Este ano começa com os dois principais clubes argentinos, após consideráveis anos, tendo de volta seus técnicos mais vitoriosos. O público brasileiro em geral conhece o Boca de Carlos Bianchi. Do River de Ramón Díaz, nem todos lembram tanto, daí este especial no dia do primeiro jogo dele em 2013.
O natural de La Rioja já era um ícone em Núñez como jogador antes das glórias com a nova função. Em 1995, regressou uma vez mais, planejando jogar ali um último semestre. Só que Américo Gallego, campeão do Apertura 1994, fora trabalhar na seleção como auxiliar de Daniel Passarella, e o sucessor Carlos Babington não se dera tão bem. A direção optou por trazer um novo nome já de história no clube, o que não era o caso de Babington, ícone do Huracán.
Gallego recusou sair da seleção. Os dirigentes, que já haviam colhido bons frutos na década com técnicos de primeira viagem – os próprios Gallego e Passarella – resolveram convencer o inexperiente Ramón a adotar um novo desafio, iniciado em uma quarta-de-final de Libertadores. O River conseguiu eliminar o grande Vélez (de… Carlos Bianchi), detentor do título, nos penais, mas, também neles, foi parado na semifinal pelo Atlético Nacional, futuro vice do Grêmio. Da mesma forma, caiu para o Independiente na Supercopa.
As críticas realmente vieram após um parco 7º lugar no Apertura 1995. No ano seguinte, El Pelado (“o Careca”; nos juvenis do River, tinha pouco cabelo) dispensou Walter Silvani e o mexicano Alberto García Aspe. Das novas caras que pediu, se destacariam Roberto Bonano, ex-Rosario Central, e Juan Pablo Sorín, emprestado pela Juventus. A equipe teria uma campanha péssima no Clausura (14º), mas Díaz conseguia manter-se no cargo em razão da trajetória na Libertadores, alternando equipes lutadoras fora de casa (com Sorín de volante) com ofensivas dentro (com Gabriel Cedrés na vaga de Sorín).
As finais do River vinham sempre em anos terminados em 6: perdera as de 1966 e 1976 para enfim ser campeão em 1986. Dez anos depois, a mística vinha funcionando. O clube foi quem mais pontuou na primeira fase e conseguiu ir avançando em complicados mata-matas: 5×2 no Sporting Cristal após 1×2 no Peru nas oitavas; 1×1 com o San Lorenzo após vencê-lo fora de casa por 2×1; 1×0 na Universidad de Chile após 2×2 em Santiago; e, por fim, o mesmo finalista de 1986. Cumprindo o drama riverplatense das fases finais daquela Libertadores, o América de Cali venceu na Colômbia por 1×0.
A volta, vencida com dois gols de Hernán Crespo, teve o maior público para um clube argentino; até hoje, só a final da Copa de 1978 reuniu mais gente em um estádio na Argentina. “Quem pode convocar 80 mil pessoas? Só o River. Precisávamos de cinco estádios para um jogo como este”, declarou o técnico. Ali, o clube ainda se igualou ao Boca, então também dono de duas Libertadores. “Me criticaram muitíssimo. Mas o resultado está à vista: no River, nos pediam ‘por favor, a Copa’ e a Copa aqui está”.
Após a Libertadores, até hoje não vencida novamente pelo maior pontuador da primeira fase, o River de Ramón, ainda que sem Crespo e Matías Almeyda, engrenou. Vieram Eduardo Berizzo, Julio Cruz, Roberto Monserrat e Marcelo Salas, além de retornar Sergio Berti e surgir Santiago Solari. O conjunto bem armado do riojano demonstrou que a conquista continental não fora golpe de sorte, como chegou a se apontar. Envolvente e ofensivo, faturou o Apertura a uma rodada do fim, com 15 vitórias em 19 jogos.
A perda da Intercontinental, endurecendo contra a Juventus (a derrota veio só a 9 minutos do fim), foi seguida de voltas atrás de voltas olímpicas, apesar da venda de Ariel Ortega: a nova aposta de Ramón, Marcelo Gallardo, soube substituir à altura o Burrito. Já com um bom histórico, Díaz continuou mesmo após instabilidades de maio de 1997: o clube, nos penais, foi eliminado pelo Racing ainda nas oitavas da Libertadores e perdeu por 1×4 em casa para o Estudiantes e por 1×5 para o futuro vice-campeão Colón.
A recompensa veio no 2º semestre: o Clausura foi faturado em agosto novamente com antecedência. E, em dezembro, duas voltas olímpicas seriam realizadas em quatro dias: em 17, a última edição da Supercopa Libertadores, ainda o último troféu internacional do River; e, no dia 21, o último tricampeonato seguido na elite argentina, deixando para trás uma campanha quase irrepreensível do rival Boca, que se despedia de Maradona, um desafeto de Ramón. Sobre estes dois títulos, falamos aqui e aqui.
Sobre a Supercopa, Díaz afirmou que “foi o campeonato que mais desfrutei como técnico. Demonstramos, contra a opinião de muitos, que se pode ganhar um torneio sul-americano jogando bom futebol. Fizemos história”. Explicou que, após o sofrimento que teve para obter a Libertadores, agora a equipe lhe permitia deleitar-se. A grande fase foi coroada há cerca de 15 anos atrás, em janeiro de 1998: a IFFHS, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, considerou aquele River o melhor clube do mundo.
Ramón seguiu no Campeón del Siglo até renunciar, em fevereiro de 2000, após dois anos um tanto turbulentos. Chegara a desentender-se com ícones: Hernán Díaz, Sergio Berti e Leonardo Astrada foram alguns exilados pelo treinador. Também sem Salas e o aposentado Enzo Francescoli, seu River ainda conseguiu chegar às cabeças das Libertadores de 1998 (caiu na semifinal a 9 minutos do fim, com o famoso gol de Juninho) e 1999 (queda nas quartas para o Palmeiras), eliminado pelos futuros campeões.
Só um título veio naquele período: o Apertura 1999, com os “mosqueteiros” Javier Saviola, Pablo Aimar e Juan Pablo Ángel impedindo um ainda inédito tri nacional seguido do Boca. Como a taça estava fresca, a saída do Pelado pareceu repentina. Só que, quando ainda estava sem troféus, Díaz já declarara que só sairia como campeão.
Seu sucessor foi o mesmo Gallego que o antecedera. El Tolo faturou o próximo nacional, o Clausura 2000. Mas, nos dois seguintes, ficou no vice para Boca, que o eliminou na Libertadores de 2000, e San Lorenzo, saindo criticado por ser mais defensivo. 2001, além de ser o ano do centenário riverplatense, também era ano de eleições no clube e Ramón, então, voltou para o segundo semestre, com contrato de um ano. O grande reforço da vez foi Esteban Cambiasso.
Na 2º metade de 2001, ele ainda fez despontar Andrés D’Alessandro, mas o River, que havia se desfeito de Saviola, Bonano e do aposentado Hernán Díaz, amargou um trivice seguido, agora para o Racing (ver aqui). No semestre seguinte, embalado pela artilharia da revelação Fernando Cavenaghi, enfim veio o 30º título argentino profissional, com o dedo de Ramón: time ofensivo e envolvente, campeão com três rodadas de antecedência, e com um plus: impôs um 3×0 no Boca dentro da Bombonera, resolvendo uma pendência dos anos 90, em que o Millo conseguia vencer campeonatos, mas nem tanto os clássicos.
Naquele Clausura 2002, Ramón também tornou-se isoladamente o mais vitorioso técnico em Núñez, com sete troféus, superando os seis nacionais de Ángel Labruna, que o lançara como jogador, e José María Minella. Não obstante, ele não continuou. Desta vez, não por falta de vontade: o presidente millonario recém-eleito, José María Aguilar, opositor dos antecessores, declarara que respeitaria o contrato do riojano. E foi só: tão logo expirou, optou por não renová-lo e, resumindo que “queremos trocar o perfil do técnico”, contratou o chileno Manuel Pellegrini, de grande sucesso no San Lorenzo.
Díaz ainda consagrou-se no San Lorenzo: o último título dos azulgranas foi sob ele, no Clausura 2007 (ver aqui). Nem ele, porém, conseguiu resolver as complicadas situações recentes do próprio San Lorenzo, em 2010-11, e do Independiente (que enfrenta logo mais, em amistoso neste sábado), em 2011-12, ambos ainda ameaçados de rebaixamento. De qualquer forma, sem ele o River só obteve três dos mais de vinte torneios nacionais curtos já realizados. É com El Pelado de La Rioja que o clube, após sua fase mais negra, espera reescrever capítulos de glória compatíveis com o gigantismo da instituição.
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