Carlitos Tévez irrompeu na Europa de uma maneira incomum para um astro argentino no século XXI. O roteiro pede que seja contratado quase que de imediato por um grande clube do continente. Mas ele não só permaneceu por mais um ano no futebol argentino após protagonizar título de Libertadores, quase ganhando-a de novo, como, já de renome internacional e jogador da seleção principal, ainda fez um “estágio” no Brasil. Javier Mascherano esteve a seu lado no Corinthians e repentinamente ambos pararam no tradicional, mas modesto, West Ham United em agosto de 2006. Só Carlitos ficaria até o fim da temporada em Upton Park, premiado com uma bela reviravolta.
Turbinado pela suspeita MSI, o Corinthians chegou a formar uma colônia argentina em 2005. Tévez e o zagueiro Sebá Domínguez, recém-campeão com o Newell’s no Apertura 2004 e esperado como um “novo Gamarra”, foram os primeiros. Depois, vieram o técnico Daniel Passarella e o auxiliar Alejandro Sabella. Em meados do campeonato, Mascherano, também já jogador da seleção principal (antes mesmo de estrear no time adulto do River!), chegou.
O Timão voltou a ser campeão nacional após seis anos, mas só Tévez se sobressaiu dos hermanos. Sebá não empolgou a massa. Passarella e Sabella foram demitidos em uma turbulência no meio do sucesso: eliminação na Copa do Brasil e derrota de 5-1 no clássico com o São Paulo. Mascherano, após estreia promissora em vitória em outro clássico, sobre o Palmeiras, lesionou-se bem antes da reta final. Já Carlitos foi vice-artilheiro geral, com direito a três gols em um 7-1 em outro dérbi (no Santos) e eleito o melhor jogador do campeonato em todas as mídias.
A lua de mel com a Fiel acabou na ansiada Libertadores. O Corinthians, que já tinha Nilmar, Roger, Fábio Costa e Carlos Alberto e foi reforçado pelos velhos ídolos Ricardinho e Marcelinho Carioca, ainda sentia as cicatrizes da eliminação para o River três anos antes, quando os alvinegros desfrutavam de outro timaço (Gil, Liedson, Fábio Luciano, Kléber, Jorge Wagner…). Conseguiu elimina-lo no finalzinho na Sul-Americana 2005, mas a sensação era de vingança ainda não completa quando o chaveamento das oitavas-de-final mostrou novo confronto.
Tévez vibrou demais com um golaço abrindo o placar sobre o velho rival no Monumental. O River virou para 3-1, mas os paulistas saíram satisfeitos, com um gol no finzinho descontando para um reversível 3-2 no Brasil. Ao fim do primeiro tempo, o solitário gol de Nilmar classificava os brasileiros. Mas no início do segundo tempo o zagueiro Coelho marcou contra. Liderado por um Gallardo que carimbou todas as bolas de gol do Millo, o River se retrancou, mas aproveitou as brechas. O jovem Higuaín virou em contra-ataque e matou o jogo aos 40 do segundo tempo, na sobra de uma falta.
Torcedores perderam a cabeça, alambrados ruíram e o campo foi invadido. A equipe entraria em uma má fase que incluiria seis derrotas seguidas e jejum de gols de 572 minutos, que acabaram em julho mas não da melhor forma: um empate caseiro em 2-2 com o Fortaleza. Tévez havia acabado de jogar a Copa do Mundo. Era um dos poucos poupados, mas tomou as dores dos colegas vaiados e celebrou seu gol pedindo silêncio à própria torcida. Foi a senha para ter a cabeça pedida.
Kia Joorabchian, que cortejava o West Ham havia algum tempo, costurou no fechamento da janela europeia as transferências de Carlitos e de Masche, com a Premier League já em andamento havia três rodadas. Mas parecia que a Fiel havia rogado uma praga forte: a dupla argentina simplesmente não decolava em Londres, vivenciando cinco derrotas seguidas nos seis primeiros jogos do clube após a transferência, e para equipes todas longe das cabeças: 2-0 do Newcastle em casa, 2-0 do Manchester City fora, 1-0 do Reading em casa, 2-0 do Portsmouth fora e 1-0 do Tottenham fora.
O clube ainda experimentou cinco derrotas em seis jogos entre novembro e dezembro (1-0 para o Middlesbrough fora, 1-0 para o Chelsea fora, vitória de 1-0 sobre o Sheffield United em casa, 2-0 para o Everton fora, 2-0 para o Wigan em casa e 4-0 para o Bolton fora) e mais quatro revezes seguidos de janeiro a março: 2-1 em casa para o Liverpool, 1-0 fora para o Aston Villa, 1-0 em casa para o Watford e 4-0 fora para o Charlton. Mascherano saiu do barco na janela de inverno, após apenas cinco partidas, investido pelo Liverpool. Já Tévez não havia marcado um mísero gol.
A seca enfim caiu no jogo seguinte àqueles 4-0 para o Charlton. Mas o desespero aumentou. O West Ham jogou em casa e fez três gols, mas ainda assim perdeu, pois o Tottenham fez quatro. Os donos da casa haviam feito 2-0. Tévez fez de falta o segundo gol da sua equipe e se permitiu tirar a camisa e se atirar entre os torcedores, enfim tendo atuação elogiada. Os Spurs, porém, buscaram o empate. Mas quando Bobby Zamora fez 3-2 para os Hammers aos 40 do segundo tempo, cabeceando falta cobrada pelo argentino, parecia que a plateia iria sossegada à casa. Só que Dimitar Berbatov, de falta, e Paul Stalteri, no contra-ataque, anotaram uma virada relâmpago aos 44 e aos 45 do segundo tempo…
Restavam nove rodadas e dez pontos de desvantagem em relação ao último clube que se salvava do rebaixamento, o então pobre Manchester City. Mas se havia falta de confiança em Carlitos, aquele gol parece ter ajudado muito. Naquele espaço de nove jogos, viriam mais seis gols. O segundo do total de sete veio em um 2-1 (aproveitando sobra da defesa após errar no cabeceio) de virada nos últimos vinte minutos sobre o Blackburn Rovers, primeira vitória que os londrinos conseguiam fora de casa naquela temporada pela Premier League. O oponente lutava para ir à Copa da UEFA. Mas o argentino cavou e converteu um pênalti. E ainda desviou o chute de Zamora para o gol, assinalado ao colega na súmula.
Eram oito pontos a menos que o último a se salvar, agora o Sheffield United. Carlitos marcou pelo terceiro jogo seguido no 2-0 sobre o Middlesbrough, aproveitando sobra da defesa após errar no cabeceio – o Boro também lutava por vaga na Copa da UEFA. A terceira vitória seguida, por sua vez, veio sobre o Arsenal que dominou no Emirates, gol de Zamora em partida discreta de Tévez. O Sheffield decaía e agora a vantagem que possuía era de apenas dois pontos. O próximo jogo seria um confronto direto. E a maré favorável se voltou contra: o concorrente, em seus domínios, impôs um 3-0.
Para piorar, a partida seguinte foi contra um Chelsea que lutava pelo título. Tévez marcou de longa distância contando com generosidade de Petr Čech, empatando em 1-1, mas viu os Blues somarem 4-1 no Upton Park. Menos mal que o Sheffield pegou justamente o outro que lutava pela taça, o Manchester United, também perdendo. Restavam quatro rodadas para superar os cinco pontos de desvantagem. O aproveitamento londrino foi de 100%, primeiro ganhando-se do Everton (classificado à Copa da UEFA) pelo placar mínimo em casa e por 3-0 do Wigan, outro concorrente direto, fora.
Tévez não marcou, mas foi participativo sobretudo contra o Wigan. Mesmo faltando ainda dois jogos, o que o argentino produzia na reta final já havia bastado para ser premiado o jogador da temporada no West Ham. Os gols voltaram em alto estilo: dois (um de falta e outro após receber passe na cara do gol, batendo no contrapé do goleiro) nos primeiros 21 minutos sobre um Bolton que se classificaria à Copa da UEFA. Ainda antes da meia hora, ainda deu a assistência para o terceiro, a um jovem Mark Noble – então com três anos de clube e até hoje no elenco. A tarde ficou tranquila e a vitória se confirmaria em 3-1, sendo retratada na imagem que abre essa matéria, onde Noble figura à esquerda, com o número 24.
Restava a visita ao Manchester United, campeão desde a antepenúltima rodada. Os mancunianos ainda lutariam dali a seis dias pela dobradinha com a FA Cup e pouparam Ryan Giggs, Paul Scholes e Cristiano Ronaldo, que só entraram no segundo tempo, e Nemanja Vidić. Por outro lado, dos titulares, jogaram Edwin van der Sar, Patrice Evra e Wayne Rooney. Era a despedida da temporada diante da própria torcida, assim como a despedida de Ole Gunnar Solskjær no Old Trafford – o talismã norueguês foi posto de titular e penduraria de vez as chuteiras em Wembley na FA Cup.
Àquela altura, o empate bastaria para o West Ham. Mas Tévez aguou os pints do que seria uma partida festiva aos Red Devils. No último lance do primeiro tempo. Robert Green, em tiro de meta, lançou o ataque londrino. Tévez livrou-se na raça da marcação, triangulou com Zamora, chapelou o último homem de linha e acertou sem muito ângulo na saída de Van der Sar. Golaço. “Para o West Ham, isso foi a culminação de seis semanas de fuga milagrosa do rebaixamento – isso a não ser que os advogados do Sheffield United derem o jeito deles”, concluiu ressabiada a BBC.
O concorrente sempre alegou irregularidade na transferência do argentino, que, mesmo se fosse punida, não apagaria a memória construída no gramado. Tévez, carregado pelos colegas em Old Trafford, acabaria ficando por lá para dali a um ano vencer o campeonato inglês e a Liga dos Campeões, iniciando a parte mais conhecida de sua trajetória europeia. E abrindo o caminho para argentinos tomarem a liga inglesa, após o sucesso apenas isolado de Osvaldo Ardiles e de Ricardo Villa no Tottenham dos anos 80 (clique neles para saber mais).
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