Algumas fontes falam em 21 de janeiro, mas, baseados neste cartão de imigração, ficamos com a versão de que Edgardo Noberto Andrada nasceu em 2 de janeiro de 1939 – o filho de Juan Andrada e Eva Bitura faz, portanto, 80 anos hoje. El Gato atravessou décadas lembrado como “o goleiro do gol mil de Pelé”. O que não deixava de ser uma injustiça. Deixou ensinamentos no Brasil e, mesmo sobre aquela partida específica, a revista Placar enxergou-lhe sob outro prisma em 1976: “quase pegou o pênalti. Fez defesas que maravilharam o Maracanã e deixaram Pelé com os nervos à flor da pele. Naquela noite de Maracanã em festa, Andrada dava a impressão de ser invencível. Ele deu uma grandeza excepcional ao gol 1.000 de Pelé. Este é o seu mérito, grande mérito”. Hoje, porém, já não goza do privilégio de ser lembrado só pelo lance.
Na mesma matéria de 1976, Andrada contrapunha a escola argentina com o que ocorria no Brasil, onde goleiros surgiam entre aqueles que não davam certo jogando na linha: “na Argentina, se o menino revela condições para goleiro, merece treinamentos especiais. No futebol moderno só existem duas posições: a de goleiro e o resto, pois os que jogam fora do gol tanto têm de defender como atacar. Fica difícil conseguir um goleiro que preste. Com 20 anos ou mais é quase impossível corrigir os defeitos que eles trazem”, criticando 40 anos antes de Guardiola “a história de que a obrigação do goleiro é apenas impedir que a bola entre. Desde cedo o goleiro precisa aprender a distribuir a bola, sair jogando com os pés ou as mãos”. Foi nessa escola que o rosarino Andrada se formou na virada dos anos 50 para os 60, nos juvenis do Rosario Central, após largar o basquete e a arquitetura. Foi promovido ao time canalla principal em 1960 e de cara não se deu bem: naquele ano, foi surrado por 11-3 pelo Racing, até hoje a derrota auriazul mais elástica.
Ainda assim, o time teve um razoável 8º lugar enquanto via o rival Newell’s ser pela única vez rebaixado. Em 1961, um sinal de que os gols sofridos não necessariamente eram culpa daquele goleiro: o Central teve a pior defesa do campeonato e, se ficou em 13º ao invés da lanterna (a 16ª posição), talvez devesse agradecer ao Gato. Afinal, em 12 de outubro ele estreou pela Argentina, em 5-1 amistoso sobre o Paraguai – ainda que aparecesse tarde demais por um lugar na Copa do Mundo. Em 1962, os rosarinos já foram alçados a um 5º lugar e Andrada reapareceu na Albiceleste em novembro, ganhando contra o Chile (bronze mundial) o troféu binacional Copa Dittborn, com o 1-1 em Santiago seguido de 1-0 em Buenos Aires. Seguiu no arco da Argentina ao longo de 1963: em março, disputou a Copa América (pegando pênalti contra a anfitriã e campeã Bolívia, embora não impedisse a derrota de 3-2) e, em abril, a Copa Roca. Os dois jogos dela foram no Brasil, e contra os bicampeões mundiais os hermanos começaram ganhando por 3-2, com o Jornal dos Sports registrando que “fez defesas portentosas, causando sensação pelos voos nas bolas mais difíceis”.
No segundo jogo, Andrada pouco pôde fazer: o Brasil, premiado com dois gols de pênalti, venceu por 5-2. Dali até 1965 o Rosario Central fez campanhas medianas, não passando do 10º lugar, enquanto o gol da Argentina passava a ser revezado entre Amadeo Carrizo, tido como maior goleiro que o país já teve, e Antonio Roma, o jogador do Boca mais vezes utilizado pela seleção. Ainda assim, Andrada foi reconhecido em capa da revista El Gráfico no início de 1966 pelos cinco anos sem faltar em uma única partida do clube. Ela foi azarada: ele teria ido à Copa do Mundo como reserva, mas fraturou um dedo em choque com Roberto Perfumo em treinamento e terminou cortado nas vésperas do torneio (em 1º de junho, ainda estava em campo na vitória de 1-0 do Central em amistoso com a Fiorentina). Quando regressou, veio com tudo: o Central esteve a um ponto das semifinais do Metropolitano de 1967 e venceu as cinco primeiras rodadas do Nacional, onde terminou em 4º, a posição mais alta que o clube conseguiu até então no campeonato argentino.
Assim, Andrada, sem defender desde 1963 a Argentina, reapareceu em 1968. Embora os concorrentes Agustín Cejas e Miguel Santoro já houvessem vencido a Libertadores pela dupla Racing e Independiente, era sobre El Gato a impressão geral de quem tomaria a posição no ciclo para a próxima Copa. Foram seis jogos oficiais em 1968 (incluindo um 4-0 no Chile em nova Copa Dittborn, em Rosario, além de 1-0 na Polônia, em que pegou pênalti de Kazimierz Deyna) e cinco não-oficiais, contra clubes e combinados. Em paralelo, ele e o Central repetiram o bom desempenho nos torneios domésticos: os canallas ficaram uma posição das semis do Metropolitano e tiveram chances de título até a penúltima rodada do Nacional, onde repetiram a 4ª colocação. Assim, em 1969 Andrada atuou mais três vezes pela Argentina, até abril: em vitória não-oficial de 4-0 sobre o clube Bolívar, na altitude de La Paz, e dois empates amistosos com o Paraguai. Contando só os jogos oficiais, já era o segundo jogador mais vezes cedido pelo Central à seleção (vinte), abaixo só de Harry Hayes, o maior artilheiro do clube; depois, seria superado também por Mario Kempes. Nada mal…
Porém, em tempos em que era comum jogadores preferirem se afastar das desorganizações da AFA, o goleiro não titubeou em aceitar proposta do Vasco, ainda que isso significasse sua ausência de uma possível Copa no México (na época não se convocava quem jogava fora do país), para a qual os hermanos terminaram desclassificados ainda nas eliminatórias. A compra dos cariocas fora avalizada por dois brasileiros que lhe conheciam por terem trabalhado na Argentina naquela década: o defensor Orlando Peçanha, ex-vascaíno ídolo no Boca, e o técnico Tim, campeão invicto com o San Lorenzo em 1968. As descrições da época tratam o argentino como um Martín Silva daqueles tempos no sentido de goleiro dedicado que salvava o clube de resultados piores: sua estreia vascaína foi em derrota de 3-0 para o Flamengo pelo Estadual, onde o clube ficou em último entre os quatro grandes. No Nacional, cenário do gol mil, veio a lanterna no seu grupo. Reconhecido por não ter vaidades e estrelismo, Andrada enfim foi laureado no Estadual de 1970.
O Vasco sofria seu pior jejum, doze anos. Mesmo nas derrotas, o goleiro era poupado de críticas, até nos clássicos – no primeiro turno, contra o Fluminense (1-1), o gol adversário só saiu em lance chorado de bate-rebate entre ele, Mickey e a trave; “a forma do goleiro vascaíno é excelente. No jogo com o Botafogo (0-0), Andrada fez, pelo menos, duas defesas excepcionais”, enalteceu o Jornal dos Sports, que, sobre a derrota de 3-1 para o America, frisou que o argentino foi “depois de Silva, o melhor do time. Não teve culpa em nenhum dos gols e ainda impediu um gol certo de Tarciso, que foi obrigado a encobri-lo e acabou chutando sobre a trave”. Contra o Flamengo (1-0), “foi perfeito, quer nas defesas, quer na distribuição do jogo”. Voltou a se destacar contra o Flamengo no segundo turno, ao ser avaliado com nota 9 “pela colocação perfeita em todos os lances, pelas saídas de gol precisas e, principalmente, pela noção exata de como fazer as defesas num campo ingrato para goleiro”. Porém, em anticlímax, El Gato precisou ausentar-se exatamente do jogo do título, contra o Botafogo, após lesionar-se em treino. Demorou um bom tempo para recuperar-se, pois inicialmente não detectaram que sofrera fissura no joelho.
As idas e vindas ao departamento médico geraram até desconfiança de que o gringo estaria de chinelinho, com ele vociferando por “respeito” em nota de março de 1971 à Placar. A resposta se daria no Brasileirão, realizado no segundo semestre. Em setembro, a Placar já mostrava alguns ensinamentos do argentino que hoje parecem basilares, como a defesa de mão trocada (normalmente a mais alta no lance, enfatizava), ou não abrir demais as pernas, hábito que via em Leão e que seria prejudicial na hora de saltar; e declarações do treinador de goleiros da seleção brasileira elogiando os aprendizados que trocava com Andrada. Em outubro, ele já estampava com o paraguaio flamenguista Reyes uma capa da revista uniformizados pela seleção brasileira, com ambos prestes a poderem se naturalizar. Era um anseio de leitores do Jornal do Brasil: “não há melhor goleiro que o Andrada. Peço também ao Ministro Jarbas Passarinho que o naturalize o mais rápido possível”, escreveu Frederico Carneiro Fernandes; “depois da brilhante conquista no México, o Brasil pretende dormir nos louros da vitória? O que estão esperando? Não querem levar a Taça Independência de barbada? Andrada é meio time. E o povo brasileiro espera vê-lo em ação”, expressou Márcio Bicalho Lage.
As avaliações seguiam essa constante: mesmo quando o Vasco perdia, o argentino era inocentado, como em um elástico 3-0 para a Portuguesa: “num time em que teve vários erros durante todo o jogo, foi o menos culpado. Os três gols que levou não tinham a mínima possibilidade de defesa”, registrou o JS. Após o 0-0 com o Flamengo, o técnico rival Paulo Henrique lamentou que “se não fosse o Andrada, coitado do Vasco. Tivemos melhores oportunidades de gol, mas o Andrada estava com a cachorra. Como pegou”, havendo relatos de que os próprios adversários rumaram a ele para parabeniza-lo ao fim do clássico. Em outra partida ainda vendida como clássico, empatada em 2-2 com o America, o craque Edu-irmão-de-Zico foi na mesma linha: “Andrada é um excelente goleiro que chega até a fazer milagres. Como posso garantir que vou marcar um gol, sabendo que o goleiro deles é o Andrada?”. Em um reencontro com o Santos, “foi uma muralha na frente de Pelé” e salvou ao menos um lance, do outro Edu, “em cima da linha”.
O Vasco avançou ao quadrangular-semifinal, mas só o líder (o futuro campeão Atlético) avançava. Em outra derrota de 3-0, para o Inter naquela fase, o gringo voltou a ser absolvido, vítima de um gol contra no 1-0 e de um “sem chance de defesa” no 2-0. Já sem chances de classificação, perdeu na rodada final por 4-0 para o Santos. O time encerrou 1971 com amistoso com o Grêmio Maringá dias depois, com o Jornal dos Sports assinalando que “nem mesmo a goleada imposta pelo Santos na despedida do Campeonato Nacional abalou o prestígio de Andrada perante a torcida paranaense. Ele foi o jogador mais procurado pelos torcedores ontem, durante a chegada da delegação do Vasco a Maringá”. O argentino, de fato, terminou o ano premiado com a Bola de Prata da Placar para melhor goleiro do Brasileirão (foi o primeiro argentino contemplado com o prêmio, e o segundo estrangeiro, atrás do citado Reyes), e em eleição similar do Jornal dos Sports ele também foi eleito o melhor goleiro do Rio e o melhor do Brasil. Seu contrato com o Vasco se encerraria em breve. Chegou a brincar com colegas de que iria de férias à Argentina para não mais voltar, sendo repreendido por Moisés: “que é isso, gringo? Volta logo que você é a garantia de bicho certo”, registrou o JS.
Os leitores, ou melhor, leitoras, eram uníssonas nas cartas ao Jornal dos Sports: “termina este mês o contrato de Andrada e os dirigentes do Vasco parecem achar alto o que Andrada está pedindo. Olha, o Andrada é fora de série e o que ele pedir ainda é pouco por tudo que ele fez pelo nosso Vasco. Ele é a tranquilidade do nosso time. Por favor, façam o maior sacrifício, mas aceitem o que Andrada pedir”, escreveu Maria Nazaré de Sousa, enquanto uma identificada apenas como Solange deixou o “apelo para que os dirigentes do Vasco da Gama para que renovem o contrato do maior goleiro do Brasil, que é o Andrada. Onde já se viu dizer que não tem dinheiro? Onde está o dinheiro que nós, torcedores, levamos ao Mário Filho, prestigiando nosso clube? Vocês não reconhecem que a única força do Vasco é o Andrada?”. Uma das insatisfações do gringo registradas na época no JS permanece atual, aliás: “explica o goleiro que no Brasil o técnico é um homem muito pouco prestigiado pelas diretorias e que ‘está farto de ver as cabeças rolarem’. Andrada acha que a medida mais certa não é esta, porque o trabalho de um técnico brasileiro nunca é calcado num clima de tranquilidade e segurança. ‘É impossível realizar-se um trabalho de profundidade’. O técnico, segundo Andrada, é tido como o salvador da pátria e seu trabalho tem que surtir efeito a curto prazo, senão está despedido”.
O argentino, como se sabe, ficou. Embora já não voltasse a ganhar o Estadual, nem fosse empregado pela seleção brasileira, soube destacar-se internacionalmente: só nos pênaltis o Barcelona bateu o Vasco pelo Troféu Joan Gamper de 1972, com o argentino pegando outro pênalti ainda no tempo normal – na verdade, na prorrogação, e no minuto final. Em 1973, defendeu o Resto do Mundo na partida de despedida de Garrincha pelo Brasil. E continuava, à revista Placar, a deixar ensinamentos que permanecem atuais, ainda que Willy Caballero possa não saber: “aprendi muito com Amadeo Carrizo, que foi o maior goleiro que já vi atuar. A reposição da bola em jogo foi uma das coisas que vi o Carrizo fazer com perfeição. Acho que o goleiro é o início de qualquer jogada; então, por que vou dar um balão para frente e dar uma chance ao adversário, que está de frente para a bola, muito melhor colocado do que um companheiro? Prefiro praticar o chute, até ter certeza de que vou colocar a bola nos pés de um companheiro, a qualquer distância que ele se encontre”.
Quando começou o Brasileirão de 1974, o argentino seguia visto como um oásis de um time inicialmente desacreditado ao título que viria a obter: “entra ano e sai ano, e o Vasco continua na mesma: com um monte de cabeças-de-bagre. Chego a ficar triste quando converso com meu pai sobre o Vasco do passado. Hoje, o que se vê são os Alfinete, Bill, Zanata, Carvoeiro (esse, então, é o fim) e outros. No fim, quem se salva é só mesmo o Andrada e um pouco o Luís Carlos, porque o resto pode ser juntado num caixote e jogado ao mar”, cornetou o torcedor Jackson Benayon ao Jornal do Sports. Pouco a pouco, o Vasco foi se aprimorando, resguardado pelo gringo. O clube superou o calor paraense para derrotar o Remo por 2-1 e dali Andrada passou quatro jogos seguidos sem sofrer gols, incluindo o jogo seguinte, também em Belém (0-0 com o Paysandu) e um clássico com o Botafogo – em que, segundo o JS, “fez um punhado de defesas sensacionais. Foi uma das grandes figuras da partida. A defesa que fez no primeiro tempo, em chute de Nilson, não existe em gibi nenhum. Penetrou livre e tinha tudo para marcar. O chute foi violento e à queima-roupa, mas Andrada saiu no tempo exato e pôde desviar à córner, abafando o grito de gol da torcida alvinegra”.
A sina seguiu: quando Andrada sofria gol, atribuía-se ao acaso, como o montinho artilheiro na derrota de 2-1 para o Fluminense; a colegas, com a falha no gol do Olaria (1-1) atribuída a Joel; ou ao total mérito do adversário, com o Jornal dos Sports cravando que “não pôde fazer nada” no 2-0 sofrido para o Sampaio Corrêa no Maranhão. Até quando ele verdadeiramente falhava, ao revidar desnecessariamente uma falta de Luisinho Lemos, resultado na expulsão contra o America, que venceu por 1-0, havia quem preferisse criticar o rigor excessivo do juiz e enaltecesse sua postura com o reserva Carlos Henrique. Este mesmo declarou: “Andrada é um bom professor. Sente prazer em transmitir para seus companheiros sua técnica e experiência. Para ele, todos os goleiros merecem a mesma oportunidade e jamais desmereceu qualquer companheiro. Aprendi muito e vou aprender muito mais com suas lições”, tendo ouvido à beira do gramado do argentino: “não fique preocupado, porque você tem qualidades e está à altura de garantir a posição. Não procure inventar, jogue aquilo que você aprendeu”.
De volta ao time após a suspensão automática, fechou o gol contra o Grêmio no Olímpico. O Tricolor só venceu aos 44 do segundo tempo e com gol de rebote, em 1-0 que não fez jus ao domínio gaúcho: “não conseguimos um resultado mais tranquilo porque Andrada é um goleiro extraordinário e evitou pelo menos uns quatro gols que, contra outro arqueiro, talvez tivessem sido marcados”, elogiou o técnico gremista Sérgio Moacir Torres ao Jornal dos Sports, cujo cronista Ruy Porto escreveu: “domingo lá em Porto Alegre olhava para este ‘gringo’ Andrada fazer o diabo contra o Grêmio. E quando Andrada salvava o Vasco de uma goleada, espichava meu pensamento pera Cejas (pois ambos são brasileiros por naturalização). Então chegou a segunda-feira e Leão foi infeliz. Isso acontece por que não se duvida do goleiro bicampeão; mas Wendell se machucou, Renato não justifica ter sido chamado por que não lhe foi dada uma chance em 12 jogos e Félix, Andrada, Cejas, Valdir, Zecão e outros estão na ‘ponta dos cascos’.”
Comentando a nota de Ruy Porto, uma leitora, Maria Madalena Carvalho, lamentou: “é claro que estamos torcendo pelo êxito dos que lá estão defendendo nossa Seleção, porém, não vejo motivo justo para terem se negado a dar oportunidade a Andrada e Cejas. Só porque são naturalizados? E daí? Se no iatismo, judô, caratê e natação temos também atletas naturalizados defendendo as cores do nosso Brasil, por que então este preconceito patriótico?”. Andrada não foi mesmo à Copa de 1974, mas não expressou críticas e sua torcida enfática pelo Brasil foi registrada no JS. A quatro dias da estreia brasileira, o Vasco, em um campeonato que não parou para a Copa, saiu de Curitiba com um 1-1 diante do (então) Atlético com o roteiro de sempre: o gol adversário de Liminha foi creditado a uma posição duvidosa, assinalando-se que Andrada fez ainda “boa defesa em tentativa de Sicupira”. No fim de junho, os jornais começaram a noticiar, por outro lado, constantes lesões no goleiro de 35 anos: primeiramente musculares, depois no joelho.
Com o Vasco classificado para o hexagonal-semifinal, onde só o líder avançava, Andrada reestreou na segunda rodada da fase, gerando a nota “Andrada vai jogar. Isso é bom para a torcida”. Afinal, o clube visitaria o Atlético Mineiro, batido em BH por 2-0 “apoiado numa situação realmente sensacional de Andrada, de longe a melhor figura da partida”, com “defesas difíceis a ganhar aplausos da torcida mineira”. O Jornal dos Sports também noticiava que as dores do gringo passaram ao ombro, mas ele seguia no time; a seguir, os cruzmaltinos encerraram jejum de sete anos sem vencer o Corinthians e teriam em Salvador uma visita ao grande concorrente, o Vitória de Mário Sérgio (e cujo goleiro Joel Mendes seria o premiado com a Bola de Prata): seguraram o 0-0 graças ao argentino. “Que goleiro. Nas suas mãos, o empate. Um goleiro fora de série. Um trunfo que valeu de forma decisiva, no momento exato, ou seja, na hora da decisão” foi o comentário rotineiro do JS. A vaga veio com dois pontos de diferença sobre os baianos. Haveria a seguir um quadrangular no qual os dois líderes fariam ainda uma final em jogo único.
A estreia foi contra o Santos, a quem o “gol fica pequeno, para os atacantes, com esse moço. Nas suas mãos, a confiança de todos”. Pelé marcou, em falta indefensável, mas o Vasco venceu por 2-1 e em seguida visitou o Cruzeiro (1-1), contra quem “Andrada fez defesas sensacionais e não se descontrolou com o domínio do Cruzeiro no primeiro tempo. Teve tempo ainda de orientar seus companheiros. Não teve culpa no gol, pois Zé Carlos cabeceou livre e com precisão”. Quando o time garantiu-se na decisão empatando em 2-2 com o Inter, a reação do Jornal dos Sports foi dizer que “graças a Andrada, em cima da hora, o Vasco já é vice-campeão brasileiro”. Afinal, Fluminense e Botafogo já tinham títulos nacionais (na fase pré-1971), assim como o Flamengo no Torneio do Povo de 1972. O argentino estava com joelho inchado e lesão em um dos dedos da mão esquerda desde antes dessa partida, mas, ao contrário de 1970 (e talvez por causa dessa lembrança), seguiu para o jogo decisivo. O gol mineiro no 2-1 do título vascaíno, em uma das características bombas de Nelinho de fora da área, foi creditada exatamente a essa falta de condição ideal. Ele enfim foi poupado para o jogo seguinte, dali a apenas três dias, já valendo o Estadual – e o Vasco foi surrado por 4-1 pelo America.
Após um ano de 1975 infeliz (clube na lanterna da fase de grupos da Libertadores e no decagonal da segunda fase do Brasileirão, além de derrotado por 4-1 pela “Máquina Tricolor” do Fluminense no triangular-final do Estadual), Andrada foi descartado pelos dirigentes do Vasco. Rumou ao Vitória. Não impediu título estadual do rival Bahia, mas viveu uma nova juventude: no Brasileirão, o Leão liderou seu grupo na primeira fase, à frente do próprio Bahia e da dupla Botafogo e Fluminense, cuja mesmíssima Máquina foi derrotada no Maracanã – fazendo o argentino ser sondado nos vestiários pelos tricolores e também pelo Flamengo, conforme aquela nota da Placar referida no início do texto. Ela também destacava as três horas diárias de treinos em separado do goleiro. Em 1977, em outra nota, a revista destacava o ensinamento aparentemente ainda não tão difundido da defesa com a mão trocada. Àquela altura, Andrada já estava de volta à Argentina, no Colón. No time de Santa Fe, ficou a três pontos da 3ª colocação no Metropolitano. Esteve ainda no elenco sabalero que avançou às quartas-de-final do Nacional 1978, eliminado pelo futuro campeão Independiente.
Foram as melhores campanhas colonistas até o vice de 1996. Em 1979, o goleiro passou a integrar o Renato Cesarini, clube fundado por veteranos em 1975 em honra do treinador de mesmo nome de La Máquina do River dos anos 40. Restrito inicialmente à liga rosarina, o time que revelaria Javier Mascherano e Martín Demichelis estreou no Nacional em 1982, o último ano da carreira de Andrada, avançando à segunda fase de grupos. Em 1988, o goleiro, com razão, dizia à Placar que sua “carreira não pode ser resumida àquele gol”. Em 1994 e em 2006, só ficou abaixo de Barbosa entre os goleiros em eleição promovida pela Placar para definir o time vascaíno dos sonhos. Em 2008, o seu ídolo Carrizo o colocou na revista El Gráfico entre os cinco maiores goleiros que vira: “El Gato vestia terno, espetacular. Tirava bolas nos ângulos e agarrava bestialmente, com uma grande capacidade pelos reflexos e agilidade que tinha”. Um ano antes, porém, foi divulgado em espécie de delação premiada que o goleiro era agente da ditadura argentina.
Andrada (que em 2009 teria visto nas arquibancadas o Vasco campeão da segunda divisão) admitiu seu envolvimento na espionagem pelo regime, mas negou qualquer participação no sequestro e morte de Osvaldo Cambiasso e Eduardo Pereira Rossi em 1983, o único crime pelo qual chegou a ser processado, em 2011. Terminaria inocentado sem julgamento de mérito por falta de provas em 2012, mesmo em época de caça promovida pelos Kirchner às bruxas da ditadura. O resultado judicial não adiantou muito para a reputação do Gato, que precisou deixar seu trabalho nas categorias de base do Rosario Central. Foi sumariamente esquecido em revistas especiais que a El Gráfico dedicou aos maiores ídolos do Central (muito embora seja quem mais defendeu os canallas na posição) e do Colón, em 2011; e no twitter é possível checar diversos torcedores reconhecendo que ele possivelmente foi o maior goleiro da história dos dois clubes, mas com reservas a seu caráter. Triste fim a quem poderia ficar na história apenas pelo gol mil; a importância de Andrada se resume na manchete já posterior ao julgamento: “o ídolo dilacera todo um país”.
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Excelente matéria. Muito bom Parabéns