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Especial Eurocopa – jogadores argentinos de origem francesa

País cosmopolita, a Argentina não deixou de receber expressivo número de franceses. Já foi até governada por um na época colonial e por descendentes na ditadura (Alejandro Lanusse e Carlos Alberto Lacoste, que teria influenciado para a seleção vestir a marca Le Coq Sportif nos anos 80). Dos ícones máximos na música (Carlos Gardel) e na política (tanto Juan Domingo Perón como Evita tiveram antepassados gauleses) a um premiado Nobel em medicina (Bernardo Houssay), a colônia francesa no país também já rendeu diversos nomes de destaque ao futebol.

A primeira divisão conta com três clubes cujas localidades homenageiam franco-argentinos: o Lanús é de cidade homônima (onde nasceu Diego Maradona) que remete ao sobrenome do antigo proprietário da região. Das divisões inferiores, o Defensores de Cambaceres, da cidade de Ensenada, remete ao escritor e político Eugenio Cambacérès. O Deportivo Laferrere é da cidade que leva o nome do político e dramaturgo Gregorio de Laferrère. Há ainda a cidade de Bel Ville, no interior cordobês. Não tem tanta expressão, mas pariu Mario Kempes, Osvaldo Ardiles e Hernán Barcos.

Já o Boca tem sua La Bombonera endereçada na rua que relembra o coronel parisiense Federico de Brandsen, personagem das guerras de independência da Argentina, assim como Jacques “Santiago” de Liniers, vice-rei nos anos coloniais que batiza o bairro do Vélez – cujo maior artilheiro, Carlos Bianchi, recebeu o apelido de Virrey por causa desse vice-rei. Bianchi viria a ser justamente o artilheiro mais efetivo em média de gols na história do campeonato francês. Fica a curiosidade de outro militar francês que viveu na Argentina: Antoine de Saint-Exupéry, o autor de “O Pequeno Príncipe”.

O Racing, por sua vez, deve o nome ao franco-argentino Germán Vidaillac, fundador que portava uma revista francesa que mencionava a palavra Racing na capa. Para algumas versões, a revista se referia ao Racing de Paris, clube hoje voltado ao rúgbi (nesta temporada, reforçado com a contratação mais cara da história deste esporte, o abertura neozelandês Dan Carter, foi campeão nacional depois de mais de vinte anos e vice europeu) mas cujo time de futebol chegou a vencer a seleção brasileira em 1963. O rúgbi argentino, aliás, conta com a Deportiva Francesa, que revelou dois dos maiores jogadores da seleção da bola oval, o pilar Rodrigo Roncero e o fullback Juan Martín Hernández (sobrinho de Patricio Hernández, jogador da seleção de futebol na Copa de 1982).

De forma inversa, a origem francesa impulsionou que mesmo argentinos fora da primeira divisão ou de pouca presença nela parassem na Ligue 1. Orlando Gauthier e Héctor Maison, como estrelas principais de Excursionistas e Argentino de Quilmes, respectivamente, chegaram a se enfrentar em jogo decisivo em 1957 para evitar o rebaixamento à terceirona. Na década seguinte, o primeiro passaria oito anos entre Nancy, Lille e Aix (Gauthier participou do único acesso deste clube à elite, em 1967). E o outro, por Nice, que ainda respirava seu auge dos anos 50, e o Lyon, então modesto e que com ele venceu o segundo troféu de sua história, a Copa da França de 1967.

Nice com Maison (2º em pé), Dandru e De Bourgoing (agachados), que jogou pela seleção francesa. E o Estudiantes de Buenos Aires com Toublanc (1º em pé) e Trezeguet pai (3º em pé)

Osvaldo Dandru, de poucos registros no Newell’s, foi colega de Maison naquele Nice. Jogaram com o ponta Héctor de Bourgoing (jogador das seleções argentina e francesa), por sua vez ex-colega de Maison no Tigre. O meia Héctor Toublanc foi ao Rennes em 1970 após anos obscuros no Argentinos Jrs. Ao voltar à Argentina, foi colega do zagueiro Jorge Trezeguet no nanico Estudiantes de Buenos Aires. Trezeguet iria ao grande Independiente da época, transferência arruinada por um antidoping positivo, o primeiro do futebol argentino. O sangue francês de um avô ajudou-o a manter a carreira no Rouen, da cidade homônima onde viria a nascer David Trezeguet, seu filho.

Néstor Mourglia, do Lyon na temporada 1976-77, não é lembrado no Vélez. Já Roberto Marteleur, o primeiro argentino do Lyon, em 1959, Juan Carlos Auzoberry, de dez anos naquela época áurea do Nice, e Rolando Robinet e Carlos Robelle, respectivamente do Toulon e do Rouen nos anos 60, se profissionalizaram já na França. Mas o enfoque da matéria é dos franco-argentinos de importância ao futebol dos nossos vizinhos, desconsiderando-se alguns já mencionados na matéria dos hermanos da seleção francesa (casos de Miguel Ángel Lauri, neto de um francês e Héctor de Bourgoing e Ángel Rambert, filhos), disponível ao fim.

O polivalente atacante Carlos Peucelle era filho de um imigrante gaulês. Era rápido, técnico e que jogava para a equipe. Autor de gol na final da Copa do Mundo de 1930, foi sua ida do Sportivo Buenos Aires ao River no ano seguinte que originou o apelido de Millonarios a este clube. Peucelle foi um dos pais de celebrada La Máquina, o grande elenco dos anos 40, ainda jogando quando esse time nascia e depois, como assistente técnico, indicando novas peças (como Félix Loustau, descrito mais abaixo). Quando já tinha 32 anos, chegou a marcar três gols pela Argentina em um 6-1 no Brasil, em 1940.

Alfredo Di Stéfano, que dispensa comentários, jogou por Argentina, Colômbia e Espanha sem ter, ironicamente, sangue ibérico ou americano: o pai era filho de italianos e a mãe, Eulalia Laulhé Gilmont, de um francês com uma irlandesa. Outro de comprovada origem francesa foi Sebastián Rambert, filho do mencionado Ángel Rambert. Pascualito, como Sebastián era conhecido, foi goleador do belo Independiente campeão argentino e da Supercopa de 1994 (fez o gol do título). Chegou a jogar algumas vezes pela Argentina e foi contratado pela Internazionale junto com Javier Zanetti em 1995. Uma lesão lhe atrofiou a carreira, embora ainda tenha passado por Boca e River. Seu tio Néstor Rambert jogou nos anos 60 pelos rivais Independiente e Racing.

Mais recentemente, o lateral Lucas Orban, daquele Tigre vice da Copa Sul-Americana 2012, declarou que seu sobrenome vem de um avô franco-basco, não devendo levar acento. Já esteve no Bordeaux e na seleção. Gonzalo Higuaín, por sua vez, apenas nasceu na França, não tendo sangue francês embora tenha sido sondado pelos Bleus no passado. Já os jogadores abaixo, por sua vez, têm sobrenomes franceses (alguns franco-bascos, como o de Orban), mas não confirmamos que teriam raízes na França. Suas presenças na nota são meramente especulativas. Afinal, a língua francesa abrange na Europa também Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Mônaco e cantos menores de outros países:

Laguna Durand e Peucelle; e Rambert nas duas fotos da direita. Neto de francês, jogou pela Argentina enquanto seu falecido pai, exibido na revista, defendera a França

Família Le Bas: fundadora do Atlético del Rosario, antigo Rosario Athletic, um dos primeiros clubes do futebol argentino e o primeiro rosarino no campeonato, em 1894. Contando com Ricardo, Alberto e Alfredo Le Bas, o time venceu três vezes a Copa Competencia, torneio que na virada do século XIX para o XX opunha clubes portenhos, rosarinos e uruguaios e ainda é a equipe rosarina com mais troféus internacionais no futebol. Os Le Bas também praticavam rúgbi (foco atual do clube, um dos fundadores da federação argentina), sendo campeões nacionais em 1905.

Amadeo Vernet: volante da primeira década da seleção, nos anos 1900. Jogou nela vindo de outros dois clubes voltados atualmente ao rúgbi, o San Isidro e o Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires.

José Laguna Durand: primeiro presidente do Huracán, foi um dos primeiros jogadores deste clube na seleção. Estreou pela Argentina de uma forma pitoresca – foi na primeira Copa América, em 1916, no primeiro Brasil x Argentina desse torneio. Ele estava na plateia e foi “convocado” no improviso para substituir alguém. E acabou fazendo o gol da Argentina no empate em 1-1. Era negro, esteve também nos primórdios do Independiente e foi técnico do Paraguai na Copa de 1930.

Roberto Sancet: zagueiro que ao jogar pela seleção em 1919 se tornou o primeiro representante do Gimnasia LP nela.

Juan Carlos Adet: centroavante dos primórdios do Almagro, no auge do clube, jogou pela seleção (quatro vezes, em 1919) vindo do Columbian, um dos times que dariam origem aos tricolores.

Jaime Chavin: ponta-esquerda que esteve nos primeiros títulos argentinos do River (1920) e Huracán (1921), e também na primeira Copa América vencida pela Argentina, em 1921.

Julio Rivet e Juan Carlos Laularette: ambos raros jogadores dos extintos Del Plata e Progresista, respectivamente, a jogarem pela seleção. O ponta Rivet atuou seis vezes em 1922, incluindo na Copa América e o meia-direita Lalaurette, uma, em 1923, contra o Brasil.

Alfredo Carricaberry: ponta do primeiro grande momento do San Lorenzo, onde passou dez anos e esteve nos três primeiros títulos argentinos do clube, nos anos 20. El Vasco esteve no título da Copa América de 1927 (a primeira que a Argentina ganhou fora de casa) e foi medalha de prata nas Olimpíadas de 1928.

Félix Loustau: foi um dos seleto cinco presentes em todo o recordista tricampeonato seguido da Argentina na Copa América, apesar das taças virem em anos seguidos, nas edições de 1945-46-47. E ele foi o único titular absoluto. Ponta-esquerda da celebrada La Máquina do River, clube que defendeu nos anos 40 e 50. Apesar de diversas fontes apontarem seu sobrenome como de origem francesa, Loustau se considerava descendentes de bascos, e seu sobrenome era narrado à maneira espanhola de ler. Dedicamos-lhe este Especial. Há também, sem parentesco com o craque, gerações de árbitros argentinos com o sobrenome Loustau, dos quais Juan Carlos Loustau trabalhou na Copa de 1990 enquanto o filho Patricio Loustau apitou na Copa América Centenário.

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Carricaberry, Loustau, Boyé e Malbernat

Mario Boyé: primeiro ponta a ser artilheiro do campeonato argentino, em 1946, tinha um chute forte que rendeu-lhe o apelido de El Atómico. Ídolo de Boca e Racing, Boyé foi outro dos cinco presentes em todo o recordista tri da Argentina na Copa América. Fez o primeiro gol argentino em Wembley. Na Argentina joga atualmente no Newell’s um Lucas Boyé, com quem não tem parentesco. Há fontes que dizem que o sobrenome também pode ter origem alemã.

Norberto Pairoux: centroavante que sofreu com dura concorrência na seleção em meio à dourada geração dos anos 40. Revelado no Atlanta, foi campeão no Independiente em 1948 e foi uma das estrelas atraídas pelo Eldorado Colombiano (no seu caso, pelo Deportivo Cali).

Oscar Malbernat: em um time mau afamado como o Estudiantes dos anos 60, o volante era refinado, descrito dessa forma em 1968 até pela revista oficial do Manchester United (derrotado pelos pincharratas no mundial daquele ano). Presente em todo o tri seguido na Libertadores do clube de La Plata, El Cacho passou rapidamente pela seleção.

Família Subiat: Néstor Gilberto Subiat era reserva do Vélez nos anos 30. No futebol argentino, o mais proeminente foi seu filho, Gilberto Alejo Subiat, camisa 10 do Platense quase finalista de 1967 (eliminado pelo Estudiantes de Malbernat em sensacional virada de 4-3). Gilberto Alejo jogou depois na França pelo Mulhouse, clube onde o filho Néstor Gabriel Subiat, nascido ainda na Argentina em 1966, profissionalizou-se. Néstor Gabriel depois foi jogar no futebol suíço pelo Lugano, naturalizou-se e defendeu a Suíça na Copa do Mundo de 1994. Falamos aqui.

Juan Carlos Trebucq: meia-atacante revelado no Gimnasia LP e com passagem razoável no River no fim dos anos 60. Seus melhores números apareceram na França, pelo Troyes.

César Laraignée: apelidado de El Turco, foi um zagueiro bastante técnico que teve o azar de viver o período do longo jejum do River, onde foi colega de Trebucq. Pela seleção, curiosamente, dois de seus três gols foram sobre a França, em dois amistosos seguidos na Argentina, em 1971. No ano seguinte passou ao Reims, onde passou meia década convivendo com diversos jogadores argentinos.

Pedro Larraquy: este meia é quem mais vezes jogou pelo Vélez, clube que defendeu 455 vezes dos anos 70 aos 80. De bom controle de bola e jogo aéreo, com o tempo se converteu em zagueiro. Esteve pela Argentina na Copa América de 1979.

Oscar Garré: jogador que mais vezes defendeu o Ferro Carril Oeste, entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80 – e único a vencer a Copa do Mundo como atleta verdolaga, como lateral titular na metade inicial do certame de 1986. Embora fosse justamente o atleta mais criticado da delegação.

Miguel Ángel Gambier: na Argentina, protagonizou uma das maiores viradas que o país já viu, o 3-2 do Platense sobre o River em pleno Monumental após derrota parcial de 2-0. Fez os três gols e o resultado, na última rodada, serviu para evitar o rebaixamento do Tense. Depois venceu a segunda divisão por Lanús e Colón.

Oscar Passet: revelado no Unión, El Flaco foi dono do gol do San Lorenzo na maior parte dos anos 90. Esteve no dramático título do Clausura 1995, que quebrou o maior jejum sanlorencista na elite (21 anos). Outro testado na seleção.

Laraignée, Larraquy, Coudet e Donnet (com a Toyota que lhe foi premiada por ser escolhido o melhor do Mundial Interclubes de 2003)

José Antonio Chamot: lateral-esquerdo formado no Rosario Central, onde foi profissionalizado em 1988 e destacou-se a ponto de receber ainda antes da Copa de 1990 uma primeira convocação à seleção – embora só viesse mesmo a estrear já em 1993, em plena repescagem ao Mundial dos EUA. Àquela altura, estava desde o segundo semestre de 1990 moldado a ferro em lutas pela permanência no futebol italiano, inicialmente no Pisa e então no auge do Foggia. Titular na Copa de 1994, cavou transferência à ascendente Lazio, onde ficou por quatro temporadas, representando-a na Copa de 1998. Como jogador do Milan, iria também à de 2002, mesmo já às voltas com lesões.

Pablo Rotchen: bom zagueiro do Independiente vitorioso de 1994-95, esteve na seleção na Copa América de 1997.

Eduardo Coudet: atual técnico do renascido Rosario Central, vice em 2015 no campeonato e na Copa argentina, esse ex-volante esteve na última taça expressiva dos canallas, a Copa Conmebol de 1995. El Chacho foi colega do jovem David Trezeguet no forte Platense de 1994 e também ligou-se ao River, onde passou variadas temporadas na virada do século.

Matías Donnet: ídolo no Unión, teve seu grande momento no último Mundial Interclubes vencido pelo futebol argentino. Foi dele o gol de empate do Boca contra o Milan, em 2003, taça que isolou os auriazuis como time argentino mais vezes campeão mundial (e um dos quatro sul-americanos, ao lado de Peñarol, Nacional e depois São Paulo). Acabou eleito oficialmente o melhor em campo.

Germán Denis: último nome destacado revelado no sumido Talleres de Remedios de Escalada, foi um goleador sem troféus de um Independiente em crise. Voltou recentemente ao Rojo após consagrar-se na Itália pela Atalanta. Chegou a jogar pela Argentina.

Juan Mercier: ex-jogador dos rivais Platense e Argentinos Jrs (onde esteve no último título do clube, o Clausura 2010), o volante foi um dos pilares do sólido meio-campo do San Lorenzo campeão pela primeira vez na Libertadores, em 2014.

Pablo Mouche: o ex-palmeirense foi um atacante de poucos gols pelo Boca. Ainda assim, esteve brevemente na seleção.

Gabriel Hauche: El Demonio é mesmo um endiabrado segundo atacante que soube mostrar serviço nas seleções experimentais caseiras; foram três gols em cinco jogos pela Argentina (entre 2009 e 2011), normalmente em partidas em que o técnico Maradona ou o sucessor Sergio Batista usaram apenas jogadores do campeonato argentino. Foi peça regular do Argentinos Jrs campeão pela terceira e última vez, no Clausura 2010, bem como no Racing campeão no Transición 2014, primeiro título argentino racinguista desde 2001.

Pablo Magnin: atacante que ascendeu duas vezes com o Unión à elite, em 2011 e 2014.

Rodrigo de Paul: ponta promissor que o Racing apressou-se a vender em maio de 2014 ao Valencia. Voltou em 2016 ao Racing.

*Com agradecimentos ao amigo e especialista Esteban Bekerman.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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