Elementos em comum entre Corinthians e San Lorenzo

Herrera desajeitado no San Lorenzo e celebrando seu gol no jogo festivo em que o Corinthians se despediu da segundona em 2008, contra o Avaí

Dois dos últimos campeões da Libertadores se pegam logo mais no Nuevo Gasómetro. De cara, o que mais aproxima os dois foi exatamente o contexto desses títulos, um desafogo a ambos, que viam os demais grandes mais próximos todos já vencedores do torneio. O time do San Lorenzo e o time de São Jorge também sofreram um tempo com a falta de um estádio próprio, lacuna ainda não preenchida pelos azulgranas mais puristas, que torcem o nariz pelo fato do Nuevo Gasómetro não se situar no bairro de Boedo, reduto tradicional do clube do Papa – a ligação dos clubes com seus bairros é muito valorizada em Buenos Aires. Explicamos melhor neste outro Especial o romantismo em torno do Gasómetro original.

Corinthians e San Lorenzo também se aproximam no estereótipo do torcedor, ligado às classes mais populares; Boedo é um bairro do sul de Buenos Aires habitado em geral por trabalhadores de baixa qualificação, e o bairro de Flores, onde se encontra o Nuevo Gasómetro, é ainda mais humilde, com o estádio rodeado por uma favela. Héctor Veira, de quem falaremos abaixo, já brincou que “até o Rambo foi assaltado lá”. O rebaixamento que ambos viveram geraram comoções fortes também. O do San Lorenzo, em 1981, gera consequências até hoje: foi o primeiro grande a cair e para evitar que algo assim se repetisse a federação argentina implantou o famigerado sistema de rebaixamento por médias dos pontos das temporadas anteriores com a atual, os promedios.

A dupla não chega a ter um ídolo em comum. Aqueles que estão entre os maiores ídolos cuervos tendem a ter ser recordados por pouquíssimos no Parque São Jorge, e vice-versa. Vamos aos nomes:

O primeiro foi o goleiro Tuffy, já conhecido pelos Argentinos desde a primeira decisão entre os dois países na Copa América, na edição 1925. Tricampeão paulista entre 1928-30, chegou a Boedo em 1933 em um pacotão de brasileiros onde vingou apenas Petronilho de Brito (irmão de Waldemar de Brito, descobridor de Pelé), vindo do extinto Syrio. Também do Syrio vinha o volante Eugênio Vanni. João Ramon saiu da Portuguesa e Agostinho Teixeira, do extinto Estrela de Ouro.

Teixeira e Ramon até entraram nas estatísticas do vitorioso campeonato de 1933, mas, somados, só registraram três jogos; Tuffy e Vanni, nem isso, somando zero jogos ditos “oficiais”. Esses quatro ficaram basicamente relegados aos amistosos de pré-temporada e ao time B, também campeão naquele ano no torneio da categoria. Tuffy faleceria precocemente no fim de 1935 enquanto a passagem corintiana de Vanni se deu como técnico interino por cinco partidas em 1945. Nessa função, foi quem promoveu a estreia do ídolo alvinegro Cláudio.

Pôster dos campeões invictos de 1968 com o técnico Tim. Buttice é o goleiro e Veira (antes de passar a pintar os cabelos) é o último em pé antes do treinador brasileiro. O penúltimo agachado é o futuro ídolo botafoguense Fischer

O nome seguinte também foi brasileiro, o gaúcho João Mallmann, mais conhecido pelo apelido Parobé, referente ao nome de sua escola em Porto Alegre. Veio do Grêmio a São Paulo para defender inicialmente o Juventus no estadual de 1958 e atuaria ao lado de Pelé na famigerada seleção do exército. Em 1959, passou então ao Corinthians, mas não se firmou; seu clube seguinte já foi o modesto Aimoré, em volta ao Rio Grande do Sul.

O primeiro marcante no Ciclón foi mesmo Elba de Pádua Lima, o Tim. Fontes incertas (como este blog e este outro) aduzem que ele jogou uma única vez pelo Corinthians, em 1933, antes de estourar na Portuguesa Santista a ponto de ser um dos dois únicos jogadores usados pela seleção brasileira como atletas da Briosa. Já pelo Fluminense, ele posteriormente iria à Copa de 1938, na melhor participação mundial brasileira até então. Fez sucesso como técnico e seus êxitos na nova função não se limitaram às fronteiras: levou o Peru pela última vez a uma Copa, em 1982, e treinou o primeiro campeão profissional argentino invicto, o San Lorenzo de 1968, cujo elenco foi apelidado de Los Matadores por conta do feito. Saiba mais.

O goleiro titular daquele San Lorenzo de 1968 era Carlos Buttice, que já conhecia bem demais o Corinthians antes de ser contratado em 1973 junto ao Bahia. Ainda pelo San Lorenzo, em amistoso de 1969, ele se atreveu a pegar um pênalti “atômico” de Rivellino. O crucifixo que o goleiro usada por baixo da camisa acabou tatuado no peito pela força do impacto. Buttice chegara ao Sanloré em 1966, vindo justo do rival Huracán. Logo se firmou na titularidade. Mas em 1970 El Batman deixou a crise financeira do clube para acertar com o America-RJ, iniciando sua trajetória brasileira.

Gabava-se de ser o goleiro argentino que mais vezes enfrentou Pelé (quinze) e não ter sido vazado por ele em nenhuma. Três títulos estaduais seguidos no Bahia lhe trouxeram ao Corinthians em 1974. O clube já havia contado com estrangeiros, mas todos imigrantes crescidos no Brasil – Buttice foi o primeiro “100%” forasteiro no Timão. Poderia ter se eternizado se os alvinegros quebrassem o jejum que àquela altura chegava aos 20 anos, mas mesmo sem comprometer o arqueiro foi um dos crucificados pela traumática perda do estadual para o Palmeiras. Junto de Rivellino, por sinal. Ambos deixaram o Parque São Jorge em seguida e voltaram a se enfrentar na Copa Pelé em 1987, onde Riva era o líder dos brasileiros e Buttice, a surpreendente figura do título argentino em um mundial de veteranos festejado na época.

Outro daquele San Lorenzo era o meia-esquerda Héctor Veira,  tão talentoso quando displicente com as exigências físicas, pecado que comprometeu sua carreira. Artilheiro do Argentinão com apenas 18 anos, em 1964, El Bambino é um dos mais folclóricos personagens do futebol argentino, com direito a figurar em filme de John Wayne e jurar em entrevista em 2013 que trouxe de uma excursão no exterior os primeiros vinis dos Beatles trazidos a Buenos Aires. Antes do elenco virar Los Matadores, era Los Carasucias (“Os Cara-Sujas”), gíria para moleques dos quais ele liderava. Uma espécie de Meninos da Vila local, dentre os quais também o futuro ídolo flamenguista Narciso Doval.

Buttice (com Rivellino) e Veira no Corinthians: passagens breves e pouco marcantes positivamente

Veira já era reserva no título de 1968 e dois anos depois passou ao rival Huracán junto de outros Carasucias, o próprio Doval e Alberto Rendo. Chegou até a declarar que era torcedor do rival. Mas já em 1973 voltava ao San Lorenzo. E a partir dos anos 80, passaria diversas vezes como técnico do clube, o que lhe sedimentou de vez no coração cuervo a ponto de ser eleito no centenário do clube como o maior ídolo da história sanlorencista. A tal entrevista de 2013, por exemplo, foi feita à revista El Gráfico, que a realizou após uma votação entre leitores. Afinal, era para a edição que celebrava os 94 anos dessa tradicional revista esportiva argentina. Confira aqui.

Em tempos onde o San Lorenzo vivia pindaíba, sem estádio e com salários atrasados, Veira coordenou o time por um mísero ponto vice da elite em 1983 após ter acabado de voltar da segundona em 1982; os semifinalistas na Libertadores de 1988, melhor campanha nela até a do ano passado; e era quem dava ordens quando o time foi campeão em 1995, livrando-se de 21 anos de jejum na elite (veja sua emoção no vídeo abaixo, do gol do título). Algo parecido havia lhe escapado no Corinthians, que o contratou em 1976 quando Veira estava acertado justo com o Palmeiras. Não justificou a travessura do presidente Vicente Matheus e saiu em 1977, a poucos meses a da redentora campanha no Estadual.

A última passagem de Veira como técnico foi em 2006, chegando a treinar Germán Herrera. Herrera já havia passado pelo futebol brasileiro pelo Grêmio em 2005 e na época declarou à Placar sonhar com o prestígio alcançado no Brasil por Carlitos Tévez, seu ex-colega no mundial sub-20 de 2003. No San Lorenzo, demonstrou seu característico esforço mas não empolgou, conforme seu verbete no Diccionario Azulgrana. Mas em 2008 ele voltou ao Brasil com a chance de ser um “miniTévez” na campanha que tirou o Corinthians da segunda divisão. Passaria outra vez por Grêmio e depois pelo Botafogo.

No geral, o Corinthians tem mais vitórias nos confrontos contra o San Lorenzo, mas os argentinos levam a vantagem em partidas não-amistosas. Eis os resultados: 1-1 em 1969, 0-0 em 1970, 3-1 para o Corinthians em 1971, 0-0 em 1974, 1-0 para o Corinthians em 1975 (todos amistosos), dois 2-1 para o San Lorenzo nas quartas-de-final da Copa Mercosul de 1999, um 2-1 para o Corinthians no jogo de ida das semifinais da Copa Mercosul de 2001 e um 4-1 para o San Lorenzo no jogo da volta. Leandro Romagnoli, ainda hoje no Ciclón (adiante, campeão internacional pela primeira vez), estava na ocasião.

Já realizamos diversos especiais do San Lorenzo com outros clubes brasileiros:

*Elementos em comum entre Botafogo e San Lorenzo

*Elementos em comum entre Grêmio e San Lorenzo

*Elementos em comum entre Cruzeiro e San Lorenzo

E também já listamos quem passou por Corinthians e Boca Juniors: clique aqui.

httpv://www.youtube.com/watch?v=dfZVqXNvCsE

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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