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Elementos em comum entre River e Palmeiras

A semifinal River e Palmeiras resgata um duelo frequente nos dourados anos 40 da dupla e na virada do século. Semelhanças não faltam: os dois clubes foram criados por imigrantes italianos, com o Palmeiras nascendo como Palestra Itália – ao passo que o River credita suas cores branca e vermelha à bandeira de Gênova (similar à da Inglaterra), cidade de origem da imigração mais marcante disseminada no bairro de La Boca, onde o Millo finge que não foi fundado. E ambos saborearam o primeiro título expressivo pelo torneio paulista/argentino alusivo ao ano de 1920; essa primeira conquista riverplatense na elite, finalizada pouco após o réveillon para 1921, inclusive completará cem anos daqui a cinco dias.

De lá para cá, esses torneios foram respectivamente vencidos pela dupla também em 1932, 1936, 1942, 1947, 1993 (Apertura; para o Palmeiras, também o Brasileirão e o Rio-São Paulo), 1994 (idem, inclusive sobre o Brasileirão), 1996 (Apertura, com River também vencendo a Libertadores) e 2008 (Clausura). Outros anos de títulos em comum foram os de 1999 (Apertura e Libertadores), 2000 (Clausura para o Millo, Rio-São Paulo e Copa dos Campeões ao Verdão), 2003 (Clausura e Série B), 2012 (Primera B e Copa do Brasil), 2016 (Copa Argentina e Recopa Sul-Americana para o River e desjejum palestrino no Brasileirão) e 2018 (Libertadores e Brasileirão).

Em contraponto, o ano de 2012 viu ambos na segundona: os argentinos a vivenciaram até o fim do primeiro semestre, retornando imediatamente à elite como campeões da Primera B, enquanto os paulistas voltavam a essa realidade. O salto de 1947 a 1993 também transparece jejuns similares que acometeram ambos – os dezoito anos de 1957 a 1975 para as Gallinas e os dezessete de 1976 a 1993 para o Porco, ambos xingamentos dos rivais que gradualmente foram abraçados pelos próprios alvos (embora ainda haja quem rosne aos termos ou os tolere apenas quando o uso parta da própria torcida).

Um primeiro duelo se deu ainda em tempos de Palestra Itália, em 21 de fevereiro de 1935, com os argentinos se impondo por 2-1 na casa adversária, graças a uma virada coordenada por Bernabé Ferreyra logo aos 13 minutos de jogo e Carlos Peucelle (justamente as aquisições que sedimentaram o apelido de Millonarios ao clube da Banda Roja: veja mais aqui e aqui) já aos 20 do segundo tempo ao placar aberto por Mendes aos 8. Em 18 de dezembro de 1946, o Palmeiras devolveu o placar em um dos últimos jogos de La Máquina, apelido ao timaço que o River teve nos anos 40 ao deslocar o craque Adolfo Pedernera para espécie de falso 9.

O River começou a aceitar o apelido de “gallina” ao quebrar com o zagueirão Roberto Perfumo um jejum de 18 anos em 1975. O Palmeiras iniciou seca parecida, mas o ídolo Jorginho já iniciava a permissão ao “Porco” bem antes de chegarem os troféus e Paulo Nunes

Pedernera foi na sequência transferido ao Atlanta e, para repô-lo, o River exigiu a volta da promessa Alfredo Di Stéfano, que se saíra bem em empréstimo no Huracán. E, com ele em campo, deu um troco semanas depois, em 4 de fevereiro de 1947, pela Taça do Atlântico, no Estádio Centenário – ainda desconhecido, “A Flecha Loira” foi até grafado como “De Stefani” pelo Jornal do Brasil. Com Antonio Báez abrindo o placar (futuro parceiro de Di Stéfano também no Ballet Azul do Millonarios de Bogotá, Báez ainda fez outro, anulado por impedimento) e Roberto Coll ampliando duas vezes antes de João Pinto descontar, o River prevaleceu por 3-1 e ofereceu uma revanche cinco dias depois, em amistoso em Buenos Aires.

Di Stéfano deixou para mostrar suas credenciais nessa revanche, marcando três gols no primeiro tempo (enquanto Amadeo Carrizo, ainda reserva, aproveitava a chance para sair-se invicto). No segundo, seu substituto Joaquín Martínez (tio-avô de Juan Manuel Martínez, que o Corinthians teve em 2012), marcou mais dois; e Félix Loustau fechou um inapelável 6-0 nas redes de Rodrigues, que substituiu um lesionado Oberdan Cattani.

Di Stéfano explodiria de vez a partir daquele ano, a ponto de causar orgulho o dia em que vestiu a camisa palmeirense, aceita pela neutra cor verde para vestir um combinado Boca-River que em 21 de janeiro de 1948 enfrentou a seleção paulista. A dupla argentina excursionava junta a São Paulo e três dias antes dessa junção de forças já havia ocorrido novo tira-teima entre Palmeiras e River. E novo 2-1, com Ángel Labruna (desfalque em boa parte de 1947 por recuperar-se se uma hepatite) abrindo e fechando no Pacaembu o placar empatado provisoriamente por Canhotinho.

Tão frequente nos anos 40, o encontro rareou e só foi retomado em 28 de fevereiro de 1967 antes de uma série de jogos na virada do milênio. No duelo sessentista, o azarado craque-símbolo do jejum, Ermindo Onega, marcou os dois gols de amistoso realizado no campo do Atlanta. O ano de 1999, por sua vez, foi de idas e vindas entre o então meia Marcelo Gallardo e César Sampaio – que protagonizam a imagem que abre a matéria. O herdeiro dos frequentes embates dos anos 40 estava no banco como assistente de Ramón Díaz: Omar Labruna, filho de Ángel. As semifinais da Libertadores começaram com vitória mínima no Monumental, anotada aos 3 minutos do segundo tempo por Sergio Berti (em gol chorado de bate-rebates com as traves, que ainda impediram dois gols de Saviola e outro de Paulo Nunes) e marcada pelo protagonismo emergente do goleiro Marcos.

O combinado Boca-River com o neutro uniforme palmeirense em 1948 (em negrito, os riverplatenses): Norberto Yácono, Carlos Sosa, José Marante, Obdulio Diano, Rodolfo Dezorzi, Néstor Rossi e José Ramos; Eduardo Ricagni, Mario Boyé, Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Alfredo Di Stéfano, Ángel Labruna e Gregorio Pin

O resultado enganoso virou pó na volta no Parque Antártica. Em uma das maiores noites da carreira de Alex, o camisa 10 abriu o placar aos 17 minutos ao, de costas para o gol, matar no peito um lançamento de Zinho, livrar-se de Eduardo Berizzo no giro e soltar quase na meia-lua um chute certeiro rente ao travessão direito de Roberto Bonano – no minuto seguinte, já estava 2-0 quando um cruzamento de Oséas pela esquerda foi bem aproveitado pela cabeça de Roque Júnior, a colocar a bola no segundo pau. O River assustava basicamente na bola parada e o Verdão perdia seguidas chances de matar o jogo até Alex, já aos 42 do segundo tempo, receber na direita uma invertida de Paulo Nunes e desenhar uma parábola no segundo pau com um toque sutil.

No segundo semestre, foi a vez de se encararem na estreia conjunta na fase de grupos da Copa Mercosul. Em Núñez, muita emoção: com dez minutos de jogo, Zé Maria já havia aberto o placar em um foguete cobrando falta relativamente distante e Martín Cardetti, empatado ao aproveitar um rebote – a bola não balançou as redes, mas foi afastada já após passar da linha. Evair, de cabeça, e Jackson, girando para desferir um míssil rasante, recolocaram os brasileiros na frente, mas os anfitriões arrancaram o empate em dois gols-relâmpago entre os 40 e os 45 minutos – um contra do paraguaio Rivarola, cuja cabeça tentou afastar um cruzamento, e mais um de Cardetti, pulando na raça para desviar com o pé o cabeceio torto de um colega.

No Palestra Itália, com o River envergando sua tradicional camisa reserva em listras tricolores, Evair (recebendo de Júnior e enchendo o pé para pôr a bola rente à trave esquerda) e duas vezes Oséas repetiram o placar do primeiro semestre – o baiano primeiro tocou entre dois marcadores na saída de Bonano, ao receber bola interceptada com oportunismo por Paulo Nunes em saída errada de Roberto Trotta e depois balançou as tranças para cabecear livre bola levantada pela esquerda por Euller. O Millo cairia mesmo na primeira fase. Já o Verdão esteve perto de uma dobradinha continental naquela Mercosul, mas acabou vice do Flamengo. Essa freguesia respingaria na Libertadores 2000: sucessor de Ramón Díaz, Américo Gallego não esteve crente de que Boca ou River tirassem o título do Palmeiras e, achando o Clausura mais ao alcance, continuou usando titulares lá em meio às quartas-de-final contra o arquirrival, que preferiu descansar os seus.

A mesma Mercosul guardou o tira-teima seguinte, que também era o último. Foi na fase de grupos da edição derradeira, a de 2001. No Parque Antártica, Muñoz e Lopes abriram boa vantagem, respectivamente em chute cruzado e rasteiro pela direita e em golaço de toque sutil do ângulo direito da grande área colocando com a canhota a bola no ângulo do segundo pau. Mas Ariel Garcé, em chute furioso a uma bola pingada na área por Ariel Ortega e Esteban Cambiasso, e Cardetti (já aos 40 do segundo tempo, similar ao de Lopes, mas pegando forte) trataram de igualar. Cardetti parecia ter a receita do gol sobre os palestrinos, marcando aos 36 e aos 38 em Núñez para abrir um 2-0.

Mesmo observado por Cléber, Martín Cardetti tornou-se o artilheiro do embate: cinco gols entre 1999 e 2001, antes de transferir-se ao PSG em 2002

El Chapulín primeiramente aproveitou livre na pequena área uma assistência rasteira de Ariel Ortega pela direita e ao encobrir na entrada da área um adiantado Marcos: mais um golaço. Aproveitando o rebote da própria cobrança de pênalti espalmada por Franco Costanzo, Lopes descontou aos 3 do segundo tempo, mas aos 5 os argentinos retomaram a vantagem. Foi com Damián Álvarez, posteriormente naturalizado pela seleção mexicana, aproveitando livre o rebote de Marcos a uma bomba de Cardetti. E foi a vez dos brasileiros buscarem no fim o empate, com as cabeças de Basílio aos 18 (aproveitando longo cruzamento de Arce para colocar no primeiro pau) e de Magrão aos 43 (em escanteio, direcionando ao segundo pau do veterano Ángel Comizzo, substituto de Costanzo). Emoção tamanha que custaria a classificação a ambos; só o líder Grêmio avançou.

Vamos, enfim, a quem passou pela dupla:

Teófilo Juárez: despontou na Argentina no ainda badalado campeonato de seleções provinciais, ao ganhar a edição de 1928 por sua Santiago del Estero, no primeiro feito nacional do futebol do interior para além do rosarino. O zagueiro mudou-se inicialmente para o Rosario Central e passou ainda pelo Chacarita até defender o River entre 1934-35; teve relativo destaque a ponto de ser o primeiro profissional argentino importado pelo futebol espanhol, ao assinar com o Atlético de Madrid em 1936 – negócio desfeito em função da guerra civil no novo país, embora até figurasse em amistoso do combinado madrilenho. El Cacique Juárez seguiria bem no Tigre e estava no Racing antes de desembarcar no Brasil, inicialmente para defender o São Paulo. Após um 3-2 como tricolor clássico com o Corinthians pelo Rio-São Paulo, chegou a ser descrito pelo Sport Ilustrado como um beque “calmo, técnico, não se afoba com a aproximação do adversário e fez-nos lembrar em muitas ocasiões o inconfundível Domingos [da Guia]”.

Juárez também integrou um combinado de estrangeiros para jogos beneficentes. Mas, contra o então Palestra, teve “falhas acentuadas” na marcação (em outras palavras do Sport Ilustrado) na derrota de 4-1 na definição do Estadual em dezembro, em dérbi que o Mundo Esportivo recordava ainda em 1947 como jogo de desempenho supostamente “subornado” do argentino – impressão reforçada ao transferir-se justamente ao rival na sequência. Ele, que havia enfrentado pelo River o Palestra naquele amistoso de 1935, formou uma colônia argentina com Pancho Sprovieri, Floreal Garro e Juan Echevarrieta. Em julho de 1941, o Sport Ilustrado já dizia que o zagueiro “conseguiu se ambientar no Palestra Itália, onde vem produzindo uma série de boas performances” e, após empate com o líder Corinthians no Estadual, a impressão era de que estava a “cada partida melhor”, “defendendo com grande brilho a camiseta do Palestra”. Uma edição da segunda quinzena de setembro apontava que uma das causas do declínio alviverde no Estadual àquela altura teria sido a lesão que faria o já veterano defensor pendurar as chuteiras. Uma pena.

Paulinho de Almeida: não deve ser confundido com o xará consagrado no Internacional e no Vasco e participante da Copa do Mundo de 1954 – e branco e jogador da defesa, enquanto esse Paulinho, também com passagem pela seleção (com direito a gol em Wembley em derrota de 4-2 para a Inglaterra em 1956), era mulato e do ataque; destaque do Flamengo tri carioca entre 1953-55, seguiu carreira no Palmeiras, para onde foi transferido em março de 1957. Teve bons números, com 42 gols em 109 jogos, especialmente ao considerar-se que já havia passado à reserva à altura de 1959, quando enfim pôde ser campeão paulista. Mas, insatisfeito com o banco e com o técnico Osvaldo Brandão, não ficou até o fim do estadual, só encerrado em janeiro de 1960; ainda no fim de 1959, tornou-se o primeiro brasileiro importado pelo River (embora nascido paulista, Aarón Wergifker, dos anos 30, crescera já na Argentina e sequer tinha documentos brasileiros e sim russos, como seus pais, judeus em fuga dos pogrons).

Juárez, pelo desempenho no River, foi o primeiro profissional argentino importado pela liga espanhola. Paulinho, com gol até o Wembley, foi o primeiro brasileiro importado pelo River

O ano de 1960 marcou uma avalanche de brasileiros no futebol argentino, após o título canarinho na Suécia e em tempos onde o prestígio esportivo, econômico e social da Argentina não devia à Europa aos olhos brasileiros. Como millonario, Paulinho até chegou a marcar, de pênalti, em empate em 1-1 no Superclásico. Mas marcou somente outras três vezes e, desentendido com o treinador José Ramos, foi repassado no ano seguinte ao Estudiantes.

Roberto Frojuello: antigo reserva de Canhoteiro no São Paulo, ainda assim jogou pela seleção brasileira, em dois jogos de maio de 1960 contra a Argentina pela Copa Roca. Ambos no Monumental, aliás. Apesar de jogar fora, o Brasil ficou com o caneco ao aplicar um 4-1 depois de perder por 4-2 no primeiro jogo. O River abriu o olho e contratou dois tupiniquins daquela façanha: Roberto e o vascaíno Delém. Fizeram uma legião brasuca em Núñez, a incluir os flamenguistas Moacyr (da Copa de 1958) e Décio Crespo. Só Delém vingaria, mas Roberto teve seus momentos: em especial, os dois gols nos 3-2 sobre o Real Madrid de Di Stéfano recém-penta seguido da Liga dos Campeões, em 1961, encerrando invencibilidade merengue de oito anos no Santiago Bernabéu. Apesar dos bons resultados naquela pré-temporada europeia, o time não deu liga no campeonato argentino ao passo que em 1962 e 1963 viveu dois vices traumáticos, ambos com lideranças perdidas em derrotas para o Boca na reta final.

Punido internamente por indisciplina, o ponta-esquerda chegou a conversar com o Santos e Palmeiras para um regresso em 1964, mas na ocasião assinou com o Colo-Colo, onde naquele ano foi semifinalista da Libertadores e aproveitado até como sparring em treinos da seleção chilena contra o próprio Brasil. Foi apenas em agosto de 1966 que ele, já com passe livre, de fato foi incorporado aos alviverdes. Integrou a Academia campeã estadual e até marcou na estreia, abrindo o placar em um 2-0 no Bragantino, mas só durou na equipe por um punhado de oito jogos entre agosto e setembro, praticamente sempre contra outros pequenos adversários do interior; mesmo após bom triunfo de 4-1 em Ribeirão Preto contra o Botafogo, o Jornal dos Sports já avaliava que “depois de um bom começo, parece ter perdido o gás e já não rende o mesmo”. Ao todo, foram oito jogos, todos vencidos, mas só com aquele gol na estreia. Ainda tinha 29 anos, mas, perdendo na concorrência para Rinaldo, parou de jogar.

Luis Artime: um dos maiores goleadores que o futebol já teve. Dedicamos-lhe um Especial, aqui. Artime vinha com uma média altíssima já no nanico Atlanta e foi incorporado pelo River em 1962. Foi artilheiro do campeonato naquele ano e em 1963 e ficou até o fim da temporada de 1965. Exceto em 1964, o Millo sempre esteve no páreo pela taça, mas simplesmente vivia a sina de começar com tudo e perder fôlego e a liderança sempre em Superclásicos em retas finais – e mesmo ao ficar fora da disputa precocemente em 1964, outra derrota para o rival permitiu que o Boca se sagrasse campeão. Com incríveis 70 gols em 80 jogos pelo River, Artime já declarou que nunca entendeu como aquela Banda Roja forte no papel não conseguia ser campeã e, embora assumido torcedor do Racing, aceitou proposta de mudança ao Independiente em 1966. Naquele ano, brilhou na Copa do Mundo e garantiu nova artilharia na liga argentina, já pelo Rojo.

O brasileiro Roberto e o matador Artime calharam de jogar nas vacas magras do River

Pela equipe de Avellaneda, foi treinado pelo ícone palmeirense Osvaldo Brandão e sagrou-se novamente artilheiro do Nacional de 1967 e, enfim, campeão, ao deixar o clubismo de lado para anotar duas vezes em um 4-0 no clássico com o Racing na rodada final – carimbando a faixa de campeão mundial lograda no mês anterior pelo vizinho. Com essa credencial e também a de artilheiro máximo da história da seleção argentina até ali (com 24 gols em apenas 25 jogos), chegou ao Palmeiras no ano seguinte. A diretoria precisava reagir ao vice na Libertadores cumulado com campanha contra o rebaixamento no Estadual. E Artime não fez feio: foram 48  gols em 57 jogos como palmeirense. Só fez menos gols que Pelé no Estadual (gaba-se que, ao contrário do Rei, não cobrava pênaltis) e só não ficou mais tempo porque o argentino e o clube se agradaram com proposta em 1969 do Nacional, onde faria ainda mais história: o tricolor uruguaio deve a ele as primeiras Libertadores e Intercontinental do clube, em 1971.

Grande ídolo em comum de River e Palmeiras, ele sempre foi bem reconhecido como alviverde, só não ficando mais imortalizado pela passagem fugaz e a concorrência com o Santos inviabilizar um título; rumou ao Uruguai ainda antes de começar o vitorioso Robertão de 1969, embora algumas fontes errôneas atribuam que tenha sido campeão nele.

Héctor Veira: obscuro para os brasileiros, carismática lenda na Argentina: já dedicamos este Especial a El Bambino, eleito oficialmente como maior ídolo dos primeiros cem anos do San Lorenzo, mesmo chegando a declarar-se torcedor do rival sanlorencista, o Huracán, onde também jogou. Era um talentoso meia-esquerda dos anos 60, superando inclusive Artime na artilharia do campeonato argentino de 1964 mesmo tendo apenas 18 anos. Até chegou à seleção, mas a boemia custou voos mais altos e a titularidade no próprio Sanloré ao fim da década. Após ter passado até pelo futebol da Guatemala, chegou do Sevilla já veterano ao Palmeiras, em janeiro 1976. Testado em amistosos contra Anapolina e Araçatuba naquele mês, com gol na estreia, agradava a ponto de o folclórico presidente corintiano Vicente Matheus atravessar a negociação antes que o argentino fechasse contrato com os palestrinos.

Fracassou no Timão, embora estendesse a carreira até o fim da década. Em 1980, começou a de treinador, inicialmente levando seu San Lorenzo, recém-saído da segunda divisão de 1982, à uma notável briga imediata pelo título da elite em 1983 (manteve chances até a rodada final). Com esse cartaz, chegou ao River em 1984 mesmo com o clube historicamente se limitando a contratar somente técnicos com passado na casa. Pois Veira faria história em Núñez como o jovial treinador que conquistou a primeira Libertadores e o único Mundial do Millo, em 1986, ano que acabou vendo a primeira tríplice coroa do futebol argentino – pois os pupilos já haviam vencido brilhantemente a liga nacional, ainda em março, com rodadas e rodadas de antecedência, no que também foi o único troféu argentino do River entre 1981 e 1990. Feitos que causaram ainda mais perplexidade com a recusa do presidente riverplatense em renovar o contrato com o Bambino em 1987; ele se reencontraria como técnico sobretudo no San Lorenzo, levando-o às semifinais da Libertadores de 1988 e ao desjejum de 21 anos na primeira divisão, em 1995.

A imagem mais à esquerda de Veira na verdade é pelo Banfield, mas dá uma noção de seu visual alviverde (pois resumiu-se a dois amistosos obscuros como palmeirense). As fotos da direita são do “bi rebaixado” Adalberto Román

Adalberto Román:paraguayo y la concha de tu madre” foi um entre tantos impropérios que viralizaram na voz do Tano Pasman, torcedor do River que virou meme involuntário a partir de vídeo que retratava sua crua exaltação na primeira repescagem (foi em pênalti marcado pelo zagueiro que o Belgrano fechou um 2-0 de reversão mais complicada para o jogo da volta) contra o rebaixamento millonario em 2011. Contratado em 2010 após títulos em série no Libertad, Román acabou ficando mal marcado em Núñez, que providenciou-lhe um empréstimo ao Palmeiras em 2012. Embora vencesse a Copa do Brasil, encerrando doze anos de seca para além do Estadual, vivenciou outro rebaixamento e para 2013 só pôde encontrar lugar em seu Libertad; foram só mais três jogos no River em seu retorno do empréstimo antes de ser devolvido ao time de origem, onde é figura histórica.

Ricardo Gareca: dentre os nomes ilustres (suas imagens abrem essa nota), talvez seja o mais ignoto na dupla. Atacante formado no Boca, El Tigre era um raro a manter idolatria e prestígio em uma fase periclitante dos auriazuis, em declínio acentuado a partir de 1982, com o desmanche do elenco maradoniano imposto pelo salto das dívidas – os desmandos econômicos da ditadura, agravados pela derrota nas Malvinas, valorizaram o dólar em 240%. O Boca esteve muito perto de fechar as portas em 1984, mas Gareca ainda conseguia até manter-se na seleção naquele ano: já dedicamos este Especial à sua carreira de jogador. Cansado da inadimplência salarial, ele e o parceiro Oscar Ruggeri forçaram uma greve que resultou em um troca-troca com o River na virada do ano, atitude que queimou a dupla para sempre na massa azul y oro. Ruggeri se consagraria com a mudança, sendo o caudilho do histórico elenco de 1986 treinado por Veira.

Gareca até seguiria na seleção como riverplatense (faz parte dos seletos doze jogadores aproveitados pela Albiceleste vindos tanto de Boca como do River), marcando nessa condição inclusive o gol que a confirmou dramaticamente na Copa do Mundo de 1986 – ironicamente, em duelo direto com o Peru onde tanto faria história. Daquela tríplice coroa do River, porém, o atacante só fez parte de duas rodadas do campeonato argentino de 1985-86: em meados de 1985, seduziu-se pela vultosa proposta do América de Cali lavado pelo cartel do narcotráfico local. Embora decidisse com o novo clube a Libertadores daquele ano, acabou surpreendentemente esquecido na convocação à Copa; El Tigre integraria todo o famigerado trivice do América na Libertadores e, já como treinador renomado no Vélez, voltou a ter em Diego Aguirre um algoz nas semifinais de 2011 (Aguirre, agora como técnico do mesmo Peñarol onde fora talismã na final de 1987).

O ciclo velezano vitorioso ao menos nacionalmente, com quatro títulos (ainda os últimos do Fortín, seu time do coração) entre 2009 e 2013, o credenciou para reforçar o Palmeiras no centenário alviverde, em 2014. Mas nem ele e nem o pacote de reforços adquiridos junto ao seu Vélez – Fernando Tobio, Agustín Allione e Jonathan Cristaldo – deram jeito na séria briga contra o rebaixamento. O trabalho grandioso seguinte, à frente da seleção peruana, reforçou a impressão de que faltava mais material humano em vacas magras pré-Crefisa: “ele realmente é um treinador vencedor. No dia a dia, a gente via que ele entendia. (…) Precisava de um tempo maior para entrosar o time”, declarava ainda em maio de 2015 (antes do Peru, já sob batuta do argentino, fechar o pódio da Copa América e muito antes de voltar à Copa do Mundo em 2018, portanto) o ex-pupilo Diogo nesta entrevista aos amigos da Trivela.

Gareca: inócuo no Palmeiras, a faixa diagonal vermelha que mais se impregnou nele não seria a do River
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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