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Entortando (pelo) Talleres: ídolo no Flamengo, Júlio César “Uri Geller” brilhou em Córdoba

Não, Talleres não significa talheres, e sim “ateliês” (cognato mais próximo em português) ou “oficinas”; o clube fora fundado por empregados desse setor da ferrovia Central-Córdoba. E a pronúncia no diferenciado sotaque cordobês, ou melhor, cordooobés (caracterizado, em palavras de pelo menos duas sílabas, por prolongar o som da anterior à que a gramática castelhana classificaria como a tônica), soa algo como “Táieres” – e não o “Tadjéres” típico do espanhol rio-pratense. Mas é quase impossível não fazer o trocadilho ao se falar do grande nome que une Flamengo e Talleres… e também River e Fortaleza, outros adversários da fase de grupos da Libertadores. O suposto paranormal Uri Geller era um famoso ilusionista dos anos 70 e seu número mais famoso era entortar colheres, apelidando assim Júlio César da Silva Gurjol por este “entortar” os adversários dos rubro-negros. Só esse ponta-esquerda defendeu o Mengão e La T. Além de ser nome raríssimo de Tricolor e Millo.

Alfredo González, antiga figura do futebol carioca nos anos 30 e 40 como atacante de Flamengo, Vasco, Botafogo e nos 60 como técnico do Fluminense (e do Bangu campeão de 1966, último estadual que escapou dos quatro grandes), havia defendido um Talleres na Argentina. Mas não se trata da equipe de Córdoba e sim o da cidade de Remedios de Escalada – que até revelaria Javier Zanetti e Germán Denis, mas se ausenta da primeira divisão desde 1938. Assim, além de Júlio César os outros elementos em comum são bem poucos, sobretudo o ano de 1999, que rendeu títulos internacionais a ambos: a Copa Mercosul à Gávea (que festejou também o estadual) e a edição final da Copa Conmebol (em insólita final com o CSA!) para os alviazuis.

Para além daquela Copa Conmebol, o clube cordobês tem uma galeria de títulos pouco condizente com sua imensidão de torcedores, uma das maiores do interior do país: o Torneo Federal A de 2015, equivalente à terceira divisão, e a Primera B Nacional da temporada 1997-98 (equivalente à segunda) são até hoje os únicos troféus a nível nacional. A legião de torcedores tallarines foi pavimentada muito por conta do prestígio que a liga cordobesa teve até o início dos anos 80, tal como os estaduais brasileiros. Flamengo e Talleres ambos festejaram nesse aspecto por torneios alusivos a 1921, 1939, 1944, 1953, 1974, 1978 e 1979, ano de conquista estadual dobrada para os rubro-negros.

A partir de 1980, a liga cordobesa já não contou mais com seu maior campeão, contexto que será justificado mais adiante. Júlio César, por sua vez, não poderá presenciar amanhã o Flamengo x Talleres no Maracanã por se encontrar exatamente em Fortaleza, repercutiu o jornal cordobês La Voz del Interior, uma das fontes dessa matéria.

Contexto de Júlio César

Cria do futsal, onde aprimorara a capacidade dribladora em espaços que a geometria não recomendava, Júlio César era conhecido como “Julinho” na base flamenguista – onde ingressou após muitos treinos como penetra junto de Adílio, seu vizinho de favela. Ocasionalmente ainda era referido desse jeito no início da carreira adulta, iniciada em 5 de julho de 1975 (após um rápido exílio pelos juvenis da Portuguesa da Ilha do Governador) em um amistoso no Maracanã contra a Juventus (2-1), derrotada com gols de Zico e do argentino Doval. Para não ser confundido com outro Julinho, atacante que se despedira do Fla na semana anterior, logo passou a ser referido como Júlio César mesmo. Ainda não formalmente profissionalizado, pôde defender a seleção olímpica nos Jogos de Montreal, no ano seguinte. O que não significou muito espaço na Gávea; ainda em 1976, foi emprestado pela primeira vez, a um America ainda expressivo.

O amistoso em que Pelé foi flamenguista, em 1979, foi o primeiro chamariz para Júlio César (ao fundo) para os argentinos. À direita, comemora o Brasileirão 1980 com Carpegiani, Tita e Zico

O clube da Tijuca era treinado por Tim, por sinal outro brasileiro de história na Argentina (com o San Lorenzo, de onde havia pinçado ao Flamengo o próprio Doval), mas o ponta também não teve espaço com o elenco rubro. Em paralelo, uma rivalidade em azul marinho e em azul celeste tinha condimentos extras em 1977. Com história no Paysandu, o técnico uruguaio Juan Álvarez assumira o Remo e, mesmo vencendo de modo invicto os dois primeiros turnos do estadual do Pará, não superava ainda por completo a desconfiança remista. Ainda haveriam mais dois turnos e no terceiro ele sofreu dois revezes, seguidos e em clássicos: derrota de 1-0 no Re-Pa e um empate em 0-0 com a Tuna que, se não foi derrota, rendeu a conquista do turno aos tunantes. Bastou para que Álvarez saísse.

O Remo terminaria vencendo aquele estadual, contratando como treinador para a reta final exatamente Joubert Meira, o técnico que havia estreado Júlio César no Flamengo. Pavimentou-se assim novo empréstimo, quinze meses que fizeram bem ao ponta: “no America, eu não tinha continuidade de jogo. Eu não podia jogar sem bola. Não sou Tostão. No Remo, jogava todas. Adquiri ritmo de jogo. Voltei em forma. O Joubert foi demais comigo. Por isso mesmo, o considero um verdadeiro segundo pai. No Pará, não é fácil. Os caras batem no queixo. Foi muito boa a minha passagem por lá. O futebol carioca não tem nada de violento”, contaria já em 1979 ao Jornal dos Sports.

As súmulas constantes no livro Parazão Centenário, de Ferreira da Costa, são claras para indicar que Júlio César não chegara a tempo de ganhar o estadual de 1977 (embora erroneamente isso chegue a ser divulgado na Wikipédia e até na mídia social do próprio Remo) e sim para a boa campanha azulina no Brasileirão, que invadiu o ano de 1978 e ficaria marcada pela Bola de Prata ao goleiro remista Edson Cimento. Em 1978, o Brasileirão começou no primeiro semestre, tão logo terminou o de 1977. Joubert Meira voltou ao Flamengo enquanto Júlio César se estendeu por mais uns meses no Leão, ganhando, aí sim, o estadual (agora no segundo semestre, sendo inclusive dele o gol do título antecipado, em pênalti convertido em Re-Pa pela penúltima rodada) daquele ano.

Joubert deixaria novamente o Mengo, curiosamente, após amistoso com o Talleres ainda em 27 de julho de 1978 (0-0 no Chateau Carreras, o atual estádio Mario Kempes, em Córdoba); o famoso “estadual de Rondinelli” seria garantido com o sucessor Cláudio Coutinho, enquanto Júlio César ganhava o seu estadual no Pará. Mas o ponta, já treinado pelo próprio Coutinho na seleção olímpica, tinha seu retorno à Gávea avalizado; “Coutinho foi legal demais. Arranjou uma brecha para mim”, contou àquela mesma nota de 1979. Foi o ano em que ele começou a ser chamado de Uri Geller, ao viver sua melhor fase no Rio. Ganhou os dois estaduais daquele ano, mas foi um amistoso que despertou olhares argentinos, em 6 de abril. Foi a famosa ocasião em que Pelé reforçou o Flamengo, para partida beneficente contra o Atlético Mineiro. A plateia tinha a presença de um amigo ilustre do Rei: César Menotti, ex-colega de Pelé no Santos e agora técnico da Argentina.

Em junho, Uri Geller chegou mesmo a ser visto como jogador virtual da seleção brasileira, que Coutinho também treinava, acumulando cargos no clube e na CBF (em junho de 1979, Júlio César era inclusive visto como virtual titular na canarinho, embora a esperada convocação nunca tenha se concretizado). Outra pessoa a se dividir entre clube e seleção era Roberto Saporiti, que como jogador chegara a ter passagem pelo Atlético Mineiro. Saporiti treinava o Talleres enquanto servia a Argentina como assistente de Menotti, proporcionando ao Flaco uma relação quase direta com os cordobeses. O negócio tardaria a se concretizar; mais imediato foi o encanto de Menotti, que chamou Júlio César para jogo da seleção da América do Sul, armada para amistoso festivo em 15 de agosto que o Olimpia planejou para comemorar sua primeira Libertadores, levantada contra o Boca em julho.

Duas notas do Jornal dos Sports sobre a venda de Júlio César ao Talleres, mostrando que os cordobeses também queriam levar Andrade

Júlio César ainda ficaria por praticamente mais um ano e meio no Flamengo, ganhando em 1980 o primeiro Brasileirão do clube e faturando também o bicampeonato em 1979-80 no valorizado Troféu Ramón de Carranza (com o ponta tendo uma atuação deslumbrante contra o Barcelona na edição de 1979, detalhou o Flamengo Alternativo), dentre outros torneios amistosos – além de cavar outro negócio rubro-negro com o Remo, que testara o meia Adérson em alguns amistosos no primeiro semestre de 1980. Os empréstimos do Uri Geller tinham cessado mas, se hoje o ponta é ídolo inconteste a ponto de ser embaixador do clube, não demorou na época a ser visto como tão talentoso como errático, malícia à parte dos marcadores que volta e meia lhe lesionavam. Fato é que o portal FlaEstatística certifica apenas dez golzinhos em cerca de 130 jogos a um ponta mais malabarista do que goleador. Sua venda ao Talleres chegou mesmo a ser comemorada no elenco flamenguista.

É que o negócio propiciou que os colegas pudessem receber salários atrasados de 1980, incluindo 13º – segundo a revista Placar, então semanal, publicada na última semana de fevereiro de 1981. Afinal, foram 350 mil dólares auferidos no negócio, que teria sido “referendado” também por fatores esportivos por uma panelinha de Zico, Júnior, Rondinelli e Carpegiani; a primeira edição daquele mês reportava que eles “não aguentavam mais” a irregularidade do colega. Curiosamente, a mesma nota afirmava que outro nome questionado nesse aspecto e possivelmente ameaçado seria (ironia histórica!) Nunes. Outra curiosidade se vê no Jornal dos Sports, a reportar que os cordobeses também queriam levar Andrade, por sua vez mantido como inegociável.

A torcida flamenguista também não estaria satisfeita com ele na época, segundo relembrou coluna do Jornal dos Sports de 20 de fevereiro de 1981, antevéspera da estreia dele no novo clube: “de ídolo da torcida rubro-negra, acabou caindo em desgraça junto aos torcedores da Gávea. Não faz muito tempo, em sinal de protesto contra as reclamações, Julinho cobrou um córner para o meio do campo numa atitude pública de descontentamento diante da maneira como vinha sendo tratado pela ‘Nação’. (…) O técnico Bría foi obrigado a deixa-lo fora da equipe”.

Ele nunca deixou de manter laços com a Gávea; pelo resto da década, mais de uma vez foi noticiada sua participação em treinos quando ganhava folgas dos clubes seguintes da carreira (inclusive do Talleres) e o Jornal dos Sports já de 26 de dezembro de 1987 até noticiou sua participação, com direito a gol nos 2-2, de partida de showbol no Maracanãzinho com profissionais rubro-negros (escalados também com Nunes, Leonardo, Zinho, Jorginho e Zé Carlos e treinados pelo próprio Zico) e o Vasco de Romário, Bismarck e Sebastião Lazaroni. Além de embaixador, atualmente desfila pelo time sênior.

Júlio César ainda nem havia estreado pelo Talleres e já falava em naturalizar-se argentino: a imagem esquerda é de A Luta Democrática e a superior direita, de A Tribuna. A outra é a ficha técnica de sua estreia, na revista El Gráfico

Ainda assim, são equivocadas informações da Wikipédia que atribuem ao seu currículo um título final em quadrangular amistoso em Punta del Este, torneio que começou em 25 de fevereiro de 1981; seu perfil no FlaEstatística também lhe confere um amistoso em 10 de maio de 1981 contra o Democrata e uma participação na Taça Guanabara em 28 de maio (4-2 no Madureira), mas pesquisas na hemeroteca virtual da Biblioteca Nacional permitiram constatar que na realidade quem atuou foi outro Júlio César, um meia loiro que participaria das duas conquistas brasileiras seguintes do Flamengo.

O especialista Emmanuel do Valle, editor do Flamengo Alternativo, crava que o Uri Geller fizera ainda em 1º de fevereiro sua última partida pelo clube. Foi contra o Itabaiana, pela 5ª rodada do Brasileirão de 1981. Exatas três semanas depois, o ponta estreou oficialmente pelo Talleres. E em jogo histórico.

Contexto do Talleres

Sair do campeonato carioca para o futebol argentino não era tão incomum, em tempos sem desnível técnico, financeiro e glamouroso com a Europa. Em 1979, o Rosario Central tirara Mário Sérgio do Botafogo, que também cedera Rodrigues Neto a um emergente Ferro Carril Oeste. E naquele 1981 o River quase fechou com Toninho Cerezo. Contexto que se nota também naquela mesma coluna do Jornal dos Sports: “Júlio César (…) fez um excelente contrato: 80 mil dólares de luvas, 4,5 mil dólares mensais, além de automóvel e apartamento (…). Afora isto, Júlio César se transferiu para um centro financeiramente superior ao nosso, onde poderá faturar ainda bem mais no aspecto (…) gratificações e também em prestígio (…). Para complementar, (…), Menotti tem profunda admiração pelo estilo de jogo do ex-ponteiro do Flamengo. Foi quem o indicou para os dirigentes do Talleres e dará todo apoio ao extrema brasileiro”.

Se seus gols flamenguistas foram dez em uma centena de partidas, no país vizinho a média foi bem melhor: sete em 27 jogos. E por uma equipe que, mesmo cheia de craques históricos aos hermanos, brigou para não se rebaixada. Há onze anos, o brasileiro salientou ao jornal cordobês La Voz del Interior que “joguei melhor no Talleres do que no Flamengo. Teria gostado de jogar muito mais tempo no Talleres, mas houve problemas financeiros e infelizmente não pôde ser, mas foi um clube que me marcou muito, porque foi onde melhor joguei”. A mesma reportagem menciona aqueles jogos-chave de 1979 ao lado de Pelé e pela América do Sul como cartões de visita.

El Flaco me convocou para um Resto da América junto com Rivellino, Clodoaldo e Paulo Cézar para jogar contra o Olimpia. Voltei a ter uma boa partida e por isso me recomendou ao presidente do Talleres”. O negócio tardou um tempo considerável exatamente diante da fase boa que o ponta vivia em 1979, com a nota assim prosseguindo: “não foi tão fácil: o Flamengo o declarou intransferível, mas pela insistência de La T – concorria com o Boca – e obrigado a sanear suas arrecadações, aceitou vendê-lo”. Na Argentina, o Uri Geller encontrou uma nova cidade dividida em tons de azul, agora com o azul marinho pertencendo à camisa listrada com branco e o celeste tomando toda a cor do manto rival, o Belgrano. E Júlio César voltou a ser o Julinho. Ou Shuliño mesmo, na grafia local.

Shuliño chegou para substituir Carlos Guerini, ídolo ex-Real Madrid que voltaria ao rival Belgrano. O bairro Jardín, em contrapartida, desfalcaria outro vizinho: Guillermo Aramayo chegou do Racing cordobês; em uma geração dourada do futebol daquela cidade, a equipe do bairro de Nueva Italia, que não deve ser confundida com o gigante da cidade de Avellaneda, havia sido o surpreendente vice do Nacional de 1980. Com a saída do defensor José van Tuyne (que iria à Copa 1982), voltava José Luis Cuciuffo; esse zagueiro seria o único dali a vencer a Copa de 1986, mas, ainda anônimo, havia jogado aquele Nacional 1980 emprestado ao Chaco For Ever. Quem já era campeão do mundo e também chegava era o goleiro Héctor Baley, reserva de Fillol em 1978. Vinha do Independiente e também seria reserva de Fillol na Copa 1982.

Pré-convocados da Argentina de 1978 (faltam Alonso, Kempes e o cortado Maradona) com cinco colegas que Júlio César teria no Talleres: Passarella, Olguín, Larrosa, Luque, o técnico Menotti, Bertoni, Pagnanini e Oviedo; Villa, o cortado Bravo, Baley, La Volpe, Fillol, Tarantini e Killer; o cortado Bottaniz, Gallego, Ortiz, Ardiles, Houseman, R. Galván, Valencia e L. Galván

Para aquela nota do La Voz, Júlio César reconheceu que, sobre o Talleres, inicialmente conhecia “muito pouco. Mas me entusiasmei quando soube que jogavam alguns jogadores de Copa do Mundo, como Chocolate Baley [ele tinha esse apelido por ser raro afro-argentino de certo renome no futebol], Valencia, Galván, Oviedo… também Cuciuffo, Aramayo”. Os outros três jogadores haviam mesmo acompanhado Baley na seleção de 1978: José Daniel Valencia havia sido um dos camisas 10 que “roubaram” a vaga de Maradona naquela Copa, onde Luis Galván seria titularíssimo com direito a nota 10 na final contra a Holanda na análise da revista El Gráfico. Miguel Ángel Oviedo saiu pouco do banco, mas  já havia representado a seleção desde quando jogava no modesto Racing de Córdoba. Poderia haver mais um, mas o atacante Humberto Bravo calhou de ser um dos últimos três cortados, ao lado de Maradona e Víctor Bottaniz. Ficou a tempo de aparecer na foto acima junto com Baley (ainda no Huracán na época da Copa), Oviedo, Valencia e Galván.

O Talleres que recebeu o brasileiro ainda respirava seu auge. Entre 1973 e 1979, o clube foi heptacampeão seguido na liga cordobesa, então bastante prestigiada a ponto de o zagueiro Alberto Tarantini, outro titular da seleção de 1978, deixar o Birmingham City (seu clube pós-Copa) rumo a La T alegando que era mais fácil no contexto da época manter-se na seleção jogando o campeonato cordobês do que o inglês. A equipe não podia participar do Torneio Metropolitano, restrito a clubes da Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario, e compensava fazendo bonito no Torneio Nacional. E com os mais diversos técnicos – inicialmente, foi 4º lugar nele em 1974, sob Ángel Labruna; 6º em 1975, com Adolfo Pedernera (segundo Di Stéfano, o maior nome da história do futebol); e semifinalista em 1976 com alguém de passado no Rio: Rubén Bravo, ex-jogador do Botafogo.

Rubén Bravo faleceria precocemente ainda no cargo, em agosto de 1977, em excursão na América Central. O mencionado Roberto Saporiti então o substituiu e o time foi vice nacional em 1977 (enquanto vencia o Santos) e semifinalista em 1978. No de 1979, após empatar um amistoso com o Milan, caiu nas quartas-de-final para o futuro vice-campeão Unión – embora na primeira fase liderasse o grupo do futuro campeão, o River. Naturalmente, o time virara mesmo um dos celeiros da seleção, só sendo menos representado do que o River na Argentina campeã mundial pela primeira vez. Outra recompensa foi ser admitido no próprio Torneio Metropolitano a partir de 1980, onde aquele timaço (agora treinado por José Omar Pastoriza, de breve passo pelo Fluminense em 1985 após vencer tudo com o Independiente) terminou em 3º.

Assim, o Talleres brigara seriamente para contratar ninguém menos que Maradona, tamanho seu poderio: em 1980, oferecera mesmo mais dinheiro que o Barcelona, mas o Argentinos Jrs ainda soube segurar Diego por mais um tempo. Uma queda na fase de grupos do Torneio Nacional de 1980 após uma penca de anos seguidos avançando às fases finais poderia já indicar o início de um declínio. Mas, no início de 1981, ainda sem Júlio César, o time sugeria que aquela campanha seria uma exceção: venceu o torneio amistoso de verão sediado em Córdoba, rendendo a chamada da imagem abaixo: “o Talleres já é grande”. O clube podia se orgulhar de ter vencido até a expressiva seleção húngara da época, por 3-0, ainda em 10 de fevereiro, em Mar del Plata.

Mas La T, reforçada ainda com Julio Mosquera, peruano que jogara a Copa 1978, realmente não se sairia bem em 1981. O brasileiro, sim. Em bom portunhol, ele complementou à nota de 2011 do La Voz que “infelizmente, por poco nos fuímos abajo, pero cuando hablo de Talleres o del Chateau Carreras me emociono mucho. Tengo saudades”, uma referência à fuga contra o rebaixamento que permeou a campanha no Torneio Metropolitano de 1981, quando o timaço que encantara os argentinos nos anos 70 já estava envelhecido. “Na realidade, não sei o que nos aconteceu, porque eram todos uns jogadores fantásticos. Valencia foi o jogador mais inteligente que vi em minha vida, que jogador! Eu sei que Maradona foi o maior, mas nunca vi um jogador como Valencia” (de fato, o próprio Maradona reconhecera em 1978 que o concorrente, sondado em dado momento pelo Real Madrid, vivia melhor momento e merecia mais a vaga).

“Talleres já é grande”, exalta a imprensa após o título simbólico do clube, ainda sem Júlio César, em torneio amistoso do verão argentino de 1981. O brasileiro chegou a um timaço, mas brigaria para não cair. E seria fundamental nessa luta, como artilheiro do elenco

Em 2018, o brasileiro foi incluído entre os vinte reforços mais renomados já adquiridos pelo Talleres: “a equipe não foi bem, mas Júlio César deixou sua marca com um repertório inacabável de futebol luxuoso (…). Teve que voltar ao Brasil por problemas financeiros, quando Menotti queria naturaliza-lo para convoca-lo à seleção argentina”. A nota de 2011 já havia mencionado essa curiosidade; ele jurara que Menotti quis naturaliza-lo, mas “me lesionei em uma partida contra o Loma Negra e estive um ano parado”. Esse assunto voltou à tona em nova entrevista que ele deu ao La Voz, em 2019: “eu queria estar na seleção argentina para o Mundial de 1982 e Menotti me queria, mas tive uma lesão na partida contra o Loma Negra. Rompi o tornozelo e não pude estar”.

O jogo em questão contra o Loma Negra seria mesmo a sua involuntária despedida do futebol argentino – chegaremos lá. Fato é que Júlio César falava em naturalizar-se desde que chegara a Córdoba, como se vê em edições dos jornais A Luta Democrática e A Tribuna disponíveis na hemeroteca virtual da Biblioteca Nacional e publicadas em 20 e 21 de fevereiro, respectivamente – às vésperas de sua estreia, dia 22.

O Jornal dos Sports de 19 de março teve nova insistência dele, segundo quem Menotti “já disse que é meu fã. Ainda esta semana, ele declarou, lá na Argentina, que se me tivesse no time dele ganharia todas e me faria o maior ponta-esquerda do mundo. É por isso que estou pensando seriamente em me naturalizar argentino”, chegando a brincar sobre uma eventual volta à Gávea que “aí serei um argentino jogando no Flamengo. Aliás, o Flamengo dá sorte com argentinos. Lembram do Doval?“. Um mês antes, em 19 de fevereiro, ele entrou em campo pela primeira vez pelo Talleres, participando do primeiro tempo de amistoso contra o Racing cordobês, vencedor por 2-1. Atual técnico do Sporting Cristal, Mosquera o substituiu no intervalo.

E por que sua estreia oficial, em 22 de fevereiro, foi histórica? É que ela marcou outra estreia também: a oficial de Maradona pelo Boca (dois dias antes, Diego já havia vestido a camisa auriazul em amistoso simbólico e não-oficial com o Argentinos Jrs, pois atuou um tempo por cada clube), na rodada inaugural do Metropolitano. Uri Geller ainda se lembrava disso na nota de 2011 do La Voz e não teve a maior modéstia: “fui muito bem contra o Boca, na estreia de Maradona. Nesse dia, enlouqueci meu marcador (Hugo Alves). Em habilidade, Maradona só perdia comigo. Você me viu jogar, pode acreditar nisso”, recordou aos risos. Humor que se manteve na entrevista de 2019 ao mesmo jornal, ao abordar os rumores de naturalização: “teria sido lindo estar no ataque com Diego. Poxa, foi uma pena. Assim é a vida. Não sei se teria sido para mim um prazer jogar com Maradona ou um prazer para Maradona ter jogado comigo, haha”. A nota de 2019 reforçou muito do conteúdo da de 2011.

Da de 2019, vale transcrever esses trechos complementares: “El Flaco é meu segundo pai. Menotti me disse que me podia fazer jogar nos maiores da Argentina. Me falou do Boca, do River e do Talleres. Mas Menotti me disse que o Talleres era a melhor equipe e fui a Córdoba. Tenho um carinho muito grande pelo Talleres e por Daniel Valencia, meu compadre. Seguimos em contato com ele. Veja, irmão, me trataram bem desde que cheguei. E isso não era fácil para alguém vindo do Brasil. Não me conheciam e cuidaram de mim. Creio que nessa temporada no Talleres fui dos melhores. Era um futebol pesado e por aí eu era meio leve e jogar nesses campos me ajudou a melhorar. Me encantou o futebol argentino. Que maneira de revelar jogadores. Entre eles, Valencia, ao nível dos melhores”.

Ocaño, Baley, Cuciuffo, Galván, Aramayo e Pavón; o peruano Mosquera, Hoyos, Reinaldi, Valencia e Júlio César. Em negrito, quem foi à Copa 1982 apesar do quase rebaixamento que o brasileiro ajudou a evitar. Cuciuffo venceria a de 1986

Vale ainda destacar que Júlio César não chegou a ser o primeiro brasileiro no Talleres. Ainda no amadorismo, Reinaldo Bonaiuti atuou em três partidas da liga cordobesa; imigrara com sua família à cidade e um irmão seu, Pompílio, jogou na equipe B do clube enquanto outro, Bruno, foi incorporado pelo nanico Sparta do bairro de Alta Córdoba – dados colhidos com Gustavo Farías, autor das enciclopédias dos quatro grandes cordobeses (Talleres, Belgrano, Instituto e aquele outro Racing). Para Farías, o Uri Geller era “dono de um drible assombroso e um arremate excepcional. Alguns o questionaram por sua falta de espírito para entrar na área e por sua fraqueza quando sofria golpes. Para meu gosto pessoal, foi um dos jogadores mais refinados que vi na vida e um deleite para a vista”.

Hora de falar mais objetivamente, com a lista de jogos e gols de Júlio César nos torneios argentinos.

Metropolitano 1981

Futuro campeão daquele torneio, o Boca venceu por 4-1 na histórica estreia oficial de Maradona, mas a revista El Gráfico não foi tão impiedosa com os derrotados, escalados com Baley (nota 6), Carabelli (nota 4 e substituído no intervalo por Cuciuffo, nota 6), Galván (7) e Ocaño (6), Pavón (6), Hoyos (6) e Valencia (6), Mosquera (6 e substituído aos 24 do segundo tempo por Bravo, nota 4), Reinaldi (7) e Júlio César (6). O próprio Dieguito, por exemplo, teve uma nota 7; seus dois gols foram de pênalti, abrindo e fechando o placar. Foi a mesma nota do mediano Osvaldo Escudero (sim, pai do ex-vascaíno, ex-atleticano, ex-gremista, ex-Vitória e Cuiabá…). Quem desequilibrou seria o veterano Miguel Ángel Brindisi, nota 9 e autor do segundo e terceiro gols da vitória.

Histórico redator da revista El Gráfico, Juvenal (nascido em 1923, foi repórter dela entre 1962 até falecer no fim de 1998) analisou que “o Boca alcançou momentos deslumbrantes entre os 15 e os 40 minutos da primeira etapa, rubricados com três gols. O terceiro, uma obra de arte. O Talleres manobrou com seu toque seguro e sutil a primeira meia hora do segundo tempo, descontando com um bonito impacto de Reinaldi, e o Boca se resignou em esperar. Quando voltaram a encontrar-se Maradona, Brindisi e Escudero, melhorou a imagem boquense e alcançou o final com um escore contundente”.

No Brasil, o Jornal dos Sports que saiu no dia 25 de fevereiro deu a sua versão, aprovando a estreia do brasileiro apesar da goleada: “vi alguns lances do Julinho nos quais ele causou uma dor de cabeça tremenda aos marcadores adversários. Com seus dribles curtos e desconcertantes, cortes maliciosos, Júlio César reviveu em algumas jogadas os momentos em que levou a torcida do Flamengo ao êxtase. Conservando a cabeça no lugar, longe de problemas extracampo, cuidando-se e com o apoio de César Menotti, o homem mais poderoso do futebol na Argentina, Júlio César tem tudo para ser também um ídolo no esporte da massa portenha”.

O Talleres em La Bombonera para a estreia de Maradona: a ordem dos nomes é a mesmíssima da foto anterior, exceto por Carabelli no lugar de Cuciuffo

Eis a relação simplificada de jogos de Júlio César pelo Metropolitano, após aquela sua partida amistosa de 19 de fevereiro contra o Racing de Córdoba:

1ª rodada, 22 de fevereiro, La Bombonera: foi titular e atuou os 90 minutos. Os quarenta anos daquela partida histórica levaram a própria El Gráfico a digitalizar a edição pós-jogo, disponível aqui.

Antes da segunda rodada, Júlio César jogou em 25 de fevereiro outro amistoso, um festivo Clásico Cordobés. O Belgrano, ainda restrito à liga cordobesa, reuniu seu elenco 5º colocado do Nacional de 1971 para despedir-se do ídolo celeste Tomás Cuéllar e venceu por 3-1 no estádio belgranense, o Gigante de Alberdi. Embora também dono de casa própria (La Boutique), o Talleres usaria sempre o estádio municipal Chateau Carreras para suas partidas no Metropolitano.

2ª rodada, 1º de março, Chateau Carreras: Júlio César marcou seu primeiro gol. Foi aos 27 minutos do segundo tempo, fechando os 2-0 sobre o Huracán do treinador Néstor Rossi, antiga assombração dos brasileiros nos anos 40 e 50.

3ª rodada, 8 de março, Vicente López: o brasileiro marcou pela segunda partida seguida, abrindo aos 3 minutos do segundo tempo o placar dos 1-1 com o Platense do treinador Vladislao Cap, outrora técnico da seleção de 1974.

4ª rodada, 11 de março, Chateau Carreras: primeira substituição dele, que saiu lesionado para a entrada de Luis Ludueña aos 31 minutos do segundo tempo – um minuto depois de o Sarmiento de Junín diminuir para 2-1 um jogo truncado, com seu artilheiro José Raúl Iglesias já expulso do lado adversário (onde atuava um jovem Ricardo Gareca e cujo técnico era o ídolo cruzeirense Roberto Perfumo) e que teria ainda expulsões do oponente Horacio Cordero e do tallarin Abelardo Carabelli. A El Gráfico, que deu nota 7 ao Uri Geller, elogiou-o também na descrição do duelo, a ser profética: “a sóbria hierarquia de Galván e os relâmpagos de habilidade de Júlio César se destacaram no funcionamento de uma equipe cuja perigosa oscilação de rendimento pode transformar-se em um medíocre costume. O fracasso do meio-campo cordobês foi absoluto”.

6ª rodada, 20 de março, Chateau Carreras: poupado na 5ª rodada em função da lesão na 4ª, o ponta começou a 6ª no banco, mas jogou – substituiu Humberto Bravo aos 15 minutos do segundo tempo do embate com o San Lorenzo. Aos 29 e aos 31, seus colegas Aramayo e Reinaldi foram expulsos (por um soco e por reclamação, respectivamente). O oponente abriu o placar faltando oito minutos e La T, mesmo em casa, ainda teve mais um expulso: o saudoso Hernán Astudillo (pai de Rodrigo Astudillo, vencedor com o Talleres na Copa Conmebol 1999 e com o próprio San Lorenzo na Sul-Americana 2002), por reclamar da arbitragem de Julio Barraza.

Contra o Huracán no velho Chateau Carreras, tarde em que ele marcou seu primeiro gol pelo Talleres, pela segunda rodada

7ª rodada, 25 de março, Coloso del Parque: titular novamente nos 2-1 fora de casa sobre o Newell’s de Héctor Yazalde (único argentino fora Messi a ser chuteira de ouro na UEFA), Daniel Killer, Américo Gallego (campeões da Copa 1978), Juan Simón (só ele e Maradona jogaram todos os minutos no vice na Copa 1990) e do treinador Juan Carlos Montes, o homem que estreara Maradona no Argentinos Jrs.

8ª rodada, 28 de março, Chateau Carreras: o Independiente abriu o placar com apenas 45 segundos e ampliou aos 42 minutos de jogo. Júlio César foi expulso por reclamação aos 12 do segundo tempo e a torneira abriu para uma goleada de 5-0. O brasileiro pegou uma longa suspensão disciplinar – que chegou a ser noticiada como de doze jogos pela Placar já em 1982, embora pudesse voltar antes.

13ª rodada, 26 de abril, Cementerio de Elefantes: titular na derrota fora de casa para o Colón, vencedor por 1-0 nos sete minutos finais.

14ª rodada, 30 de abril, Chateau Carreras: titular no 0-0 em casa para um Ferro Carril Oeste que terminaria vice por um mísero ponto a menos que o Boca maradoniano.

15ª rodada, 3 de maio, Gigante de Arroyito: expulso por reclamação a dois minutos do fim no 0-0 fora de casa com o Rosario Central. Com ele suspenso para a rodada seguinte, nela os colegas perderam em casa de 2-0 para o Racing e o técnico Vicente Rodríguez caiu. O brasileiro também sentia uma inflamação no tornozelo e foi poupado por mais algumas partidas pelo novo treinador, Humberto Taborda.

20ª rodada, 30 de maio, Chateau Carreras: titular na derrota de 2-1 em casa de virada para o Platense, onde jogava o ex-gremista Néstor Scotta, artilheiro das Libertadores 1977 e 1978.

21ª rodada, 7 de junho, Eva Perón: titular no 1-1 na visita ao Sarmiento de Junín, já um duelo direto na briga contra o rebaixamento.

22ª rodada, 10 de junho, Chateau Carreras: titular no 2-0 sobre o Unión do goleiro Nery Pumpido e do atacante Leopoldo Luque, titulares da seleção campeã em 1986 e 1978, respectivamente.

Seu importante gol no River para reoxigenar o Talleres na briga para não cair

23ª rodada, 14 de junho, Arquitecto Ricardo Etcheverri: titular na derrota de 2-1 na dramática visita ao San Lorenzo (que alugava o estádio do Ferro Carril Oeste após perder ainda em 1979 o velho Gasómetro), que venceu aos 44 do segundo tempo.

24ª rodada, 20 de junho, Chateau Carreras: o Newell’s abriu 2-0 e o brasileiro descontou de pênalti, aos 9 do segundo tempo. Mas os rosarinos abriram 4-1 e os cordobeses tiveram dois expulsos em espaço de três minutos: o goleiro Oscar Quiroga, por insultar um bandeirinha aos 30 (fazendo o zagueiro Cuciuffo se improvisar com as luvas), e o zagueiro Galván, por reclamação aos 32. Júlio César, novamente de pênalti, descontou para 4-2 no último minuto.

25ª rodada, 24 de junho, Doble Visera: o Talleres segurava o 0-0 em Avellaneda contra o Independiente. Preciosidade que fez o centroavante Bravo fazer cera demais quando teve sua substituição anunciada aos 30 minutos do segundo tempo e ser então expulso. Quatro minutos depois, o Rojo marcou o único gol…

26ª rodada, 28 de junho, Chateau Carreras: abriu convertendo pênalti o 2-1 sobre o River, aos 32 minutos, revivendo as esperanças cordobesas contra o rebaixamento após a série de três rodadas em vitórias, como indicado na imagem acima.

27ª rodada, 5 de julho, José Amalfitani: titular no 0-0 fora de casa com o Vélez do veterano mas ainda letal atacante Carlos Bianchi.

28ª rodada, 9 de julho, Chateau Carreras: em campo, Júlio César empatou em 2-2 cobrando uma falta já aos 43 minutos do segundo tempo, em duelo direto contra o rebaixamento com um Argentinos Jrs (órfão de Maradona, o antigo clube de Diego despencara sem o astro) que vencia de virada em Córdoba. Mas a partida teria o placar alterado dias depois, como logo veremos…

29ª rodada, 12 de julho, Jorge Luis Hirschi: em La Plata, o Estudiantes vencia por 2-1 graças a um pênalti convertido pelo zagueiro José Luis Brown, depois campeão da Copa 1986. Aos 31 minutos do segundo tempo, um pênalti foi assinalado ao Talleres. E o brasileiro desperdiçou – a cobrança foi defendida por Enrique Vidallé, depois campeão da Libertadores 1985 com o Argentinos Jrs.

30ª rodada, 19 de julho, Chateau Carreras: titular no importantíssimo 3-0 sobre o Colón, duelo direto contra o rebaixamento. A rabeira da tabela parecia tranquila aos cordobeses: Talleres com 26 pontos, San Lorenzo 24, Sarmiento 23 e então as duas “vagas” de rebaixados, com o Argentinos Jrs com 22 pontos e lanterna Colón com 21.

Deu até no jornal catalão Mundo Deportivo (no último parágrafo) a importante vitória tallarin sobre o River por 2-1

31ª rodada, 26 de julho, Arquitecto Ricardo Etcheverri: titular no 1-1 fora de casa com o Ferro Carril Oeste, igualdade que os cordobeses arrancaram aos 43 minutos do segundo tempo. A partida entrou para a história por encerrar a maior invencibilidade de um goleiro no futebol argentino – o goleiro adversário Carlos Barisio encerrou ali mais de mil minutos sem sofrer gols e seu recorde ainda não foi superado. O resultado teria seu peso tanto para fins de rebaixamento como para o título. O fim da tabela estava assim: Talleres e Platense com 27 pontos, San Lorenzo com 25, Sarmiento e Argentinos Jrs com 24 e Colón com 21.

32ª rodada, 2 de agosto, Chateau Carreras: o Rosario Central vencia de virada por 2-1 em Córdoba até o brasileiro fechar os 2-2 ao empatar cobrando falta aos 20 minutos do segundo tempo. O rebaixamento parecia matematicamente afastado: Talleres 28 pontos, San Lorenzo 27, Sarmiento 26, Argentinos Jrs 24, Colón 21. Vitórias ainda valiam dois pontos e não três e a existência de um duelo direto entre San Lorenzo e Argentinos na rodada final mantinha tranquilo o sono de La T.

Então veio a reviravolta: um exame positivo do tallarin Carabelli no antidoping após aquele 2-2 com o Argentinos Jrs arrancado pelo brasileiro em uma falta fez o tapetão sumular como 2-0 aquele duelo da 28ª rodada, tirando o ponto dos cordobeses e premiando com outro os colorados. A rodada seguinte começaria temperadíssima na briga contra a queda: Talleres e San Lorenzo com 27, Sarmiento com 26, o reoxigenado Argentinos Jrs com 25 e apenas o Colón como já condenado.

33ª rodada, 9 de agosto, León Kolbowski: o Racing, sob severa crise econômica, alugava o estádio do Atlanta para aproveitar melhor financeiramente seu Cilindro como depósito da feira municipal de Avellaneda. Tal crise também lhe fizera inadimplir a compra de dois ex-Talleres: José van Tuyne e José Berta, fazendo os desesperados cordobeses apelarem à medida extracampo de desabilitar a presença deles. Conseguiram, mas o adversário abriu o placar já no terceiro minuto, com Gabriel Calderón (que iria à Copa de 1982 já pelo rival Independiente, em transferência direta propiciada pela crise racinguista). Júlio César, avaliado com mera nota 5 pela El Gráfico, saiu no intervalo, dando lugar a Mosquera. O Racing garantiu o 2-0 apenas no penúltimo minuto, com o uruguaio Juan Ramón Carrasco.

De repente, o Talleres foi de virtual time salvo para uma vice-lanterna dividida com o Argentinos Jrs: é que em paralelo o San Lorenzo ficou no 0-0 com o Vélez e foi a 28 pontos, os mesmos 28 pontos que o Sarmiento chegou após inesperadamente vencer em La Plata o Estudiantes, por 1-0. O Argentinos Jrs também venceu (o Unión, por 2-1) e chegou aos mesmos 27 de La T. Restava uma rodada e pela frente simplesmente um dérbi cordobês com o Instituto – que, como se não bastasse, teve o artilheiro daquele campeonato, Raúl Chaparro (depois um brevíssimo colega de Júlio César no River).

Uma derrota tallarin para o vizinho poderia propiciar um empate de compadres no duelo direto que San Lorenzo e Argentinos Jrs travariam entre si. Também era possível a necessidade de eventual jogo-extra entre Talleres e Argentinos, se ambos perdessem; ou entre Talleres e San Lorenzo se o time do Papa fosse derrotado somado a um hipotético empate no duelo de cordobeses. Nada disso aconteceu: mesmo sem o brasileiro, o bairro Jardín venceu o duelo contra o bairro de Alta Córdoba: 2-1.

À esquerda, imagem do arquivo de Gustavo Cardone, autor de diversos livros sobre o River: é possível distinguir Júlio César ao centro, observando o amigo Valencia contra Fillol. À direita, descrição daquele duelo na revista El Gráfico, já pelo Torneio Nacional

O Sarmiento, por sua vez, teve a missão tranquila de receber em casa o já rebaixado Colón e lhe aplicou um 3-0 para escapar. A surpresa ficou para o duelo alheio: o Sanloré teve um pênalti a seu favor, perdeu e viu o Argentinos posteriormente acertar um para vencer e provocar o primeiro rebaixamento de um gigante na Argentina – história ofuscada no resto do mundo pela volta olímpica de Maradona, sua única no futebol argentino.

Os sete gols de Júlio César (algumas fontes falam em seis, por desconsiderarem o lance contra o Argentinos Jrs que terminou anulado no tapetão) em 24 jogos bastaram para que fosse o artilheiro do elenco ao lado de Bravo, que apareceu em quatro partidas a mais. O veterano Pepona Reinaldi, outrora o único artilheiro isolado que o futebol argentino vira entre as cinco artilharias que Maradona conseguira na virada da década (além de ser raríssimo ídolo nos rivais Talleres e Belgrano), só somara cinco gols. Reinaldi, inclusive, seria cedido de volta ao rival Belgrano para o Nacional.

Apesar da salvação, o técnico Humberto Taborda não seguiu em La Boutique. A diretoria trouxe de volta a lenda Ángel Labruna. Homem mais vitorioso na soma jogador (anos 40 e 50) e técnico (anos 70) na história do River até a Era Gallardo, Labruna já era um homem da casa: como já mencionado, Angelito treinara a equipe 4ª colocada no Nacional de 1974, catapultando o clube e muitos dos colegas de Júlio César ao estrelato e cavando em paralelo seu redentor regresso ao próprio River em 1975. Ele ainda estava no bairro portenho de Núñez no primeiro semestre, mas foi amargamente despedido diante dos resultados pobres no Metropolitano em comparação ao Boca maradoniano.

Nacional 1981

O time negociou o decadente ídolo Luis Ludueña (outrora artilheiro do Nacional 1976) com o Málaga e, como parte do contrato, acertou amistoso com esse clube, aproveitando a viagem à Espanha e o período argentino de intertemporada para na segunda quinzena de agosto participar do Torneio Cidade de Melilla – onde até fez uma final “argentina”, contra o Unión. Mas o brasileiro só entrou em campo na volta à América. Foi em amistoso em Santiago, e até marcou gol. O problema é que foi o de honra em um impiedoso 5-1 da Universidad Católica – segundo o especialista Gustavo Farías, a goleada para os chilenos foi o terceiro e último amistoso de Shuliño com os argentinos, após aqueles duelos cordobeses contra Racing e Belgrano ainda em fevereiro.

Júlio César logo teve férias no Brasil, prolongadas até demais; a Placar publicada na primeira semana de outubro noticiava que ele, mantendo a forma em treinos na Gávea, havia sido eleito um dos três melhores ponta-esquerdas do Torneio Metropolitano – mas também que não apreciava o inverno argentino e que usara uma suposta pneumonia como desculpa para ganhar mais uns dias no Rio. Reestreou oficialmente em 30 de setembro. Se no Metropolitano o brasileiro estreou contra o Boca, no Torneio Nacional seu primeiro adversário foi o justamente o River – também o futuro campeão do torneio, aliás, mas após uma campanha bastante periclitante na primeira fase e com contornos problemáticos mesmo nas finais. Foi já pela quarta rodada, em partida que em 2019 foi exaltada em La Voz menos pelo placar (0-0) e muito pela escalação.

Para os argentinos, o Uri Geller virou Julinho. Ou “Shuliño”, na pronúncia local. O jogador do River é Eduardo Saporiti, que havia defendido o rival Racing de Córdoba

Nada menos que onze campeões mundiais se distribuíram entre as equipes: para os alviazuis, além dos citados Baley, Galván, Oviedo, Valencia (todos de 1978) e Cuciuffo (1986), também havia Carabelli (mundial sub-20 de 1979) e muitos outros nomes com alguma passagem pela seleção, casos de Bravo, Victorio Ocaño, Rafael Pavón e Ángel Bocanelli. No papel, a resposta do River chegava a ser covarde: Mario Kempes, Ubaldo Fillol, Américo Gallego, Norberto Alonso (1978), Daniel Passarella (1978 e 1986), Julio Olarticoechea (1986), além de Ramón Díaz (mundial sub-20 de 1979) e outros nomes esporádicos da seleção, casos de Agustín Cejas (reserva de luxo de Fillol), Pedro González, Eduardo Saporiti, Reinaldo Merlo, Jorge García e Enzo Bulleri. E não só: se o Talleres tinha Labruna de técnico, o treinador riverplatense era ninguém menos que Alfredo Di Stéfano.

Mas aquele River, embora terminasse campeão, incrivelmente custou a dar liga em 1981, a ponto de o 0-0 segurado em Córdoba ter sido visto como um ponto “precioso” que o Millo conseguiu, segundo a nota de 2019. Ela ainda destacou que, entre os dois times galácticos, “o brasileiro roubou boa parte dos aplausos dessa tarde” e que Fillol teria sido o melhor em campo. Júlio César tinha boa memória, pois naquela matéria de 2011 do La Voz já havia afirmado que “eles eram a seleção argentina. Lembro dessa partida, Fillol pegou tudo”. A nota de 2011 de fato confirmara que “ao Júlio César só faltou acertar a rede para que sua sinfonia fosse perfeita. O brasileiro enlouqueceu com sua habilidade endiabrada a defesa millonaria“, ressaltando que o River apelou à sua “constelação de estrelas para caçar Júlio César”.

Testemunha, o cartunista Adrián Palmas fez a charge acima baseado naquele jogo, relatando que Shuliño fez “um piquenique com a defesa” adversária. No fim das contas, o futuro River campeão esteve muito perto de cair na primeira fase. O líder do grupo foi o Ferro Carril Oeste, ironicamente o futuro (bi)vice. Kempes, Passarella e Di Stéfano precisaram contar com ajuda do próprio Talleres na rodada final, sob receio de que eventual rancor de Labruna falasse mais alto; já sem chances de classificação, os cordobeses seguraram a grande surpresa da primeira fase, o Loma Negra (que, em seus meses áureos, chegaria a vencer em 1982 a própria seleção soviética), eliminado apenas pelos critérios de desempate. Mas o brasileiro não chegaria até lá, vendo sua estadia terminar contra o próprio Loma Negra, mas ainda no primeiro turno.

Eis a relação de jogos do Uri Geller no Nacional:

4ª rodada, 30 de setembro, Chataeu Carreras: titular no 0-0 contra o River, acima descrito. A revista El Gráfico lhe deu nota 8, abaixo apenas da 10 conferida a Fillol, e reportou assim: “a grande produção coletiva do Talleres encontrou um obstáculo insuperável em Fillol. Os cordobeses arredondaram seu dever de casa jogando no toque com precisão e antecipando permanentemente o River. Seu controle da bola foi quase absoluto, contra um rival que se defendeu com solvência, mas limitado em suas possibilidades de contra-atacar. Entre Galván, Oviedo, Valencia e Júlio César armaram uma equipe que terminou ovacionada”.

5ª rodada, 4 de outubro, Chateau Carreras: titular na derrota de 1-0 no clássico com o Instituto, treinado por Alfio Basile sob assistência de Pedro Marchetta (falecido na última quinta-feira após ter acompanhado a estreia do Talleres na Libertadores 2022, justamente) e vencedor a dois minutos do fim. Fica a curiosidade: Júlio César enfrentou os três principais vizinhos do Talleres e não venceu nenhum, amostra do poderio conjunto que o futebol cordobês desfrutava; tal como o Talleres em 1980, o Instituto fora admitido no próprio Metropolitano naquele 1981 e o Racing cordobês também entraria no Metropolitano em 1982, tornando o Belgrano o único grande remanescente na liga cordobesa em 1982 – e mesmo assim o vencedor dela seria o Unión San Vicente.

Carregado após lesionar o tornozelo contra o Loma Negra, sua involuntária despedida do Talleres. Colorização de imagem do acervo do historiador Gustavo Farías

7ª rodada, 14 de outubro, Chateau Carreras: substituído logo aos 19 minutos por Sergio Díaz, por conta da tão falada lesão. No minuto seguinte, o Loma Negra abriu o placar de 2-1 finalizado já aos 43 do segundo tempo, quando o saudoso Félix Orte deu a vitória à equipe da cidade de Olavarría. O Talleres passaria longe da classificação aos mata-matas e, sem o brasileiro, chegaria a levar de 5-0 do River no segundo turno.

Sem o xodó, o Flamengo soube ter um 1981 que dispensa comentários, com a ponta-esquerda muito bem ocupada por Lico. Mas, inspirado na recuperação que outra ponta-esquerda carioca, Mário Sérgio, tivera no Rio Grande ao vir da Argentina em 1979 (fracasso rotundo pelo Rosario Central, brilhou no Internacional campeão invicto), o Grêmio sondou os cordobeses, que revenderam o Uri Geller por cem mil dólares a menos (dados da Placar da última semana de fevereiro de 1982; em cruzeiros, a cotação era 40 milhões, segundo uma edição de abril). O ídolo meteórico parecia acabado após aquela lesão, embora ainda tivesse 26 anos.

Ele estreou já em 24 de janeiro de 1982 como gremista, em triunfo sobre o Vitória por 2-0 já pelo Brasileirão (então concentrado no primeiro semestre). Mas lesões lhe minaram uma sequência de jogos após março. Sem enfrentar o próprio Flamengo nas finais, realizadas em 18 e 21 de abril, só reapareceu após exatamente um mês parado, em amistoso com o Atlético Mineiro uma semana depois do vice-campeonato dos gaúchos para os cariocas. Com uma equipe reformulada em relação a 1981, o Talleres, por sua vez, parou em 1982 nas semifinais do Torneio Nacional, agora realizado no primeiro semestre. A equipe de Labruna foi eliminada por aquele cascudo Ferro, adiante enfim campeão argentino pela primeira vez.

O canto do cisne dos tempos áureos de La T veio em nova queda nas semifinais contra outro Ferro campeão, no Nacional de 1984 (o técnico era Humberto Maschio, campeão da Libertadores 1973). Gradualmente, o time do bairro Jardín passou a transitar entre o meio de tabela e as divisões de acesso. E Júlio César? Em seu passo pelo Grêmio, também não foi usado nos meses de junho, agosto e setembro de 1982, realizando uma última partida em 27 de outubro, pelo Gauchão – dados da Gremiopédia. Mas o River, de sofrimentos com o ponta brasileiro ainda frescos, apostaria rapidamente nele dali a dois meses. O que nos leva ao próximo tópico.

River e Fortaleza

Torneios amistosos nos verões argentinos são continuamente realizados desde 1968, principalmente no balneário de Mar del Plata, mas também em Mendoza e na própria Córdoba, capitalizando na torcida que os cinco grandes (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo) têm pelo interior. Em “Mardel” ocorre a Copa de Oro e nela Júlio César foi testado pelo River no início de 1983.

O clube de Núñez ainda sentia ecos de 1981, mas nocivos. É que, para fazer frente à maradonamania do Boca, o time investira alto para montar aquele timaço de papel: se não conseguiu fechar com Toninho Cerezo, trouxe Kempes, o veterano Cejas e também René Houseman (outro vencedor da Copa 1978) e Juan Carlos Heredia (ídolo do Barcelona, havia sido até naturalizado pela seleção espanhola). Os desmandos econômicos da ditadura somados à derrota nas Malvinas em 1982 fizeram o dólar se valorizar rapidamente em 240% e foi preciso vender muitos daqueles craques: após a Copa de 1982, Kempes, Passarella e Ramón Díaz ficaram na Europa. Outros, curiosamente, foram àquele Talleres semifinalista em 1982, casos do próprio Heredia, Pedro González e Juan José López.

Cenas de 1983: careta no River, campeão no Fortaleza. Júlio César já havia jogado por Remo e Grêmio e virou antítese de Iarley (ex-Ceará, Paysandu, Boca e Internacional)…

Foi em meio a esse desmanche que o Millo testou Júlio César em Mar del Plata, sob empréstimo junto ao Grêmio. No fim, achou a pedida pela compra do brasileiro alta demais, segundo o especialista Gustavo Farías. No estádio José María Minella, o Uri Geller substituiu Raúl Chaparro no intervalo de um 1-0 sobre o Estudiantes em 19 de janeiro. E, em 2 de fevereiro, até foi titular. Mas o técnico José Ramos Delgado (sim, o velho ídolo do Santos de Pelé) substituiu-o por Héctor Enrique aos 18 minutos do segundo tempo de uma derrota de 2-1 para o San Lorenzo. Enrique ainda era um anônimo do Lanús recém-campeão de terceira divisão, mas vingaria a ponto de até hoje gabar-se de ter entregue a bola para Maradona iniciar seu segundo gol nos ingleses em 1986.

O brasileiro, por sua vez, não pôde reclamar de não ter permanecido no River em 1983. Começava no Monumental uma dura entressafra que resultaria na saída conturbada também do goleirão Fillol, revoltado com atrasos salariais e que rumaria em 1983 ao Argentinos Jrs no decorrer de um Torneio Metropolitano… onde uma instituição em crise, mesmo reforçada a partir de abril com o jovem Francescoli, seria vice-lanterna nos gramados – mas salva do rebaixamento por conta dos famigerados promedios, instituídos justamente para evitar uma queda como a do San Lorenzo de 1981 (não serviu muito, pois quem caiu no lugar seria o Racing). O destino do Uri Geller não seria o Flamengo, campeão brasileiro naquele primeiro semestre. E sim o Fortaleza.

Em 30 de abril, o Jornal dos Sports noticiava que o Fortaleza já havia acertado com o Campo Grande a vinda de outro ex-flamenguista, Luizinho das Arábias (por sinal, também outro com passagem pelo Remo, tristemente marcada pelo precoce falecimento do atacante algumas semanas depois da estreia), exatamente quem tivera a honra de substituir Pelé naquele amistoso contra o Atlético em 1979, onde até gol marcou – Sai o Rei, entra Luizinho é o título de sua biografia. E que, por 2 milhões de cruzeiros, o Grêmio aceitara emprestar o ponta até dezembro.

A dupla fez sucesso: os 33 gols de Luizinho ainda são um recorde de artilharia em um só campeonato cearense – e Uri Geller, cujo primeiro treino permitiu ao clube arrecadar 120 mil cruzeiros em ingressos segundo o Jornal dos Sports de 26 de maio, pôde sair bem antes do estadual ser assegurado; seria dele, ao menos, o gol que valeu por antecipação o título do primeiro turno, o último no 2-2 com o Ferroviário, repercutiu a edição de 20 de junho. Curiosamente, o festejo do primeiro turno invicto se deu com um amistoso contra o Paysandu, em 10 de julho (0-0).

Em agosto, se repercutia que a cartolagem tricolor clamava para que o astro tivesse uma chance na seleção. Não chegou-se a tanto, mas o ponta pôde cavar um retorno ao Rio: “prevaleceu a amizade entre Antônio Soares Calçada e o presidente do Grêmio, Fábio Koff” foi a justificativa da edição de 16 de setembro do Jornal dos Sports para que os gaúchos redirecionassem “por telefone” ao Vasco o empréstimo até 31 de dezembro, pois haviam outras equipes interessadas.

Repercussão nacional do sucesso de Júlio César no Fortaleza em 1983: notas do Jornal dos Sports

Ele estreou como vascaíno dois dias depois, contra o Bonsucesso, na rodada inaugural do segundo turno do torneio carioca. Não veio a ter dez jogos como cruzmaltino, mas os laços lusitanos lhe emplacariam para 1984 uma passagem pelo futebol português, ao Farense. Dali, em reação ao título brasileiro do Coritiba, seria repatriado no segundo semestre de 1985 pelo Athletico Paranaense (integrou o título estadual, a marcar a despedida do antigo estádio da Baixada, mas sem firmar-se) antes de uma segunda passagem pelo Fortaleza.

O retorno aos tricolores já foi bem menos marcante do que a primeira passagem: ao Jornal dos Sports de 5 de abril de 1988, explicava que chegou a ficar sete meses sem jogar diante de dívidas salariais com o Leão do Pici, imbróglio resolvido no início daquele ano com a cessão do passe ao próprio jogador. Ele foi entrevistado na ocasião já como reforço do America, ainda na primeira divisão brasileira. À altura de 1993, Uri Geller ainda entortava, agora no São Cristóvão, em pacote de veteranos que incluía Luisinho Lemos.

O Fortaleza ainda teria outros dois jogadores com passagens pelo River. O volante Marcelo Escudero teve uma trajetória quase invertida: jogador de seleção desde os tempos de Newell’s (vide a Copa América de 1995), onda ainda era reserva no time vice da Libertadores 1992, chegou com pé bastante quente em Núñez em 1996, quando enfim venceu o torneio (foi inclusive ele quem forçou o erro fatal do goleiro adversário para então fornecer a assistência para Crespo matar a final). Foi então titular no tricampeonato argentino seguido do Apertura 1996 com o Clausura e Apertura do ano de 1997, quando venceu-se também a edição final da Supercopa. Ele ainda participou de mais três títulos argentinos, mas com assiduidade apenas no do Apertura 1999; no do Clausura 2000 e no Clausura 2002, só entrou em campo uma vez em cada um. Atualmente, é treinador dos juvenis do clube.

Escudero (este, sem parentesco com os outros Escudero já mencionados) chegou como estrela ao Castelão em 2003, ano que marcava o regresso tricolor à primeira divisão. Só esteve em campo por 23 minutos, os últimos de 2-1 sofridos no Barradão contra o Vitória pela oitava rodada – foi o jogador de pior nota em campo para a Placar, deixando Fortaleza muito antes do imediato rebaixamento consumar-se; estenderia a carreira por mais dois anos no Olimpo.

A obscuridade marca também o defensor Jorge Sotomayor, sem uma única partida oficial no time adulto do River, onde formara-se e pelo qual representara a seleção sub-17 em 2005. Já estava no futebol chileno quando foi anunciado, em 2009. Mas foi limitado a amistosos no Leão; a camisa tricolor que vestiria efetivamente seria a do Colegiales, no ascenso argentino.

Desconsiderando-se amistosos, só Escudero defendeu River (com Gallardo e Sorín) e Fortaleza

https://twitter.com/keev_96/status/1038096081161256960?s=21

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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