Elementos em comum entre Santos e San Lorenzo
Los Santos é um dos apelidos do San Lorenzo, não só pelo próprio nome do clube mas também pela origem paroquial do time do Papa. Hoje a equipe enfim enfrenta o próprio Santos pela Libertadores, resolvendo uma pendência de 61 anos: teriam feito o primeiro jogo para ambos os países em La Copa, na edição de 1960, se os colegas de Pelé não caíssem para o surpreendente Bahia do técnico argentino Carlos Volante; os argentinos passaram sem maiores dificuldades pelos nordestinos e deixaram de ir à final por detalhes. Hora de relembrar, em especial, quem jogou pela dupla.
Os antecedentes à partida de hoje pela pré-Libertadores se resumiram a dois amistosos (3-3 em Buenos Aires em 28 de março de 1954 e Santos 1-0 na Vila Belmiro em 29 de junho de 1977) e às oitavas-de-final da Sul-Americana de 2006: Lavezzi fechou um 3-0 no Nuevo Gasómetro suficiente para a confirmação de classificação portenha no jogo de volta, mesmo sob derrota de 1-0 na Baixada.
O Santos até foi campeão em 1959, mas do Torneio Rio-São Paulo, enquanto o Ciclón (embalado pelo artilheiro José Sanfilippo, o quase carrasco santista na final da Libertadores de 1963, quando já estava no Boca) encerrou jejum de treze anos na liga argentina. Os outros anos de títulos em comum foram os de 1968 (Metropolitano; Estadual, o Brasileirão-Robertão e a Recopa Mundial), 2002 (Sul-Americana; Brasileirão) e 2007 (Clausura; Estadual). Anos raros, atravessados por longos jejuns que tanto marcaram os dois gigantes – que, ainda assim, cantam vantagem descomunal sobre seus vizinhos imediatos; o dérbi com o Huracán, equipe que já abrigou os santistas José María Sosa, César Menotti, Agustín Cejas e Ezequiel Miralles, é inclusive visto como o mais desequilibrado dentre os principais do futebol argentino.
De outro lado o bairro de Boedo não deixa de ter fortes ligações com a cidade de Santos por outras vias: o meia Zarzur, que foi azulgrana no ano de 1935, foi revelado pelo extinto Atlético Santista. Waldemar de Brito teve duas passagens pelo Ciclón, entre 1935-36 e em 1939-40, antes de pendurar as chuteiras na Portuguesa Santista (que teve no argentino Tomás Beristain, importado do Sanloré em 1940, um de seus ídolos máximos; seu colega rubro-verde Juan Baigorria era outro com passado azulgrana) e de se eternizar muito mais no futebol como o descobridor de Pelé em Bauru.
Curiosamente, Waldemar foi anunciado como reforço pontual do Santos em amistoso de 1936 contra o Estudiantes e sua ausência revoltou – e ele não deixou de criticar a fake news da divulgação antes do termo existir. E a “Briosa”, aliás, poliu um dos nomes dessa lista, o qual até representou o Ulrico Mursa na seleção. Vamos, enfim, aos santistas realmente alvinegros que também foram cuervos:
Eugênio Vanni e Tuffy: estão juntos porque realmente chegaram juntos à Argentina, em 1933, vindos respectivamente já do extinto Sírio e do Corinthians. E estão juntos porque nunca puderam defender oficialmente o San Lorenzo; foram limitados a amistosos de pré-temporada e ao time B, campeão da categoria naquele ano enquanto o principal também era campeão da sua – estrelado justamente pelo irmão de Waldemar de Brito, Petronilho (também ex-Sírio), e com participações obscuras de outros dois brasileiros mais comuns no time B, casos de João Ramon (importado da Portuguesa de Desportos) e Agostinho Teixeira (do extinto Estrela de Ouro). O trio aproveitado no time principal inclusive ficou na Argentina mais conhecido por nomes castelhanizados: Petronilo Do Britos, Juan Ramón e Agustín Teixeira, respectivamente.
Falecido precocemente em 1935, o goleiro Tuffy, natural de Santos, tivera duas passagens prévias pelos praianos, entre 1920-22 e 1926-28, na qual o “Satanás Negro” (apelido por seu gosto em jogar vestido totalmente de preto, não pela cor da pele) foi colega do volante Vanni. Eram tempos mais modestos na Vila Belmiro, tornando especialmente marcante o vice-campeonato estadual em 1927. Já a panelinha verde-amarela no bairro de Boedo cativou um ilustre brasileiro residente em Buenos Aires naquele início de anos 30: o futuro ditador João Figueiredo, que acompanhava o exílio do pai (derrotado na Revolução Paulista de 1932), revelaria à revista El Gráfico em 1982 a torcida pelos azulgranas adquirida naquela sua adolescência, declarando alegria ao saber que o clube vencera a segunda divisão no dito ano.
Gabriel Magán: o time campeão argentino de 1933 não tinha uma estrela solitária no irmão do descobridor de Pelé. Magán era o ponta-direita que terminou artilheiro do elenco vencedor (inclusive tem até hoje o recorde de gols em um só jogo pelo time, com cinco em um 8-2 no Tigre em 1932). Saiu em 1936 após já entrar em declínio. Pelo Santos, ele fez uma única partida já em setembro de 1939, em amistoso contra o Botafogo (4-4). Segundo relatos do Correio Paulistano, o clube irritou-se com o descaso da CBD em providenciar documentação pertinente da federação argentina para regularizar o jogador e não concretizou o negócio.
Abel Picabea: “estreia e despedida” é o conteúdo lacônico do verbete dele no Diccionario Azulgrana, publicado no centenário sanlorencista (em 2008) para recordar todos os jogadores e treinadores que passaram pelo Ciclón. Picabea, como meia, atuou em um 2-2 fora de casa contra o extinto Sportivo Buenos Aires pelo campeonato de 1925; na Argentina, associou-se mais ao Estudiantil Porteño, outro clube sumido (embora siga existindo socialmente, desativou seu departamento de futebol há décadas e décadas). Chegou ao Brasil em 1937 para defender o São Cristóvão, clube tradicionalmente amigo dos praianos e onde iniciou-se como treinador. Nessa função, comandou o Santos entre 1946 e 1947.
Ernesto Picot: filho de uma mulata uruguaia de quem herdou a rara cor de pele em seu país, foi um insinuante ponta-direita revelado nos juvenis do San Lorenzo. Pelo time sub-19, foi campeão do torneio da categoria em 1946, ao lado do meia-atacante Héctor Rial, futuro nome histórico do Real Madrid e da Liga dos Campeões. Em 1947, foi então promovido ao time principal, registrando dez gols em 78 partidas até 1954. Nesse ano, foi emprestado ao Santos, que, em sua primeira excursão internacional, visitava a Argentina. Vindo do banco, atuou nas derrotas de 4-1 para o San Martín de San Juan e de 2-0 para o River. Até teve sua compra requisitada ainda assim, mas não ficou porque o Sanloré desistiu do negócio, declarando-lhe intransferível… para vendê-lo ao Newell’s em 1955.
Tim: ele já havia sido um dos raríssimos jogadores que a Portuguesa Santista enviou diretamente à seleção brasileira. Esteve na Copa do Mundo de 1938 e trinta anos depois consagrou-se na Argentina como treinador do primeiro campeão argentino campeão invicto no profissionalismo, o elenco sanlorencista apelidado de Los Matadores. Em 1970, tirou o Vasco de um jejum estadual de doze anos. Em 1974, assumiu então um Santos que estava para dar os primeiros passos sem Pelé. Não conseguiu glória similar à de levar a seleção peruana à Copa de 1982 (a última do país até 2018), na caminhada que eliminou o Uruguai recém-campeão do Mundialito.
Mauricio Molina: “pouco fez este colombiano que vinha de arrebentar no Independiente de Medellín. Nunca entrou em sintonia com o jogo e desaproveitou todas as oportunidades” é a crua descrição no verbete desse volante no Diccionario Azulgrana. Ele na verdade vinha do futebol dos Emirados naquele 2005, mas participara o desjejum de 45 anos que o clube de Medellín de formação tinha na liga colombiana; um primeiro contato com o Santos veio enfrentando-o na Libertadores de 2003, onde seu time chegou às semifinais. Reforçou os praianos para a Libertadores de 2008, onde até marcou quatro gols nos 7-0 sobre o San José de Oruro. O hype durou pouco e em 2009 ele fez as malas para a Coreia do Sul, mas deixou boa impressão – Neymar até contaria que aprendeu a bater faltas observando-o.
Walter Montillo: diamante não-lapidado da base do San Lorenzo, onde tanto chegou ao mundial sub-20 como foi travado por lesões precoces que o impediram de firmar-se, Monti durou de 2002-06 no time de origem. Esteve no elenco vencedor da Sul-Americana de 2002, mas sem nenhum minuto em campo, só passando a chamar a atenção continental pelo que fazia na Universidad de Chile consagrada pelo ex-técnico santista Jorge Sampaoli. Veio ao Brasil em 2010 para atravessar grande fase no Cruzeiro, estreando em 2012 na seleção principal e sendo pedido ao Santos pelo próprio Neymar, um fã confesso do argentino.
A parceria, infelizmente, durou só o primeiro semestre de 2013, antes da negociação do astro brasileiro com o Barcelona. Montillo até usou a mítica camisa 10 e manteve-se brevemente na seleção ainda como santista (foi o primeiro jogador praiano a chegar à Albiceleste), mas não reluziu tanto na Vila, de onde embarcou em 2014 para o emergente futebol chinês. Em setembro de 2020, em longa entrevista ao La Nación, ele deu mais detalhes:
“Nos enfrentamos um par de vezes no Brasil, também com a seleção. E em 2012, quando trocamos de camisa ao terminar um Cruzeiro-Santos, me disse que gostaria que fosse jogar com ele. Eu pensei que era um agrado, uma frase de ocasião, mas depois mandou me chamar no vestiário e aí me disse que os diretores iam se comunicar comigo por esses dias. E assim foi. Falei depois com Muricy Ramalho, o treinador, me comentou que vinham me seguindo fazia tempo; logo começou a negociação e o Cruzeiro recebeu uma boa soma de dinheiro. Assim que uma grande porcentagem dessa transferência a devo a Neymar”.
“A 10 do Santos é uma camisa histórica que te pesa com mais responsabilidade. Se eu fosse o 3 da equipe e me dessem a 10, seria uma loucura, mas é minha posição de sempre. Claro que estava o jogo midiático por ser argentino, pela disputa Pelé e Maradona e toda essa história. Mas a tomei com muito respeito e tentei fazer o melhor com humildade. Embora só tenhamos compartilhado 6 meses no Santos, desfrutei muito jogar com Ney e criamos uma linda amizade”.
“O Santos me havia comprado fazia um ano, e a China arranjou Cuca, que me havia dirigido no Cruzeiro. Cuca começou a me chamar e encher a cabeça. Tinha uma relação muito boa com ele, tanto dentro como fora do campo, e isso pesou. Me dizia que fosse, que ia estar bem, que estava armando uma equipe para ganhar um campeonato que não se conseguia fazia cinco anos. Eu já tinha 30, me pegou com a guarda baixa e aceitei”.
Gosto muito do conteúdo do Futebol Portenho!
Um assunto que gostaria de saber mais e ver por aqui, é sobre a exigência nos anos 90 que os jogadores cabeludos da Argentina cortassem o cabelo para defender a Albiceleste.
Um abraço!