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Em Núñez, outro clube faz aniversário: o Defensores de Belgrano

A história dá conta de que o início foi no distante 25/05/1906. Data que é célebre em toda a Argentina, em razão do cumple de um Gigante; um certo vizinho do Dragão, o Millionario de Núñez. E o que há de singular na história é que ela se iniciou no carnaval. No meio da folia, um grupo de jovens, com espírito livre e festivo, chamou a atenção daqueles que viam ao espetáculo das sacadas de suas casas, devido às músicas alegres que cantava com paixão.

Então, de uma hora para outra acabou o carnaval. Era preciso que se encontrasse algo que continuasse a alimentar a distração. Surgiu a idéia de fundar um clube de futebol. Motivo óbvio: jogar as ligas independentes que se esparramavam por Buenos Aires. Motivo não tão óbvio: o de continuar a se encontrar, se divertir, interagir e, sobretudo, comer muita carne de churrasco; prato tipo exportação da culinária argentina. Surgia o clube com o nome de Defensores de Belgrano, entidade que só existe até hoje, 105 anos depois, em razão do espírito dos seus hinchas, que é um pouco do espírito herdado de seus jovens fundadores e que é da mesma natureza daquele que pulsa forte no coração dos torcedores em geral, sejam de clubes grandes ou pequenos.

Nascido em Belgrano, o clube mudaria de endereço pouco tempo depois para nunca mais sair de Núñez. Além disso, também sua camisa mudaria de cor. De celeste que era passou a ser vermelha e negra, porque existia um clube assim no Uruguai, o Misiones, e porque no Misiones, assim como no Defensores, os seus fundadores tinham enorme simpatia pelo Anarquismo.

No documento de fundação havia uma nobre declaração que pregava por “formar uma única comunidade de belgranenses, buscando o bem comum, a fraternidade e o alto espírito de solidariedade que aqui nos convoca”; e “ alimentar os sonhos de grandeza que o bairro e cada um de seus habitantes merece, enriquecendo seu já distinto acervo cultural”. Só que, para muitos, o que eles queriam mesmo era comer costela, chouriço e miudezas na brasa. Tudo proveniente do açougue de dois dos irmãos fundadores. A lenda fala que faziam churrasco mesmo antes das partidas; mas a realidade ao menos dá conta de que eles de fato se reuniam no açougue e que saíam dali para as partidas de futebol nas tardes bonaerenses. A realidade também assegura que eles saíam cantando músicas alegres e gritando palavras de ordem em prol da vitória nos confrontos. Entre as músicas, o hino da Internacional Socialista se apresentava.

Contudo, chegou um momento em que os clientes do açougue reclamaram uma melhor atenção dos irmãos Pasquali, já que os dirigentes e jogadores monopolizavam a atenção das carnes e do atendimento do açougue. É que foi justamente no açougue, na esquina da O´Higgins com Monroe que estabeleceram a primeira sede provisória do clube e de onde saíram os primeiros onze que vestiram a então celeste camisa do Dragão. Foram eles: Juan Bramante; Carlos Puriccelli e Juan Pasquale; Pedro Luna, Felipe Bordagaray e Santiago Ravizza; Raúl Bonahora, Ramón Puente, Arnulfo Leal, Mariano Acerbi e José Alejandro Pasquale. Na reserva apenas um jogador: José Giulidore.

A diversão acontecia na pracinha do bairro, onde ficava a cancha do Rojinegro. Então a prefeitura resolveu remodelá-la e cedeu ao clube alguns terrenos próximos dali. A oportunidade fez com que saíssem do açougue e fossem à sua sede atual, na avenida del Libertador com Comodoro Rivadavia, em Núñez.

A época do amadorismo foi uma fase de glórias para o Dragão. Foi quando conseguiu muitas das conquistas que o clube não soube manter, a partir do momento em que aderiu ao futebol profissional, em 1934. Foi também o momento dos obscuros conflitos com o seu maior rival histórico, o Excursionistas de Belgrano. O confronto de ambos ganhou a conotação de “Núñez versus Belgrano” e dele muitos torcedores saíram feridos nos idos da década de 30. Com o tempo, esse confronto passou a ser realizado em campo neutro. Por outro lado, vale lembrar que o embate que se tornou clássico, foi com o Platense. Mas este, via de rega, sempre rendeu estádios lotados e relação amistosa entre as equipes.

O clube ostenta quatro títulos da quarta divisão e é, juntamente com o Dock Sud, o maior ganhador desta categoria. Venceu as temporadas de 1953, 58, 72 e 1991/92. Venceu em 1967 a terceira divisão, mas não pode ascender porque a AFA criou um torneio classificatório com alguns clubes de todas as divisões metropolitanas. A frustração se vestiu de felicidade com a nova conquista da terceira divisão, em 2000/01. Foi quando o clube venceu o Temperley em uma final marcada por acidentes dentro e fora da cancha. Este foi o momento máximo na história do Dragão de Núñez. Do Nacional B voltou a cair em 2005 para a terceira divisão, onde está até os dias de hoje. Embora o Atlanta já tenha sido o campeão da B metropolitana, o Dragão ainda tem chances reais de se classificar para o torneio reducido, que apontará o representante da categoria à promoción com um clube do Nacional B.

Ontem, 25/05/2011 e em toda a Argentina, em alguns rincões do mundo e também em Núñez todos celebram o aniversário do gigante e glorioso River Plate; em uma minúscula porção, apenas de Núñez, alguns sonhadores celebram o aniversário do “nanico” e orgulhoso Defensores de Belgrano. Porém, se acaso alguém imagina que o objetivo final do clube consiste em retornar ao Nacional B, é preciso que saiba que o sonho consiste em um dia se apresentar definitivamente à elite do futebol profissional da Argentina. Quando isto acontecer, certamente todos estarão convidados para a festa regada a churrasco, cerveja e alegria. Mas ela não será no açougue dos irmãos fundadores, mas no estádio que leva o nome de um dele: Juan Pasquale, presenteado aos seus hinchas no aniversário do ano passado.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

View Comments

  • São excelentes essas matérias sobre os pequenos clubes de bairro de Buenos Aires. Lindas histórias de espírito esportivo. Parabéns e continuem publicando matérias como essa!

  • Sensacional! Esses especias são bons demais. Já cansei de elogiar o futebol portenho, nem tenho mais palavras.

    Fica como pedido um especial sobre o clássico santafesino entre Cólon e Unión.

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