Com agradecimentos especiais à comunidade “Coleccionistas de Vélez Sarsfield”, no Facebook; e aos perfis HistoriaDeVelez e HuracanRetro na rede outrora chamada Twitter, inclusive pelas imagens aqui utilizadas
A princípio, pouca coisa parece unir Huracán (com 46 pontos na tabela ao fim da penúltima rodada) e Vélez Sarsfield (com 48 pontos) a não ser a rixa comum da dupla com o San Lorenzo e a luta pelo simbólico posto de “sexto grande” em um país em que os grandes historicamente são cinco – grupelho que o San Lorenzo forma com as duplas Boca & River e Racing & Independiente. Tanto o Globo como o Fortín têm cada um suas razões, da tradição histórica huracanense à inegável força velezana nas três últimas décadas, que incluiu a prevalência na “final” travada em 2009, ainda fresca.
Com algumas diferenças, que incluem um terceiro elemento no páreo (o co-líder Talleres, que receberá com 48 pontos o Newell’s), os bairros portenhos de Parque de los Patricios e de Liniers voltarão a fazer um duelo direto pelo título argentino tal como naquela tarde invernal e infernal vivida por três caras conhecidas do brasileiro: da imagem acima, Matías Defederico viraria corintiano ainda naquele ano; Nicolás Otamendi passaria pelo Atlético Mineiro em 2014 antes de se estabilizar de vez na Europa e na seleção; e Emiliano Papa, ao fundo, levaria aquela “lambreta” de um Leandro Damião no auge, em um Brasil x Argentina de 2011.
A semente da rivalidade para ser o sexto grande argentino
Comecemos pelo Globo – “balão”, em espanhol, em referência ao balão El Huracán com o qual o pioneiro da aviação argentina, Jorge Newbery, causara sensação ao cruzar por três países em 1908, ano da refundação do clube de mesmo nome (que acabou adotando como distintivo com a inicial H dentro de um balão). O time teve sua época dourada antes, muito antes: foi nos anos 20, na qual levou quatro dos cinco títulos que possui na primeira divisão. Aquela foi a década em que o futebol explodiu em popularidade no país e com isso o auge do clube do bairro operário de Parque de los Patricios (cujos fornos crematórios para queima de lixo renderam o outro apelido huracanense, o de quemeros) inspirou a criação de diversos Huracáns por toda a Argentina, com alguns inclusive chegando a participar da primeira divisão também.
Até meados dos anos 30, o Huracán possuía mais ou a mesma quantidade de títulos argentinos do que o vizinho San Lorenzo (com quem a proximidade com o bairro limítrofe de Boedo, tradicional sede sanlorencista, que gerou o principal dérbi portenho abaixo do Superclásico), do que o River e do que o Independiente, a ponto até dos duelos com o Boca serem vistos como clássico. É do fim daquela década de 30 que veio deliberação na AFA oficializando o conceito dos cinco grandes – cujos requisitos eram o mínimo de dois títulos na primeira divisão, vinte anos ininterruptos na elite e 15 mil sócios. Calhou aos quemeros ainda não cumprir somente este último requisito, embora só viessem a ser superados em títulos argentinos por River e Independiente respectivamente em 1941 e em 1948, anos em que estes somaram a quinta estrela cada um.
O Vélez, por sua vez, passou a maior parte do século XX como um simpático time de bairro, ou de bairros: surgiu em 1910 na da Floresta, na estação ferroviária cujo nome homenageava o jurista Dalmacio Vélez Sarsfield, autor do primeiro código civil argentino. Vestia camisa toda branca e calções azuis tal como o Huracán, mas com um distintivo em listras nas cores italianas, que logo passaram a compor a camisa inteira, em desenho similar ao do Fluminense, ainda antes de estabelecer-se no bairro de Villa Luro. Ali nasceu em 1933 o icônico uniforme com La V Azulada e o apelido Fortín, dada a verdadeira fortaleza que seu campo alugado havia se tornado contra times visitantes; e, nos anos 40, emergencialmente comprou na planta terreno em pântano no bairro de Liniers para não desaparecer, erguendo ali sua casa própria e definitiva; o rebaixamento fortinero, em 1940, fizera o Vélez beirar seriamente a extinção a ponto de priorizar se sedimentar como prestigiado clube social comunitário em Liniers ao invés de se permitir a devaneios financeiros por títulos no futebol. Mais do que torcedores, o lendário e austero presidente velezano José Amalfitani queria sócios: tal escolha propiciou uma infra-estrutura de primeira linha (não por acaso, o estádio que leva seu nome seria sede na Copa de 1978 mesmo com Buenos Aires já tendo o Monumental), mas também pouquíssima difusão expressiva de torcedores fiéis para além da zona oeste da capital federal.
Assim, a alcunha de “sexto grande” havia pegado para o Huracán sem maiores ameaças, mesmo com o Globito vindo após seu título de 1928 a demorar décadas para voltar a dar sua quinta e última volta olímpica na primeira divisão; se contentava com meras copas efêmeras, todas ainda nos anos 40, ganhas por elencos que reuniam os três maiores carrascos da seleção brasileira. Foi no fim dos anos 60 que esse cativo posto de sexto grande começou a ser questionado: enquanto os quemeros seguiam em seu longo jejum, o Estudiantes engatava uma sequência na Libertadores; o Vélez comemorava em 1968 seu primeiríssimo título na primeira divisão, seguido em 1969 pelo Chacarita. O Chaca logo mostrou-se fogo de palha, mas então a dupla Rosario Central e Newell’s entrou no páreo, ao começarem a vencer nos anos 70 seus primeiros títulos argentinos. O Vélez demoraria até 1993 para conseguir seu segundo e se recolocar nessa briga. Poderia ter sido diferente se não fosse atrapalhado justamente pelo Huracán em 1971.
Mantendo a base campeã de 1968, o Vélez já havia sido finalista da Copa Argentina de 1970, torneio cujo troféu segue sem dono diante da falta de desempate com o outro finalista (o San Lorenzo, por sinal). Em 1971, o então superartilheiro Carlos Bianchi embalou uma campanha arrasadora no Metropolitano, com o Independiente seguindo no encalço. O Huracán, por sua vez, fazia uma de tantas campanhas irregulares, sua tônica desde meados dos anos 40. Na rodada final, o então líder Vélez jogaria em casa contra aquele instável Huracán. Se permitia ter a festa do título preparadíssima, com cartazes e bandeirinhas já anunciando de véspera o Fortín como campeão. Impressão que aumentou ao abrir o placar logo no minuto inicial.
Mas então o inesperado ocorreu. Aplaudido pela “honestidade esportiva” (nas palavras da revista El Gráfico) e tendo no ex-sanlorencista Narciso Doval (emprestado pelo Flamengo) como o inesperado maestro, o Huracán arrancou uma virada que paralisou La V Azulada. Ao apito final, os próprios jogadores quemeros se comoveram e buscaram consolar os atônitos colegas de profissão, que viam incrédulos a ultrapassagem do concorrente Independiente – foi com aquele inesperado título que o Rojo pôde disputar a Libertadores de 1972, precisamente a primeira dos seus famosos quatro títulos seguidos no torneio.
Treinado desde a reta final por César Menotti, o Huracán logo gestou um vistoso time-base que recuperou em 1973 a coroa de campeão argentino, sendo semifinalista da Libertadores em 1974. Menotti então assumiu a seleção, mas a base formada ainda seria vice-campeã argentina em 1975 e em 1976 enquanto o Vélez ainda se recuperava daquele trauma. O Fortín seria vice-campeão em 1979 e em 1985, precisando mesmo aguardar até o Clausura 1993 para tornar a festejar. Nessa espera, sua rivalidade principal era o Clásico del Oeste mesmo, com os dourados anos 80 do vizinho Ferro Carril Oeste, duas vezes campeão argentino, três vezes vice e colecionador de troféus poliesportivos (inclusive mundiais) no basquete, vôlei e outros.
Já os novos dias felizes do Huracán terminaram nos anos 70 mesmo. O envelhecimento e desmanche daquele elenco não foi reposto à altura. Em 1986, no dia em que a seleção passava pelas semifinais da Copa do Mundo, nem todo o país estava feliz: o Globo foi rebaixado pela primeira vez… e somente em 1990 é que voltou à primeira divisão. Nesse ínterim, a dupla Central e Newell’s reforçou suas credenciais. Em 1992, ambos já somavam quatro títulos argentinos cada um, com o Newell’s contabilizando ainda duas finais de Libertadores.
Mas, para os puristas, naqueles inícios dos anos 90 o apelo apenas regional da dupla rosarina no fator torcida era pouco para fazer frente ao cimentado costume de ver-se o sexto grande como o Huracán… até o Vélez voltar em 1993 a ser campeão argentino e iniciar sua era dourada. Para facilitar ao leitor brasileiro, o exercício de imaginação a se fazer – guardando as devidas proporções – é meditar sobre qual conclusão teria se o São Caetano, fundado somente em 1989, houvesse vencido os três torneios em que foi vice entre 2000-02 (dois Brasileirões e uma Libertadores): tamanho sucesso meteórico por si só bastaria ou não para fazê-lo superar de modo consolidado a tradição histórica da Portuguesa como principal clube paulista abaixo dos quatro grandes? Considerando ainda que o Azulão teria ganho a Libertadores antes mesmo do Corinthians assim como o Fortín conseguiu a sua bem antes do San Lorenzo e que o último título estadual da Lusa data do mesmo 1973 que coroou o Huracán pela última vez, tal paralelo se mostra ainda mais instigante.
Os (poucos) anos comuns em glórias
Com a maior parte da história supercentenária de ambos sendo permeada conjuntamente por jejuns, os anos de títulos em comum são pouquíssimos. Um primeiro deu-se em 1943: ali o Vélez obteve o título da segunda divisão argentina, nunca mais caindo; exceto o jamais rebaixado Boca, o Fortín é o time há mais tempo ininterrupto na elite. Já a volta olímpica do Huracán se deu na Copa Adrián Escobar, então um valorizado torneio de pós-temporada – reunia os sete primeiros colocados do campeonato argentino para partidas-relâmpago de 40 minutos, que chegavam a usar o número de escanteios como critério de desempate (!).
Em 1994, faltou bem pouco para que ambos fossem campeões na mesmíssima semana. O domingo de 28 de agosto marcava a rodada final do Clausura, na qual por coincidência o então líder Huracán, do iniciante técnico Héctor Cúper, visitou justamente o vice-líder, o Independiente. Era a primeira vez em dezoito anos que os quemeros lutavam seriamente pelo título que não vinha desde 1973, mas o fator casa prevaleceu com requintes cruéis: o oponente, mesmo com um goleiro (Luis Islas) e um treinador (Miguel Brindisi) sendo assumidos torcedores huracanenses, fez prevalecer o fator casa e venceu por 4-0.
Na quarta-feira de 31 de agosto, por sua vez, o Vélez acendeu de vez seu pleito como “sexto grande” ao vencer a Libertadores. O Mundial sobre o Milan apenas corroboraria sua tese. Dali se acendeu uma rivalidade com o San Lorenzo, que se via como o único dos cinco grandes ainda sem títulos internacionais, em rixa retroalimentada por uma torcida velezana que já não se via no patamar do decadente Ferro Carril Oeste; seu tradicional dérbi com os verdolagas só tivera supremacia rival na década de 80 e não se realiza simplesmente desde o ano 2000. Mas a torcida do Huracán também ficava na bronca, a ponto do primeiro duelo com o Vélez após a Libertadores ser aguardado em especial. Carlos Bianchi relataria, à edição especial sobre o Mundial feita pela El Gráfico, como o triunfo de 4-1 serviu para referendar seus pupilos rumo a Tóquio – na época, o Globo ainda levava vantagem no confronto direto, que hoje é fortinera só por cinco vitórias a mais.
Sem recuperar-se do baque do título escorrido pelos dedos no Clausura 1994, a tradição também decadente do Huracán gradualmente foi cedendo espaço ao “novo-rico” quando a mídia queria propagar os seis principais times do país, já que o Vélez simplesmente não parava de vencer na década: entre 1993 e 1998, não houve um ano sequer sem que o bairro de Liniers festejasse ao menos um título – em 1995, veio o Apertura; em 1996, a Interamericana, o Clausura e a Supercopa; em 1997, a Recopa; e, então, o Clausura 1998, assegurado precisamente na rodada em que os fortineros enfrentaram o Globo, no título que credenciou o então técnico velezano Marcelo Bielsa a assumir a seleção dali a uns meses.
A virada de século marcou uma entressafra no bairro de Liniers, mas nada comparado ao declínio em Parque de los Patricios: em 1999, deu-se o segundo rebaixamento huracanense. Até hoje, nenhum dos “cinco grandes” experimentou mais de um rebaixamento. A volta imediata em 2000 não resolveu de modo duradouro a crise de identidade: já em 2003, o Huracán caía de novo. Foram quatro anos de Primera B, enquanto o Vélez festejava um pontual Clausura em 2005, seu único título entre 1998 e 2009.
Em 2007, o Globito regressou à primeira divisão e justamente em 2009 voltou a brigar pelo título nela pela primeira vez desde 1994. Ex-assistente de Menotti, o idealista técnico Ángel Cappa era o mentor do tiki-tiki de uma fase superlativa das carreiras de Javier Pastore, Mario Bolatti, Matías Defederico, Patricio Toranzo e Paolo Goltz, todos eventualmente testados pela seleção naqueles dias (os dois primeiros até iriam à Copa do Mundo de 2010). Mas o filme de 1994 se repetiu: por coincidência, a rodada final do Clausura promoveu o encontro do líder com o vice-líder. Tal como em 1994, o então líder podia empatar, mas precisava jogar na casa do vice-líder. Tal como em 1994, o Huracán levou a pior. E de modo mais dolorido, apesar do placar.
A alucinante tarde de 5 de julho de 2009 teve de tudo em Liniers, de granizo interrompendo o jogo por meia hora a erros crassos de arbitragem contra os dois times quando o placar ainda estava em 0-0: contra o Huracán, um gol legítimo mas anulado do ex-velezano Eduardo Domínguez (Goltz, de fato em posição irregular, não participara da jogada) e a não-expulsão do jovem Nicolás Otamendi por, já tendo cartão amarelo, ter feito falta forte em Goltz; já o Vélez queixava-se de dois pênaltis, um no qual a cobrança defendida por Gastón Monzón não foi repetida a despeito dos passos adiantados do goleiro antes do chute de Hernán López – e outro claríssimo, mas não assinalado, de Carlos Arano em Fabián Cubero. Aos 39 minutos do segundo tempo, então, o ex-huracanense Joaquín Larrivey atropelou Monzón numa dividida.
O fair play foi às favas: sem que apito algum soasse, Maxi Moralez aproveitou a sobra para concluir às redes vazias e, nos minutos que sobraram, os gandulas velezanos trataram de segurar as bolas que saíam. Ricardo Gareca, assumido torcedor fortinero muito antes de ser o técnico do time do coração, desengasgava a dor de 1971, quando era ainda um anônimo espectador na arquibancada. Tudo foi tão comovedor que o árbitro Héctor Brazenas jamais foi escalado novamente e rendeu protestos até do ícone-mor do San Lorenzo, o ex-atacante José Sanfilippo (havia todo tipo de preferência na torcida sanlorencista, diga-se, tanto de segmentos cansados da ascensão do Vélez como parcelas nada piedosas com o jejum sem fim do Huracán).
De fato, o trauma em Parque de los Patricios se mostrou muito maior do que o de quinze anos antes: mesmo com a pontuação quase campeã podendo integrar até o fim da temporada 2011-12 os cálculos matemáticos dos promedios, o time caiu já ao fim da de 2010-11, no mesmo semestre em que o Vélez festejava mais um Clausura para si… assegurado justamente em novo duelo com o Huracán. Dessa vez, em pleno palácio huracanense do Tomás Adolfo Ducó. Deu Fortín por 2-0, afundando ainda mais o adversário nos promedios. Aquela “final” de 2009 havia iniciado uma terceira era dourada em Liniers, com um vice-campeonato no Apertura 2010; aquele título no Clausura 2011; a conquista do Torneio Inicial de 2012; a Superfinal de 2013; e então a Supercopa Argentina de 2014, última taça oficialmente ganha por La V Azulada.
Foi justamente o ano de 2014 o segundo a ter alegrias conjuntas às duas torcidas, ainda que ofuscadas pelo “rival comum” San Lorenzo ser campeão da Libertadores. O título velezano na Supercopa Argentina deu-se em janeiro. Em novembro, ainda na segunda divisão, o Huracán de Gonzalo Pity Martínez e Ramón Wanchope Ábila encerrou 41 anos de jejum de títulos de primeira grandeza, ao vencer nos pênaltis o Rosario Central pela Copa Argentina. O regresso à elite do Globo enfim se deu no mês seguinte, mesmo sem o título formal da segundona. Mas a ascensão quemera acabou limitada à Supercopa Argentina de 2015 (para cima do River), com o doloroso vice-campeonato na Sul-Americana 2015 (para o Santa Fe) esfriando os ânimos. Eduardo Domínguez era o elo do elenco do Huracán de 2014-15 com o de 2009, primeiramente ainda como veterano jogador e, a partir do segundo semestre de 2015, como treinador de primeira viagem.
Desde o vice continental, o clube conseguira no máximo um 4º lugar nos campeonatos argentinos de 2017-18 (embora sem brigar para valer pela taça) e de 2022. Seja qual for o desfecho de domingo, o pior cenário – o 3º lugar – já será a melhor campanha quemera em quinze anos. Já o Vélez fechou o pódio na Superliga de 2019-20, campanha que, se não representou disputa séria pelo título, foi importante para dissolver ameaça palpável de rebaixamento que já pairava por Liniers. Esse risco, porém, voltou a atormentar La V Azulada após ficar entre os quatro últimos em 2022 e em 2023. Em 2024, o projeto era tornar a afastar o risco de queda.
Pelo copo meio cheio, a luta velezana contra o rebaixamento deu tão certo que o elenco alcançou a final tanto da Copa da Liga como da Copa Argentina. Pelo copo meio vazio, o Fortín foi vice em ambas, respectivamente para Estudiantes (o novo time do técnico Eduardo Domínguez) e para o Central Córdoba de Santiago del Estero – também treinado por outro homem com passado nos dois clubes, Omar De Felippe, e decididamente não precisa que a temporada termine com um terceiro vice-campeonato. Onze anos de jejum no campeonato, seca mais longa do Vélez desde a Era Bianchi, são outro tempero extra… reforçado pelos 51 anos que o rival já vem esperando pelo mesmo título.
Quem esteve por Huracán e Vélez?
Não foram poucos os nomes que trabalharam nos dois clubes, especialmente antes da rivalidade se desenvolver – sendo notável como pouquíssimos se atreveram depois do que houve em 2009. Curiosamente, alguns também estiveram no San Lorenzo. Para a lista abaixo, como regra selecionamos somente aqueles com brilho em pelo menos uma das camisas, razão pela qual nomes relativamente ilustres como o do ex-palmeirense, ex-gremista e ex-cruzeirense Hernán Barcos (santo pouco lembrado em casa) não serão dignos de maior menção.
Miguel Fontana e Juan Fontana: eram irmãos e ambos halves, como chamavam na época os laterais. Estrearam pelo Huracán em 1915 (Juan inclusive participou do primeiro clássico com o San Lorenzo na história, naquele mesmo ano), sem se firmarem; seguiram carreira no Vélez, que ainda não havia saído da segunda divisão. Ainda jogador de segundona, Juan tornou-se em 1917 o primeiro jogador velezano aproveitado pela seleção, embora a partida se esquecesse com o tempo por ser considerada não-oficial, por ser contra um combinado de La Plata. Em 1919, os irmãos Fontana foram a gota d’água para uma cisão histórica no futebol argentino, com a expulsão equivocada de um quando a infração teria sido cometida pelo outro gerando um tapetão que insuflou divergências já existentes nas cartolagens. Independiente, Racing, River e San Lorenzo levaram o Vélez junto para uma liga dissidente, na qual o Fortín, promovido assim à elite, obteve de cara seu primeiro vice-campeonato argentino. Boca e Huracán foram os principais remanescentes da esvaziada liga oficial. Juan seguiu no Vélez enquanto Miguel voltou ao Globo em 1921, na reta final da campanha do primeiro título argentino do time, participando de seis jogos. No bicampeonato em 1922, teve mais regularidade, mas já em 1923 tornou a deixar o clube.
Juan Pratto: sem parentesco conhecido com o ídolo velezano Lucas Pratto, esse zagueiro foi formado no Racing, de onde passou em 1920 ao Huracán. Foi um dos seletos presentes nos quatro títulos argentinos colhidos pelo clube naquela década, por torneios em 1921, 1922, 1925 e 1928. Foram 214 jogos e treze golzinhos (ele tinha sua qualidade nas cobranças de falta) nas estatísticas do campeonato argentino, embora seu gol mais famoso tenha sido em amistoso para cima do lendário espanhol Ricardo Zamora. Em 1922, El Negro Pratto alternou-se entre o Huracán e Vélez, tal como Miguel Fontana fizera em 1921, em “gambiarra” possibilitada por aqueles tempos em que cada time pertencia a uma federação diferente (a reunificação das ligas se daria somente em 1927 e convalidou a oficialidade também do torneio dissidente); foram treze partidas e um gol, justamente de falta, como velezano. Virou em 1930 um dos primeiros jogadores que o futebol italiano importou do argentino, reforçando o Genoa, então o clube mais vezes campeão do calcio.
Bernabé Ferreyra: oficialmente, seus clubes no campeonato argentino foram somente Tigre e River. Mas sua fama de supergoleador já era tanta que El Mortero de Rufino foi requisitado para excursões seguidas de Huracán e Vélez, respectivamente em 1930 (no Brasil) e em 1931 (pelas três Américas), em tempos em que amistosos eram jogos mais renhidos e significativos. Sua contratação pelo River em 1932 fez o time explodir em popularidade nacional e começar a ser um vencedor contínuo: ele conseguiu mais de um gol por jogo, contabilizando 187 em 185 na liga argentina. Já dedicamos este Especial a La Fiera, seu outro apelido.
Victorio Spinetto: defendemos em 2020 ele e não Carlos Bianchi como técnico para o time velezano dos sonhos; em parte, porque Bianchi já era selecionável como jogador, é verdade. Símbolo como jogador fortinero dos anos 30, o volante Spinetto foi ainda maior como treinador: foram mais de dez anos seguidos na função, um recorde a qualquer clube na primeira divisão. Foi Don Victorio quem tirou o Vélez da segundona, em 1943, e dez anos depois era vice-campeão da elite, lugar mais alto que o time chegara até então. Em Liniers, além do período 1942-56, teve outros em 1958, 1961-62, 1966-67 e por fim nos juvenis pelos anos 80, polindo muitos pratas-da-casa protagonistas na glórias noventistas. No Huracán, trabalhou rapidamente em 1964, sem contagiar. Sua identificação com o Vélez é tamanha que ofusca seus outros bons trabalhos, inclusive nos rivais Ferro Carril Oeste e Argentinos Jrs (onde treinou o primeiro Maradona artilheiro de campeonato, em 1978), além da seleção campeã da Copa América de 1959… e que até atrapalhou o Vélez no dramático torneio de 1971, ao vencê-lo na penúltima rodada como técnico do Racing. Já dedicamos a Spinetto este Especial.
Vladislao Cap: de origem húngaro-romena por parte de mãe e polaco-ucraniana por parte de pai (!), é raríssimo nome a ter trabalhado tanto na dupla Boca e River como na dupla Racing e Independiente. Ídolo e campeão como jogador do Racing entre 1954-60, o volante foi um oásis no Huracán de 1961 a ponto de ir à Copa do Mundo de 1962 e cavar transferência ao River. Em 1966, rumou ao Vélez para disputar as últimas quatorze partidas da carreira, ficando a dois pontos do pódio por um clube ainda visto como pequeno no futebol. Era justamente ele o treinador do Independiente que em 1971 “roubou” uma taça que parecia ganha pelo Vélez. Como técnico, dirigiu a Argentina na Copa de 1974 e conseguiu treinar Boca e River em um mesmo ano: 1982, quando faleceu precocemente por um câncer. Já dedicamos a El Polaco este Especial.
Manuel Giúdice: como volante, jogou por meia década no Huracán, sendo titular do elenco 3º colocado de 1939 (ano em que chegara, vindo do futebol cordobês, onde fizera nome no General Paz Juniors) vencedor das Copas Adrián Escobar de 1942, 1943 e da Copa Británica de 1944, trampolim para figurar no recordado timaço apelidado de La Máquina que o River teve no restante dos anos 40. Como treinador, El Colorado (era ruivo antes de ficar calvo e grisalho) foi o técnico das primeiras Libertadores do Independiente e do futebol argentino, no bicampeonato de 1964-65 do time de Avellaneda. Foi o cartaz para treinar o primeiro título do Vélez na primeira divisão, em 1968. Já dedicamos este Especial a Giúdice, raríssimo campeão com a dupla.
Osvaldo Zubeldía: descoberto em sua Junín natal pelo Vélez, foi um meia-atacante efetivo entre 1949 e 1955, tendo como ponto alto o vice-campeonato em 1953 – a melhor campanha velezana até o inédito título em 1968. Seu técnico era o mencionado Spinetto, responsável por um jogo cerebral vital para as ideias do futuro Zubeldía treinador, mais preocupado com resultados (ciente das próprias limitações contra o poderio dos gigantes) do que por jogar bonito. Mentalidade que ele, já técnico, tratou de repetir no seu Estudiantes tri da América nos anos 60, repassando as filosofias de Spinetto ao pupilo Carlos Bilardo, por sua vez entusiasta dela na malandra seleção argentina treinada por este nas Copas de 1986 e 1990. Zubeldía deixou em 1971 o Estudiantes, sentindo o fim de ciclo, para treinar o Huracán. Mas a irregularidade encerrou sua passagem com o torneio em andamento; o técnico huracanense já era César Menotti quando se deu aquela rodada final que tirou a taça do Vélez. Já dedicamos este Especial a Zubeldía, sem parentesco com o técnico são-paulino.
Daniel Willington: além da dupla Vélez e Huracán, também defendeu o Talleres, justamente o outro time no páreo pelo título em 2024. Embora nascido em Santa Fe, criou-se em Córdoba justamente porque seu pai, Atilio, fora contratado para jogar no Talleres. Prodígio, Daniel já estava na equipe B tallarin aos 14 anos de idade e aos 17 apareceu no time adulto, com direito a tripleta na estreia e imediato título provincial. Rapidamente despertou atenção de times portenhos, embora ainda seguisse em La T até o fim de 1961. Foi negociado diretamente com o Vélez e já em 1962 conseguia estrear pela seleção. Willington a defenderia até 1970, mas esporadicamente, sem nenhuma Copa do Mundo no currículo: era daqueles meias talentosos para o drible, armação, assistências e cadência por um lado… e, por outro, volta e meia criticados por irregularidades, rebeldia, lentidão, apatia, excessiva frieza e pouco esmero com a carreira profissional. Ainda assim, foi o maestro do primeiro título argentino do Vélez, em 1968. Saiu em 1971 para um pé de meia no México e foi repatriado com pompa pelo Huracán em 1972, sem se firmar por concorrer com Carlos Babington. Assim, em 1973 voltou ao Talleres para ser aquele reserva útil e experiente nas boas campanhas nacionais que o time fez em 1974, 1975 e 1976 e no hexa provincial seguido de 1974-79. Em 1996, o Diccionario Velezano já ressalvava que apenas Carlos Bianchi, em opinião de muitos, conseguia supera-lo em idolatria no Vélez, onde foi técnico também, em 1987. Também há quem aponte Willington como o máximo ícone tallarin. Já dedicamos este Especial a El Cordobés, técnico que foi campeão da 2ª divisão com o Talleres em 1994.
Carlos Zeballos: esteve longe de ter carreira de relevo, mas merece ser listado aqui por ser o único campeão em ambos na primeira divisão. Foi um zagueiro reserva no Vélez vencedor do Nacional de 1968, participando de cinco partidas, e jogou um joguinho pelo Huracán de 1973 – na 29ª rodada do Metropolitano.
Delém: talvez o brasileiro mais argentino da história. Radicou-se no país após anos servindo o River como jogador na década de 60 e, sobretudo, como treinador juvenil ao longo dos anos 90. Como técnico, obteve a maior sequência de vitórias que o Huracán já teve, as oito pelo Metropolitano de 1975, em que fez o Globo concorrer até a penúltima rodada com o próprio River pelo título. Mesmo vice-campeão, chegou credenciado ao Vélez para o segundo semestre de 1976. Mas, sem empolgar, logo deixou Liniers, demorando até o maradoniano Argentinos Jrs de 1979 para ter novo trabalho reconhecido na Argentina. Já dedicamos este Especial a Delém, o único brasileiro que já foi técnico de Maradona.
Jorge Sanabria: veloz centroavante formado no Excursionistas, reforçou em 1975 o Huracán, integrando o elenco vice do Metropolitano daquele ano e do de 1976. El Lulú foi o homem-gol da metade final de década, com 52 gritos em 134 partidas, virando ídolo mesmo sem títulos. Em 1979, passou rapidamente pelo futebol colombiano para no Metropolitano 1980 reforçar o Vélez. Com relativo destaque na Libertadores (marcou quatro gols em vitória por 5-2 sobre o Deportivo Chalaco), foi no segundo semestre cedido ao Independiente, em uma troca por Omar Larrosa. Também defenderia o Argentinos Jrs, antes da rivalidade deste clube com o Vélez se acender, e clubes de variados países – desde times zulus em pleno apartheid sul-africano até em zonas de guerrilha em El Salvador (!).
Omar Larrosa: prata-da-casa do Boca no final dos anos 60, nunca se firmou e estava no futebol da Guatemala quando o acaso o levou ao Huracán – apalavrado com o Gimnasia, fora ao Huracán apenas para visitar César Menotti, seu ex-colega de Boca, e acabou convencido a acertar com o Globo. Polifuncional como ponta ou meia-armador, acabou sendo o artilheiro do elenco campeão de 1973 após 45 anos, chegando à seleção. Menotti levou-o à Copa de 1978, altura em que Larrosa já defendia o Independiente, para ser o reserva de Osvaldo Ardiles: aproveitou para ser o melhor avaliado no 6-0 para cima do Peru e acabou premiado com participação na final. Trocado por Jorge Sanabria, esteve no Vélez somente para o Nacional de 1980, aportando quatro gols em 13 partidas. Curiosamente, também defendeu o San Lorenzo, sem evitar o rebaixamento em 1981. Ainda voltaria ao Huracán, como um dos técnicos que o time teve na segunda divisão. Já dedicamos este Especial a Larrosa.
Dante Sanabria: sem parentesco com Jorge, esse ponta-direita veio do Almagro para concluir sua formação no Huracán. Estreou em alto estilo no time adulto, marcando o gol da vitória em clássico com o San Lorenzo pelo Metropolitano de 1977. Seguiu um xodó no Globo (118 partidas, 46 gols, muitos deles no jogo aéreo) até o fim de 1980, reforçando na sequência o Vélez pelo biênio seguinte, deixando dez golzinhos em 38 jogos – trampolim para uma carreira no futebol espanhol.
Claudio García: torcedor huracanense desde a infância, formou-se no time do coração em 1980 como um ponta tão talentoso, carismático e raçudo como errático; tinha bola para ir à Copa de 1986 a ponto de ser convocado a treinos da seleção mesmo com o Huracán sofrendo em paralelo seu primeiro rebaixamento, mas o comportamento pesava contra. Precisando fazer caixa, o clube vendeu El Turco ao Vélez. Após duas temporadas razoáveis em Liniers (73 jogos e 17 gols), García iria a um Lyon de segunda divisão antes de virar um folclórico ídolo no Racing no início dos anos 90, obtendo certa continuidade na seleção até ser um dos nomes queimados pelo 5-0 da Colômbia em 1993. No fim da carreira (sem trocadilho, pois foi outro astro argentino atrapalhado pela cocaína), voltou em 1996 ao seu Huracán para jogar mais dois anos. Ao todo, foram 250 partidas e 50 gols.
Alfio Basile (e Carlos Babington): Basile fora xerife do Racing campeão do mundo em 1967 e veio já veterano ao Huracán, em 1971, prometendo solucionar o jejum que o clube passava. A promessa foi cumprida em 1973, com El Coco sendo protagonista em especial no segundo turno, quando o líder se desfalcou continuamente para a seleção e precisou controlar a gordura acumulada na liderança. Carlos Babington era um dos meia-armadores daquele timaço, indo à Copa do Mundo de 1974, e manteve a parceria com Basile após ambos pararem de jogar: El Inglés foi assistente de Basile em 1985 tanto no Vélez vice-campeão do Torneio Nacional em julho como no Racing que voltou em dezembro à primeira divisão após longos dois anos. Basile ainda trabalharia novamente no Vélez na temporada 1989-90, quando Babington já fazia voos solos: foi o técnico que desatolou em 1990 o Huracán da segunda divisão após quatro anos. Repetiu esse filme em 2000, um ano após o segundo rebaixamento huracanense. Mas sua desastrada presidência, que culminou em 2011 no quarto rebaixamento, o queimou para muitos em Parque de los Patricios. Já dedicamos este Especial e Basile (único a ter sido técnico de Maradona e de Messi) e e este outro a Babington.
Pedro Dellacha: um dos mais ásperos zagueiros dos anos 50, quando brilhou no Racing e como capitão da seleção em diversas Copas América, Don Pedro del Area foi um técnico ainda mais vitorioso. E desinibido em virar a casaca, pois já tinha trabalhado por Ferro Carril Oeste e San Lorenzo antes de defender seus respectivos rivais – e sido campeão da Libertadores 1972 justamente com o Independiente. Em 1974, seu Vélez, mesmo já sem o superartilheiro Carlos Bianchi, foi líder de seu grupo no Nacional e terminou em terceiro no octogonal final, tendo chances de título até a última rodada; com esse trabalho, Dellacha até voltaria ao Independiente para vencer em 1975 nova Libertadores. Em 1986, então, foi bombeiro requisitado pelo Huracán na fuga contra o rebaixamento. O time, que parecia condenado de antemão, deu um visível salto de resultados a ponto de só cair no último jogo possível, e nos pênaltis. Já dedicamos este Especial a Dellacha, raro campeão pelas duas forças de Avellaneda.
Julio Santella: um dos mais celebrados preparados físicos do futebol argentino. E pé-quentes também. Ex-jogador sem relevo nos anos 60, começou a nova carreira na seleção juvenil em 1972. Na nova profissão, se identificou bastante com o Vélez, com passos entre 1979-80, 1982-83 e 1984-85 até o filé mignon da Era Bianchi (1993-96). Em meio a esses ciclos, esteve com o San Lorenzo campeão da segunda divisão de 1982 (cujo treinador, Juan Carlos Lorenzo, foi trabalhar em 1983 no Vélez levando-o consigo) e em outras três campanhas de acesso à elite: no modesto Atlanta em 1983, também com Lorenzo; no do Racing em 1985 (sob o comando de Alfio Basile, que similarmente saíra do Vélez levando-o consigo…); e no do Huracán em 1990, por sua vez na comissão técnica de Carlos Babington, com quem convivera em 1985 tanto no Vélez como no Racing. Faria história com Bianchi também no Boca, nos anos 2000.
Claudio Cabrera: volante formado no River em 1982, não emplacou em Núñez. Após só 24 jogos, um gol e campanha digna de rebaixamento em 1983 (mas salva pelos promedios), floresceu a partir de 1984 no Huracán como um oásis de talento em meio à combinação de temporadas cujos promedios renderam o primeiro rebaixamento desse clube, em 1986. El Chacho inicialmente permaneceu para a segunda divisão, mas não tardou a ser contratado pelo Vélez, pelo qual chegou à seleção olímpica em tempos de mais proeminência desse significado – os Jogos de 1988 só barravam quem já houvesse entrado em campo em uma Copa do Mundo. Porém, naquele mesmo ano, uma infeliz ruptura nos joelhos brecou uma ascensão maior.
Claudio Morresi: talentoso volante figura do Huracán no início dos anos 80, com alto número de gols para a posição: 46 em 158 jogos. Com ele o Globo ainda deu espasmos de grandeza, sendo 6ºno Metropolitano 1982 e eliminado só nos pênaltis no Nacional 1984 para o futuro campeão Ferro Carril Oeste. O time não se recuperou, desabando sua pontuação na tabela de rebaixamento nos torneios seguintes. Morresi foi ao River na temporada 1985-86. Sem seu craque, o Huracán foi ali rebaixado pela primeira vez enquanto o volante era vice-artilheiro com 16 gols do título millonario. Mas a decadência chegou cedo, a ponto de ele ainda em 1986 passar à reserva na conquista da Libertadores e do Mundial Interclubes. Assim, foi ao Vélez em 1988, deixando dez golzinhos em 42 jogos ao longo de duas temporadas. Nos anos 2000, chegou a ser ministro argentino dos esportes.
Héctor Veira: raro nome a ter trabalhado no trio de ferro da capital, conseguiu proeza ainda maior de ser bem recordado nos três. El Bambino foi eleito em 2008 o maior nome dos primeiro centenário do San Lorenzo, onde teve diversas passagens como jogador e como técnico. Era daqueles meias talentosos cuja agitada vida noturna atrofiaram uma carreira que poderia ter rendido mais. Já visto como decadente, reforçar em 1970 o Huracán, dizendo em alto e bom som ser torcedor do clube por ser nativo do bairro de Parque de los Patricios. Teve uma nova juventude com ótima média de gols a ponto de ser incluído entre os cem maiores ídolos huracanenses na enciclopédia feita pelo Clarín para o centenário quemero, também em 2008. Contudo, ter saído justamente antes do torneio de 1973, ano em que revirou a casaca em uma volta ao San Lorenzo, custou-lhe a imortalidade no Globo. No Vélez, foi técnico no início dos anos 90, tendo o mérito de promover ao time adulto alguns pratas-da-casa decisivos na Era Bianchi. Uma condenação por estupro (jamais assumido por ele) de um menor encerrou em 1991 o ciclo de Veira em Liniers: passou dois anos na cadeia até ter as portas reabertas no San Lorenzo. Já dedicamos este Especial a ele, que também defendeu Palmeiras e Corinthians.
Humberto Váttimos: lateral-direito formado no Lanús, esteve no Vélez na temporada 1990-91, vindo justamente do Talleres. Embora o Fortín terminasse no pódio no Apertura 1990, Váttimos não teve em Liniers a continuidade vista nos clubes seguintes; seguiu carreira em tempos cascudos do Deportivo Mandiyú, no Huracán, no Platense e no Quilmes. No bairro de Parque de los Patricios, El Pipi era o capitão do time quase campeão argentino no Clausura 1994, ponto alto de sua estadia entre 1992-96 como huracanense.
Omar De Felippe: não teve tanta luz nos dois clubes, mas excepcionalmente merece um perfil. É o mais famoso nome do futebol argentino a ter lutado na Guerra das Malvinas, quando ainda era um anônimo volante dos juvenis do Huracán, valendo-lhe após a fama o apelido de El Soldado. Foi profissionalizado em 1983, ano seguinte à guerra, calhando de jogar nas tumultuadas temporadas cujos promedios acarretaram no primeiro rebaixamento – embora já estivesse no Cristal Caldas (que daria origem ao Once Caldas) no semestre em que o Globo caiu, em 1986. Chegou a regressar para a primeira temporada huracanense na segundona, mas só; quem mais se identificaria com a torcida seria Walter De Felippe, seu irmão caçula e presente no tardio acesso em 1990 enquanto Omar havia seguido carreira em times menores. Após parar de jogar, trabalhou nos juvenis do Huracán até peregrinar como auxiliar técnico do treinador Julio César Falcioni por diversos clubes. Foi nesse cargo que chegou pela primeira vez ao Vélez, na temporada 1998-99. Iniciou voo solo em 2009, firmando-se como um “rei do acesso”: ali conseguiu o título da segundona com o Olimpo; também devolveu à elite o Quilmes em 2012; e o Independiente em 2013, em luta direta justamente com o Huracán. Voltou ao Vélez no biênio 2016-17, sem êxitos como treinador. Em 2024, assumiu o Central Córdoba de Santiago del Estero… com o qual, na Copa Argentina, eliminou o Huracán nas semifinais para, na decisão, vencer o Vélez!
Marcelo Gómez: profissionalizado em 1991, começou como aquele volante meramente rústico até firmar-se como uma das colunas sobre as quais o Vélez estruturou os troféus da Era Bianchi; antigo reserva de Mancuso até este sair em 1992, El Negro até soube deixar para trás uma ou outra expulsão tola a ponto de ter um dos jogadores mais corretos do plantel campeão de tudo na década, inclusive cavando um joguinho pela seleção em 1995. Em 1998, reforçou o River e encheu o currículo com novos títulos argentinos, mas como reserva do ícone Leonardo Astrada. Ficou em Núñez até 2003, sendo emprestado ao Huracán para a temporada 2001-02, onde mal foi visto. De 2011 a 2018, integrou comissões técnicas do Vélez, chegando a ser treinador interino em 2017.
Roberto Pompei: formado no Vélez como ponta-esquerda, acabou no time adulto (onde estreou em 1990) mais aproveitado como meia-esquerda e por vezes como falso 9. El Tito custou a firmar-se, com só 55 jogos pela liga argentina ao longo de cinco anos; não participou de um joguinho na temporada 1991-92 e na seguinte foi emprestado ao Talleres de Escalada, acabando por se ausentar do redentor Clausura 1993 – que encerrou 25 anos de jejum do Fortín. Em 1994, sua transferência ao San Lorenzo chegou a ser aventada, mas permaneceu e foi premiado com a cobrança do pênalti que garantiu a Libertadores 1994 ao clube. Embora titular no Mundial, não ficou para 1995, vendido ao Racing. Passaria ainda por Boca, Estudiantes e Chacarita até defender o Huracán da coração, na segundona em 2005. Também foi treinador quemero, como bombeiro na luta em vão contra o rebaixamento em 2011.
Eduardo Domínguez: defensor profissionalizado no Apertura 1996 pelo Vélez quando os titulares se ocupavam com a Supercopa, calhou de se firmar já após o fim dos tempos dourados; não chegou a entrar em campo nem naquela Supercopa, nem na Recopa 1997 e nem no Clausura 1998, na sombra do irmão Federico Domínguez, ele próprio ainda uma opção de banco (campeão mundial sub-20 em 1995, só Fede serviria a seleção adulta, já em 2003); a polêmica saída do irmão acabou respingando em Eduardo, vaiado pela torcida até rumar em 2002 ao Olimpo, cujo treinador Julio César Falcioni o conhecia do Vélez. O Racing apostou em Eduardo para 2003, inspirado pelo sucesso colhido por Federico no rival Independiente campeão de 2002, mas lesões precoces fizeram com que La Academia não se importasse em cedê-lo ao próprio rival quando Falcioni assumiu o Rojo. A estadia racinguista, por sua vez, serviu para Ángel Cappa conhecê-lo; quando Cappa assumiu o Huracán, chamou Eduardo para dar voz de experiência aos jovens. Virou ícone quemero, como o remanescente do time de 2009 a saborear as alegrias de 2014. Em 2015, foi o iniciante treinador que levou o Globo ao vice na Sul-Americana. Dos tempos de Vélez, ficou o laço familiar com Carlos Bianchi, seu sogro, e parceria com Julio Santella: o filho deste, Pablo Santella, chegou a ser preparador físico das comissões técnicas de Domínguez.
Joaquín Larrivey: em 2008, pelos cem anos do Huracán, o Clarín publicou enciclopédia que elegeu cronologicamente os cem maiores ídolos do clube. Dos nomes aqui listados, incluiu Miguel Fontana, Pratto, Giúdice, Babington, Veira, Basile, Larrosa, os dois Sanabria, os três Claudios (García, Morresi e Cabrera)… e Larrivey, precisamente o centésimo. É que, dos cem, esse centroavante fora o último a aparecer no Globo, onde profissionalizou-se em 2004 em um time recém-rebaixado outra vez. Foi o artilheiro do acidentado acesso em 2007, além de marcar nos mata-matas finais com o Godoy Cruz o gol que sacramentou o retorno à primeira divisão; já estava vendido ao Cagliari e não titubeou em seguir se entregando na reta final da jornada, acumulando razoáveis 36 gols em 99 jogos. Tudo isso foi enfatizado na enciclopédia… que teve o problema de envelhecer mal muito rapidamente: a torcida quemera nunca perdoou sua falta de fair play no lance decisivo do Clausura 2009, quando Larrivey servia o Vélez tão a sério que entrou duro no goleiro Gastón Monzón. A seis minutos do fim, Maxi Moralez só teve o trabalho de aproveitar a sobra de bola e mandar às redes enquanto Monzón se contorcia à espera de uma pausa que nunca veio do apito de Héctor Brazenas. Larrivey só esteve naquele semestre como fortinero, com meros três golzinhos, sem precisar fazer mais nada…
Marcelo Barovero: esteve no Huracán na temporada 2007-08, quando o clube reestreou na elite após quatro anos. Após a temporada, reforçou o Vélez, embora não fosse ainda o goleiro titular naquele dramático Clausura 2009 sobre o próprio ex-clube. Em 2011, já era o dono da posição em novo título no Clausura (garantido em novo encontro com o Huracán) e na campanha semifinalista da Libertadores. Em 2012, El Trapito viraria um dos protagonistas da ascensão do River, deixando-o para um pé de meia no México em 2016 após ser as seguras mãos que guardaram o primeiro título argentino (desde 2008, no Torneio Final de 2014), o primeiro internacional (desde 1997, na Sul-Americana 2014) e a primeira Libertadores (desde 1996, em 2015) que vieram após a queda – além da primeira Recopa millonaria, também em 2015.
Rolando Zárate: terceiro irmão de uma dinastia relacionada sobretudo ao Vélez. O mais velho, El Ratón Sergio Zárate, já brilhava no clube como ponta no fim dos anos 80, chegou à seleção e foi reserva ilustre do time campeão em 1993. O segundo mais velho, El Chino Ariel Zárate, nunca foi além dos juvenis velezanos, mas soube ser jogador profissional em outros times. Roly Zárate foi profissionalizado em 1997 e chegou a ter uma honrosa passagem pela reserva do Real Madrid já em 1999. Em 2005, como goleador do Vélez campeão do Clausura (enquanto o caçula Mauro Zárate ainda buscava se firmar), chegou a também ter seus joguinhos pela seleção. Vendido em 2006 ao futebol mexicano, Roly já não era o mesmo quando voltou ao Vélez em 2009 (já depois daquele Clausura vencido para cima do Huracán, do qual assistiu das arquibancadas e opinou pela irregularidade do gol). Em 2010, cansado da falta de espaço “em casa” mas desejoso de seguir jogando em um time de Buenos Aires, aceitou reforçar um Huracán que já brigava contra o rebaixamento, consumado ao fim do Clausura 2011. Pendurou as chuteiras pouco depois, no ainda inexpressivo Defensa y Justicia. Continuou muito ligado ao Vélez a ponto de romper com o irmão Mauro quando este trocou-o pelo Boca em 2018.
Fernando Tobio: zagueiro profissionalizado em 2008 pelo Vélez, compôs o elenco campeão em 2009, mas sem entrar em campo; teve mais continuidade nos títulos seguintes da Era Gareca, o Clausura 2011 e (principalmente) o Torneio Inicial 2012, bem como a Superfinal de 2013 – a ponto de acompanhar o mestre quando Ricardo Gareca esteve de modo esquecível no Palmeiras em 2014. Sem se firmar no Verdão pós-Crefisa, foi sucessivamente emprestado (Boca, Rosario Central) até ser vendido em 2018 ao Toluca. Esquecido no Estudiantes, firmou-se no Huracán, seu clube desde 2022. Pode se tornar o segundo a vencer a elite argentina como fortinero e quemero. E o primeiro como titular em ambos.
Hernán de la Fuente: lateral-direito profissionalizado em 2017 pelo Vélez, seu clube até 2021. Em tempos de crise e até ligeira ameaça de rebaixamento, De la Fuente estava na seleção olímpica presente nos Jogos de Tóquio. Chegou ao Huracán em 2024 e logo adquiriu titularidade na campanha que vem brigando com o ex-clube por um título que já espera 51 anos.
O epílogo Talleres
Em 2009, o Huracán visitava o Vélez, mas tinha a vantagem do empate. Quinze anos depois, é o Vélez quem tem ambas as vantagens. Outra diferença é o Talleres na equação: o time de Córdoba tem os mesmos 48 pontos do Vélez e receberá o Newell’s. Embora tradicionalmente o futebol argentino programe jogos-extras em caso de empates na liderança, essa fórmula não está mais válida: o saldo de gols será o primeiro critério de desempate e ele é amplamente favorável ao Fortín, que tem saldo de 20 gols contra 9 dos cordobeses.
Desse modo, na prática o Vélez será campeão se vencer, independentemente do resultado do Talleres; e será campeão empatando desde que o Talleres no máximo também empate. Para ser campeão pela primeiríssima vez da primeira divisão, o Talleres precisa vencer e torcer no mínimo pelo empate na “final” Vélez-Huracán: se o Huracán (com 46 pontos) vencer, será o campeão caso o Talleres empate (ambos chegariam a 49 pontos, mas o saldo de gols huracanense está atualmente em 12) ou for derrotado pelo Newell’s. Uma vitória do Huracán não impedirá o título do Talleres se La T também vencer seu jogo.
Já listamos aqui elementos em comum entre os co-líderes Vélez e Talleres. Entre Huracán e Talleres, os dois times que se juntaram ao River para servirem de base à seleção campeã de 1978, os nomes de Daniel Willington, Alfio Basile (treinador tallarin na exitosa fuga contra o rebaixamento em 1983, embora seja mais lembrado naquelas redondezas pelos trabalhos na dupla secundária Instituto e Racing de Córdoba) e Humberto Váttimos se repetem; e merecem menções à parte os seguintes nomes abaixo:
Adolfo Pedernera: era o “falso 9” de La Máquina, célebre timaço do River nos anos 40. Considerado por Alfredo Di Stéfano como o maior jogador que vira, defendeu o Huracán no final da carreira e também chegou a treina-lo, mas sem deixar maior marca. No Talleres, trabalhou como técnico em 1975. Campeão cordobês (em tempos muito valorizados das ligas provinciais), obteve no Torneio Nacional o melhor aproveitamento de pontos de um técnico tallarin na primeira divisão. Já dedicamos este Especial a Pedernera.
Héctor Baley: talvez o mais famoso afro-argentino do futebol, El Chocolate foi goleiro reserva na Copa de 1978 como huracanense (sua condição entre 1976 e 1978) e na de 1982 como tallarin (sua condição entre 1981 e 1987). É o único que representou ambos na seleção. Vale ainda menção especial a Osvaldo Ardiles, seu colega de Huracán e seleção… e que defendeu La T em dois amistosos. Já dedicamos este Especial a Baley e este outro a Ardiles.
José Serrizuela: zagueiro da seleção na Copa do Mundo de 1990, El Tiburón defendeu como veterano ambos. Morno no Huracán em 1991, soube vencer com os cordobeses a segunda divisão de 1997-98. Já dedicamos este Especial a Serrizuela.
Diego Graieb e Rodolfo Graieb: irmãos gêmeos que foram campeões por ambos na segunda divisão. Foram profissionalizados pelo Talleres no primeiro semestre de 1994, a tempo de participarem do imediato título tallarin na Primera B de 1993-94 (o técnico era Daniel Willington e o acesso se garantiu contra o rival Instituto), um ano após o primeiro rebaixamento do clube. Vivenciaram o segundo rebaixamento alviazul, em 1997. O lateral-direito Rodolfo então reforçou o Huracán enquanto o atacante Diego seguiu em Córdoba para novo título imediato na segundona, em cima justamente do rival Belgrano, na Primera B de 1997-98. No Huracán, Rodolfo viveu gangorras: vivenciou o segundo e o terceiro rebaixamentos do clube, ao fim das temporada de 1998-99 e de 2002-03, assim como gradualmente tornou-se capitão, festejando o título imediato da segunda divisão de 1999-2000 (o técnico era Carlos Babington). Essa foi precisamente a única temporada de Diego no Globo, rendendo nova volta olímpica conjunta dos gêmeos – que tiveram momento de desespero naquela jornada, tendo um desmaiado Diego a experiência sensorial de quase-morte ao chocar-se com alguém do Banfield enquanto Rodolfo lhe suplicava que não partisse. Rodolfo ainda participaria ativamente do primeiro título argentino do Lanús, em 2007. Mereceram destaque neste Especial dedicado a árabe-argentinos, curiosamente uma colônia especialmente identificada com o Vélez.
Javier Pastore: revelado pelo Talleres e torcedor tallarin assumido, jogou pouco pelo time adulto, que o profissionalizou em 2007. Já em 2008 ele foi captado pelo Huracán para reger aquele recordado elenco de 2009, seu trampolim ao futebol europeu e à presença na Copa do Mundo de 2010.
Frank Kudelka: o atual técnico do Huracán havia passado pelo clube em 2014 e visa saldar uma dívida consigo mesmo. É que ele fazia um bom trabalho na Copa Argentina de 2013-14 ao mesmo tempo em que patinava na segunda divisão. Na Copa, classificou o Globo às semifinais, mas acabou demitido na atribulada luta pelo acesso. O sucessor Néstor Apuzzo conseguiria dar a volta olímpica na Copa e embalar o time a um acesso que parecia improvável. Kudelka logo refez-se no Talleres, vencendo a terceira divisão de 2015 e a segunda divisão já em 2016, recolocando-o na elite após doze anos. Como tallarin, foi eleito o melhor técnico argentino da temporada 2017-18. Voltou ao Huracán mais duas vezes, na temporada 2021-22 e nesse ano de 2024.
Originalmente publicado nos 25 anos, em 01/12/2019 - e revisto, atualizado e ampliado O ícone…
"Porque isto é algo mais do que uma simples partida, bastante maior do que uma…
As apostas no futebol estão em franco crescimento no Brasil, impulsionadas pelo aumento das casas…
A seleção de 1978 teve como principal celeiro o River Plate: foram cinco convocados e…
Originalmente publicada pelo aniversário de 60 anos, em 15-07-2014 Segundo diversos sites estrangeiros sobre origens…
Originalmente publicado em 12 de julho de 2021, focado na inédita artilharia de Messi em…
This website uses cookies.