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Elementos em comum entre San Lorenzo e Vélez Sarsfield

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O clássico do San Lorenzo é com o Huracán e o do Vélez, com o Ferro Carril Oeste. Mas os dois oponentes de sexta vêm desenvolvendo há anos uma animosidade, muito pela falta de títulos internacionais que assolava os azulgranas, historicamente um dos cinco grandes do futebol argentino, e sobrava aos fortineros, historicamente pequenos em expressão nacional mas que emergiram nos anos 90. Até então, isso mal existia: o San Lorenzo até usou muito o estádio do Vélez nos anos 80. Ali que garantiu o título da segunda divisão em 1982 e já havia sido lá que vencera os nacionais de 1972, 1974 e o Torneio Final 2013 (este último foi um confronto direto entre eles pela taça, diga-se) – em contrapartida, os velezanos foram campeões de elite pela primeira vez na casa sanlorencista, em 1968.

Mas hoje a rivalidade, ainda que não considerada como clássico, é inegável e já produziu até mortes de ambos os lados na última década. Um verbete sobre Héctor Almandoz no Diccionario Azulgrana reflete bem: “com a torcida azulgrana começou mal quando, sendo jogador do Vélez, lhe dedicou gestos obscenos durante um jogo. Anos depois, as voltas do futebol lhe depositaram em Boedo, e o povo não o perdoou nunca. Embora ele tampouco fez muito para redimir-se, já que seu nível foi bastante frouxo”. Almandoz era o lateral-direito do Vélez campeão da Libertadores e Mundial em 1994.

O jogo da sexta será na casa velezana e não seria improvável uma provocação dos locais aos visitantes exatamente pelo Mundial. É a última rodada do campeonato nacional e em breve o San Lorenzo embarca para o seu Mundial. Se enfim conseguiu a Libertadores, ainda lhe falta mais. Todos os outros quatro grandes (Boca, River, Racing e Independiente) e o Vélez ganharam no formato anterior, a Intercontinental. E em nome das chances perante o turbinado Real Madrid, para não falar nos adversários anteriores, não seria surpreendente se o Fortín escancarasse o troféu erguido diante do Milan em 1994.

Até desculpa haveria: seria o primeiro jogo após os 20 anos da conquista, completados na segunda-feira (falamos aqui). Por 20 anos os sanlorencistas aguentaram também poucas taças nacionais em relação ao novo rival no período, 4 contra 8. As taças internacionais cuervas foram uma Mercosul e uma Sul-Americana, e as duas do Vélez pós-1994, uma Supercopa e uma Recopa… não à toa, ao se encontrarem com o CASLA em 2013, os fortineros exibiram faixas com os dizeres “virgem como o Papa”. Já a provocação esperada para amanhã não seria difícil porque já ocorreu algo similar.

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Argentinos de Vélez que subiu em 1912 com vários ex-San Lorenzo. Especulamos que José Coll é o de boné e seu irmão Alberto esteja a seu lado, o 3º da fila. Xarau parece ser o 6º e Gianella, o penúltimo. A camisa era azul-marinha

Em 2003, um dos maiores ídolos do San Lorenzo, o tosco mas raçudo atacante Alberto Acosta (não confundir com o uruguaio ex-Náutico), com passagens pelo clube nos anos 80, 90 e 2000, pendurou as chuteiras. Foi pela penúltima rodada, em jogo contra o Vélez na casa azulgrana. Despediu-se marcando na ocasião o gol de número 300 de sua carreira, mas mesmo sem essa cereja a tarde já seria especial à torcida. Assim, antes do jogo houve desfile de 300 peñas (espécie de torcidas organizadas) que o San Lorenzo tinha em toda a Argentina, uma amostra da difusão nacional que o clube tem.

Os velezanos presentes no Nuevo Gasómetro enxergaram aquilo como provocação – o clube ainda tem imagem de ter seu reduto de torcedores ainda muito restrito a seu bairro de Liniers a arredores, reflexo do grande sucesso ainda recente. Quando os dois se reencontraram, em Liniers, houve troco: os donos da casa também enfureceram com um desfile, exibindo as numerosas taças internacionais que têm. Mas se hoje as torcidas têm rixas, poucos sabem que os dois clubes deveram muito um ao outro em seus primórdios. O San Lorenzo foi fundado em 1908 e o Vélez, em 1910. Em 1912, o Sanloré desativou-se por um tempo e muitos de seus fundadores estiveram no período em outras equipes.

Os meias Carlos Rosatto e José Colazurdo foram ao Boca. Outro, o meia Federico Monti, o homem que fizera questão que o bairro original de Almagro integrasse o nome completo do CASLA (“Club Atlético San Lorenzo de Almagro), encaminhou-se justamente a uma equipe de lá, o Honor y Patria. Mas a maioria foi mesmo ao Vélez. Outro meia, Amílcar Assali, o atacante Cayetano Urio, os irmãos José Coll (goleiro) e Alberto Coll (meia), o ponta-esquerda Luis Gianella (o homem que por sua vez fez questão que o padre e mecenas Lorenzo Massa fosse homenageado no nome do clube) e o centroavante Francisco Xarau foram todos ao Argentinos de Vélez Sarsfield, na época o comprido nome do Vélez.

Afiliados na Federação Argentina de Football, o Argentinos de Vélez jogou a segunda divisão, que na realidade correspondia à terceira – a segundona “real” se chamava intermedia. Haviam cinco grupos: dois só com equipes B de clubes das divisões superiores, as quais não podiam ascender. Os demais três ofertavam a seus líderes uma vaga na intermedia. Com os ex-sanlorencistas, o Argentinos de Vélez venceu o seu – curiosamente, o Honor y Patria de Federico Monti venceu o seu também. Mas o torneio prosseguiria com um mata-mata pelo título entre os vencedores de cada grupo. O Argentinos de Vélez venceu o Independiente B, mas perdeu a final para o Tigre B.

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De Campo, J. Coll, A. Coll, J. Monti, E. Monti, Calcagno, Perazzo, Romero, Xarau, Silva e Gianella: time que subiu em 1915 com muitos que haviam subido com o Vélez em 1912

Mas o principal para o Argentinos de Vélez é que subira. No ano seguinte, quase houve novo acesso, dessa vez à elite. “Se nesse ano o Vélez Sarsfield tivesse subido à primeira, o San Lorenzo não existiria”, contaria Luis Gianella, um dos que retomaram o San Lorenzo em 1914: os exilados, mais experientes, resolveram retomar o antigo clube, inscrito na terceira divisão da Associação Argentina de Football. E há praticamente um século, em 1 de janeiro de 1915, eles subiram à elite, ao vencerem curiosamente o tal Honor y Patria. Gianella é quem mais ficaria no San Lorenzo: jogaria até 1923, sendo o único sócio-fundador que pôde ser campeão da elite argentina, conquistada pela primeira vez pelos cuervos exatamente naquele ano – veja aqui.

Gianella e Xarau foram os últimos remanescentes vivos dos sócios-fundadores e puderam presenciar o sucesso estrondoso do início dos anos 70. A respeito, recomendamos esta crônica dos amigos do Impedimento. A seguir, reuniremos outros elementos em comum entre os hoje rivais San Lorenzo e Vélez, que por sinal estreou sua icônica camisa com La V Azulada exatamente diante dos azulgranas, em 1933 – até então, a camisa velezana lembrava a do Fluminense, uma tricolor nas três cores da bandeira da Itália, terra de origem de muitos dos fundadores fortineros. Ficou como modelo reserva.

Agustín Cosso: um dos dois únicos a ir pela dupla para a seleção argentina. Conseguia jogar tão bem como defensor, pelo físico corpulento, como no ataque. O Vélez o trouxe em 1933 do Sarmiento de Junín e La Pantera del Fortín esteve na peleja contra o San Lorenzo naquele ano na estreia da V Azulada (falamos aqui sobre esta partida, que teve gol de um brasileiro). Em 1935, o clube se intrometeu pela primeira vez entre os cinco primeiros no profissionalismo e Cosso foi o artilheiro do campeonato, com 33 gols – em 29 jogos, com destaque para os quatro nos 4-3 sobre o River.

Ao todo deixou excelentes 95 gols em 123 jogos no Vélez. Foi contratado pelo Flamengo em 1937. Fez 20 jogos em 29 jogos, mas voltou já em 1938 à Argentina, agora no San Lorenzo, onde demorou só 1 minuto para marcar seu primeiro gol como azulgrana (sobre o Almagro). Não deixou por menos em Boedo, com 34 gols em 38 jogos, mas em 1939 foi ofuscado pela sensação Isidro Lángara. Passou ao Banfield, que estreava na elite profissional em 1940, e depois voltou rapidamente ao Vélez.

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Cosso, que jogou no Flamengo, e Zubeldía, técnico de história no Estudiantes tri da Libertadores

Osvaldo Zubeldía: outro que veio de Junín, em 1949. Astuto volante ofensivo, chegou a marcar três vezes em Amadeo Carrizo em um 5-3 de viradas no River (o Vélez abrira 2-0, o River virara para 3-2). Esteve em todos os jogos do vice-campeonato de 1953, então o mais perto que o Fortín chegou do título. Em 1956, passou ao Boca e dali ao Atlanta, onde fez história como jogador e técnico no período mais glorioso do time de Villa Crespo (entenda aqui). Em 1965, assumiu o Estudiantes e o revolucionou, sendo o treinador dos tricampeões da Libertadores de 1968-70. Passou pelo Huracán em 1971 e assumiu o rival San Lorenzo em 1974. Foi campeão nacional, última taça do vitorioso ciclo azulgrana de 1968-74.

Oscar Ruggeri: é o único campeão no trio Boca, River e San Lorenzo. E o único que pelo trio esteve na seleção. Também esteve nela pelo Vélez (e por Logroñés, Real Madrid, Ancona e América-MEX. Ninguém defendeu a Albiceleste por tantas equipes diferentes), onde chegou em 1990. No Fortín, o defensor esteve no 3º lugar no Apertura 1990 e no vice no Clausura 1992, a 2 pontos do Newell’s. Como velezano, foi o capitão da seleção na conquista da Copa América 1991, quebrando o maior jejum continental da Argentina, 31 anos. El Cabezón saiu antes do estrondoso ciclo de Carlos Bianchi. Chegou ao San Lorenzo em 1994 e participou da taça do Clausura 1995, em que os azulgranas quebraram jejum de 21 anos. Seguiu no clube até 1997 e assumiu como técnico duas vezes.

José Luis Chilavert: o goleirão paraguaio chegou ao San Lorenzo em 1985 sob empréstimo, e o desempenho fez a torcida se mobilizar para doar dinheiro ao clube, quebrado, compra-lo em definitivo. Eram os anos em que o CASLA nem estádio tinha, e o estoicismo dos jogadores fez o elenco ser apelidado de Camboyanos. Com percalços, o clube conseguiu ser vice em 1988. Chila era o titular, mas tinha relacionamento ruim com dirigentes e barrabravas, e a gota d’água para sair foi a não-concretização de sua ida ao River em troca por Sergio Goycochea. Foi embora, mas ao Real Zaragoza.

O Vélez o trouxe do Zaragoza em 1992. Se firmou em Liniers como um dos maiores goleiros do mundo e um dos maiores jogadores do esporte, protagonizando a enxurrada de títulos velezanos nos anos 90. O primeiro, a quebra do jejum de 25 anos sem o título argentino, veio simbolicamente graças a seu primeiro gol no clube, em 1993 (veja). Depois viriam Libertadores, Mundial, Supercopa, Recopa, outros três títulos nacionais e a popularização entre goleiros em cobrar tiros livres. Um mito.

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Ruggeri e Chilavert. O primeiro brilhou mais no San Lorenzo, o outro é um dos maiores ícones do Vélez

Esteban González: único campeão por Ferro (em 1982 e 1984, sem titularidade. Mas marcou sobre Vasco e Fluminense na Libertadores 1985) e Vélez, onde chegou em 1990 e conseguiu a artilharia do campeonato. Antes do Vélez engatar a dupla Omar Asad e José Turu Flores, foi El Gallego o principal homem-gol no início dos anos 90. Foi, junto do próprio Asad, o goleador do campeão de 1993. Também venceu a Libertadores, mas já na reserva. Em 1995, foi um talismã do San Lorenzo campeão após 21 anos. Fez até o gol do título, a poucos minutos do fim, fora de casa contra o Rosario Central.

Flavio Zandoná: o lateral-direito ficou oito anos no San Lorenzo, embora só se firmasse a partir dos anos 90. Integrou o vice no Clausura 1991 e só não é unanimidade pela forma como saiu – ao assinar com o Vélez em 1994, declarou que “enfim chegou a um clube sério”. Era reserva do tal Almandoz nos títulos de 1994, mas suplantou-lhe a partir de 1995 e o próprio Almandoz passou ao San Lorenzo em 1996. Venceu o bi argentino de 1995-96 e a Supercopa 1996, mas ainda é sinônimo da briga generalizada contra o Flamengo em 1995 ao revidar com um nocaute um tapinha de Edmundo.

Sebastián Méndez: outro defensor, passou nove anos no Vélez, entre 1993 e 2002. Espécie de 12º jogador nos títulos de 1995 a 1998, depois foi até capitão e jogador de seleção como velezano. Após quatro anos no Celta de Vigo, veio ao San Lorenzo em 2006 e foi titular dos campeões do Clausura 2007. Ele saiu em 2009 para se aposentar no Banfield, integrando o primeiro elenco campeão de elite dos alviverdes. Chegou a assumir interinamente o Sanloré em 2010.

Além deles, outras figuras de um passaram pelo outro, mas com destaque em um só, como Almandoz: os meias Héctor Veira (maior ídolo do San Lorenzo, breve técnico no Vélez) e Leo Rodríguez (dos anos 90 e 2000 do CASLA e reserva de Maradona na Copa 1994), o defensor Osvaldo Coloccini (um dos Camboyanos dos anos 80, pai de Fabricio Coloccini) e os volantes Pedro Larraquy (de treze temporadas no Vélez, segundo homem que mais jogou no clube), Norberto Ortega Sánchez (remanescente dos Camboyanos que participou do Clausura 1995), Diego Simeone (revelado pelo Vélez, técnico desastroso no outro) e Claudio Husaín (dos anos 90 velezanos e da Copa 2002). A dupla também já foi campeã no mesmo ano, em 1968 (San Lorenzo no Metropolitano, Vélez no Nacional),1995 (San Lorenzo no Clausura, Vélez no Apertura) e 2013 (Vélez na Superfinal 2012-13, San Lorenzo no Inicial).

*Agradecimentos especiais ao historiador do futebol argentino e amigo Esteban Bekerman.

*Atualização às 23h46 de 5-12-2014: o desfile velezano com a taça do seu mundial realmente ocorreu, mas o San Lorenzo reagiu bem em campo, vencendo fora de casa por 2-0: confira.

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González, Zandoná e Méndez

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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