A seleção de 1978 teve como principal celeiro o River Plate: foram cinco convocados e quatro deles (Fillol, Passarella, Luque e Ortiz) foram titulares da equipe-base. Já para a segunda equipe mais representada no primeiro título mundial da Albiceleste, vale um debate. O Independiente teve quatro convocados, mas apenas um efetivamente usado, o ponta Bertoni. Huracán e Talleres, por sua vez, tiveram três cada um, mas podendo ver ao menos dois deles (Ardiles e Houseman pelos huracanenses, Galván e Valencia pelos tallarines) habitualmente usados pelo treinador César Menotti. Inclusive, os respectivos camisas 10 da dupla “roubaram” duas vagas que poderiam ter sido dadas a Maradona: o referido Valencia e seu reserva Alonso, que dividem a bola na imagem que abre a matéria. Boa amostra da era de ouro que Millo e La T viveram na década, com muita gente em comum. Simbiose que uma das oitavas-de-final da Libertadores resgata em 2024.
Antes, é preciso trazer o contexto habitual a cada nota histórica envolvendo o Talleres e outras equipes da sua cidade de Córdoba. É que, apesar do nome, o campeonato argentino era restrito de modo oficial a clubes da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe; na prática, era um torneio portenho (isso é, de megalópole da capital federal) com convidados, como tantos outros torneios municipais/provinciais/regionais país adentro.
É pelo poderio intenso na liga cordobesa que os alviazuis sedimentaram a base de sua torcida, uma das mais numerosas do interior – afinal, Córdoba é das raríssimas cidades em que as forças locais têm mais apelo que a dupla Boca e River. Em 1967, então, intervenção ditatorial na AFA determinou que os times do resto do país também deveriam ter algum lugar simbólico ao sol. O campeonato “argentino” foi apropriadamente renomeado Torneio Metropolitano e passou a dividir calendário com o recém-lançado Torneio Nacional, a reunir os melhores times do Metro com os classificados em seletivas que peneiravam os campeões de cada liga do interior.
Diante dessa longa demora a uma “reparação histórica”, demorou-se para que alguém defendesse os dois clubes. O ineditismo só se deu exatamente em 1967, com o ponta-esquerda Miguel Hugo Rivarola. Prata-da-casa do River, foi promovido em 1966 ao time millonario adulto, mas não passou de cinco jogos. Em 1967, já trocava o bairro portenho de Núñez pelo bairro cordobês Jardín. Inclusive, participou da campanha de estreia do Talleres no Torneio Nacional, em 1969. Já a via inversa, isto é, de um jogador tallarin virar riverplatense, teria de aguardar até 1975.
Os times de Córdoba foram os que mais souberam aproveitar a nova era, a ponto de em dado momento o campeão cordobês passar a ter vaga direta no Nacional, sem necessidade de participar das seletivas do interior. E, das quatro principais forças da cidade, o Talleres foi, de longe, quem mais prosperou. Obteve um hexacampeonato provincial seguido (o recorde até então era um tetracampeonato do Instituto ainda nos anos 20) entre 1974 e 1979, mesmo com diferentes treinadores naquela sequência.
Eram tempos em que, para jogar na seleção, estar na liga cordobesa (que tinha até álbum de figurinhas próprio) se mostrava mais vantajoso do que participar da liga inglesa. Em paralelo, La T também brilhava no Nacional, com seguidas classificações às fases decisivas. Na de 1976, de fato travou com o River uma das semifinais do Torneio Nacional. O Millo avançou, mas sofreu o troco no certame de 1977 – quando apenas o líder de cada grupo avançava, os cordobeses não só passaram como cheiraram fortemente o inédito título argentino. Mas, em plena La Boutique, viram o Independiente dar a volta olímpica na epopeia mais dramática, ou no drama mais épico, da história do campeonato argentino.
A campanha tallarin vice-campeã do Nacional 1977 finalizou já em janeiro de 1978 e, nesse embalo, propiciou que o clube estivesse em peso na convocação à Copa: além dos citados José Daniel Valencia, que “roubou” uma das vagas de Maradona sob concordância do próprio, e do zagueirão Luis Galván, também o curinga Miguel Ángel Oviedo – para não falar no atacante Humberto Bravo, um dos três últimos cortes na lista final, junto de Dieguito e de Víctor Bottaniz. Ao fim do ano, a final do Nacional de 1978 quase foi decidida com o River. Mas os cordobeses caíram nas semifinais para o asa-negra Independiente, que adiante derrotou o Millo na decisão.
Em 1979, virou lei: o time do interior com duas classificações seguidas ou três alternadas aos mata-matas do Nacional passaria a ter vaga no próprio Torneio Metropolitano. Àquela altura, o Talleres cumpria de uma vez os dois requisitos. Jogou naquele ano a liga cordobesa pela última vez (e foi campeão) e em 1979, tal como em 1977, voltou a liderar no Nacional o grupo que tinha também o River. A diferença é que ambos puderam avançar e, ironicamente, o bairro de Núñez festejaria o título enquanto o bairro Jardín amargou queda já nas quartas-de-final para o Unión. Mas era o bastante para em 1980 a maior torcida de Córdoba passar a dividir seu calendário entre Metropolitano e Nacional. Os novatos até estrearam com tudo no Metro em 1980 (vencido pelo River, diga-se), terminando em 3º com a mesma espinha-dorsal das temporadas anteriores.
Mas, já em curto prazo, a honra cobrou seu preço. A frequente rotina de viagens pareceu cansar um elenco cada vez mais envelhecido, para o qual não se dava reposição duradoura à altura. La T continuava melhor nos Torneios Nacionais, de tiro mais curto; com um plantel renovado com diversas figuras antigas do River, foi semifinalista no de 1982. Depois ainda foi semifinalista no de 1984. Com o fim da competição em 1985, porém, a equipe passou a vagar comumente pelo meio de tabela e se acostumar com mediocridades.
Os anos 90 e 2000 viram rebaixamentos que chegaram a incluir mais de uma passagem pela terceira divisão. As disputas diretas de título no Apertura 2000 (que ficou com o Boca) e no Clausura 2004 foram pontos fora da curva, embora a primeira delas ainda rendesse classificação conjunta à Libertadores 2002 – onde estiveram no mesmo grupo e terminaram em dois empates. Já na de 2004, ao mesmo tempo em que lutava pelo título com o River, o Talleres, pelos promedios, ironicamente também brigava contra o rebaixamento. Caiu e demorou doze anos para voltar à elite.
Em 2016, enquanto o River festejava Copa Argentina e Recopa Sul-Americana, o Talleres ganhou a segunda divisão argentina para não mais voltar a ela: o antigo gigante setentista, com gestão mais sustentável (única SAF que colou no país), soube manter-se na elite, em ascensão que pôs o time rotineiramente nas copas continentais. Além de 2016, River e Talleres também festejaram juntos nos anos de 1941, 1945, 1953, 1975 (Metropolitano e Nacional, no caso do River), 1977 (Metropolitano) e 1979 (Metropolitano e Nacional), todos de conquistas tallarines na liga cordobesa; e em 1999, quando a Banda Roja comemorou o Apertura e o Albiazul, a última edição da Copa Conmebol.
Hora de rememorar os principais nomes que passaram pelos oponentes das oitavas-de-final da Libertadores 2024:
Ángel Labruna, Héctor Ártico e Pablo Comelles: já dedicamos este Especial a Labruna, o maior símbolo do River no século XX. Foram cerca de vinte anos jogando pelo time do coração, entre o final dos anos 30 e o final dos anos 50. Nos anos 60, teve passagens agridoces como treinador, em meio à década sem títulos do Millo. Reconstruiu no interior o renome, faturando com o Rosario Central o Torneio Nacional de 1971 e coordenando a primeira grande campanha do Talleres na competição: o 4º lugar na de 1974. Dentre alguns jogadores, o lateral Comelles e o zagueiro Ártico, prontamente levados por Labruna ao River em 1975, quando o ex-clube o recontratou.
Justamente em 1975, faturando conjuntamente Metropolitano e Nacional, o River encerrou dezoito anos de jejum – Labruna ainda era jogador na última volta olímpica, em 1957. Ártico e Comelles viraram figuras carimbadas, ainda que não a ponto de irem à seleção ou virarem ídolos máximos. O primeiro saiu após 1977, mas Comelles e Labruna seguiram juntos no River até 1981, quando a contínua falta de êxito na Libertadores encerrou o ciclo do treinador.
O Talleres reabriu as portas a Labruna e, com diversos antigos comandados dele em Núñez, os cordobeses foram semifinalistas do Nacional 1982. Dentre os pupilos de outros carnavais, novamente Ártico e Comelles, que na sequência da carreira curiosamente vestiria também as camisas dos rivais Belgrano e Boca, além do San Lorenzo. Só ele vestiu as camisas dos dois principais times cordobeses e das três maiores equipes da capital federal.
José Reinaldi: El Pepona era o maior artilheiro justamente do arquirrival tallarin, o Belgrano, e torcedor assumido do Boca. Mas topou a proposta do River e foi uma das referências ofensivas do desjejum em dose dupla em 1975, sendo inclusive dele o gol do título do Torneio Nacional. Reinaldi, porém, não durou muito além em Núñez. Reapareceu em Córdoba em 1977, virando a casaca. Virou raro jogador ídolo das duas maiores torcidas cordobeses, pois soube brilhar no bairro Jardín: vice-campeão do Nacional daquele ano, foi o artilheiro da edição 1978 e chegou enfim à seleção. Teve idas e voltas entre por La T e La B nos anos 80 e era um dos diversos ex-riverplatenses no time alviazul de 1982. Já lhe dedicamos este Especial.
Adolfo Pedernera: antigo colega de Labruna no timaço riverplatense apelidado de La Máquina, Pedernera era ali uma espécie de falso 9. Di Stéfano, seu reserva no início da carreira, dizia que Pedernera era o maior jogador que vira. Sua carreira de jogador em Núñez durou de 1935 a 1946, passando por todas as cinco posições do ataque. No Talleres, coube a ele a missão de substituir Labruna em 1975. Cumpriu com sobras: ganhou o título cordobês daquele ano e o 6º lugar no Nacional mascara que Don Adolfo ainda é o segundo técnico com melhor aproveitamento com o clube na primeira divisão nacional, com apenas quatro derrotas em 45 jogos. Já dedicamos este Especial à lenda.
Alberto Tarantini: lateral do primeiro Boca campeão da Libertadores, em 1977, estava sem clube quando foi titular da Argentina de 1978. Com a vitrine, foi contratado pelo Birmingham City, mas já em 1979 deixava a liga inglesa para jogar a cordobesa. Foi como tallarin que El Conejo, sem vingar na Europa, seguiu na seleção. Participou do título cordobês, o último do hexacampeonato, e de nova campanha de relevo do clube no Nacional: na primeira fase, o Talleres foi líder do grupo que tinha o River, que ironicamente terminaria campeão. Tarantini acabou contratado pelo próprio River em 1980 e se tornou o único a jogar pela seleção vindo de ambos os clubes. Lhe dedicamos este Especial.
Carlos Morete: El Puma era um atacante sem muito refinamento, mas com apuradíssimo faro de gol. Inicialmente símbolo involuntário do jejum do River, teve a desforra como campeão e artilheiro do redentor Metropolitano 1975. Logo depois, foi vendido ao futebol espanhol, não chegando a participar do bicampeonato seguido com o Torneio Nacional. Voltou à Argentina em 1981, justamente no Boca, onde não se firmou. Reconstruiu-se naquele Talleres semifinalista de 1982, campanha em que foi também vice-artilheiro da competição – com direito a três gols em 4-0 para cima do Boca, duelo com ares de virtual Superclásico na prelação de Labruna para os diversos ex-riverplatenses do elenco tallarin. Acabou contratado pelo Independiente e participado do Argentinos Jrs campeão da Libertadores 1985. Já lhe dedicamos este outro Especial.
Juan José López: como Morete, Jota Jota era outra personificação do jejum que insistia em não terminar por Núñez até ter em 1975 a merecida volta por cima. Volante elegante, sua ausência na Copa de 1978 era uma das mais questionadas para cima do técnico Menotti. López permaneceu no River até 1981 e veio a ser outra peça prontamente recrutada por Labruna para o Talleres semifinalista de 1982 – foi dele o outro gol naqueles 4-0 para cima do Boca. Seu bom desempenho valeu-lhe uma proposta do próprio Boca, em virada de casaca que nunca seria totalmente engolida por alguns millonarios. Também como Morete, esteve no Argentinos Jrs campeão da Libertadores 1985. Em 1986, não teve pudor de virar outra casaca, defendendo um Belgrano campeão do interior.
Como treinador, El Negro López construiu uma carreira concentrada em Córdoba, trabalhando em todos os principais clubes da cidade, incluindo a dupla secundária Instituto e o Racing local. No Talleres, era o comandante do agridoce 2004, em que La T tanto fechou o pódio do Clausura para o campeão River e o vice Boca como também terminou rebaixada por conta dos promedios – ele é inclusive o quarto técnico tallarin com maior aproveitamento na elite (54,23% dos pontos). Mas, para o resto do mundo, a rica trajetória dele se resume à pecha de ser o treinador do River no dia do rebaixamento, em 2011 (contra o Belgrano, aliás). Injustiça que destacamos no Especial dedicado a López.
Pedro González e Pedro Coudannes: consagrado inicialmente no San Lorenzo campeão invicto de 1968, com o qual chegara a seleção, o ponta Pedro González já parecia em fim de carreira ao rumar ao futebol peruano, aterrissando em Núñez em 1975 em Núñez para surpreendentemente ter uma nova juventude. Peça ativa no desjejum em dose dupla festejado pelo River naquele ano, conseguiu até ser reaproveitado pela seleção até 1977, ficando por pouco de fora da Copa do Mundo. O volante Coudannes, por sua vez, foi lançado em 1976 no time adulto do River e nunca se firmou, passando já em 1978 ao Estudiantes enquanto González pôde seguir até 1981. Em 1982, então, ambos rumaram juntos para aquele Talleres cheio de antigas gallinas. Já veterano, El Fantasma González seguiu carreira em 1983 no interior rosarino e Coudannes, no San Lorenzo vice-campeão do Metropolitano.
Juan Carlos Heredia: seu pai, também chamado Juan Carlos Heredia (El Milonga), consagrou-se no Talleres campeão cordobês de 1939, vitrine para reforçar em 1940 o Rosario Central, ano em que se tornou um dos mais jovens estreantes da seleção argentina. Apelidado de El Milonguita, o Heredia filho ironicamente despontou no rival tallarin Belgrano, no fim dos anos 60. Em meados dos anos 70, se tornou o primeiro jogador importado do futebol argentino a realmente virar ídolo do Barcelona, onde foi “parça” de Cruijff e naturalizado pela seleção espanhola.
Em 1980, Milonguita Heredia foi então contratado pelo River, time do coração. Começou titular, mas, atrapalhado por lesões, não superou a concorrência com Luque e Ramón Díaz. Havia inclusive se declarado aposentado já em 1981, mas ainda tentou um epílogo obscuro naquele Talleres bastante riverplatense de 1982. Já lhe dedicamos este Especial.
Emilio Commisso: revelado pelo Racing de Córdoba, o volante chegou ao River em 1976 e carregou piano até 1983, ganhando cinco títulos. Foi mais um antigo pupilo de Labruna bem aproveitado naquele Argentinos Jrs campeão de quase tudo entre 1984 e 1985. Foi colorado até 1988, quando El Nene fez sua única temporada no Talleres. Esquecível: La T foi lanterna, embora o razoável promedio afastasse o risco de rebaixamento. Teve nova passagem no bairro Jardín como treinador, precisamente na segundona, em 2005.
Alejandro Montenegro: prata-da-casa do River, estreou no time adulto em 1983 e saiu em 1988 sem virar ídolo histórico, mas teve o pé quente de ser titular na dourada temporada de título argentino, de Libertadores e de Mundial Interclubes em 1986. No Talleres, foram duas passagens, intercaladas com uma estadia no rival Belgrano entre 1992 e 1993. A primeira, entre 1988 e 1990, foi pouco frutífera. A segunda terminou premiada com a festa de acesso à primeira divisão na temporada 1993-94, logo após o primeiro rebaixamento.
José Ramos Delgado: um dos mais proeminentes jogadores afro-argentinos, El Negro chegou a ser até capitão da seleção. O zagueirão foi um dos ídolos que o River soube ter mesmo em tempos de jejum nos anos 60, corroborando sua qualidade mesmo já veterano, brilhando no Santos de Pelé a partir do final da década. Em Núñez, Ramos Delgado também foi treinador, em 1982. Na nova carreira, já havia trabalhado no Belgrano em 1978 e virou a casaca em Córdoba ao dirigir o Talleres na maior parte daquela campanha de acesso à primeira divisão na temporada 1993-94, saindo em março do cargo – já ocupado por Daniel Willington na ocasião dos festejos. Já dedicamos lhe este Especial.
José Serrizuela: zagueiro de bom chute em bola parada talhado nas divisões de acesso, El Tiburón esteve nas últimas temporadas de permanência do Racing de Córdoba na primeira divisão. Foi sua vitrine para reforçar em 1988 o River. Não virou exatamente um ídolo em Núñez, mas ali virou jogador de seleção. Campeão argentino da temporada 1989-90, acabou titular na Copa do Mundo de 1990 (até convertendo pênaltis sobre Iugoslávia e Itália), com sua não-renovação com o River sendo surpreendente. Teria ainda mais estrela no vistoso Independiente de 1994-95. No fim da carreira, integrou o Talleres campeão da segunda divisão de 1997-98, embora se ausentasse das históricas finais com o Belgrano. Já lhe dedicamos este Especial.
Ángel Comizzo: esse goleiro firmou-se no Talleres já no início da decadência do clube na primeira divisão – embora promovido ainda em 1982 no time adulto, apenas na temporada de 1986-87 é que realmente obteve continuidade. Duas temporadas depois, já estava no River, onde sim seria ídolo. Foram duas passagens por Núñez, a primeira até 1993 e a segunda, já veteraníssimo, entre 2001 e 2003. El Flaco pôde ser campeão titular nas duas e até carimbar de última hora passaporte para a Copa do Mundo de 1990; era o terceiro goleiro na hierarquia com Goycochea e Cancelarich, não chegando nunca a exatamente entrar em campo pela seleção. Ainda foi um técnico não-exitoso do Talleres, em parte da segundona de 2007-08. Já lhe dedicamos este Especial.
Mario Bevilacqua: um filho pródigo do Talleres, pelo qual esse atacante acumulou 73 gols em 253 jogos ao longo de simplesmente quatro passagens entre 1983 e 1994 – é o maior artilheiro do time considerando-se somente gols no campeonato argentino. Como pontos altos, a campanha semifinalista do Nacional 1984, canto do cisne a uma torcida mal acostumada pelos dez anos anteriores; e a festa pelo acesso à primeira divisão ao fim da temporada 1993-94, devolvendo imediatamente o bairro Jardín à elite após o primeiro rebaixamento. Bevilacqua foi justamente um dos pontos de desafogo da torcida ao longo do início do declínio institucional tallarin. Entre as diversas passagens por La Boutique, El Pastor teve uma estadia rápida por Núñez, no River da tumultuada temporada 1988-89: torcedor do Boca na infância, jogou só quatorze partidas e deixou cinco golzinhos como millonario.
Carlos Bustos e José Albornoz: promovidos precocemente no time adulto do Talleres, só tiveram alguma continuidade na temporada 1989-90. Sem emplacar, deslancharam no ambiente de menor pressão do modesto Deportivo Español, então um cascudo nanico que aprontava na elite argentina e que na mesma época também trouxe Bevilacqua. Em 1992, após rápido empréstimo ao San Lorenzo, a dupla foi vendida ao River. Tampouco se firmaram de modo duradouro, mas El Pepe Albornouz até chegou à seleção sub-23 e integrou a reta final do título do Apertura 1993. Esse volante se notabilizou depois por ser o último a defender quatro dos cinco grandes argentinos, ao passar na sequência pela dupla Racing e Independiente. Mas era daquele tipo de jogador talentoso que só florescia em times menores: foi credenciado pelo Gimnasia vice do Clausura 1996 que El Pepe, naquele ano, fez seus únicos jogos pela seleção principal. Ainda teve tempo para virar a casaca também em Córdoba, pendurando as chuteiras em 2004 no Belgrano. Já lhe dedicamos este Especial.
Ramón Medina Bello: outro daqueles atacantes toscos mas carismáticos, que tanto podiam fazer muitos golaços como ter alta frequência de bolas enviadas às arquibancadas, El Mencho inicialmente conquistou corações no Racing vencedor da Supercopa 1988 – único troféu comemorado entre 1967 e 2001 pelo time de Avellaneda. Reforçou na temporada 1989-90 o River, superando no decorrer da campanha campeã argentina a concorrência com um jovem Batistuta. Logo esteve na primeira convocação pós-Copa da seleção em 1990, ano em que também foi semifinalista da Libertadores. Medina Bello seria o surpreendente artilheiro da Albiceleste nas eliminatórias à Copa 1994, indo ao Mundial dos EUA poucos meses após ser vendido ao Yokohama Marinos. Repatriado em 1996 pelo River, não voltou à titularidade de outrora, mas foi um dos protagonistas daquele Talleres campeão em cima do rival Belgrano na segunda divisão de 1997-98, mesmo expulso no segundo jogo. Já lhe dedicamos este Especial.
Ricardo Gareca: prata-da-casa do Boca, o atacante conseguia ser ídolo e jogador de seleção mesmo em fase das mais tenebrosas do clube, que beirou a extinção em 1984. Na virada para 1985, corajosamente passou ao River, onde ficou apenas no primeiro semestre. Como millonario, Gareca até manteve-se na seleção (foi dele o gol da dramática classificação à Copa de 1986, por exemplo) e integrou o início do título argentino da temporada 1985-86, mas El Tigre preferiu ainda em 1985 fazer o pé-de-meia no América de Cali turbinado pelo cartel local. Já dedicamos este Especial apenas para a carreira do Gareca jogador, repleta de boas estatísticas.
Gareca pendurou as chuteiras em 1994 como um bom reserva no Independiente e teve no Talleres o primeiro trabalho de grande identificação como treinador: em 1997, era o comandante quando La T encerrou em alto estilo seu pior jejum no dérbi com o Belgrano, um 5-0 após quatorze anos sem triunfos no Clásico Cordobés. Após curta passagem pelo Independiente, El Tigre voltou a Córdoba a tempo de triunfar sobre o arquirrival em outro clássico dos mais recordados, o daquela final da segunda divisão de 1997-98. E era Gareca, sobretudo, o treinador tallarin na epopeia da Copa Conmebol de 1999, principal conquista do clube e do futebol cordobês.
Luis Cubilla: o temperamental ponta uruguaio soube ser campeão de Libertadores por Peñarol e Nacional e ameaçar seriamente o Brasil nas semifinais da Copa de 1970, além de passar também pelo Barcelona. No futebol argentino, também teve páginas de relevo, embora sem títulos – integrou o River vice da Libertadores de 1966 e treinou-o no vice do Torneio Nacional de 1984. Sua carreira como técnico rendeu-lhe novos títulos na Libertadores, os primeiros do Olimpia e do futebol paraguaio (em 1979 e em 1990). Nela, trabalhou na Argentina também no Newell’s semifinalista nacional em 1980 e, sem o mesmo brilho, no Talleres em 2003. Já lhe dedicamos este Especial.
Sergio Batista: volante consagrado no Argentinos Jrs campeão da Libertadores 1985 e da seleção vencedora da Copa do Mundo de 1986, El Checho foi reforço de peso do River em 1988. Não virou bem um ídolo em Núñez, embora seguisse na seleção e desse voltas olímpicas pela liguilla em 1989 e pelo campeonato argentino de 1989-90. Já estava sob precoce declínio quando foi para nova Copa do Mundo, se perdendo para a cocaína e deixando o Millo em 1991. No Talleres, esteve como um dos treinadores em 2003, tal como Cubilla. O time seguiu desandando e, embora saltasse já sob Juan José López para o pódio do Clausura 2004, terminou rebaixado pelo péssimo promedio. Precisou relançar-se no Nueva Chicago para galgar passos rumo à seleção sub-20, com a qual venceu as Olimpíadas de 2008, vitrine para sua meteórica passagem pela principal entre o fim da Copa de 2010 e a queda na Copa América 2011. Já çhe dedicamos este Especial.
Jorge Ghiso: ponta-esquerda nos anos 70, foi profissionalizado em 1970 pelo River e foi outro jogador involuntariamente símbolo dos tempos de jejum. Quando a redenção enfim veio naquele Metropolitano 1975, calhou de ter perdido totalmente a titularidade – foram só duas partidas, mas um golzinho. Ainda naquele ano, seguiu carreira no Atlético Tucumán. El Vitrola apareceu no Talleres já em abril 2014, em seu último trabalho de treinador, na segunda divisão.
Gustavo Bou: um nome mais recente nessa lista, reforçando o Talleres nesse 2024. Bou foi profissionalizado no River em 2008 e ali permaneceu até 2014, sem nunca se firmar e sendo recorrentemente emprestado; ao menos, o pouco espaço serviu para que não fosse o nome mais chamuscado no rebaixamento. Tampouco integrou com protagonismo o imediato título da segunda divisão. Deu a volta por cima como o artilheiro do Racing campeão já em 2014, título que encerrou treze anos de jejum racinguista e abriu era relativamente vitoriosa do time de Avellaneda.
Bônus – Mario Kempes e Júlio César “Uri Geller”: eles defenderam as duas camisas, mas ambos na condição de ídolos de um lado e utilizados apenas em amistosos pelo outro. Kempes foi a maior revelação do Instituto de Córdoba, tradicionalmente a terceira força da cidade. Em 1973, foi protagonista da estreia dos alvirrubros no Torneio Nacional e chegou à seleção, mas também foi pontualmente emprestado ao Talleres para amistoso com o Boca – no qual até marcou o único gol do duelo, e de bicicleta, em noite em que Ardiles foi outro emprestado pelo Instituto aos vizinhos.
Já consagrado, Kempes reforçou em 1981 o River para ser a principal resposta millonaria à contratação de Maradona pelo Boca. Mesmo irregular, conseguiu meio gol por jogo e um deles valeu o título do Torneio Nacional daquele ano. Curiosamente, o campeão esteve à beira de eliminação na fase de grupos, precisando de providencial ajuda do Talleres de Labruna para classificar-se aos mata-matas. Já dedicamos este Especial para El Matador da Copa de 1978.
O brasileiro Júlio César, por sua vez, ganhou ibope do próprio César Menotti ao brilhar em 1979 no famoso amistoso beneficente em que Pelé vestiu a camisa do Flamengo. Presente na arquibancada, Menotti convocou-o naquele mesmo ano para uma seleção sul-americana reunida para o amistoso pomposo em que o Olimpia (treinado por Luis Cubilla) festejou sua histórica Libertadores. O assistente de Menotti na seleção argentina, Roberto Saporiti, era também técnico do Talleres, que aproveitou-se de fase criticada do “Uri Geller” no início de 1981 para leva-lo ao futebol argentino.
O ano de 1981 marcou simbolicamente o desmanche do time-base dos anos 70, que, envelhecido, precisou brigar contra o rebaixamento no Torneio Metropolitano. Com gols, assistências e muitos dribles, o brasileiro foi fundamental na luta, como esmiuçamos nesse Especial, chegando a sonhar em ir à Copa de 1982 como naturalizado pela Argentina mesmo. Uma séria lesão no Torneio Nacional encerrou precocemente sua passagem por Córdoba. O ponta até cavou venda ao Grêmio e pôde vestir ainda outras camisas pesadas no decorrer da década, mas só teve alguma regularidade com a do Fortaleza, em 1983 – ano em que, emprestado pelos gremistas, começara atuando pelo River em amistosos de pré-temporada. Usado em Mar del Plata contra Estudiantes e San Lorenzo, teve a proposta financeira de efetivação considerada alta demais e foi então cedido pelos gaúchos aos cearenses.
“Julinho” recebera chances no River pelos bons duelos travados contra ele a serviço de La T. Deixou um gol no 2-1 pelo Metropolitano, em momento fundamental para oxigenar os cordobeses na luta contra a degola. No Torneio Nacional, o 0-0 camuflou uma partidaça que teve nele e no goleirão Fillol as figuras mais elogiadas de uma súmula cheia de ilustres: nada menos que nove vencedores de Copa do Mundo – os riverplatenses Kempes, Fillol, Alonso, Gallego (1978), Olarticoechea (1986) e Passarella (1978 e 1986) e os tallarines Galván, Valencia, Oviedo, Baley (1978) e Cuciuffo (1986) – e dois campeões mundiais sub-20 de 1979 (Ramón Díaz e Abelardo Carabelli) estiveram presentes, além de outros jogadores com a seleção no currículo… e dos treinadores Labruna, recém-regressado ao bairro Jardín, e Alfredo Di Stéfano, seu substituto no Monumental. Amostras da era de ouro mútua que tanto marcou o país.
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