A bronca com a desorganização da Conmebol e entre o próprio staff interno, com o insucesso nos tribunais e a eliminação na Libertadores, não é a única coisa que une Santos e Racing. Mais do que os lamentos dos últimos dias, as duas equipes, as primeiras em seus países a serem campeões mundiais, têm consigo uma relação que chegou a ser especialmente intensa entre 1964 e 1974, quando tiveram em comum nada menos que sete jogadores – incluindo os nomes notáveis de três grandes ídolos santistas: os pontas-direitas Dorval e Manoel Maria e o goleiro Agustín Cejas. Ligação que inclui ainda dois campeões da Copa do Mundo de 1978 (César Menotti e Leopoldo Luque), merecendo ser resgatada em que pese um reencontro ficar impossibilitado para essa Libertadores.
Afinal, não foi somente em negociações que os clubes se encontraram tanto na melhor década da história profissional de ambos. Tiveram encontros frequentes em campo nos anos 60. Em tempos em que o Santos era o melhor e mais vitorioso time do Brasil, o Racing era sua contraparte na Argentina. A Academia foi até o fim de 1964 o clube argentino mais vezes campeão, quando foi superada pelo Boca.
Infelizmente, nenhum dos duelos envolveu a Libertadores, mas foram bastante recordados pelo alto nível. Em amistoso em 1962 que opunha os campeões nacionais de Brasil e Argentina no ano anterior, Pelé e colegas abriram 3-0 como visitantes antes dos 11 minutos. O primeiro tempo encerrou-se em 4-1, e antes dos dez minutos do segundo tempo os argentinos puderam encostar em 4-3. Mas já aos 9 o Peixe se distanciava, com o primeiro dos três gols de Pepe. Ficou no 8-3, com Coutinho também acumulando um hat trick. No ano anterior, já haviam se encontrado, com triunfo argentino por 4-2.
Em 1964, novo amistoso opôs o ídolo santista Dorval a seu ex-clube – a imagem que abre a matéria é desse ocasião, mostrando o ponta-direita (com camisa que inspirou o uniforme reserva usado ontem contra o River) com seu mais famoso ex-colega. No Cilindro de Avellaneda, um “econômico” 2-1 só definido aos 45 minutos do segundo tempo, quando Pelé converteu um pênalti. Coutinho havia aberto o placar empatado pelo futuro santista Menotti. Ao fim da década, ocorreu na virada de 1968 para 1969 a Recopa Intercontinental, que reunia os campeões mundiais até aquele momento.
Se esse torneio não foi além disso, ficando esquecido, ao menos rendeu mais encontros da fase ainda áurea das duas equipes. Sempre com triunfos santistas: em novembro de 1968, 2-0 no Parque Antártica; em abril de 1969, 3-2 na Argentina, com os dois gols racinguistas sendo anotados pelo brasileiro Silva Batuta, importado do Santos para uma fugaz e ainda idolatrada passagem pela Academia.
Os outros duelos oficiais foram válidos por outro torneio extinto, a Supercopa, que por sua vez reunia só campeões da Libertadores. As equipes encontraram-se precisamente na primeira e na última edição, em 1988 (com os argentinos vencendo por 2-0 no agregado já no primeiro mata-mata) e em 1997 (na fase de grupos, com um 2-2 em Avellaneda tendo gols visitantes de Edgar Báez, mais um a jogar nos dois, e do flop Arinelson, e um 3-2 no Brasil).
Santos e Racing também coincidiram em um largo jejum nacional desde os anos 60 só resolvido no início dos anos 2000. Os clubes foram campeões em torneios alusivos somente aos anos de 1958 (Estadual; Argentino), 1961 (Estadual e Brasileiro; Argentino), 1966 (Rio-São Paulo; Argentino) e 1967 (Estadual; Libertadores e Mundial). Quando os argentinos estavam prestes a quebrar seu tabu de 35 anos sem conquistas domésticas, a Placar até disse que o Racing era “O Santos Porteño”. Vejamos quem jogou nos dois:
Vicente Rojas: nome obscuro mesmo na Argentina, onde esteve tanto no Racing como no rival Independiente, mas sem sair da equipe B de ambos. Foi testado pelo Santos no fim de 1939, inclusive marcando em vitória por 2-1 sobre o Vasco. Mas já em março de 1940 se noticiava que a inscrição desse ponta-direita não seria renovada.
Ángel Capuano: goleiro que esteve no êxodo a partir de 1935 de argentinos que jogavam no futebol italiano, muitos deles, com origem italiana, temendo convocação do exército de Mussolini para a invasão da Abissínia (atual Etiópia). Acumulou 41 partidas em 1937 e 1938 pela Academia, em duas campanhas apenas corretas – dois quartos lugares em brigar pela taça. Veio ao Brasil para defender primeiramente o Fluminense, onde obteve um bi estadual. No Santos, jogou uma única vez, em 1942.
Dorval, Luís Cláudio e Benedito Baptista: os três vieram em um pacote de empréstimo para o ano de 1964. O gaúcho Dorval dispensa apresentações, como ponta-direita do célebre quinteto ofensivo santista recitado de memória com Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Os outros dois eram juvenis que, sem espaço a curto prazo no Brasil, seriam testados no futebol argentino. Dorval era mais célebre pelos gols que criava do que pelos que concluía, anotando só quatro pelo Racing, mas sendo bastante aplaudido pela contribuição ativa no bom time de 1964: foram cinco assistências e dois gols que colegas marcaram convertendo pênaltis sofridos pelo brasileiro. A equipe ficou em um enganoso 6º lugar no campeonato argentino, pois esteve a um gol de possuir o ataque mais goleador daquela edição, embora sem tanta contribuição dos outros dois (o centroavante Cláudio e o ponta-esquerda Baptista só fizeram um gol cada). Foram colegas de Cejas e Menotti.
César Luis Menotti: antes de imortalizar-se como o treinador da Argentina campeã de 1978, era aquele clássico camisa 10 refinado, embora parecesse lento, chegando a defender a seleção também como jogador. Como o trio brasileiro acima, chegou ao Racing em 1964, contribuindo com onze gols naquele recordado ataque embora só tenha jogado meio campeonato. O desempenho lhe valeu uma transferência ao Boca em 1965. Ele, que já havia marcado no Santos no amistoso de 1964, voltou a vaza-lo em triunfo de 5-3 em julho de 1968 pelo New York Generals em zebra no Yankee Stadium, partida de despedida do ídolo alvinegro Geraldino. Acabou trazido para testes na Vila. Mas, já em fim de carreira, não foi aprovado (entrou em campo somente contra o Cianorte, e em amistoso por vezes minimizado como mero jogo-treino) e seguiu ao Juventus da Mooca. Para a aprovação praiana, Menotti é um dos argentinos que veem Pelé superior a Maradona e Messi. Já a torcida racinguista torce o nariz a quem, com o tempo, teve imagem em Avellaneda mais associada ao rival Independiente, em três passagens como treinador e outra como manager.
Silva: convocado à Copa de 1966, ele já tinha idolatria por Flamengo e Corinthians e até uma passagem pelo Barcelona quando defendeu Santos e Racing, nessa ordem. No Barça só pudera jogar amistosos, não havendo sucesso da cúpula blaugrana em retirar a proibição a novos estrangeiros. De lá veio à Vila em julho de 1967, a tempo de participar do título estadual. Silva “Batuta” já estava de volta ao Flamengo quando foi incorporado pelo Racing em 1969 – lá, ficaria mais conhecido como “Machado da Silva”, seu sobrenome completo. Teve um desempenho espetacular, com 20 gols em só 30 jogos e a única artilharia de um brasileiro no campeonato argentino. O clube fez a melhor campanha da primeira fase, mas foi eliminado nas semifinais já nos minutos finais, para o futuro campeão Chacarita. Com saudades do Brasil, o flamenguista Silva topou transferir-se ao Vasco para lidera-lo em 1970 do fim do jejum vascaíno de doze anos no estadual. Segue muito amado em Avellaneda, como contamos aqui.
Agustín Cejas: é simplesmente o segundo jogador com mais partidas pelo Racing, e até os anos 90 era o dono do recorde (quebrado por Gustavo Costas). O goleirão estreou em 1962 para uma vitoriosíssima passagem encerrada em 1970, quando foi comprado pelo Santos. Após um início hesitante, conseguiu angariar idolatria também na Vila, especialmente pelo protagonismo no título estadual (de importância equiparável aos nacionais na época) de 1973, o último da Era Pelé – encerrando um jejum de quatro anos então inédito para o Rei. Naquele ano, foi Bola de Ouro da Placar. Voltou à Argentina em 1975 para defender o Huracán e reapareceu no Racing ao fim da década, com boas campanhas nos Nacionais e a pré-convocação, mesmo veterano, para ir à Copa de 1978. Carreira relembrada neste outro Especial.
Manoel Maria: o ponta-direita paraense chegou ao Santos após conseguir disputar o Pré-Olímpíco de 1968 vindo da Tuna Luso, historicamente a terceira força de Belém. A convocação naquele momento foi política, mas se justificaria tecnicamente. “Mané” conseguiria grande reconhecimento na Vila, a ponto de ser pré-convocado à Copa de 1970. Ao fim do ano, porém, a carreira do arisco driblador foi estagnada por um grave acidente de carro. Em 1973, integrou o elenco campeão estadual e teve atuações elogiadas, mas desavenças com a diretoria lhe renderam passe livre. Após não conseguir acertar com Vasco, Flamengo, Olaria e Desportiva, apareceu no Racing, vice-campeão argentino no ano anterior. Lembrado pelos racinguistas por ter uma perna mais curta do que a outra, não passou de cinco jogos (sem gols) e em 1974 já vestia outra camisa alviceleste, a do Paysandu no seu Pará. Ainda voltou rapidamente ao Santos em 1976.
Ramón Mifflin: volante titular da seleção-revelação da Copa de 1970, a do Peru, chegou ao Racing em 1973 juntamente com Manoel Maria. Diferentemente do brasileiro, seguiu no clube para o ano seguinte, chegando a marcar em um Clásico de Avellaneda (ainda que em derrota de 4-1). A Academia ficou a um ponto de jogar o quadrangular final que decidiu o campeonato. Foi o suficiente para o Santos adquirir Mifflin em agosto de 1974, já visando um substituto para Pelé, que deixaria o clube em outubro. Os alvinegros já haviam tentado sua contratação em 1969. Não triunfou exatamente na Vila, mas teve sua contratação requisitada pelo próprio Pelé ao Cosmos, indo acompanha-lo na liga dos EUA em 1975. Eles marcaram os gols do clube nova-iorquino na partida oficial da despedida do Rei, no 2-1 sobre o Santos em 1977.
Leopoldo Luque: o centroavante da Argentina na Copa de 1978 já estava decadente quando jogou pelos dois clubes, no início dos anos 80, sem reeditar as atuações que o haviam consagrado por Unión e River. A transferência, como em tantos casos, foi direta, saindo de Avellaneda em 1982 (onze jogos, dois gols) para a Baixada em 1983 (apenas dois jogos, sem marcar).
Edgar Báez: reforço incomparavelmente mais modesto em relação aos anteriores, sinal de outros tempos que os dois clubes viviam no início dos anos 90. O atacante paraguaio começou no Huracán a trajetória na Argentina, incorporando-se ao Racing na temporada 1994-95. Mesmo sem qualquer destaque por lá, veio à Vila para uma estadia relativamente longa, até 1999, pois nunca passou de uma regular opção de banco. Saboreou o Rio-São Paulo em 1997 e a Copa Conmebol em 1998, as únicas taças erguidas no duro período entre 1984 e 2002.
Carlos Galván: daqueles zagueiros limitados mas cultuados pela raça, El Negro foi titular de bons momentos que a Academia teve nos difíceis anos 90, participando do vice argentino em 1995 e da campanha semifinalista da Libertadores em 1997. No Brasil, começou primeiramente no Atlético Mineiro, sendo bastante aplaudido no Galo vice-brasileiro de 1999. Trocou de alvinegro no início de 2000, sendo um dos líderes do elenco quase finalista do estadual em 2001. Seguiu até o início de 2002, mas não ficou para o vitorioso Brasileirão. Seu outro clube brasileiro foi o Paysandu, em rápida passagem na fuga contra o rebaixamento em 2004.
Wason Rentería: o colombiano colecionou clubes brasileiros, sem repetir, porém, o carisma exercido no primeiro deles, o Internacional em 2005. No Santos, foi incapaz de competir com Neymar e Borges por um lugar no ataque em 2011 (chegara já após a vitoriosa Libertadores). No Racing, esteve no título argentino de 2014, mas com participação escassa.
Ezequiel Miralles: o atacante esteve no Racing na temporada 2006-07, como uma aposta proveniente das divisões de acesso. Não vingou, sendo repassado ao futebol chileno. Viria a triunfar naquele outro lado da Cordilheira, por Everton e Colo-Colo, já sendo desejado pelo Santos em 2011 embora viesse inicialmente ao Grêmio. Em 2012, foi trocado por Elano e teve seus bons momentos na Vila, embora sem repetir a alta média que conseguia no Chile. Em 2013, rumou ao Atlante mexicano.
Eugenio Mena: lateral-esquerdo da vitoriosa geração chilena dessa década, foi uma das promessas lapidadas pelo argentino Jorge Sampaoli na vistosa Universidad de Chile de 2010-11. Chegou ao Santos para o segundo semestre de 2013 e passou um ano e meio na Vila. Manteve a titularidade, mas desacordos financeiros levaram à rescisão na virada para 2015. Mena rodou o Brasil (Cruzeiro, São Paulo, Sport, Bahia) até acertar nesse agosto de 2018 com o Racing.
Clique aqui para relembrar os argentinos da história do Santos
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