Dois argentinos quase defenderam a Croácia. Terra de ancestrais de Maradona!
Originalmente publicado em 20-06-2018, pelo duelo na Copa do Mundo anterior – e revisto, atualizado e ampliado
A comunidade croata na América do Sul é mais expressiva no Chile, país hoje presidido por Gabriel Boric e que teve em Mirko Jozić (treinador da Iugoslávia campeã mundial sub-20 de 1987 na própria Santiago, conquista célebre por contar com muitas futuras estrelas sérvias e croatas dos anos 90) o técnico do Colo-Colo vencedor da Libertadores 1991, a única de um técnico europeu até as taças de Jorge Jesus e Abel Ferreira e ainda a única do futebol chileno. Outro presidente, o argentino Néstor Kirchner, era filho de María Ostoic, vinda da comunidade instalada no país vizinho. Mas a Argentina recebeu um significativo contingente próprio – embora as contínuas mudanças de fronteiras nos Bálcãs tenham feito muitos croatas étnicos serem, em censos de imigrantes, rotulados como cidadãos austríacos ou até italianos, além de iugoslavos. No embalo da semifinal contra a Croácia, vale relembrar os jogadores argentinos com origens por na terra adversária. Lista que inclui, além de Juan Pablo Vojvoda (o incensado técnico atual do Fortaleza), ninguém menos que Maradona e dois que chegaram a ser sondados pela seleção quadriculada: Daniel Bilos e Darío Cvitanich.
Como se nota, a língua servo-croata possui acentuação em algumas consoantes corriqueiramente perdida na diáspora balcânica. Respeitaremos a grafia original aos nativos da região e a grafia normalmente não-acentuada consagrada aos descendentes, eventualmente informando a original.
Maradona e suas ligações croatas
Dieguito tinha fenótipo indígena e sobrenome galego, mas sangue também croata, a partir de um bisavô materno, Matej Kariolić (suposto descendente do aventureiro Marco Polo!). Kariolić era da região da Dalmácia, de onde veio a raça canina dálmata, e teve seu nome “nacionalizado” para Mateo Cariolichi ao emigrar/imigrar. Já na Argentina, teve como filha Salvadora Cariolichi. A região de origem inspiraria o nome Dalma, dado inicialmente por Salvadora à filha Dalma Franco – a mãe de Diego, mais famosa pelo apelido Doña Tota. Depois, viraria nome de uma das próprias filhas do astro, a mais velha, Dalma Maradona. E ele pôde enfrentar a própria Croácia no primeiro duelo entre as duas seleções, um amistoso pré-Copa em 1994, em Zagreb. O 0-0 naquele 4 de junho, contra um adversário que ainda vestia uma camisa toda vermelha antes de reproduzir o icônico xadrez do brasão, ficou em segundo plano em uma nação ainda às voltas com as guerras da dissolução iugoslava.
Carlos Aira, historiador do futebol argentino (autor de Héroes de Tiento, livro sobre os destaques dos anos 20, e Héroes en Tiempos Infames, sobre os craques dos anos 30), relembrou recentemente no Twitter: “fevereiro de 2016. Pego o táxi no aeroporto de Zagreb. Taxista de 60 anos. Me reconhece como argentino e me diz: ‘você nunca vai compreender o que significou a presença de Maradona naquela noite. Para nós, foi o sinal de que a guerra havia terminado’. O homem estava chorando…”. Já outro episódio extracampo em paralelo àquela partida ficou famoso publicamente, quando Maradona fez questão de visitar o túmulo de Dražen Petrović, um dos maiores estrelas europeias do basquete na história (uma das lideranças do título iugoslavo na Copa do Mundo do baloncesto de 1990, edição realizada exatamente na Argentina) e cujo acidente automobilístico fatal completava um ano exatamente naqueles dias; o irmão do craque croata, Aleksandar Petrović, chegou a treinar recentemente a seleção brasileira da bola laranja.
Para aquela homangem, Diego foi levado por Davor Šuker – estrela daquela Iugoslávia campeã sub-20 de 1987 e ex-parceiro de Maradona no Sevilla, com o qual chegaram a jogar em La Bombonera em amistoso festivo com o Boca em 1992 – à presença da mãe dos Petrović. Šuker viria a ser o artilheiro da Copa do Mundo de 1998 após assumidamente aprender muito com o argentino na curta temporada sevillista de El Diez. O Mundial da França rendeu justamente o segundo duelo entre Argentina e Croácia. A Albiceleste, que ali usou a camisa reserva azul marinho, venceu pelo placar mínimo, gol de Mauricio Pineda. Os dois países já estavam classificados por antecipação aos mata-matas, no que foi o terceiro duelo da fase de grupos para ambas as seleções, e os argentinos se permitiram em dar um descanso a um terço dos titulares; ainda assim, o encontro em Bordeaux esteve longe de ser em ritmo de treino. Šuker jogou novamente, mas passou em branco ali. Mas não no amistoso de despedida do velho parceiro, em 2001, novamente na Bombonera.
Bilos e Cvitanich, os quase axadrezados
Já o terceiro duelo se deu em 1º de março de 2006, na cidade suíça da Basileia. E poderia ter visto um argentino enfrentando a terra natal: Daniel Bilos. Ele havia deslanchado no elenco que classificara o Banfield pela primeira vez à Libertadores e foi até o artilheiro da ótima campanha do Taladro até as quartas-de-final de 2005 em La Copa – na ocasião dos 120 anos oficiais do clube, incluímos Bilos para o time dos sonhos da torcida banfileña. Ele acabou contratado imediatamente pelo Boca, a tempo de ser campeão de tudo ao alcance na temporada 2005-06: as conquistas múltiplas na Recopa, na Copa Sul-Americana e no Apertura, tudo ao longo do segundo semestre de 2005 (logo o ano do centenário xeneize), só reforçaram sondagens das duas seleções.
A Croácia, que já vinha aproveitando um brasileiro (Eduardo da Silva), foi atrás daquele volante cujo sobrenome era originalmente grafado como Biloš (esse circunflexo invertido faz a letra S ter o som português do dígrafo “Ch”, tal como no sotaque carioca à própria letra S) para juntar-se a um elenco que reunia ainda três nativos da Alemanha, outros três da Austrália e dois da Bósnia. Bilos sempre soube que teria mais chances de jogar a Copa do Mundo de 2006 se aceitasse naturalizar-se, mas recusou. Em 16 de novembro de 2005, jogou de vez a chance fora, ao estrear pela Argentina de nascimento – curiosamente, em jogo contra o Qatar, na capital Doha. El Flaco inclusive começou como titular, mas saiu ainda aos 15 minutos do segundo tempo para a entrada de Lucho González… e só depois de então é que a Albiceleste iniciou os protocolares 3-0.
O Boca emendaria os três troféus do segundo semestre de 2005 com a conquista do Clausura no primeiro semestre de 2006, mas Bilos acabou mesmo de fora da Copa e já não estaria presente naquela ocasião histórica na Suíça – pois o jogo rendeu o primeiro gol de Lionel Messi pela seleção principal, em um início bem frenético: Ivan Klasnić abriu o placar com 3 minutos, Carlos Tévez empatou praticamente na saída de bola e La Pulga, logo aos 6, virou a partida. No início do segundo tempo, Darijo Srna reigualou e no minuto final os quadriculados anotaram a contravirada, com Dario Šimić. Aquela derrota de 3-2 também terminou histórica por outros aspectos: marcou um primeiro duelo de Messi com um jovem Luka Modrić e a estreia do próprio Modrić pela sua seleção principal. Dois do seleto grupo de remanescentes da Copa do Mundo de 2006 a se fazerem presentes também na de 2022, junto a Cristiano Ronaldo e os mexicanos Andrés Guardado e Guillermo Ochoa.
Aquele Boca arrasador de 2005-06 fez seu treinador, Alfio Basile, voltar à Albiceleste – era o técnico no jogo de 1994. El Coco prontamente fez Bilos voltar à seleção, em amistosos contra o Brasil (derrota de 3-0 em Londres em 3 de setembro, na estreia de Sergio Agüero pela seleção principal) e Espanha, em 11 de outubro. Em Múrcia, os argentinos perderam de 2-1, embora Bilos se desse ao menos o gostinho de marcar seu único gol por seu país, empatando provisoriamente apenas dois minutos depois de Xavi ter aberto o placar fechado por David Villa. Conseguiu descolar uma transferência europeia, para o Saint-Étienne, mas não decolou e passou a enfrentar sucessivas lesões no joelho. Chegou a declarar-se aposentado com apenas 29 anos, vendo do banco do seu Banfield o time do jovem James Rodríguez ser campeão argentino pela primeira vez 2009 e sem poder participar de qualquer minuto da campanha. Embora até tentasse recomeçar em 2011, Bilos realmente nunca recuperou o nível.
E o ano de 2009 também viu a Croácia voltar a sondar um argentino em grande fase. Curiosamente, outro polido pelo Banfield. O atacante Darío Cvitanich (Cvitanić seria a grafia original e a pronúncia, algo como “Tsvitánitch” ao invés do “Civitanítch” consagrado) chegara mesmo a conviver com Bilos no estádio Florencio Sola, embora como reserva naquele time de 2004-05. Artilheiro do Clausura 2008, foi imediatamente adquirido pelo Ajax e, assumidamente influenciado pelas consequências da escolha do ex-colega, aceitou o chamado xadrez – que teve até ares de contratação clubística. Como Maradona, ele também era alguém de traços indígenas bisneto de um croata, e justamente a ancestralidade já longínqua acabou como empecilho para as regras da FIFA na época.
Ele assim contou em 2011 à revista El Gráfico: “em 2009, o técnico Slaven Bilić foi a Amsterdã me ver e me contar seu projeto. Me haviam visto desde o Banfield. Tivemos uma reunião, me disse que queria que jogasse para eles e em pouco tempo me deram o passaporte. Mas o problema surgiu porque depois se resolveu que não deixariam jogar futebolistas naturalizados graças a parentescos muito distantes. No meu caso, eu consegui ser croata porque meu bisavô, o pai do meu avô, havia nascido na Croácia. Com isso, ficaram restritos e foi uma pena. Durante essas eliminatórias, houve um jogo contra a Inglaterra em Londres e se dizia que talvez eu pudesse jogar, mas no fim não deu em nada”.
A declaração acima foi dada por ocasião da vinda de Cvitanich ao Boca, requisitado por Julio César Falcioni, antigo comandante seu no Banfield. Campeão no Apertura 2011, o primeiro título argentino vencido de modo invicto na história azul y oro, acabou ficando mais marcado pelo gol que perdeu no fim do jogo contra o Corinthians no jogo de ida das finais da Libertadores 2012, em 27 de junho. Cvitanich estava sob empréstimo do Ajax até o fim daquele mês e, vendido ao Nice, precisou voltar à Europa antes da partida de volta (em 4 de julho), no Pacaembu. Relançou a carreira na França, em face emergente da tradicional equipe da Côte d’Azur. E teria outra nova juventude em regresso ao Banfield, em 2017, a ponto do Racing apostar nele mesmo já veterano. La Academia renderia o único manto alviceleste a quem, ao contrário de Bilos, nunca chegou a defender a Argentina.
O atacante seria um dos pilares da reconquista argentina em 2019 pelo time de Avellaneda até regressar uma vez mais ao Banfield, em 2022. E nem a abordagem croata em 2009 o fez menos hermano: “vamos, Argentina… fazemos tudo o que seja por esta seleção!”, tuitou anteontem, já após a definição de que Argentina e Croácia fariam semifinais. Os dois países viriam a se enfrentar outras duas vezes antes das semifinais de 2022 – primeiramente, em amistoso em Londres no antigo estádio do West Ham, em 12 de novembro de 2014, que nos levou a fazer um primeiro Especial sobre a comunidade croata na Argentina. Modrić, naquela vez, não jogou. Messi, sim, com direito ao gol da vitória na virada por 2-1 (Anas Sharbini abrira o placar e Cristian Ansaldi empatara).
E então veio o homérico antecedente de 21 de junho de 2018, pela segunda rodada da Copa do Mundo. Nizhny Novgorod viu a principal exibição que o craque croata teve na Rússia, ampliando com um golaço de fora da área, a dez minutos do fim, o placar aberto por Ante Rebić. No minuto final, a trapalhada de Willy Caballero foi aproveitada por Ivan Rakitić, em 3-0 que deixou a Albiceleste na corda bamba de uma eliminação precoce, especialmente se a surpresa Islândia voltasse a aprontar caso vencesse no dia seguinte a Nigéria. Mas os africanos não só venceram por 2-0, como esse placar permitiu que bastasse uma vitória simples sobre os próprios nigerianos ao invés de necessidade de alguma goleada. E o 2-1, mesmo com sofrimento, veio, nos minutos finais. Messi, que abrira o placar (enquanto a Croácia batia por 2-1 os islandeses), escapou então de cair na primeira fase, mas não de avançar como segundo colocado… e assim enfrentar de cara a França nas oitavas-de-final.
Outros personagens argentinos de origem croata
Além de Maradona, Bilos e Cvitanich, o futebol (e a seleção) da Argentina já contaram com diversos outros jogadores de origem croata. E não só o futebol: a comunidade rendeu em especial o lutador Sebastián Crismanich (corruptela de Krizmanić), único argentino medalha de ouro nas Olimpíadas de 2012, no taekwondo; e o ex-tenista Daniel Orsanic, técnico do primeiro título argentino na Copa Davis, em 2016 – justamente sobre a equipe da Croácia e dentro de Zagreb, com direito a Maradona na plateia. Pai de Daniel, o croata Branko Oršanić havia fugido adolescente da Segunda Guerra Mundial e não hesitou em torcer naquela ocasião pelo país que o acolhera.
Felizmente, a colônia croata na Argentina é muito anterior à sua faceta sórdida: simpático ao nazismo ao mesmo tempo em que recebia refugiados judeus, o governo de Perón abrigou Dido Kvartenik e Ante Pavelić, líderes da Ustaše, o governo pró-Hitler na Croácia durante a Segunda Guerra – por fazer a saudação desses extremistas, Josip Šimunić foi virtualmente cortado pela FIFA da Copa 2014, o que não impediu cânticos simpáticos àquelas fantoches nazistas serem usados como afirmação nacionalista croata em 2018. Algo que vem se repetindo também em 2022…
Além do bisavô de Maradona, outro croata a imigrar ainda no século XIX à Argentina foi Ivan Vučetić, que viraria Juan Vucetich; notabilizou-se por introduzir ao mundo o uso das impressões digitais para fins de identificação. Comunidade que rendeu ainda os seguintes personagens:
Oscar Ivanissevich: exatamente um dos ministros de Juan Domingo Perón na época da Segunda Guerra (inclusive se atribui a Ivanissevich alguma mentoria do abrigo a criminosos nazistas), chegou a ser embaixador nos EUA, ministro da educação e é apontado como um dos autores da Marcha Peronista. Também foi ministro na presidência da viúva do general, Isabelita Perón, embora fosse alinhado contra o progressismo e bastante próximo dos líderes do esquadrão de morte Triple A. Mas antes de enveredar para a política jogou amadoramente na zaga direita do Estudiantes de Buenos Aires, então um clube forte (foi o primeiro time argentino a visitar o Brasil). E por ele chegou a ser usado uma vez na seleção argentina – contra o Chile, em 1916. Sua origem croata foi informada no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, a destacar sobretudo as infâmias que ele praticou longe do campo em detrimento do passado de jogador. A grafia original do sobrenome seria Ivanišević.
Rodolfo Kralj: nascido Rudolf em uma Zagreb ainda em tempos austro-húngaros, apareceu em nove partidas pelo Ferro Carril Oeste entre 1933-34, somando quatro gols. Seria ainda técnico de Lanús, Tigre e Unión.
Julio Yustrich: um dos maiores goleiros do Boca, arrojado e ágil, brilhou no bicampeonato argentino de 1934-35 – rendendo uma estreia com a seleção para amistoso não-oficial contra um combinado Espanyol-Atlético de Madrid, em visita da dupla em 1935. Mas foi jogando no Lanús que ele pôde fazer seu único jogo oficial pela Argentina, em 1940. Teve também bons momentos no Gimnasia LP. Na mesma época em que jogava, um certo Dorival Knipel, também goleiro, defendia o Flamengo, e acabou apelidado de Yustrich por conta do argentino. O Yustrich brasileiro também foi técnico, lembrado pela truculência: foi quem fez o clube exilar o ídolo argentino Doval em 1971. A origem croata do Yustrich argentino também foi informada no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, a esclarecer que a grafia original seria Justrić.
Ernesto Vidal: um Adnan Januzaj de seu tempo. El Patrullero nasceu quando a sua cidade-natal croata de Buje ainda era a italiana Buie d’Istria, em 1921 – e como recém-incorporada dos espólios do desmantelado Império Austro-Húngaro (viraria iugoslava após a Segunda Guerra Mundial). Com isso, era considerado ítalo-argentino (assim como os provenientes da antiga Fiúme, atual Rijeka, por exemplo), embora o sobrenome remetesse a distantes antepassados ibéricos refugiados da Guerra de Sucessão Espanhola, travada entre 1701-1714. Cresceu desde os dois anos no interior da província argentina de Córdoba, sendo revelado pelo Sportivo Belgrano de San Francisco. Foi no Rosario Central campeão da segunda divisão de 1941 que Vidal começou a destacar-se nacionalmente. O ponta-esquerda terminou contratado pelo Peñarol em 1943 e faria história a ponto de ser naturalizado pelo Uruguai às pressas em 1950 para poder reforçar a Celeste na Copa do Mundo. Foi titular na maior parte do título, embora uma lesão lhe custasse lugar justamente no Maracanaço; ali, a vaga habitual do ítalo-croata-hispano-argentino ficou com o obscuro Rubén Morán.
Mirko Saric: volante, era uma promessa do San Lorenzo na virada do século. Se afirmou em 1999, quando o novo técnico, Oscar Ruggeri, apostou nos garotos da base (como também Walter Erviti e Leandro Romagnoli) em detrimento dos medalhões. Mas o “novo Redondo” sofria de depressão. Duas lesões graves no joelho e a descoberta de que um filho recém-nascido não era biologicamente seu pesaram para dar cabo da própria vida. Seu irmão Martín Saric também virou jogador, com carreira pela Croácia. A origem de ambos foi informada no Diccionario Azulgrana, livro de 2008 sobre todos os que haviam defendido o San Lorenzo até o centenário do clube. A grafia original seria Šarić.
José María Buljubasich: seu sobrenome é uma corruptela de Buljubašić. Revelado no Rosario Central e goleiro titular do River campeão no Clausura 2003, notabilizou-se mais exatamente no futebol chileno – na Universidad Católica, em 2005, passou cerca de 1.350 minutos sem sofrer gols, o que é a quarta maior invencibilidade registrada a nível mundial. Nesse ano de 2022, ele contou ao La Nación sobre as raízes: “meu sobrenome materno é Hulgich, também da zona. Meus quatro avós vieram da ex-Iugoslávia, depois da Primeira Guerra Mundial. Tive a sorte de visitar primos que vivem em Jelsa, na ilha de Hvar, Croácia, e nos contaram por que nossos avós viajaram à Argentina. Nunca puderam voltar a seu país, essa parte foi triste”.
Juan Vojvoda: o rosto da imagem que abre essa matéria era praticamente anônimo quando ela foi publicada, em 2018, bem como na nota similar publicada em 2014. É que esse zagueiro que passou sete anos no Newell’s entre 1995 e 2002 jamais se firmou na titularidade e sobressaiu-se muito mais no futebol como treinador, especialmente nos anos recentes. Após cabeçadas em momentos emergentes de Defensa y Justicia e Talleres (com o qual eliminou o São Paulo na pré-Libertadores de 2019), teve um primeiro reconhecimento com o vice-campeonato chileno do modesto Unión La Calera, em 2020 – o mais alto do pódio que o time da região de Valparaíso já chegou. Foi a credencial para um Fortaleza que parecia órfão de Rogério Ceni apostar no argentino e igualmente colher instantaneamente sua melhor colocação no Brasileirão, com o 4º lugar em 2021, chegando pela primeira vez à Libertadores. Seu sobrenome, com o J pronunciado como “i”, significa “Duque” em servo-croata; a região autônoma sérvia da Vojvodina significa justamente “Ducado”.
Os nomes a seguir são assumidamente especulativos ou encontrados somente em fontes menos fiáveis, como a Wikipédia:
Manuel Fleitas Solich: um dos maiores nomes do futebol paraguaio, o incluímos porque ele chegou a defender a seleção argentina também, embora em amistosos não-oficiais em 1928 em excursões do Celta de Vigo e do Barcelona. A grafia original do segundo sobrenome de El Brujo seria Šolić. Ídolo do Boca como jogador, fez seu nome no futebol sobretudo como treinador, em especial com seu Paraguai natal vencedor da Copa América pela primeira vez (em 1953) e com o segundo tricampeonato estadual seguido do Flamengo, de 1953 a 1955. Esse currículo incluiu ainda trabalhos na Copa do Mundo (também com a seleção paraguaia, em 1950) e no Real Madrid, em esquecida passagem em 1959.
Ismael Covacich: lateral-direito do Atlanta nos anos 30, com o qual chegou a representar uma vez a Argentina – mas em amistoso não-oficial contra a seleção rosarina, em 3-2 travado em 28 de junho de 1938. Talvez um primo distante de Mateo Kovačić, portador da grafia original do sobrenome do argentino.
Hugo Zarich: meia que jogou por Boca e River, mas sem continuidade em nenhum, e também no Racing. Defendeu a seleção olímpica nos Jogos de 1960. O sobrenome seria originalmente Žarić; esse circunflexo invertido faz o Z ter o som português da letra J.
Ricardo Bosich: defensor formado no Unión, acumulou mais de uma centena de jogos pelo Vélez na virada dos anos 50 para os 60. Pela Argentina, foram duas partidas oficias, na campanha vencedora da edição final do Campeonato Pan-Americano (não confundir com os Jogos Pan-Americanos), em 1960.
José Marinovich: lateral revelado no Boca nos anos 50, se afirmou mais no Gimnasia, integrando o elenco que lutou pelo título no campeonato de 1962 – a campanha que originou o apelido Lobo à equipe de La Plata.
Luis Kadijevich: um dos que mais jogaram no Defensores de Belgrano, onde foi goleiro por cinco anos seguidos entre o fim dos anos 70 e início dos 80. Antes, passara rapidamente pelo San Lorenzo e pelo futebol da Grécia, país em que nasceu seu filho Maximiliano Kadijevich, que também jogou no Defe.
Tomás Carlovich: o sobrenome seria uma corruptela de Karlović, derivado da cidade de Karlovac. Lenda do futebol rosarino mesmo com a carreira desenvolvida quase que totalmente nas divisões inferiores, especialmente no Central Córdoba, historicamente a terceira força de Rosario (não confundir com a equipe de mesmo nome situada em Santiago del Estero). Brilhou em amistoso pré-Copa 1974 em que a seleção nacional levou de 3-1 do combinado de Rosario, o que fez o técnico da Albiceleste implorar a substituição de El Trinche no intervalo. Os exaltados chegam a comparar sua habilidade com a de Maradona, mas a excessiva boemia de Carlovich (infelizmente assassinado em 2020 – e então homenageado efusivamente pelo próprio Maradona – ao reagir a um assalto à sua bicicleta) o impediu de ir mais longe. Saiba mais.
Oscar Craiyacich: o sobrenome seria uma corruptela de Krajačić. Zagueiro titular do Rosario Central campeão nacional de 1980.
Luis Cvitkovic: lateral-esquerdo do Nueva Chicago campeão da segundona em 1981, título especial por fazer a equipe do bairro de Mataderos voltar à primeira divisão após praticamente cinquenta anos.
Emilio Kalujerovich: defensor no título do Quilmes na terceira divisão de 1986-87, especial por servir de troféu para a temporada do centenário oficial do mais antigo clube argentino ainda em atividade no futebol. O sobrenome seria uma corruptela de Kaludjerović, também grafado Kaluđerović.
Jorge Gabrich e Iván Gabrich: são primos. Jorge disputou o mundial sub-20 de 1983 e chegou a pertencer ao Barcelona. Não decolou como se esperava, mas quase foi herói de Libertadores pelo Newell’s, marcando o gol leproso nas finais de 1988 com o Nacional. Iván foi profissionalizado no mesmo Newell’s, já em 1991, e igualmente foi vice de Libertadores, em 1992 – deixou seus golzinhos até 1996 pelo clube -, embora não chegasse a se firmar em meio aos feitos da Era Marcelo Bielsa.
Fabián Cancelarich: o sobrenome original seria Kancelarić. Goleiro de carreira mais ligada ao Ferro Carril Oeste, La Teresa teve uma estatística impressionante: foi convocado pela seleção por nada menos que cinco anos, entre 1987 e 1992, mas simplesmente nunca entrou em campo pela Argentina, nem mesmo em amistosos não-oficiais. Foi o goleiro reserva de Luis Islas nas Olimpíadas de 1988 e então acabou de para-quedas na Copa de 1990… justamente porque Islas estava desgostoso em ficar na reserva de Nery Pumpido a ponto de abrir mão de uma convocação certa, na qual o terceiro goleiro era Sergio Goycochea – que então subiu um degrau na hierarquia e abriu vaga para Cancelarich como terceiro goleiro. E os dois subiram mais um degrau com a segunda rodada, na qual Pumpido fraturou uma perna; Goyco foi promovido a titular e saiu-se muito bem na fogueira, não largando a posição nos títulos da Copa América 1991 e Copa das Confederações 1992, enquanto Cancelarich ficava de reserva imediato, mas jamais utilizado. Contamos nesse outro Especial sua curiosa trajetória de ser um vice-campeão do mundo com zero jogos pela seleção.
Antonio Mohamed e Pablo Abdala: ambos são mais notórios pela origem árabe, tanto que o primeiro, maior ídolo da fase decadente do Huracán (tirou-o da segundona como artilheiro em 1990 e como técnico em 2007, é notoriamente fanático pelo clube), é chamado de El Turco; tal apelido é errôneo, mas comum na Argentina para os descendentes de árabes, e seu outro sobrenome é Matijevich. El Turco Mohamed ficou conhecido no Brasil como treinador do Independiente campeão da Sul-Americana sobre o Goiás em 2010, do Tijuana que quase eliminou o Atlético Mineiro na vitoriosa Libertadores 2013 do Galo – e então do próprio Atlético no primeiro semestre desse 2022; já dedicamos este outro Especial a Mohamed. Abdala, por sua vez, desenvolveu sua carreira no Chile, cuja famosa comunidade palestina local serviu de trampolim para que ele acabasse aproveitado pela seleção da Palestina. Seu outro sobrenome é Kovasevic, corruptela de Kovačević.
Horacio Bidevich: criado no Huracán de Arribeños de sua província natal de Entre Ríos, El Ruso veio de lá inicialmente para o tradicional rival lanusense, o Talleres da cidade vizinha de Remedios de Escalada. O lateral-direito virou a casaca em 1986, em tempos de uma nada glamourosa segunda divisão, não escapando de uma ou outra corneta impiedosa. Foram 128 jogos até 1990, ano em que foi titularíssimo da redentora campanha que devolveu o Lanús à elite após treze anos. Seguiu o ano reforçando o Vélez e, embora já fosse reserva no desjejum nacional no Clausura 1993 (rumando ao Gimnasia y Tiro de Salta na sequência do ano), pôde até aparecer no pôster do título – apenas o segundo do Fortín, e o primeiro em 25 anos. Foram 69 jogos como velezano, enquanto que nem sua volta ao Talleres de Escalada em 1996 o queimaram junto aos grenás. O sobrenome é possível corruptela de Vidević; a pronúncia castelhana das letras B e V costuma ser similar.
Diego Markic: meia campeão mundial sub-20 em 1997, foi uma das promessas do Argentinos Jrs campeãs ali, como Esteban Cambiasso. Mais: era o capitão de um elenco que tinha ainda Pablo Aimar, Juan Román Riquelme, Walter Samuel e um certo Lionel Scaloni. Mas não chegou a vingar, sem jamais ter chegado à seleção principal.
Daniel Gojmerac: lateral-direito apelidado de El Polaco, passou onze anos da carreira no Estudiantes de Buenos Aires, onde foi campeão da terceira divisão em 2000.
Nicolás Pavlovich: ex-Banfield como outros tantos, foi revelado no Newell’s (também como tantos outros!) na virada do século. Atacante mediano, esteve no terceiro e último título do Argentinos Jrs na elite, em 2010 – onde, aliás, o goleiro titular era Nicolás Peric, por sua vez integrante daquela colônia croata no Chile (da qual saiu também Milovan Mirosevic, meia de passagem por Racing e pelo próprio Argentinos Jrs).
Luciano Pocrnjic: goleiro reserva do Newell’s campeão em 2004, inicialmente defendeu os rosarinos entre 2002 e 2006, mas poquíssimo. Só conseguiu alguma frequência pelo clube entre 2015-18, quando teve uma segunda passagem após notabilizar-se sobretudo pelos sete anos em que foi um ícone das voltas do San Martín de San Juan à primeira divisão.
Mariano Uglessich: defensor que, salvo uma temporada no Querétaro em 2004, defendeu o Vélez de 2002 a 2008, faturando no período o Clausura 2005 (como reserva). Teve peito de trocar o Olimpia pelo rival Cerro Porteño na virada de 2010 para 2011 e participou da panelinha argentina que levou os azulgranas às semifinais da Libertadores 2011 (algo notável a uma torcida ainda virgem em La Copa). Também participou do primeiro título chileno do O’Higgins, em 2014, iniciando ali uma parceria com Eduardo Berizzo, de quem passou a integrar as comissões técnicas após pendurar as chuteiras. O sobrenome original é Uglješić.
Agustín Vuletich: atacante da seleção no mundial sub-20 em 2011 quando ainda era da base do Vélez. Fez algum nome no futebol chileno (Cobresal) e colombiano (Independiente Medellín), onde segue atualmente.
Santiago Gentiletti: outro do Argentinos Jrs campeão de 2010, o zagueiro também venceu a Libertadores de 2014 pelo San Lorenzo. Seu outro sobrenome é Selak, grafado Šelak no idioma de origem. Logo após o título continental foi à Lazio, mas a carreira não decolou. Após passar por Genoa e Albacete, pendurou as chuteiras em 2021 após duas temporadas no Newell’s.
Leonardo Pisculichi: meia-armador revelado no Argentinos Jrs, com passagem pela seleção sub-20 em 2003 e com longa trajetória no futebol asiático, foi redescoberto em 2014, já aos 30 anos. Foi por ser um dos protagonistas do River campeão continental após dezessete anos, na Sul-Americana. Especialista na Era Gallardo, o jornalista e escritor Diego Borinsky (que já escreveu dois livros sobre o ciclo do Muñeco como técnico do River) já cravou mais de uma vez que nenhum jogador teve nível tão alto em todo esse período do River como o Pisculichi daquele segundo semestre de 2014 – ainda que ele calhasse de gradualmente perder espaço justamente em meio à reconquista da Libertadores, já em 2015. Chegou até a passar rapidamente pelo Vitória em 2017, voltando ao Argentinos. Pendurou as chuteiras pelo Burgos, em 2021. O sobrenome seria uma corruptela de Piškulić.
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