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Falece Gelman, poeta mais interessado no Atlanta do que no Prêmio Cervantes

Com a camisa do seu Atlanta em 2006, no León Kolbowski, estádio do clube

Ontem, a literatura argentina perdeu Juan Gelman, falecido na Cidade do México, onde se radicara durante a ditadura militar argentina nos anos 70 (que sequestrou e matou seus filhos, desapareceu com sua nora e sua neta, nascida no cárcere e só reencontrada por ele na virada do século, adotada no Uruguai) e de onde não voltara mesmo após a anistia ampla concedida em 1989 tanto a torturadores do governo quanto aos Montoneros, guerrilha de resistência do qual ele fez parte. Gelman foi justamente de uma geração poética marcada pelo assassinato político de alguns e exílio de outros tantos.

Em 2007, recebeu o Prêmio Cervantes, o mais prestigiado da literatura em espanhol. Só outros três argentinos foram premiados: Jorge Luis Borges, Ernesto Sabato e Adolfo Bioy Casares. Mas Gelman garantia ter se emocionado bem mais com outra homenagem, do futebol. Nascido em 1930 filho de imigrantes judeus ucranianos, cresceu no bairro tradicionalmente ligado aos israelitas em Buenos Aires, o de Villa Crespo. Clube local, o Atlanta completa 30 anos neste 2014 de sua última vez na elite, mas era um rotineiro frequentador até o meio dos anos 70, época em que o escritor se exilou. Uma das raras voltas à Argentina se deu em 2006. Esteve no então lacrado estádio León Kolbowski.

Na ocasião, recebeu até carnê de sócio honorário das mãos de Alejandro Korz, presidente do clube. Por lá, lhe indagaram quando receberia o Nobel (antes do peruano Mario Vargas Llosa ser galardoado em 2010, havia grande ansiedade pelo prêmio voltar à América Latina depois de ser entregue ao colombiano Gabriel García Márquez em 1982), honra que “sabia” que nunca teria: “vou te dizer o que já disse em outra oportunidade: como vão me dar o Prêmio Nobel se sou Atlanta?”. Referia-se em auto-ironia quase típica do humor judeu a um clube acostumado a não vencer. Outrora tradicional na elite, tem se acostumado à terceirona e a ter menos expressão que o rival, o Chacarita Juniors: clique aqui e aqui.

“Eu fui o único que saí escritor do grupo de amigos e tinha que ocultar isso cuidadosamente. Mas os muchachos foram carinhosos comigo. Como éramos todos Atlanta, havia uma certa solidariedade na desgraça. E olhe que no Atlanta me fizeram a homenagem mais grande da minha vida, inauguraram uma biblioteca e colocaram-na meu nome. Claro, depois de tudo o que o Atlanta me fez sofrer, me deviam, foi uma espécie de compensação…”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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