Elementos em comum entre Palmeiras e San Lorenzo
Nessa terça-feira teremos os primeiros duelos Brasil x Argentina pela fase de grupos da Libertadores de 2019, incluindo um curioso tira-teima no Nuevo Gasómetro entre o último campeão brasileiro contra o atual lanterna argentino. De fato, não são muitas as coisas que ligam Palmeiras e San Lorenzo. Vamos destacar as principais.
As torcidas alviverde e azulgrana só celebraram títulos conjuntamente em torneios referentes aos anos de 1927 (respectivamente no estadual e do nacional), 1933 (estadual e rio São-Paulo; nacional), 1936 (estadual; nacional), 1959 (idem), 1972 (estadual e nacional; metropolitano e nacional) e 1974 (estadual; nacional), chegando a sofrer jejuns entre meados dos anos 70 e início dos anos 90 – após uma fase dourada em que se tornaram os primeiros clubes em seus países campeões em um mesmo ano nos dois principais torneios domésticos. Se o Sanloré faturara o Metropolitano e o Nacional de 1972, o oponente havia logrado o Robertão e a Taça Brasil em 1967.
Nesse comum período de alta na virada dos anos 60 para os 70, amistosos foram frequentes. O primeiro duelo do Verdão com o Ciclón ocorreu em 25 de agosto de 1968, em virtual tira-teima entre o mais recente campeão brasileiro (o Palmeiras havia vencido em 27 de dezembro de 1967 a Taça Brasil, meses após ter faturado também o Robertão daquele ano; as edições de ambos os torneios em 1968 ainda não haviam sido finalizadas) e o mais recente campeão argentino – onde o San Lorenzo havia feito história. Três semanas antes, em 4 de agosto, havia sido o primeiro campeão argentino de modo invicto no profissionalismo.
Curiosamente, cada equipe era treinada por um técnico proveniente do país vizinho, com o Porco comandado por Nelson Filpo Núñez e os Cuervos por Tim. No Pacaembu, os anfitriões venceram por 3-1, com o superartilheiro argentino Luis Artime marcando um dos gols palmeirenses sobre o time que escalou Héctor Veira na ocasião – guarde esses dois nomes. Já em 1972, antes de cada clube obter dois títulos, se pegaram duas vezes na pré-temporada. Nos dias 7 e 17 de fevereiro, a cidade de Mar del Plata viu primeiramente um 0-0 ser seguido por outra igualdade, em 1-1. Os dois gols, curiosamente, foram de pênalti, convertidos por Ademir da Guia e Héctor Scotta. Depois, só houveram outros dois jogos, pelas semifinais da Copa Mercosul de 1999.
Àquela altura, o San Lorenzo não só já era o único dos cinco grandes argentinos sem Libertadores, como não possuía nem mesmo algum troféu continental secundário, o que lhe fazia valorizar a Mercosul mais do que seus pares. Em 18 de novembro, o colombiano Iván Córdoba, antes de virar figura longeva na Internazionale, fez de pênalti o único gol no Nuevo Gasómetro de um duelo onde Luiz Felipe Scolari (que vinte anos depois voltará a enfrentar os azulgranas) não poupou titulares no último compromisso antes de disputar o Mundial Interclubes, a ocorrer dali a doze dias. O jogo de volta ocorreu uma semana após a derrota em Tóquio. Em 7 de dezembro, Júnior Baiano abriu o placar logo aos 3 minutos.
Córdoba teve nova oportunidade de pênalti, aos 16, mas Marcos defendeu. A classificação brasileira foi garantida a partir dos 29 minutos do segundo tempo, quando Arce anotou o segundo. Dois minutos depois, Ariel López foi expulso. Roque Júnior também receberia vermelho, mas já aos 44 minutos, sem pesar no resultado: outro minuto depois, Arce, de pênalti, assinalou o 3-0 no velho Parque Antártica (ou velho Palestra Itália, como queiram).
Por fim, vamos a quem defendeu as duas equipes:
Jenő Medgyessy: o complicado nome desse húngaro o fazia ser chamado de “Eugênio Marinetti” tanto no Brasil como na Argentina. Ex-meia-atacante do Ferencváros, ele já era relativamente rodado pelo Brasil, com passagens prévias por Botafogo, Fluminense e Atlético Mineiro antes de chegar em 1929 ao então Palestra Itália. O time esteve no páreo contra o Corinthians até a rodada final do Estadual, a reservar justamente o dérbi, precisando vencê-lo para forçar jogo-desempate. Mas caiu por 4-1 e foi inclusive ultrapassado pelo Santos na tabela. Medgyessy voltaria três anos depois, o do último estadual oficialmente amador e finalizado antes do programado em função da Revolução de 1932. O Palestra era o líder e terminou declarado campeão.
O húngaro chegou pouco depois ao San Lorenzo. À frente do seu tempo, Medgyessy não apenas era orientador tático como também era preparador físico. Só que suas inovações não foram bem recebidas nem por jogadores e nem pelos dirigentes, forçando-lhe a renunciar ao cargo, embora tenha armado o elenco que ao fim do ano terminaria campeão – já sob Atilio Giuliano.
Imre Hirschl: seu nome também foi adaptado na América do Sul, para Emérico. Convidado pelo próprio Conde Matarazzo, esse outro húngaro veio do Hakoah nova-iorquino para integrar a comissão palestrina de Medgyessy em 1929, embora também tenha atuado como técnico principal em duas partidas naquele ano. Foi o ponto de partida para uma longa trajetória em clubes sul-americanos, especialmente na Argentina. Após passagens consagradoras por Gimnasia LP (grande concorrente em 1933 do próprio San Lorenzo campeão) e River, apareceu no San Lorenzo primeiramente em 1941, onde foi vice-campeão para a célebre La Máquina riverplatense. Depois de fazer história também no Peñarol de 1949 a ponto de ser seriamente sondado para treinar o Uruguai na Copa de 1950, Hirschl voltou a Boedo no decorrer do campeonato de 1952, onde o clube terminou só em oitavo. Prosseguiu em 1953, encerrando em quinto. Radicou-se em Buenos Aires, onde faleceria vinte anos depois.
Héctor Veira: simplesmente o maior ídolo do primeiro século do San Lorenzo, ao menos segundo eleição oficial do centenário azulgrana, em 2008. El Bambino era daqueles camisas 10 de notável habilidade, mas com carreira aquém da que prometia devido ao desleixo com o cuidado corporal. O promissor craque artilheiro com apenas 18 anos do campeonato de 1964 já estava decadente quando obteve seu único título como jogador sanlorencista, em 1968, onde foi só um 12º jogador. Desligado, rumaria ao rival Huracán, declarando-se inclusive torcedor do vizinho, antes de voltar a Boedo em 1973. No ocaso da carreira, veio ao Brasil para testes no Palmeiras. Na pré-temporada de 1976, jogou contra Anapolina e Araçatuba, marcando um gol sobre os goianos e colhendo avaliações razoáveis. Foi quando a negociação que parecia certa para ser efetivada foi atravessada pelo folclórico Vicente Matheus, que levou Veira ao Corinthians.
Veira não se deu bem: os alviverdes terminariam o ano campeões estaduais e ele não se firmou como alvinegro, deixando o Brasil no início de 1977. Recuperaria o carinho do Ciclón como treinador: é quem mais vezes exerceu esse cargo, em diversas passagens que tiveram como pontos mais altos o vice-campeonato em 1983 por um time recém-regressado da segunda divisão; a chegada às semifinais da Libertadores de 1988 por um elenco estoico que nem estádio próprio tinha; e ao título de 1995 para superar 21 anos de jejum na elite argentina. Seu último ciclo por lá foi na temporada 2004-05. Já contamos a trajetória de Veira, de trabalhos destacados também na dupla River (comandante dos primeiros títulos do clube na Libertadores e no Mundial, em 1986) e Boca, neste outro Especial.
Pablo Mouche: atacante no máximo esforçado, era frequentemente cornetado pela torcida do Boca, o que não impediu que chegasse a ser testado pela seleção principal em 2011. Era uma das peças do time que mesmo sem brilho conseguiu chegar à final da Libertadores de 2012, mas dali foi vendido ao Kayserispor turco. Apareceu no Palmeiras em 2014 no pacote de argentinos solicitados por outro hermano, o treinador Ricardo Gareca. Após um semestre com só dois gols anotados na luta periclitante contra o rebaixamento, lesionou-se seriamente na pré-temporada de 2015 e desde então foi sucessivamente emprestado até ser comprado em 2019 pelo Colo-Colo. O último empréstimo deu-se no ano passado ao San Lorenzo, onde só encontrou as redes como cuervo na Copa Argentina.
Família Artime: Luis Artime foi um dos mais implacáveis artilheiros do futebol sul-americano, onde brilhou nos anos 60 ao início dos anos 70. Os seguintes números resumem, conforme lembramos em dezembro: 50 gols em 67 jogos pelo modesto Atlanta, na fase mais brilhante do clube; 70 em 80 pelo River; 45 em 72 pelo Independiente, mostrando todo o profissionalismo de quem nunca escondeu torcer pelo Racing; e 24 em 25 pela seleção, trajetória essa interrompida quando ele foi jogar no exterior – na época, não se convocava quem atuasse fora. Assinou com o Palmeiras em 1968 para então marcar 48 gols em 57 jogos, anotando só menos que Pelé no Estadual. Em 1969, o tradicional Nacional sofreu nova derrota em final de Libertadores, após já ter sido vice em 1964 e em 1967. A saída foi contratar o argentino, que exibiria seu melhor no tricolor uruguaio. Artime foi o homem-gol do primeiro elenco do Nacional a enfim faturar a Libertadores, em 1971, logo levantando também o Mundial.
No fim dos anos 80, o antigo goleador já era um espectador de seu filho, Luis Fabián Artime, o Luifa. Revelado no forte Ferro Carril Oeste dos anos 80, o Artime filho chegou a ter oportunidades no mesmo Independiente em que seu pai se consagrara, mas o peso do nome e sobrenome foi forte demais – inclusive perdeu um dos pênaltis na derrota em casa para o Boca na final da Supercopa de 1989. Saiu de Avellaneda para o Belgrano em 1991 e, em um ambiente de menor pressão, destacou-se. O San Lorenzo então apostou nele em 1993 e o recomeço da carreira parecia certo, com Luifa Artime artilheiro da pré-temporada. Mas nos jogos para valer só conseguiu um gol (justamente sobre o Independiente, por sinal) e logo foi devolvido ao Belgrano, camisa que mais lhe caiu bem: teria ainda outras duas passagens e é o maior artilheiro dos celestes na primeira divisão argentina – se no resto da Argentina ele é “o filho de Luis”, em Córdoba o predicado se inverte, com Luis sendo “o pai do Luifa“.