Elementos em comum entre Racing e Corinthians
Torcidas que se declaram as mais fanáticas em seus países, sobrevivendo a longos jejuns e certos sofrimentos periclitantes contra rivais, que exigem primeiramente raça a seus jogadores, com a busca por futebol arte em plano secundário. À primeira vista, são estes os principais pontos em comum entre Racing e Corinthians, que duelam apenas pela terceira vez em competições sul-americanas. Pois somente um jogador chegou a defender tanto “o clube mais brasileiro” como aquele que se traja com as cores de bandeira argentina e implantou a marca “nativa” em um futebol até então dominado pela comunidade britânica.
Anos com títulos para ambos são esparsos, indicando os jejuns que acometeram ambos: 1914 (Argentino; Paulista), 1916 (Argentino; Paulista), 1950 (Argentino; Rio-São Paulo), 1951 (Argentino; Paulista), 1966 (Argentino; Rio-São Paulo), 1988 (Supercopa Libertadores; Paulista) e 2001 (Apertura; Paulista). O título do Rio-São Paulo em 1966 não aliviou para a massa alvinegra o sentimento de seca entre 1954 e 1977.
Similarmente, a hinchada racinguista sentiu o peso de 35 anos no torneio doméstico entre 1966 e 2001, ainda que títulos tenham sido ganhos no período – a Libertadores e o Mundial em 1967 e a Supercopa em 1988. As duas torcidas também vivenciaram rebaixamentos similares na ordem (o Racing foi o segundo grande argentino a cair, após o San Lorenzo de 1981; e o Corinthians, o segundo grande paulista, após o Palmeiras de 2002) e na crueldade. Os paulistas caíram apenas dois anos depois do tetracampeonato brasileiro e enquanto o rival São Paulo era (bi)campeão nacional, em 2007.
Mas até os mais fanáticos do “bando de loucos” hão de reconhecer que um sofrimento ainda pior se passou em Avellaneda. O Racing foi rebaixado em casa em confronto direto contra a “imitação” Racing de Córdoba, treinada por Alfio Basile, ídolo do Racing “verdadeiro” tão campeão nos anos 60. Foi na penúltima rodada e na última a Academia ainda foi derrotada pelo rival Independiente. Que, com o resultado, era campeão argentino. E um dos gols foi de Enzo Trossero, torcedor racinguista na infãncia…
Quando o Corinthians voltou à elite, em 2008, também foi cutucado por novo título nacional seguido dos tricolores (e pelo estadual do Palmeiras). E, novamente, cabe dizer que não se comparou ao ano pós-rebaixamento do Racing: em 1984, os Blanquicelestes não apenas não subiram como ainda viram o Independiente vencer a Libertadores e o Mundial, tudo iniciado naquele clássico maldito em 1983…
Já dedicamos um Especial ao único jogador que passou pelos dois. Foi Walter Machado da Silva, o Silva Batuta. Sem espaço no São Paulo, onde começara a carreira, Silva despontou primeiro no Botafogo de Ribeirão Preto, de onde foi pinçado pelos dirigentes corintianos em uma resposta àqueles tempos do ataque “faz-me rir”. Ele fez sua parte, com cerca de 90 gols em 140 jogos, suficiente para leva-lo ao Flamengo, mas não para tirar o Timão da fila. Como flamenguista, esteve na Copa do Mundo de 1966 e chegou até a enfrentar a seleção argentina pelos rubro-negros, marcando gol, em amistoso naquele 1966.
Antes de chegar no Racing em 1969, Silva ainda passou pelo Barcelona (não pôde jogar oficialmente, com a federação espanhola proibindo novos estrangeiros) e pelo Santos, com quem a equipe argentina promovia um intercâmbio mais intenso naqueles anos (o ponta Dorval foi contratado pelos hermanos em 1964 junto com os juvenis Batista e Luís Cláudio, depois o goleiro Agustín Cejas e o ponta Manoel Maria é quem jogariam nos dois). Apesar das boas passagens por diversos times, em nenhum ele foi tão ídolo como em Avellaneda.
Até hoje, Silva (ou “Machado da Silva”, como ficou conhecido no país vizinho) é o único brasileiro artilheiro do campeonato argentino. Em pouco mais de um semestre no Racing, fez cerca de vinte gols em trinta jogos, média altíssima suficiente para coloca-lo entre os maiores ídolos racinguitas, conforme edições especiais lançadas pela revista El Gráfico sobre o clube em 2011 e em 2013. Com ele, a equipe esteve a minutos de ser finalista do campeonato, mas aos 42 minutos do segundo tempo sofreu o gol da eliminação nas semifinais diante do futuro campeão Chacarita. Sentindo falta do Brasil, ele acertou com o Vasco, liderando em 1970 o fim do jejum de doze anos dos cruzmaltinos no Estadual.
Vale ainda falar de dois gêmeos paraguaios revelados no Cerro Porteño. As más línguas apontam que o Corinthians pretendia trazer o meia Oscar Romero, bem mais talentoso, mas os cartolas alvinegros teriam sido ludibriado pelos dirigentes azulgranas, que, notando que o dinheiro oferecido era superior ao que conseguiriam pelo atacante Ángel Romero, acertaram a venda deste. Fato é que o Romero corintiano viveu uma fase complicada nos primeiros meses no Parque São Jorge, com falhas crassas e algumas brincadeiras em função do suposto equívoco do clube.
As brincadeiras com a falta de técnica mais refinada, embora ainda existem, foram paulatinamente respondidas do jeito que a Fiel gostaria: Ángel Romero buscou mostrar esforço e disposição. Com os primeiros aplausos genuínos, veio a confiança, a resultar crescentemente em gols. Como os dois na goleada sobre o São Paulo na reta final do título nacional de 2015.
Naquele fim de 2015, o irmão Oscar Romero também destacou-se e, embora não seja um fazedor de gols, deixou o dele em um clássico, o de Avellaneda. Contratado naquele ano pelo Racing, marcou o segundo no 2-0 sobre o Independiente em pleno estádio Libertadores de América. Foi a primeira vitória racinguista não-amistosa no dérbi desde 2011, a primeira na casa rival desde 2004 e a primeira no novo estádio do Rojo. O clube adiante confirmaria o “título” e consequente vaga na Libertadores de 2016, prolongando a carreira do ídolo Diego Milito em mais alguns meses.
O Romero do Racing, único dos gêmeos presente em competições pelo Paraguai (esteve nas duas últimas Copas América), terminou vendido neste ano ao emergente futebol chinês, com empréstimo ao Alavés espanhol.
Racing e Corinthians já realizaram dois jogos em competições do continente. Foram em 1998, na fase de grupos da primeira edição da Copa Mercosul. E o Racing venceu ambos, tanto no Morumbi (2-1, na primeira vitória do futebol argentino contra brasileiros neste estádio) como no Cilindro (1-0). Adiante, a equipe foi eliminada pelo critério do gol fora de casa pelo vizinho San Lorenzo.
Pingback: Ramón Díaz e o desafio de virar ídolo em comum entre Corinthians e River Plate