De uma hora a outra Pizzi se mandou para o Valência e deixou o San Lorenzo na mão. Juan Antonio tivera o mérito de dar encaixe a uma equipe formada pelos melhores reforços entre os clubes da Argentina. O feito não fora qualquer coisa, pois nenhum outro técnico conseguira a mesma coisa antes. Com a “fuga” de Pizzi para a Espanha, a direção do Ciclón precisava de um nome para dirigir a equipe na Libertadores e precisava considerar a atitude de ex-treinador na hora de escolher o novo. Elegeram Edgardo Bauza, o comandante da LDU, em 2008, time que mandou para casa as expectativas cuervas justamente na Libertadores daquele ano. Uma nova mentalidade chegaria a Boedo juntamente com o Patón.
O ano de 2008 reservava grandes expectativas para a torcida do San Lorenzo. Na ocasião, o Ciclón retornava à competição, após a humilhação de 2005, quando ficara em último lugar num grupo que reunia Chivas Guadalajara, Once Caldas e Cobreloa. A equipe argentina ficaria em último lugar e seria expulsa da Libertadores sem levar o gostinho da vitória à sua torcida. Já em 2008, o cenário era diferente. Após ficar em segundo lugar no Grupo I, o Ciclón atropelou o River nas oitavas e se perfilou como candidato ao caneco da competição. Foi aí que apareceu a LDU, então dirigida por “Patón” Bauza.
Na ocasião, o atual presidente, Matías Lammnes tinha 27 anos e se somava aos fanáticos torcedores que registravam no peito um histórico de frustrações com o time. Dois anos depois, o jovem advogado chegaria à presidência do clube. A partir de então, juntamente com o empresário Marcelo Tinelli, Lammens iniciaria uma gestão milagrosa e que salvaria um clube que estava à beira da falência institucional. Soluções foram apresentadas para todos os problemas, inclusive o da montagem de um time competitivo. Embora ótimos atletas chegassem, nenhum técnico dava certo. Pelo cargo passaram sete nomes de peso, incluindo Simeone, Turco Asad e Miguel Ángel Tojo. Finalmente Juan Antonio Pizzi apareceu e conseguiu o encaixe. Um time se formou e levou o Ciclón às conquistas do Torneio Inicial e do vice da Copa Argentina de 2013.
Por causa disso, foi uma grande surpresa no clube, quando o treinador aceitou o convite do Valência e sequer comunicou aos dirigentes que estava partindo. Não demorou muito para que os cartolas apresentassem justamente o treinador que havia eliminado o Ciclón de sua última Libertadores. Bauza chegou com status de copero. Desde os primeiros instantes recebeu carta branca para impor seu estilo rigoroso e reflexivo. Sua chegada teve muito a ver com a saída do antigo treinador. Lammens sabia da fidelidade do Patón aos clubes que o empregam. Por isso a aposta foi total, assim como a confiança e o apoio.
A chegada de um técnico diferente e estranho aos olhos de muitos
Na data de 06/01/2014, o Patón foi oficialmente apresentado como o novo comandante. Fontes ligadas à cobertura do clube dizem que um pouco antes, assim que aceitara o convite, o treinador fora perguntado sobre o elenco e se ele precisaria de reforços. “Reforços, talvez, mas essa não é a questão principal. O verdadeiro problema é que esse time não está pronto”. O Patón se referia às disputas da Libertadores. Para ele, ter vencido o Torneio local não significava muita coisa. Emocionalmente a equipe não tinha casca grossa para aguentar a principal competição continental. Ele não fazia questão de novos atletas, mas exigia que os cartolas o apoiassem, quando aparecessem as primeiras insatisfações. Com carta branca, se mandou com o elenco para uma dura pré-temporada em Los Cardales.
Já na reunião, no hotel, em Los Cardales, o treinador surpreendeu o elenco com a sua personalidade e o seu profundo conhecimento de futebol. Além disso, impressionou o fato de que sabia da condição de vários atletas apenas ao vê-los se movimentar. Começou a falar em fidelidade e os benefícios da adesão de cada jogador à equipe. Não sabemos se foi o caso, mas a manutenção do goleiro José Ceballos no arco da LDU, na Libertadores/2008, pode ter sido um exemplo oferecido ao elenco cuervo. Ceballos tinha 38 anos e era profundamente questionado no país pela sua irregularidade e veteranice. Só que foi um dos homens que ajudou o treinador a encucar no elenco a filosofia Bauza. Em troca ganhou a necessária confiança para se tornar o herói da equipe no jogo final, contra o Flu.
Bauza não falava em Deus e não apelava àquela conversa-fiada que quase todos os jogadores entendem bem. A conversa era outra e versava sobre fidelidade atrelada ao sucesso como jogador de futebol. Além disso, utilizava-se de exemplos dentro do próprio mundo do futebol. O treinador é um estudioso de mão cheia; pessoa capaz de escalar de cor vários times históricos do futebol mundial. Ler e debater sobre filósofos gregos e romancistas modernos, que o mundo do futebol sequer desconfia que possam existir. Porém, diante dos jogadores, os exemplos versavam sobre o próprio esporte. Quando um deles não entendia, o técnico procurava simular uma situação de jogo que materializasse o seu pensamento. O próprio Villalba, um dos mais alheios à ideia de time, disse, após o título, que “Bauza modificou completamente a minha cabeça e a maneira como ver as coisas dentro de campo”.
Todavia, assim que começaram os trabalhos de pré-temporada, a insatisfação começou. No primeiro treino, Bauza teria corrigido a posição de Romagnoli e de Piatti por diversas vezes. Em outras situações, colocava um ou dois atletas fugindo sem a marcação principalmente do “Pipi”. Além disso, chegou a sacar Emamanuel Mas da equipe porque o jogador não entendia que precisava ser um defensor, antes de ser um atacante. Na origem de sua visão, os atletas precisam entender e executar as funções típicas de suas posições. Cada um há de se plantar no setor do campo previamente definido e se entregar a esse papel à maneira que um ator se entrega às personagens que representa. Esqueçam que Bauza tenha citado o teatro para os seus atletas, mas por certo que seu pensamento estava permeado por isso quando “educava” o seu elenco.
Curiosamente foi Romagnoli quem liderou uma rebeldia, logo abafada de forma impiedosa. Numa certa manhã, o técnico chegou ao balão do meio-campo e se deparou com os jogadores reunidos e dispostos a abandonarem “o sofrimento”. Ele chegou ao local e teria dito sobretudo a Romagnoli: “deseja ir embora? Tudo bem, está vendo aquele ônibus estacionado ali? Pois bem ele está te esperando, veio para cá apenas para levá-lo de volta a Buenos Aires”. O técnico havia previsto a rebelião e se preparado para ela.
Começa a Libertadores e nada do Estilo Bauza
Contudo, o estilo do treinador demorou para pegar. Em alguns momentos, os atletas se rebelavam em campo; em outros tentavam fazer o que o técnico pedia, mas sem entender bem do assunto. Eles pensavam que o técnico os queriam somente como jogadores plantados em suas posições e de maneira sempre fixa. A questão não era essa, mas a seguinte: primeiro, um lateral precisa entender o que é ser um lateral e executar bem essa função; depois, convém que ele vire um atacante, se for o caso e a necessidade da equipe. Isto parece simples, mas decodificá-lo para o elenco foi desesperador para o técnico em tão pouco tempo.
A situação no Torneio Final não era das melhores. A equipe perdia pontos e via seus rivais se distanciando na frente. Em vários momentos, torcedores e sócios fanáticos exigiram a cabeça do treinador. Jamais Lammens e Tinelli o deixaram de apoiar. Desde jogadores a quaisquer personalidades ligadas ao clube não interferiam nesta decisão dos cartolas. Quanto ao elenco, o técnico sempre dizia: “fui contratado para ser campeão da Libertadores. E será isto que vai acontecer”. À esta altura, o elenco já estava com o técnico, embora o estilo Bauza não tivesse surtido o efeito necessário.
Esta situação seguiria nos primeiros confrontos da Libertadores e entraria em campo em partidas como a derrota para o Botafogo e Unión Española. Porém, quando o precipício se aproximava, finalmente os jogadores entenderam do que falava o seu treinador. A partir daí, um novo San Lorenzo surgiu. O Botafogo foi sua primeira vítima, mas Grêmio e Cruzeiro também se deparariam com uma equipe que se não era brilhante dentro de campo, acreditava piamente que se fizesse a sua parte a sorte trataria de também colaborar, fazendo a dela.
Após se adaptar ao elenco azulgraná, Bauza adotou o 4-4-2 para a maioria das partidas. Mas voltou ao seu esquema preferido em alguns embates, o 3-5-2. “Em La Paz, vamos modificar novamente o esquema”, disse o comandante. Foi a campo com um 4-3-1-1, consagrando o retorno de Romagnoli, homenageado por ele por sua conduta de amor ao clube e obediência finalmente irrestrita ao treinador. Na ocasião, “el Pipi” ficou mais adiantado, enquanto Piatti praticamente recuava e fazia uma trinca de volante, com Ortigoza e Mercier.
No fim das contas, o San Lorenzo sagrou-se campeão com alguns triunfos parecidos com os da LDU, em 2008. Na ocasião, o conjunto andino precisou de várias decisões por pênaltis. O Ciclón era mais time e se valeu desta prerrogativa, embora somente diante do Grêmio. Embora não tenha vencido nenhuma partida como visitante, também não perdeu nenhuma diante de seus torcedores. Era nítido o quanto o novo técnico sabia integrar a experiência de alguns jogadores com a jovialidade de outros. E o resultado foi o sonhado título, no final da competição.
Edgardo Bauza seguirá no comando do San Lorenzo até dezembro, quando a equipe de Boedo irá ao Marrocos para disputar a Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Depois disso, se deixará seduzir por propostas e desafios relevantes à sua vitoriosa carreira de treinador de futebol. Estará aberto a propostas, só que a quaisquer contatos prévios deixará claro, aos dirigentes que se metam com a vida administrativa do clube, que o deixem em paz para comandar o futebol. Desta forma, o técnico bi-campeão da Libertadores de América se faz contraindicado à maioria dos clubes brasileiros. Infelizmente.
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