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Elementos em comum entre Racing e São Paulo

Campões de torneios alusivos a 1949 (um Argentino que encerrou jejum de 24 anos e iniciou um histórico tri e Estadual) e 2001 (um Apertura que já encerrou jejum de 35 anos e o Rio-São Paulo) e em nenhum outro ano a mais, Racing e São Paulo têm como outro elemento em comum a origem a partir de fusões: Barracas al Sud, que levava o antigo nome da cidade de Avellaneda, e Colorados Unidos formaram a Academia – campeã argentina, por sua vez, em diversos anos de títulos estaduais da dupla que formaria o Tricolor: 1913, 1916, 1917, 1918, 1919 e 1921 no caso do Paulistano e 1915 no caso da Associação Atlética das Palmeiras. Ela também foi campeã paulista em 1910, quando os racinguistas celebraram a conquista da segunda divisão, tornando-se o segundo dos gigantes argentinos a chegar à elite.

Até o jogo de ida na fase de grupos dessa Libertadores, os dois oponentes jamais haviam se enfrentado em competições de Conmebol – o mais perto disso havia sido na última edição da Copa Master, em 1995. Era o torneio que reunia os campeões da Supercopa, por sua vez o troféu restrito aos campeões da Libertadores; mas ambos desistiram daquela edição, resumida ao Olimpia e ao campeão Cruzeiro. O grande fator a aproximar os oponentes de hoje é mesmo a quantidade considerável de quem passou por ambos. Vamos aos nomes:

Jenő Medgyessy: no Brasil, ficou mais conhecido como Eugênio Medgyessy ou ainda Eugênio Marinetti, imigrando da sua Hungria ao Brasil ainda nos anos 20. Com passagens prévias por Botafogo, Fluminense, Atlético Mineiro e Palmeiras (então Palestra), chegou em 1932 ao São Paulo, detentor do título estadual. Com o húngaro, o tricolor ficou no vice em 1932, mas ele teria saído mais em decorrência dos tumultos internos na gestão tricolor que quase extinguiram o clube na época – no veredito do especialista Rafael Duarte Oliveira Venancio. Medgyessy foi à Argentina em 1933 para trabalhar inicialmente no San Lorenzo. O Ciclón terminaria campeão, mas com comandado por ele apenas no início; um atrito com os jogadores azulgrana levou-o a deixar o bairro de Boedo, acertando então com o Racing ainda em 1933. Curiosamente, terminou duas vezes campeão na temporada: a Academia venceu a Copa Beccar Varela, grosso modo um equivalente da atual Copa da Superliga.

Teófilo Juárez: despontou na Argentina no ainda badalado campeonato de seleções provinciais, ao ganhar a edição de 1928 por sua Santiago del Estero, no primeiro feito nacional do futebol do interior para além do rosarino. O zagueiro mudou-se inicialmente para o Rosario Central, então virando tricolor em 1932 – mas no Chacarita, cuja semelhança nos uniformes rendeu amizade com o próprio São Paulo. Seu desempenho no River entre 1934-35 foi bom a ponto de cavar pré-contrato com o Atlético de Madrid, negócio não efetivado em função da Guerra Civil Espanhola. Voltou da Europa acertado com o Tigre e foi bem o bastante para passar ao Racing em 1939. O 7º lugar não ofuscou a 4ª melhor defesa do torneio e o argentino chegou ao São Paulo no ano seguinte. E, a princípio, brilhou.

O técnico Medgyessy no Racing vencedor copeiro de 1933 e Silva Batuta: único brasileiro artilheiro do campeonato argentino, formara-se sem sucesso no São Paulo

Após um 3-2 como tricolor clássico com o Corinthians pelo Rio-São Paulo, chegou a ser descrito pelo Sport Ilustrado como um beque “calmo, técnico, não se afoba com a aproximação do adversário e fez-nos lembrar em muitas ocasiões o inconfundível Domingos [da Guia]”. Juárez também integrou um combinado de estrangeiros para jogos beneficentes. Mas, contra o então Palestra, teve “falhas acentuadas” na marcação (em outras palavras do Sport Ilustrado) na derrota de 4-1 na definição do Estadual em dezembro, em dérbi que o Mundo Esportivo recordava ainda em 1947 como jogo de desempenho supostamente “subornado” do argentino – impressão reforçada ao transferir-se justamente ao rival na sequência.

Silva Batuta: o atacante chegou com 15 anos ao São Paulo e foi lançado nos profissionais em 1957, a ponto de integrar o título estadual – a última taça antes da maior fila tricolor. Mas, ainda com 17 anos na ocasião, não se firmou em um ataque muito bem preenchido com Zizinho, Gino, Canhoteiro, Maurinho e Dino Sani (estes dois, por sinal, reforçariam o Boca nos anos 60), atuando mais pelo time de aspirantes também por questões disciplinares. Ainda assim, Béla Guttmann aconselhou a diretoria a não se desfazer da joia, mas Silva, emprestado ao Batatais em 1958, foi vendido em 1959 ao Botafogo de Ribeirão Preto. Foi por essa outra camisa tricolor que o Batuta deslanchou, reforçando o Corinthians em 1962 e rodando ainda por Flamengo, Barcelona e o Santos de Pelé, indo à Copa do Mundo de 1966.

Enfrentando como flamenguista a própria seleção argentina em 1966 e duas vezes o Racing em 1968, despertou o interesse de uma Academia que ainda tinha seu auge bem fresco. Chegou em 1969 ao Cilindro, onde ficou mais conhecido pelos dois sobrenomes, “Machado da Silva”. E se tornou nada menos que o único brasileiro a obter a artilharia do campeonato argentino, em 1969. Sua média impressionante de gols renderam idolatria eterna mesmo com poucos jogos – foram cerca de trinta partidas, mas vinte bolas na rede pelo time eliminado no finzinho da semifinal contra o futuro campeão Chacarita. Mas, com saudades do Brasil, preferiu transferir-se ao Vasco em 1970 mesmo declarando-se flamenguista. Já dedicamos ao Batuta este Especial em 2020.

Juan Ramón Carrasco: o uruguaio brilhava no River tricampeão entre Metropolitano 1979, Nacional 1979 e Metropolitano 1980, participando ativamente sobretudo nos dois primeiros. Mas desavenças com a diretoria lhe levaram ao Racing, onde foi individualmente ainda melhor; só seu temperamento explicava a ausência na seleção uruguaia, pois foi um camisa 10 goleador: 28 gols em 55 jogos – precisando vendê-lo em 1982, a Academia fez um péssimo campeonato, decisivo para o rebaixamento um ano depois. No São Paulo, veio junto com o conterrâneo Diego Aguirre, no segundo semestre de 1990, já um veterano. Os tricolores decidiram o Brasileirão, mas sem contar muito com os uruguaios. Aguirre, talismã do Peñarol dramaticamente campeão da Libertadores em 1987, fez só três gols. Carrasco, nenhum.

A dupla uruguaia Carrasco e Matosas (com Guilherme, Palhinha, Euller, Doriva, Juninho Paulista e André Luiz após o Mundial de 1993) ficou benquista em Avellaneda, mas pouco lembrada no Morumbi

Gustavo Matosas: embora nascido na Argentina, defendia a seleção do Uruguai, terra de seu pai (Roberto Matosas, ídolo do River nos anos 60). Formado no Peñarol, Gustavo já havia defendido na terra natal o San Lorenzo quando chegou em 1992 ao Racing. O volante não virou exatamente ídolo grandioso em Avellaneda, mas destacou-se na campanha marcante do vice-campeonato na Supercopa 1992. Ele reforçou o São Paulo em 1993 já após o título tricolor na Libertadores e de início cavou titularidade a ponto de até marcar gol na final contra o Boca na esquecida Copa Ouro – o quadrangular onde a Conmebol agregava os campeões de 1992 na Libertadores, na Supercopa, na Copa Master e na Copa Conmebol. Mas não se firmou, ainda que adicionasse ao currículo também o Mundial sobre o Milan (sem sair do banco). No início de 1994, partiu para a Espanha. Seu retorno ao Morumbi, como técnico, chegou a ser ventilado no fim de 2015, mas, como se sabe, o negócio foi fechado mesmo com o argentino Edgardo Bauza.

Manuel Neira: esse atacante chileno na verdade sequer chegou a estrear pelo São Paulo, mas compôs elenco em 1994, após despontar como promessa do Mundial sub-17 de 1993 (onde foi vice-artilheiro do torneio e medalha de bronze pelo Chile). Logo teve seu empréstimo junto ao Colo-Colo redirecionado ao Everton de Viña del Mar. No Racing, ele esteve na metade inicial da temporada 2000-01, vindo do Las Palmas recém-campeão da segundona espanhola. Foram só dois gols em um terrível Apertura, onde a Academia foi lanterna – e Neira, repatriado pela Unión Española, onde recobrou uma boa fase para figurar na Copa América de 2001.

Ricardo Centurión: atacante promissor no Racing campeão do Transición 2014 (seu único gol foi justamente o do título, no duelo final com o Godoy Cruz – a imagem esquerda que abre essa matéria é de sua comemoração naquele lance), a primeira conquista racinguista desde 2001, Ricky chegou ao Morumbi como aposta da diretoria são-paulina no ano seguinte. Naufragou e só relançou-se a partir de um empréstimo providencial ao Boca, onde foi campeão argentino na temporada 2016-17. Ele voltou ao Racing em meados de 2018, participando do início do título de La Acadé na Superliga de 2018-19 – ainda que saboreado quando Centurión já estava emprestado ao futebol mexicano.

Wilder Guisao: o ponta colombiano foi peça ativa na nova ascensão do Atlético Nacional e, quando já estava no Toluca, teve seu empréstimo junto ao São Paulo bancado por seu ex-técnico em Medellín, Juan Carlos Osorio, a quem reencontrava no Morumbi. Mas isso não bastou para que Guisao jogasse muito: só registrou sete partidas ao longo de um ano e teve seu empréstimo redirecionado ao Racing para a temporada 2016-17. Foi ainda mais nulo na Argentina: quatro partidas.

Eugenio Mena: lateral-esquerdo da vitoriosa geração chilena dessa década, foi uma das promessas lapidadas pelo argentino Jorge Sampaoli na vistosa Universidad de Chile de 2010-11, a credencia-lo a rodar pelo Brasil – começando pelo Santos. O São Paulo foi seu terceiro clube brasileiro, emprestado pelo Cruzeiro para o ano de 2016. Mediano mas esforçado, teve certo reconhecimento na campanha semifinalista da Libertadores daquele ano por um elenco que pareceu avançar além da capacidade técnica, mas não foi adquirido em definitivo. Após passar ainda por Sport e Bahia, acertou com o Racing no segundo semestre de 2018. E se deu bem, permanecendo até hoje em Avellaneda: foi titularíssimo na conquista da Superliga daquela temporada 2018-19, apenas o terceiro título argentino da Academia desde 1966.

O colombiano Guisao somou mais minutos no seu anúncio nos dois clubes do que em campo. O esforçado chileno Mena, à direita, enfrenta o próprio São Paulo no jogo de ida

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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