Em oito jogos contra a Holanda, a Argentina só venceu um
Se a Argentina tem bom retrospecto quando joga em São Paulo (cenário do seu próximo jogo), conforme mostramos aqui, por outro lado tem um histórico não tão animador contra o próximo adversário: oito jogos e só uma vitória, em casa. Só não dá para dizer que é de todo péssimo porque o triunfo veio justo no encontro mais importante, na final da Copa do Mundo de 1978, que retratamos neste outro Especial.
As duas seleções se pegaram pela primeira vez em 1974. Ainda não na Copa do Mundo, mas em amistoso em Amsterdã. Os holandeses já se saíam bem contra argentinos em decisões clubísticas: o Feyenoord venceu a Intercontinental de 1970 sobre o Estudiantes e o Ajax, a de 1972 sobre o Independiente, na única vez em que Johan Cruyff jogou na Argentina. Já naquele amistoso, ele e colegas humilharam pela primeira vez os hermanos: um inapelável 4-1 em 26 de maio, com gols de Johan Neeskens, Rob Rensenbrink, Pleun Strik e Arie Haan aos europeus e com Rubén Ayala descontando aos sul-americanos. Para piorar, o atacante Roque Avallay se lesionou ali e teve de ser cortado.
Exatamente um mês depois, em 26 de junho, já na Alemanha Ocidental, a Oranje e a Albiceleste duelaram na Copa. E na neutra Gelsenkirchen, a surra holandesa foi ainda maior, 4-0. Cruijff marcou dois e Ruud Krol e Johnny Rep, os outros. Era a estreia das duas seleções na segunda fase de grupos e a goleada praticamente eliminou as chances argentinas de ir à final, fato sacramentado pela derrota também no jogo seguinte, contra o Brasil.
Praticamente quatro anos depois, em 25 de junho de 1978, veio o triunfo hermano. Segundo Juan Carlos Milonguita Heredia, argentino colega de Cruijff no Barcelona, o astro holandês realmente se ausentou da Copa por medo da ditadura argentina, assim como o próprio Heredia, que jogava pela Espanha. Tudo porque o pai dele, também chamado Juan Carlos (El Milonga) e ex-jogador da seleção argentina nos anos 40, teve a casa invadida por soldados que na verdade estavam atrás de outro xará deles, suposto opositor. Mas um militar reconheceu Heredia filho em várias fotos pela casa.
“Então esse milico pergunta se eram fanáticos do Milonguita. Minha mãe respondeu que sim, porque eram os pais do Milonguita. ‘Você é, então, o Milonga?’, perguntou o cara. ‘Sim’, respondeu meu pai. ‘Nos equivocamos’, disse o militar. (…) Três dias depois, meu velho, já recuperado, vai trabalhar e se encontra com um advogado que sabia o que havia ocorrido e lhe contou que na lista negra havia um Juan Carlos Heredia. Se não vinha esse outro milico, o levavam e o matavam”, relatou Heredia filho à revista esportiva argentina El Gráfico de fevereiro deste ano.
“Eu ligava para minha casa desde Barcelona a cada 15 dias mais ou menos. Então meu pai me contou o que havia se passado. Fui falar com Ladislao Kubala, que era o técnico da seleção da Espanha e lhe contei tudo. (…) Não queria ir ao mundial. (…) Meu pai me disse que aguentasse, que não me esquecesse que o topo máximo era jogar um mundial, mas para mim o topo máximo era minha família. Então não vim. Cruijff falou comigo. Queriam convencer Johan na Holanda e disse que não. (…) Ele sabia o que me havia acontecido”. Cruijff teria sofrido em 1972 e imaginava em 1978 seria pior.
Na final de 1978, o jovem Mario Kempes se consagrou, marcando dois gols. Dick Nanninga conseguiu empatar para a Holanda no tempo normal, e Rensenbrink quase virou o jogo no fim dos 90 minutos: se a bola que bateu na trave entrasse, ele terminaria artilheiro isolado da Copa e campeão, mas isso ficou com Kempes, que marcou seu segundo já na prorrogação (revertendo a artilharia de Rensenbrink) e viu Daniel Bertoni fechar o placar. Menos de um ano depois, em 22 de maio as seleções se enfrentaram na Suíça, em Berna. A Argentina até ganhou essa também, mas só nos pênaltis, por 8-7, com Ubaldo Fillol pegando três: o jogo havia ficado no 0-0 ao fim dos 120 minutos.
A vingança laranja teria de esperar por duas décadas, quando houve novo encontro, novamente por um mundial, em Marselha. Apesar de questionamentos ao técnico Daniel Passarella na convocação (bateu o pé em não levou Claudio Caniggia e Fernando Redondo e preferiu o veterano Abel Balbo no lugar de Christian Bassedas, presente em todo o ciclo do técnico até então) e na tática (não usava Gabriel Batistuta e Hernán Crespo juntos bem antes de Marcelo Bielsa fazer o mesmo), a seleção vinha bem no mundial. Foi 100% na primeira fase e superou a rival Inglaterra nas oitavas após chegar a tomar uma virada por 2-1 antes de empatar e vencer nos pênaltis.
Nas quartas de final, uma retrancada Argentina foi derrotada em grande 4 de julho de Dennis Bergkamp. Primeiro, ele forneceu de cabeça a bola para Patrick Kluivert fuzilar Carlos Roa e abrir o placar já aos 12 minutos. Claudio López até empatou rapidamente, aos 18. Mas os hermanos continuaram defensivos mesmo após o adversário Arthur Numan ser expulso aos 21 do segundo tempo.
Para piorar, Ariel Ortega cometeu duas infantilidades a três minutos do fim: tentou cavar um pênalti e em seguida deu uma cabeçada em Edwin van der Sar, levando o vermelho também. O castigo viria no último minuto: Bergkamp fez um dos mais belos gols da Copa, dominando com frieza um preciso lançamento de 60 metros de Frank de Boer, tirando Roberto Ayala da jogada com um toque seco e bombardear Roa quase à queima-roupa. Uma narração histérica holandesa do lance ficou famosa.
Menos de um ano depois, em 31 de março, se enfrentaram em amistoso em Amsterdã: 1-1, gols de Edgar Davids e com Batistuta empatando aos 39 do segundo tempo. A partida seguinte foi lá também em 12 de fevereiro de 2003: vitória local por 1-0, Giovanni van Bronckhorst aos 42 do segundo tempo. O outro encontro entre os oponentes de logo mais foi na Copa 2006, na última partida deles pela primeira fase. Já estavam classificados em pleno grupo da morte (com Costa do Marfim e Sérvia e Montenegro) e não saíram de um insosso 0-0. Foi o primeiro jogo de Copa em que Lionel Messi e Carlos Tévez foram titulares: Javier Saviola e Crespo, donos das posições ofensivas, foram poupados.