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Elementos em comum entre River e Internacional

A imagem de capa não poderia ser outra: D’Alessandro é o grande ídolo em comum

Hoje um duelo em vermelho e branco sacode a Libertadores, reunindo clubes que nessa década conseguiram tanto o título da competição como também tiveram de se resignar com o terceiro lugar no Mundial de Clubes e com os primeiros rebaixamentos de suas gloriosas histórias. Muitas mais coisas, porém, unem River e Internacional, incluindo o desfrute em comum de gente conhecida e até mesmo uma camisa gaúcha reserva branca com faixa vermelha na diagonal.

Só de anos em comum de títulos de millonarios e colorados nos campeonatos argentino e gaúcho, temos os de 1941, 1942, 1945, 1947, 1952, 1953, 1955, 1975 (neste ano foi tanto no Torneio Metropolitano como no Torneio Nacional, para o Millo), 1981 (Torneio Nacional), 1991 (Torneio Apertura), 1994 (Apertura), 1997 (Torneios Clausura e Apertura), 2002, 2003, 2004, 2008 (todos no Clausura) e 2014 (Torneio Final).

Os anos 40 festivos a ambos foram marcados por timaços com nomes próprios, com o Rolo Compressor do Inter e La Máquina do River. A metade final dos anos 70 também foi particularmente festiva, rendendo outros anos de títulos em comum: no mesmo ano de 1975 em que os argentinos encerraram em dose dupla um jejum de dezoito anos (os anos 60 colorados também foram de grande seca, aliás), os gaúchos faturaram pela primeira vez o Brasileirão.

Em 1979, veio outro título brasileiro, até hoje o último no Beira-Rio. Curiosamente, foi outro ano em que o River foi campeão tanto no Metropolitano como no Nacional. Por fim, em 1997 os argentinos também ergueram a Supercopa Libertadores; em 2008 e em 2014 Inter e River respectivamente venceram também a Copa Sul-Americana; e ambos foram campões ainda em 2015 (Estadual; Libertadores e Recopa Sul-Americana) e 2016 (Estadual; Copa Argentina e Recopa Sul-Americana).

O confronto de hoje será o primeiro entre River e Inter por alguma competição sul-americana, após quase terem realizado a final de 2015 em La Copa. Vejamos quem esteve nos dois, ressaltando desde já que o Paulinho de Almeida que defendeu o River no início dos anos 60 não é o mesmo jogador revelado pelos gaúchos no início da década anterior – e que o atacante Léo Gamalho foi pinçado pelo Inter ainda na equipe B riverplatense, desempenhando-se na base millonaria na temporada 2003-04:

Francisco Fandiño: revelado no Argentinos Jrs, o atacante chegou ao River em 1937, em troca que envolveu o empréstimo do supergoleador Luis Rongo (depois ídolo no Fluminense) ao clube do bairro de La Paternal. Em Núñez, Fandiño atuou somente no time B, pois no principal a concorrência era fortíssima: Rongo não era titular por concorrer exatamente com o homem que popularizara nacionalmente o Millo, o fantástico Bernabé Ferreyra, que por décadas foi a contratação mais cara do futebol. Logo o troca-troca foi revertido, mas Fandiño não seguiu no Argentinos: passou ao Racing e a partir de 1942 trotou o mundo, jogando no Chile e no México até aparecer em 1947 no Internacional. Como colorado, conviveu com outros dois hermanos: o artilheiro José Villalba (apresentado junto com Fandiño ao voltar ao clube) e o técnico Carlos Volante; esteve na reconquista Estadual, mas logo regressou à Argentina antes de reforçar o Porto para temporada portuguesa de 1948-49.

Salvador: apelido de Milton Alves da Silva, o volante com fôlego de maratonista contratado em 1950 junto ao Força e Luz levantou quatro títulos estaduais em cinco anos, no tri de 1951-53 e em 1955. Chamou primeiramente a atenção do Peñarol, que o trouxe para substituir ninguém menos que Obdulio Varela, recém-aposentado. O brasileiro tornou-se figura ativa no início do primeiro pentacampeonato uruguaio dos aurinegros, iniciado em 1958. Titular do primeiro campeão da Libertadores, em 1960, reforçou o River em 1961, em troca que envolveu a ida do peruano Juan Joya a Montevidéu. Como a maioria dos brasileiros largamente adquiridos pelo Millo na época, porém, ele não vingou, só atuando naquele ano e seguindo carreira em times pequenos até morrer na miséria em 1973. No Rio Grande, porém, deixou memórias que o fizeram ser eleito para o time colorado dos sonhos nas três vezes em que a Placar promoveu essa escolha, em 1982, 1994 e 2006.

Os brasileiros Salvador e Deraldo foram muito breves no River. Imagens coloradas retiradas do excelente 1909emcores

Deraldo: ponta-esquerda revelado pelo Pelotas, chegou ao Inter em 1959. Não conseguiu o título estadual, mas esteve no pacote de gaúchos que reforçou o Newell’s na segunda divisão em 1961, a incluir o colorado Ivo Diogo e o tricolor Juarez, além do ex-corintiano Roberto Belangero e de Zuca (do América Mineiro). Os rosarinos venceram em campo, mas uma mala preta paga ao Excursionistas terminou por revogar o título e o acesso. Em 1962, o quinto lugar, quando o Ñuls incorporou-se com outro gaúcho (o ex-gremista João Cardoso, depois destacado no Racing,) não impediu que Deraldo fosse adquirido pelo River para o ano seguinte. Mais conhecido na Argentina pelo sobrenome Conceição, ele não passou de quatro jogos oficiais – concorria, curiosamente, com outro brasileiro, o ex-são-paulino Roberto Frojuello, autor de dois gols na história vitória millonaria sobre o Real Madrid no Santiago Bernabéu e de breve passagem pela seleção no “entre Copas” de 1958 e 1962. Deraldo Conceição seguiu no país defendendo o Argentinos Jrs.

Nelson López: lateral-esquerdo formado no River, subiu em 1961, sendo pouco aproveitado por lá e no Rosario Central. Curiosamente, em Rosario ele chegou a dividir apartamento com o citado brasileiro João Cardoso, segundo relato do brasileiro ao Futebol Portenho. Em 1963 chegou a Porto Alegre, sem impedir o insucesso no Estadual. López só engatou quando chegou ao Banfield em 1964, a ponto de ser convocado à Copa do Mundo de 1966 mesmo sem ter defendido antes a seleção oficialmente. Após um passo pelo Huracán entre 1968-70, teria destaque no San Lorenzo de Mar del Plata bicampeão da liga marplatense em 1971-72, classificando-se assim ao Torneio Nacional de 1972. Faleceu em 1980.

Sergio Goycochea: o goleiro dispensa apresentações para quem conhece a história das Copas do Mundo. Goycochea chegou do Defensores Unidos de Zárate em 1982, inicialmente como terceira opção ante os dois titulares das seleções argentinas campeãs do mundo (Ubaldo Fillol e Nery Pumpido). Mesmo ainda na reserva de Pumpido, pôde em 1987 estrear pela seleção. Mesmo ao optar pelo lucrativo narcofútbol colombiano após doença que o tornou inativo a ponto de gerar até boato de que portaria HIV, indo ao Millonarios de Bogotá, Goyco manteve-se no radar da Albiceleste – e foi à sua consagradora Copa de 1990, embora só ganhasse a posição com a desistência prévia do reserva imediato Luis Islas e a fratura de Pumpido no segundo jogo. A carreira não decolou como se esperava, mas manteve-se intocável na seleção mesmo como jogador da dupla Cerro Porteño e Olimpia até voltar ao River em 1993.

Voltou a Núñez credenciado com a eleição de melhor jogador da Copa América, ainda o último troféu da seleção principal. Em sua segunda passagem, o goleiro ganhou um Apertura levantado mais pela eficiência do que pelo brilho coletivo, mas perdeu a titularidade pela Argentina após o 5-0 sofrido pela Colômbia. Goycochea não deixou de ir à Copa de 1994, mas após o torneio rumou ao Deportivo Mandiyú treinado por Maradona. Ainda com renome, ele reforçou o Internacional em 1995, sem impor a segurança que dele se esperava, dando ainda o azar de o Grêmio vencer praticamente tudo na época. O goleiro deixou o Rio Grande outro ano depois para assinar com o Vélez, na expectativa anunciada de que José Luis Chilavert fosse vendido, o que não aconteceu. Penduraria as luvas no Newell’s, em 1998. Relembramos a carreira do Tapa Penales nesse outro Especial.

Horacio Ameli: capitão do San Lorenzo campeão em 2001 do Clausura (no embalo de treze vitórias seguidas, ainda um recorde nacional no profissionalismo) e da Copa Mercosul (o primeiro título continental azulgrana), o zagueiro chegou ao Brasil no início de 2002 para reforçar um Inter que não vencia o estadual havia cinco anos. A pendência foi resolvida e o xerife então foi contratado pelo São Paulo no segundo semestre, impondo seu jogo brusco ocasionalmente avermelhado na campanha do líder da primeira fase do Brasileirão. O Tricolor cairia já no primeiro mata-mata, para o campeão Santos, mas Ameli foi requisitado pelo River, treinado pelo mesmo Manuel Pellegrini que lhe dirigira no San Lorenzo, e onde reencontraria sua antiga dupla Eduardo Tuzzio.

Ameli foi um ídolo efêmero até meados de 2005, ganhando dois Clausuras e chegando a duas semifinais de Libertadores. A saída se deu por fatores extracampo, quando descobriu-se que mantinha um caso extraconjugal com a esposa de Tuzzio, bomba que afetou o desempenho de todos naquelas semifinais continentais de 2005. Vilanizado, seguiu carreira no América do México até encerra-la precocemente em 2006 no clube que o revelara, o Colón (onde estava no elenco que devolveu os santafesinos à elite após quatorze anos, em 1995).

O goleiro Goycochea e o zagueiro Ameli: atrapalhados no River pelo extracampo

Andrés D’Alessandro: El Cabezón dispensa apresentações, mas vamos lá. Promovido em 2000, firmou-se no River a partir de meados de 2001, após ganhar o Mundial sub-20 com a seleção. Logo foi visto como um novo Maradona, embora suas conquistas se limitassem a dois Clausuras, em 2002 e 2003, ano em que estreou na seleção principal e foi vendido à Europa. Não cumpriu a expectativa alta demais e parou de servir a seleção ainda em 2005, deixando de ir à Copa do Mundo. Chegando a ser visto como flop, teve um bom semestre no San Lorenzo em 2008, participando ativamente da eliminação do próprio River na Libertadores antes de reforçar o Inter no segundo semestre. Logo levantou a Sul-Americana de 2008 e esteve no páreo na Copa do Brasil e no Brasileirão de 2009, ambos encerrados como vice. A idolatria sedimentou-se, porém, a partir de 2010.

A conquista da segunda Libertadores colorada rendeu inclusive um breve retorno à seleção e a eleição de melhor jogador do continente. O clube não foi mais tão longe depois, mas além da Recopa em 2011 emendou um hexacampeonato estadual. D’Ale voltou brevemente ao River em 2016 e demonstrou sua importância pela presença e pela ausência: no Millo, ganhou a Copa Argentina enquanto seus ex-colegas de Inter vivenciavam o inédito rebaixamento. De volta ao Rio Grande, ainda não voltou a ser campeão, mas participou desde a caminhada na segunda divisão à reclassificação a Libertadores.

Fernando Cavenaghi: surgiu no River em 2000, juntamente como D’Alessandro e fazia jus ao apelido de Cavegol. Contamos nesse outro Especial que, ao fim de sua primeira passagem, tinha média de gols de 0,6 por partida, mais do que muita gente mais renomada globalmente como Javier Saviola, Hernán Crespo, Marcelo Salas, Gonzalo Higuaín e Radamel Falcao – a de Alfredo Di Stéfano, por exemplo, era de 0,72. El Torito firmou-se a partir da campanha campeã do Clausura 2002 e durou até 2004 – quando, excessivamente cauteloso, preferiu o futebol russo, recém-vencedor da Copa da UEFA, a esquentar banco na Juventus. O planejamento de um passo intermediário não se provou acertado, mas Cavenaghi pôde cavar uma transferência ao Bordeaux em 2007. Eleito o melhor jogador da Ligue 1 de 2007-08, ganhou-a na temporada seguinte, encerrando o domínio do hepta Lyon e defendendo ocasionalmente a seleção.

Em 2011, já apresentando declínio, Cavenaghi foi emprestado ao Inter, cuja panelinha argentina reunia o velho colega D’Alessandro e também Pablo Guiñazú e Mario Bolatti. Não era o mesmo e o clube não se esforçou muito em reter a vontade do centroavante em voltar ao River, fazendo questão de disputar a segunda divisão para onde seu velho clube havia acabado de se meter. O gesto e o bom desempenho na primeira metade da campanha campeã, antes de perder lugar para David Trezeguet, pesou para a torcida não perdoar a diretoria por se desfazer dele em 2012. Cavegol voltou outra vez em 2014 para enfim ganhar o continente, com a tríada Sul-Americana, Recopa e Libertadores. Era o capitão na redenção, mantendo média superior a meio gol por jogo e colocando-se entre os dez maiores artilheiros do River. Ainda fez um pé-de-meia no futebol do Chipre até virar o quinto a ser contemplado pelo River com um jogo-despedida, em 2017.

Ignacio Scocco: revelado pelo Newell’s campeão de 2004, a partir de 2006 rodou por México, Grécia e Emirados até voltar aos rubro-negros em 2012 como único remanescente daquela conquista a participar do título seguinte da Lepra, já no Torneio Final de 2013. Simultaneamente, os rosarinos também avançaram às semifinais da Libertadores, freados em parte por um blecaute no Horto que, se ocorrido na Argentina, seria automaticamente classificado como ato de catimba argentina. Scocco foi ainda o artilheiro tanto do Torneio Inicial como do Final da temporada 2012-13, aparecendo inclusive na seleção caseira para o Superclássico das Américas – marcando dois gols em sua única partida pela Albiceleste, embora não evitasse a derrota nos pênaltis para o Brasil. Com todas essas credenciais, reforçou o Internacional no segundo semestre de 2013, sem vingar ali e no Sunderland, para onde conseguiu transferir-se em janeiro de 2014 apesar do fracasso como colorado.

No segundo semestre de 2014, o atacante estava novamente de volta ao Newell’s, sem colher os êxitos das passagens anteriores, mas mantendo algum calibre no pé para reforçar o River na reta final da Libertadores. Em um jogo, marcou mais gols do que em toda a sua passagem pelo Inter, com os cinco anotados nos famosos 8-0 sobre o Jorge Wilstermann nas quartas-de-final, embora logo viesse o anticlímax contra o Lanús nas semifinais. Veio o consolo da Copa Argentina, com gol dele na decisão, e da Supercopa Argentina, esta em decisão contra o Boca, com novo gol do Nacho. Na Libertadores, deixou sua marca contra o Independiente, só se ausentando-se das consagradores finais por lesionar-se no campeonato argentino.

Os atacantes Cavenaghi e Scocco só se mostraram goleadores em Núñez

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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