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Dez anos do bi olímpico, com Riquelme + Messi: a última grande conquista da seleção

Uma década atrás, algumas eras findavam, outras começavam. Em transições rápidas à vista ou não. Há exatos dez anos, a seleção argentina também conquistava o bi olímpico, seguido. Em campanha a juntar Messi e Riquelme (ainda acima na hierarquia, tendo a braçadeira de capitão e a camisa 10) na armação, além de Agüero, Lavezzi, Di María e Mascherano, proporcionou diversos trocos históricos contra Brasil, Nigéria e até Uruguai, que nem participou.

Às vésperas ou durante o torneio, grandes mudanças. A Espanha emergia no rol das grandes seleções ao vencer a Eurocopa. No país, o Athletic de Bilbao passaria a estampar patrocinadores na camisa e acabavam os tempos de Ronaldinho Gaúcho no Barcelona, reforçado pela campanha insatisfatória em La Liga: 18 pontos atrás do Real Madrid do sumido Bernd Schuster e atrás até do Villarreal. Deco também saiu, para o Chelsea de um recém-contratado Scolari.

Na Inglaterra, por sinal, o Manchester City também começava a emergir, ainda financiado por dinheiro tailandês e não dos Emirados Árabes. A principal estrela ainda era Elano. O Tottenham Hotspur, sem Gareth Bale nos titulares, ganhou a Copa da Liga finalizando jejum de nove anos sem troféus e sem vencer o Arsenal. Na Bélgica, o jejum quebrado era o de 25 anos de títulos de clubes flamengos, com a taça indo ao Standard Liège, da região “francesa”, revelando Dante, Axel Witsel a Marouane Fellaini embora a maior promessa na época fosse vista em Steven Defour. Na França, aliás, o Lyon vencia pela última vez.

Na Argentina? Até então, pouca coisa parecia mudar. Treinado por Diego Simeone, o River retomava a hegemonia nacional ao vencer o Clausura em um time estrelado na linha ofensiva por por Ortega, Loco Abreu (cujo único clube brasileiro no currículo ainda era o Grêmio) e Falcao García e no qual Alexis Sánchez era banco para a revelação Diego Buonanotte (outro a receber o ouro no Oriente, embora reserva nos Jogos). Não se sabia que era a última vez que seria campeão da elite em seis anos e que, já no Apertura seguinte, ficaria em último, iniciando a jornada rumo ao rebaixamento em 2011.

Já o San Lorenzo de D’Alessandro, que eliminou epicamente os millonarios na Libertadores, mais uma vez ficou sem ela – eliminado por uma certa LDU treinado por um certo Edgardo Bauza, para a felicidade do debate dos torcedores do Fluminense no orkut (Facebook? Twitter? desconhecidos no Brasil), em cujas comunidades exibiam menos pavor de um time equatoriano do que o de um “sempre catimbeiro” argentino. Falando em Brasil, foi um ano assim: Joel Santana iria treinar a sede da próxima Copa. O Vasco se livrou do Eurico, mas não do primeiro rebaixamento, ao passo que o Corinthians saía da 2ª divisão e ofuscou as atenções ao tri seguido do São Paulo de Muricy (sequência que prometia se prolongar bastante, mas pararia ali) ao trazer um Ronaldo dado como flamenguista.

Rivaldo ia ao Uzbequistão. Já o Internacional, recém-reforçado por D’Alessandro, valorizava a Sul-Americana. Como revelação nacional não havia Neymar, mas Thiago Neves. Felipe Massa era um postulante mais sério a campeão e por um alemão não o foi (Timo Glock e não Vettel, que não “existia”). Nos Jogos, o favorito Diego Hypólito caiu na ginástica e foi César Cielo e não Thiago Pereira o primeiro ouro brasileiro na natação. O vôlei feminino superou a pecha de pipoqueiro e levou o ouro que repetiria em Londres.

As Olimpíadas de Pequim estavam muito contestadas por ativistas pró-Xinjiang e Tibete e talvez pelo Guns N’ Roses, que finalmente lançou o Chinese Democracy (na música pop, veio os primeiros singles de umas tais Katy Perry e Lady Gaga). Quem também contestava eram clubes europeus: argumentando que os Jogos não eram do calendário da FIFA, não queriam liberar seus astros. Na véspera do pontapé inicial, foram amparados pelo Tribunal Arbitral do Esporte. Com essa vitória moral e jurisprudência para casos futuros, aceitaram ceder. Mas duas estrelas estavam “garantidas” de qualquer jeito.

Ronaldinho Gaúcho foi “escalado” pelo ainda todo-poderoso Ricardo Teixeira, que apostava em uma recuperação do craque, então com uma promissora transferência ao Milan, que teria como uma das condições justamente a sua liberação para os Jogos. E o amigo Messi, já o jogador principal do Barcelona, expressara que fazia questão de participar das Olimpíadas. Melhor para Sergio Batista, então o técnico sub-23. Teria para si diversos craques da seleção principal ainda com idade olímpica: Gago, Banega, Lavezzi e Agüero já tinham certo reconhecimento, ainda que nem naquela época fosse comparado ao de Lionel.

O plantel também tinha um desconhecido Di María. Os guris foram reforçados por nada menos que Riquelme e Mascherano, ele próprio já campeão olímpico, em 2004. A estreia argentina foi em 7 de agosto, um dia antes da abertura dos Jogos, programada para o “místico” 08/08/2008. Simbolicamente, a canhota de Messi abriu o placar nos 2-1 sobre a Costa do Marfim, em Xangai, livre de frente para o goleiro após passe rasteiro cirúrgico que não poderia ser de outro que não Riquelme, desde o círculo do meio-campo.

O outro gol foi de Lautaro. Não o Martínez e sim o Acosta (revelação do Lanús campeão pela primeira vez, em 2007, dez anos antes de integrar o elenco vice da Libertadores 2017), que só fez emendar um chute de Messi após cobrança ensaiada de falta a 5 minutos do fim. O segundo jogo foi contra a Austrália, vencida em Xangai a 15 minutos do fim em contra-ataque com Riquelme em disparada trocando passes com Messi e Di María, que inverteu para Lavezzi emendar de primeira. A seguir, os sérvios, competindo enfim pela Sérvia isolada – que, por sinal, perdera Kosovo em fevereiro, ao menos segundo uma centena de países que já reconheciam a independência da região até junho daquele 2008.

Na bola parada, com um pênalti acertado por Lavezzi e uma falta de Buonanotte (estrela do dito River campeão), veio os 2-0 em Pequim sobre os balcânicos. Nas quartas-de-final em Xangai, a Holanda, quem mais deu trabalho: os gols no primeiro tempo de Messi (aproveitando trapalhada do defensor Jong-a-Pin, que lhe “entregou” a bola na defesa após chutá-la em cima de Lio, que só driblou o goleiro antes de concluir) e, em impedimento, de Otman Bakkal, foram o resultado até o fim dos 90 minutos. Na prorrogação, um lindo passe rasteiro de Messi fez a bola passar por quatro laranjas e chegar a um livre Di María marcar.

Nas semis, um Brasil entalado na garganta portenha: vencera os dois jogos anteriores entre as seleções principais, por 3-0 em Londres pouco após a Copa 2006 e outro 3-0 na final da Copa América 2007, onde a Argentina vinha encantando e o Brasil chegou à final contestado pelos resultados e por Doni e Afonso Alves. Messi esteve nas duas partidas e teve desforra na mesma moeda, e contra uma seleção que, embora sem encantar, ainda não havia levado gols no torneio (e que ainda conseguia vencer a Bélgica). Já no 2º tempo, Agüero completou com o peito um chute diagonal de Di María pela ponta-esquerda. El Kun fez o segundo completando um tiro de Riquelme pela ponta-direita; Messi cozinhara a bola diante de três brasileiros antes de passa-la ao maestro do Boca.

Os canarinhos até diminuíram no Estádio dos Trabalhadores de Pequim: Pato pegou rebote de uma falta de Ronaldinho que acertou a trave direita de Romero, mas o impedimento do atacante (atualmente de volta à China, como Mascherano) anulou o lance. Messi, então, lançou Agüero, calçado na grande área pela grande promessa defensiva do futebol brasileiro: não Thiago Silva, vice da Libertadores com o Fluminense, e sim o são-paulino Breno. Com um chute forte no meio do gol, Riquelme pôs a pá de cal no sonho do então inédito ouro brasileiro. Novamente em Pequim, agora no Ninho do Pássaro, a final foi contra a Nigéria.

Os brasileiros lembram-se bem da eliminação para o time de Kanu nos Jogos de 1996, mas nem tanto que os argentinos de Ayala, Zanetti, Crespo, Ortega, Almeyda e Gallardo, todos jovens de idade olímpica, também perderam para os africanos, na final. A revanche foi selada com um solitário e belo gol. Di María, em disparada em contra-ataque puxado por Messi, encobriu o arqueiro nigeriano no início do 2ª tempo. 80 anos após perder para um Uruguai bi olímpico, a Albiceleste igualava aos rivais do Rio da Prata.

Aquele 2008 teve mesmo transições, ainda que à época pudessem ser consideradas novas eras em si, como Felipão no Chelsea, Joel Santana na África do Sul, o nanico Hoffenheim na Alemanha, a seleção russa de Arshavin e até Maradona como técnico da Argentina. Era nova mesmo foi a de Lionel Messi, a começar antes até da recessão econômica (o Lehman Brothers pediria concordata no mês seguinte aos Jogos) e da eleição do primeiro negro à presidência dos EUA.

Mesmo até antes do ouro em agosto, Lionel já pudera ser ovacionado pelos brasileiros no Mineirão, em junho. Ainda no Manchester United, Cristiano Ronaldo levou seu primeiro Melhor do Mundo, mas a partir daquele segundo semestre, apesar da derrota para o Numancia e um empate com o Racing Santander nos dois primeiros jogos do Espanhol, La Pulga lideraria o Barcelona à inédita tríplice coroa (campeonato e copa nacionais e Liga dos Campeões) na Espanha.

Essa fase culminaria no recorde exclusivo de quatro títulos seguidos de melhor do mundo entre 2009 e 2012 – e outro em 2015. Um ciclo iniciado uma década atrás, ainda que algo relegada na época em meio a Phelps, Bolt, Isinbayeva e Walsh & May. Veio não no outro lado do Atlântico, e sim no outro lado do mundo, na terra em que imperadores governaram de milênios antes de Cristo até 1912.

Riquelme, Pareja, Romero, Garay, Zabaleta e Gago; Messi, Agüero, Monzón (o do Fluminense), Di María e Mascherano

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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