O Palmeiras decidiu quatro vezes a Libertadores. Os mais jovens devem lembrar que as duas últimas foram com Luiz Felipe Scolari. Já as duas primeiras foram com compatriotas do atual técnico, Ricardo El Tigre Gareca: Armando Renganeschi e Alfredo González, ambos de carreira no Brasil desde os tempos em que eram jogadores. Não foram os únicos argentinos nesse cargo no Verdão. Nem os únicos a fazerem história. Bom sinal para Gareca?
Renganeschi, como jogador, brilhara no Fluminense e no São Paulo. No Palmeiras, chegou em 1961 para ocupar o lugar de Osvaldo Brandão, campeão nacional no ano anterior. O argentino treinou o alviverde na Libertadores daquele ano, em que o torneio ainda tinha o nome de Copa dos Campeões tal qual seu equivalente europeu.
Na época, somente campeões o disputavam mesmo, ocasionando nove participantes (a Venezuela ainda não havia aderido) que começaram competindo já no mata-mata. Nas quartas-de-final, o Palmeiras teve pela frente o Independiente, por sinal o clube que havia formado Renganeschi na Argentina e que tinha consigo o ponta Oswaldo Cruz, argentino que fora campeão com o Palmeiras na Taça Brasil de 1960.
Era a estreia do Rey de Copas na Libertadores. O debute não foi tão auspicioso ao maior campeão do torneio: o Verdão ganhou os dois jogos, com um 2-0 no estádio do Racing (gols de Gildo e Zequinha) e um 1-0 em São Paulo (Geraldo Scotto). O Rojo voltaria à Libertadores em 1964, dessa vez para ser campeão, após vencer o Argentinão de 1963 justamente com Renganeschi treinando a maior parte da campanha. Já o Palmeiras teve a seguir na semifinal de 1961 um outro Independiente, o Santa Fe.
Curiosamente, o jogo de ida, em Bogotá, foi arbitrado por um paulista, João Eliseu, enquanto a volta, no Pacaembu, foi por um colombiano, Ovidio Orrego. Fora de casa, o Palmeiras, com Gildo e Chinesinho marcando, saiu-se com um 2-2. Em São Paulo, goleou por 4-1, de novo com Gildo e Chinesinho e dessa vez com dois de Julinho Botelho. Do lado derrotado, cabe menção a Alberto Perazzo, argentino que marcou nos dois jogos. É pai de Walter Perazzo, que nasceu na Colômbia e seria grande ídolo do San Lorenzo nos difíceis anos 80. O filho hoje é o técnico do Olimpo na elite argentina.
As finais seriam contra o Peñarol, não só detentor da taça como um dos mais fortes clubes do mundo na época. Se o seu conjunto era menos técnico que o palmeirense, era talhado para a Libertadores. No Centenário, os comandados de Renganeschi seguravam o empate até os 44 do segundo tempo, quando levaram gol de Alberto Spencer, equatoriano que é o maior artilheiro da Libertadores.
No Pacaembu, a demonstração de força dos aurinegros veio logo cedo: José Sasía abriu o placar aos 2 minutos. Poderiam até ter ampliado, com o Jornal do Brasil registrando que Spencer sofreu pênalti claro que o árbitro argentino José Praddauda não assinalou. Provavelmente por isso, o Verdão passou o jogo, conforme relatos da época, de forma intranquila, abusando dos chuveirinhos.
O Palmeiras só conseguiu empatar aos 32 do segundo tempo, com Nardo. Mas a virada, que forçaria jogo-extra, não veio. Vale lembrar outro registro do Jornal do Brasil sobre um torneio em que os brasileiros só enxergam catimba, hostilidade e falta de saber perder nos vizinhos: “mais triste que a perda do título, porém, foi a demonstração mal-educada do público paulista, que, terminado o jogo, atirou tudo o que pôde (garrafas, pedras, paus e outros objetos) sobre os jogadores uruguaios, numa cena baixa e provinciana”. Renganeschi, do seu lado, deu uma contribuição maior que aquele vice: foi quem recomendou a contratação de Ademir da Guia.
Sete anos depois, tendo apenas no goleiro Valdir de Moraes como remanescente dos vices de 1961, o Palmeiras voltou ao torneio, já renomeado de Libertadores e mais expandido: admitia também vice-campeões e os times venezuelanos já haviam entrado também, sendo uma dupla deles (Deportivo Galicia e Deportivo Portugués) os concorrentes alviverdes na primeira fase, além do Náutico. Nessa fase inicial, o técnico foi Mário Travaglini, que faleceu recentemente.
Na Libertadores, não houve maiores trabalhos: os três primeiros jogos foram todos fora de casa e venceram todos, se garantindo na segunda fase ainda na antepenúltima rodada. Só que a campanha paralela ruim no Paulista, que quase resultaria em rebaixamento, fez Travaglini cair. Para a segunda fase, um triangular que colocaria o líder na semifinal, Julinho Botelho assumiu interinamente nas duas primeiras partidas, um 4-1 na Universidad Católica e a derrota de 2-0 para o Guaraní paraguaio. A partir dali assumiu González, que defendera Flamengo, Vasco e Botafogo como jogador (leia aqui).
Já como técnico, o principal feito de González foi o título carioca de 1966, o último do Bangu (leia aqui) e o último não faturado por um do quarteto grande do Rio de Janeiro. Patinando no Paulistão, o Palmeiras seguiu forte na Libertadores, chegando à final só perdendo aquela para o Guaraní. Dudu fez o gol da vitória sobre a Católica em Santiago e a classificação veio após o time paraguaio ser batido em São Paulo de virada na rodada final em um turbulento 4 de abril: foi o dia da morte de Martin Luther King e das confusões nas missas de sétimo dia do estudante Edson Luís de Lima Souto.
Na semifinal, a equipe paulista pôde dar o troco no Peñarol, detentor da taça e ainda mais forte (vencera o Real Madrid na Intercontinental 1966 dentro do Bernabéu): ganhou em São Paulo e, com dois gols de Tupãzinho, também em Montevidéu. Mas o cenário de 1961 se repetiria: o conjunto mais técnico da Academia sucumbiria para um mais esforçado e com mais espírito de Libertadores. Ainda assim, pelos resultados das finais, o time de González teria sido o campeão pelo regulamento atual.
Na ida, o Verdão perdeu para o Estudiantes na Argentina por 2-1 (em dramática virada nos últimos sete minutos), mas em casa se impôs com um 3-1. Só que na época isso forçava um jogo-extra em campo neutro. No Estádio Centenário, o time de La Plata levou a melhor, 2-0. O grande destaque das finais foi o craque Juan Ramón Verón, pai de Juan Sebastián e que marcou em todos os três jogos.
Há alviverdes que ainda creditam a derrota à catimba e violência daquele mal afamado Estudiantes. Demonstramos que não foi bem assim quando relatamos no ano passado esse título dos Pincharratas: clique aqui para ler. Usamos mais uma vez as palavras do Jornal do Brasil, que destacou na edição de 27 de maio a “vitória justa” dos alvirrubros em uma “partida em que os brasileiros decepcionaram inteiramente, mostrando falhas incríveis na defesa e um ataque completamente inoperante”.
Além de Renganeschi e González, o Palmeiras já foi treinado por outros argentinos antes de Gareca, também históricos: Jim Lopes (campeão estadual em 1950), Abel Picabea e Nelson Filpo Núñez, campeão do Rio-São Paulo em 1964 e o único técnico estrangeiro da seleção brasileira, naquele jogo em que ela foi totalmente formada pelo elenco palmeirense. Ou seja: com os antecedentes do clube com técnicos hermanos e dos trabalhos anteriores de Gareca, ele só tende a dar errado se, como opinamos ontem (aqui), for atrapalhado pelos desmandos do ambiente palestrino.
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