numa tentativa de Bilardo em reforçar a defesa, mas o time da casa, que perdia por 2-0, buscou o empate aos 44 do segundo tempo.
Já naquele Metropolitano 83, o volante seguia intocável no Ciclón: anotou ainda em 3-2 sobre o Racing de Córdoba fora de casa, em derrota de 3-2 para o Independiente, duas vezes em um impiedoso 4-0 no River, em 3-2 sobre o Nueva Chicago, em 4-3 sobre o Temperley, duas vezes em 3-0 no returno contra o Racing de Córdoba e em 3-3 em reencontro com o River. Contudo, por um mísero pontinho a mais, o Independiente sagrou-se o campeão, no famoso 2-0 sobre o rebaixado rival Racing.
O concorrente acabaria prevalecendo também na seleção, fornecendo três meio-campistas à futura equipe de 1986 – Giusti, Bochini e Burruchaga, amparados por um ano de 1984 marcado por títulos do Rojo na Libertadores e no Mundial. Antes dessas conquistas os referendarem, Insúa teve seus últimos minutos pela seleção, ainda em janeiro de 1984, com a grande campanha de 1983 bem fresca. O que não mudou foi a sina de só jogar saindo do banco: a Argentina viajou a Calcutá para disputar a amistosa Copa Nehru. Ele substituiu Jorge Domínguez no 1-0 sobre a anfitriã Índia, José Ponce no 1-1 com a Polônia, Carlos Arregui na zebraça de 1-0 aplicados pela China e enfim foi titular nos 3-0 sobre a Hungria.
Justamente sua única partida como titular foi a última por seu país, a despeito das qualidades reconhecidas em si no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, a descrevê-lo como “um eficaz jogador central, de boa arrancada e mais que correta distribuição da bola. Um futebolista artista, talvez não de todo reconhecido” embora cravasse que também seria “algo apático”. Em 1984, embora Insúa marcasse apenas sobre o Newell’s, apatia não seria exatamente a descrição ao momento sanlorencista; o time sem casa própria chegou às semifinais do Nacional.
Mas foi também a época em que a relação começou a azedar com a diretoria. Não só os salários atrasavam: a falta de fundos resultava até em falta de água nos chuveiros. As campanhas afrouxaram: no Metropolitano de 1984, já despencou-se para 8º. No Nacional de 1985, queda precoce. No segundo semestre, então, o calendário argentino adotou fórmula europeia, com a temporada 1985-86. O time foi 7º e El Gallego, autor de três gols, acertou com o Las Palmas após a liguilla pre-Libertadores. Vale voltarmos ao Diccionario Azulgrana sobre como se deu o negócio: “renunciou à dívida que o clube mantinha com ele para cedê-la ao departamento de futebol amador. Gestos de um cara nobre. De um grande cara”.
Estudiantes e Independiente
Só que Insúa não durou no futebol espanhol na temporada 1986-87; foi imediatamente repatriado pelo Estudiantes a ponto de começar a marcar gols já na 7ª rodada, em pleno clássico com o Gimnasia. E foram muitos gols para um volante: nove gols (em especial, um 3-0 dentro de Avellaneda sobre o Racing), apenas três de pênaltis, por um time que terminou só em 11º. A de 1987-88 parecia pior, com um 16º lugar ao mesmo tempo em que o Pincha não aproveitou sua volta às vitrines internacionais: no primeiro semestre de 1988, a Conmebol projetou a Supercopa, troféu que duraria até 1997 para reunir somente campeões da Libertadores.
Era uma boa chance para times tradicionais em declínio, como a própria equipe de La Plata. Mas, naquela edição inaugural, os alvirrubros caíram de 4-1 agregados já nos primeiros duelos. Foi contra o Flamengo, que ainda assim se interessou seriamente no volante, conforme ele relembrou naquela entrevista ao Correio Braziliense; mas, como ele próprio esclareceu àquela nota, os cariocas optaram por repatriar o ídolo Renato Gaúcho junto à Roma. O volante, por sua vez, iria ao Independiente.
Ninguém reclamaria ao fim de uma curiosa temporada 1988-89. Curiosa por, para começar, pelo experimento que também foi usado no Brasileirão de 1988: ao invés de dois pontos, as vitórias valeriam três, e os empates seriam definidos em pênaltis a conferirem um ponto extra ao vencedor. Mas também pelo primeiro turno ver a liderança se dividir entre o rival Racing e o Boca, logo isolado à frente, com sete pontos de vantagem para o retrovisor do Rojo em dado momento. Se entrosando perfeitamente com a lenda Bochini, Insúa e colegas cresceram no returno a ponto de encerrarem ainda na penúltima rodada um jejum de cinco anos, tempo demais a uma torcida mal acostumada.
El Gallego marcou notáveis doze gols – nos mais simbólicos, aplicou a lei do ex em 1-0 sobre o San Lorenzo e abriu a virada de 2-1 sobre o Deportivo Armenio no jogo que garantiu taça. Naquele 1989, a Supercopa já foi disputada no segundo semestre. Curiosamente, Insúa terminou o torneio como artilheiro: marcou em cada duelo contra o Santos nas quartas-de-final e na última semifinal com o Argentinos Jrs. Mas, na decisão, o Boca teve seu troco. O volante converteu o pênalti dele na decisão por penais que terminou por decidir a taça em Avellaneda após dois 0-0, mas os visitantes levaram a melhor. Ironia: o maestro do lado rival era Marangoni.
Na temporada 1989-90, a lei do ex foi praticada cruelmente, ainda que ele evitasse comemorar os gols: 4-1 no San Lorenzo no primeiro turno, 3-3 com dois dele no returno que fizeram quase metade dos sete gols do volante saíram contra a antiga torcida. Insúa, curiosamente, também dava a vitória ao Independiente sobre a própria seleção uruguaia em amistoso não-oficial em pleno estádio Centenário, mas a Celeste empatou no minuto 90. O Independiente foi bem naquela temporada, mas o River foi ainda melhor: o Millo deixou o Rojo de vice no campeonato argentino por sete pontos a mais (as vitórias haviam voltado a valer dois…) e o eliminou nas quartas da Libertadores.
O vice argentino não bastou para classificar o Rey de Copas à Libertadores 1991 (e nem para Bilardo reaproveita-lo na seleção para a Copa de 1990, preferindo somar José Basualdo e Pedro Troglio à base de 1986 para o meio-campo): a segunda vaga era dada ao vencedor da liguilla e, embora o time avançasse à decisão dessa repescagem, terminou derrotado pelo Boca. Assim, o segundo semestre foi sob clima de fim de festa: o Nacional prevaleceu já nos primeiros duelos na Supercopa, ainda que o volante marcasse o dele. Outros três gols saíram no Apertura 1990, onde o Independiente despencou para 10º lugar.
O tardio brilho internacional
No início de 1991, El Gallego, que recusara no passado o Barcelona catalão, reforçou o equatoriano, então vice-campeão da Libertadores, e onde já vinham brilhando alguns ex-colegas (notavelmente Carlos Alfaro Moreno, ex-Independiente, e Marcelo Trobbiani, ex-Estudiantes). A equipe de Guayaquil caiu na fase de grupos na edição de 1991, mas terminou o ano campeã nacional. Na Libertadores de 1992, então, um Insúa de 31 anos computou cinco gols, regendo um Barcelona quase finalista novamente: nas semifinais, o São Paulo relaxou após os 3-0 no Morumbi, passando aperto com um 2-0 no Equador.
O duelo com os tricolores poderiam ter inclusive se repetido na decisão de 1993: os aurinegros caíram justamente para a Universidad Católica, nas quartas-de-final. Em 1994, ele atravessou a fronteira para reforçar o Deportivo Cali, mas sem ter o mesmo êxito; em 1995, já reaparecia nas divisões de acesso argentinas com o Quilmes. Sem vingar, pendurou as chuteiras no Cervecero em 1996. Para já em 1997 recobrar sucessos no Barcelona de Guayaquil, treinando o elenco campeão equatoriano – e levando-o às finais da Libertadores de 1998. Naquela entrevista ao Correio Braziliense, se resignava com a superioridade vascaína, expressando ainda bastante memórias sobre os campeões.
Parecia ser o homem certo para desatolar o Ferro Carril Oeste em 1999, mas foi embora ainda antes do rebaixamento verdolaga se consumar naquela temporada 1999-2000. Voltou ao Barcelona também como um bombeiro e foi mais feliz na empreitada. Assim, para repor o vitorioso ciclo de Manuel Pellegrini, campeão em 2001 do Clausura e da Copa Mercosul, a diretoria do San Lorenzo repatriou o antigo ídolo em maio de 2002. Não foi fácil; a equipe parecia carecer de ordem e a torcida órfã de Pellegrini não se inibiu em insultar rapidamente o filho regressado.
Uma calmaria veio com a conquista em alto estilo da primeira edição da Sul-Americana (com direito a um 4-0 sobre o Atlético Nacional em plena Medellín na decisão), mas em julho de 2003 ele foi despedido ao fim de um péssimo semestre. A carreira, contudo não decolou para além do Equador, especialmente no Barcelona (foi campeão ainda em 2009) e ainda no Deportivo Quito. Vice-campeão da segunda equatoriana de 2019 com a Liga de Portoviejo, Insúa, que teve passos também por Alianza Lima, Jorge Wilstermann, Talleres, El Nacional e Bolívar, foi anunciado ontem mesmo como novo comandante do Binacional.
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