Falece “Don” Ángel Tulio Zof, maior técnico do Rosario Central
A noite da quarta-feira não foi nada feliz à torcida do Rosario Central. Sem títulos expressivos há 19 anos e sem um nacional há 27, o clube perdeu o título da Copa Argentina (e a vaga na Libertadores 2015) para o decadente Huracán. Enquanto o torneio escapava nos pênaltis, o maior técnico da instituição falecia aos 86 anos. Ninguém treinou tanto os canallas: foram 607 jogos, cerca de 350 à frente do segundo nesse aspecto, Carlos Griguol. Foram mais de dez passagens no cargo. E nenhum técnico foi também mais vezes campeão no clube e no futebol rosarino como um todo.
Antes de treinar os auriazuis, Zof jogou entre eles, nos anos 50, estreando exatamente no clássico com o Newell’s. Curiosamente, também jogou no Huracán, rapidamente. E, por ironia, seu primeiro trabalho como técnico foi exatamente no Newell’s, em 1965. O primeiro sucesso veio no Los Andes, que sob Don Ángel ascendeu à elite em 1968 – rival original do Banfield, que hoje prefere odiar mais o Lanús, o clube de Lomas de Zamora por sinal estará de volta à primeira divisão em 2015.
Mas nada se compararia ao trabalho no Central. Outro célebre ícone do clube, o escritor Roberto Fontanarosa (que teria aliás completado 70 anos nessa quarta-feira), assim relatou sobre o técnico: “é como essas amas de casa que com $ 100 ao mês vestem os garotos, lhes dão de comer e os mandam estudar. Don Ángel pode armar uma equipe muito digna apesar de todos os incovenientes econômicos, e além disso com um grande respeito pela categoria individual de cada jogador”.
A primeira passagem foi em 1970. Passou por Arroyito outras vezes na década, na qual o clube foi campeão em 1971 e 1973, mas sob outros treinadores (respectivamente, Ángel Labruna e o citado Carlos Griguol). A primeira taça de Griguol veio com o nacional de 1980. Foi sob ele que os dois últimos grandes semideuses do clube se firmaram como titulares: o zagueiro-artilheiro Edgardo Bauza, o mesmo que treinou o San Lorenzo campeão da última Libertadores (e a LDU campeã em 2008), estreara ainda sob Griguol em 1977 mas só se firmara a partir de 1979, sob Zof.
Bauza está entre os dez maiores zagueiros-artilheiros do mundo conforme a RSSSF (confira aqui), tendo o azar de aparecer na mesma época de alguém ainda mais fenomenal nas duas “funções”, Daniel Passarella. O outro grande ídolo é o atacante Omar Palma, que estreou efetivamente em 1979 e declarou que “Don Ángel Zof merece uma grande homenagem em vida, e Central o deveria fazer. Porque se vai colocar seu nome em uma tribuna do Gigante de Arroyito, seria bom que ele o visse.”
“Foi um mestre em tudo. Dos meus quatro títulos no clube, ele dirigiu a equipe em três. Quando me via, sabia como me sentia (…). Ele me aconselhou muito também… ‘Palmita, você tem que fazer tal coisa e tal outra’, me lembro”, continuou Palma, um nome tão importante que Kily González, ex-jogador e fanático pelo clube, não se furtou em declarar que idolatrava mais El Negro do que Maradona ao responder indagação do próprio Maradona (e ser xingado por um surpreendido Dieguito).
Após o título, Zof saiu em 1982. Em 1984, o clube foi rebaixado. Em 1986, já de volta a elite, recontratou seu antigo treinador e o título de elite voltou. Até hoje, foi a única vez em que um clube emendou no profissionalismo argentino um raríssimo bicampeonato de segunda divisão com a primeira (saiba mais). Para completar, o clube deixou de vice justamente o Newell’s.
O lateral-direito titular da conquista, Hernán Díaz, já afirmou que era originalmente volante, mas o posto era de Roberto Gasparini. “‘Garoto, os que eu acredito que são os melhores para minha equipe eu quero que estejam de alguma maneira’. Então me perguntou se eu me animava a jogar com a 4 e lhe disse que sim. A partir daí comecei a jogar de lateral”, explicou Díaz, depois titular nos grandes anos 90 do River.
Ao fim daquela saborosa temporada 1986-87, o Rosario Central levava ampla vantagem na sala de troféus em relação ao rival: tinha quatro campeonatos argentinos contra só um dos rubronegros. Só que até 1992 o Newell’s igualou essa conta e ainda foi finalista de duas Libertadores. A resposta centralista foi conseguir o que sempre faltou ao rival: uma taça continental. E se outro campeão da quarta-feira, o Atlético Mineiro, se sobressaiu duas vezes na Copa do Brasil ao marcar os necessários quatro gols da classificação, em 1995 sofrera sensação inversa…
Há 19 anos, o Galo venceu no Mineirão por um 4-0 que parecia lhe garantir o título da Copa Conmebol. Mas, em uma noite fantástica, os argentinos conseguiram devolver o mesmo placar no Gigante de Arroyito e levaram a melhor sobre os pênaltis mesmo tendo Taffarel como adversário do outro lado. Elegemos essa sensacional epopeia entre as dez maiores viradas do futebol argentino neste outro Especial.
Zof, técnico dos três últimos títulos canallas desconsiderando-se os de divisões inferiores, também treinou o clube no século XXI, a última vez em 2006. Uma grandeza que superou a acirradíssima rivalidade local (Newell’s e Central não têm um vira-casaca há exatos 30 anos, desde 1984), com os rubronegros também prestando suas condolências pelo antigo carrasco. Sem ele, o aniversário de 125 anos que o Central completará em menos de um mês, no dia de natal de 2014, será mais triste.
httpv://www.youtube.com/watch?v=3YbauBkNMUE
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