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Quando os argentinos não deram certo no futebol brasileiro

A primeira década do século XXI testemunhou um período em que, graças à estabilidade econômica e à moeda forte, os clubes brasileiros puderam compensar parcialmente o êxodo de seus jogadores com a contratação de atletas dos países vizinhos. O resultado é que alguns dos maiores jogadores a desfilar pelos gramados brasileiros nesse período recente são estrangeiros. Os argentinos se destacam nesse grupo: Sorín, Mascherano, Tevez, agora Montillo, Conca, D’Alessandro…

Mas a verdade é que nem todos os que chegam conseguem emplacar tamanho sucesso. E sempre foi assim. Estrangeiros em geral, e argentinos em particular, sempre estiveram no futebol brasileiro, e enquanto alguns conseguiam grande sucesso e outros se tornavam atletas úteis para suas equipes, sempre houve os fracassos. Sempre houve aqueles que, como Defederico, chegaram com status de grandes estrelas mas não conseguiram desenvolver seu futebol por aqui (muitas vezes por problemas de adaptação). Ou aqueles que chegaram com pinta de reforços muito úteis e não conseguiram sequer ser titulares, como o bom zagueiro Schiavi, que em sua passagem no Grêmio se viu no papel de reserva do limitado Teco. Há ainda aqueles que beiram o ridículo, como Leandro Zarate, trazido pelo Botafogo com status de grande artilheiro argentino (na verdade havia sido artilheiro da Nacional B pelo Unión de Santa Fé), para apresentar-se gordo, sem mobilidade e enfurecer a torcida alvinegra pela sua falta intimidade com a bola. Depois de 8 jogos e um desaparecimento do clube foi dispensado.

Fracassos assim são tão (ou ainda mais) comuns na história dos jogadores argentinos que se aventuram pelo Brasil quanto os casos memoráveis de sucesso. Em 1976, por exemplo, Hector “Bambino” Veira chegou ao Corinthians, credenciado por ótimas campanhas no San Lorenzo, com a missão de comandar a equipe na tentativa de encerrar um jejum de títulos, mas foi embora após apenas 20 partidas, sem conquistar espaço na equipe.  No mesmo Corinthians, o goleiro Buttice teve boas atuações mas foi escorraçado do clube após a derrota na decisão para o Palmeiras em 1974. O excelente Alejandro Sabella (atual treinador do Estudiantes) chegou em 1986 ao Grêmio para ser a grande estrela da equipe, mas nunca correspondeu ao que se esperava e foi embora no ano seguinte, sem deixar saudades.

Mas um capítulo à parte nessa série é o fato de que quatro jogadores campeões mundiais pela seleção argentina jogaram em clubes brasileiros, e nenhum foi bem sucedido. O primeiro a chegar aqui foi o atacante Oscar Ortiz, titular na decisão de 1978 contra a Holanda. Em 1976 Ortiz tinha 23 anos mas já havia conquistado 3 títulos com o San Lorenzo, e chegou ao Grêmio com status de estrela ascendente do futebol argentino. Mas teve a infelicidade de atuar em um time apenas mediano do tricolor gaúcho, com a missão impossível de tomar a hegemonia regional de um rival que tinha Falcão, Figueroa, e outros craques. O Internacional naquele ano conquistou seu oitavo título seguido no Rio Grande do Sul, seu segundo brasileirão, e Ortiz voltou para a Argentina, onde voltou a conhecer o sucesso, agora com a camisa do River Plate. Só os gremistas mais fanáticos se lembram de sua apagada passagem pelo Olímpico.

O caso de Ubaldo Matildo Fillol, o grande goleiro do River Plate e titular do selecionado de seu país nas copas de 1978 e 1982, é um pouco diferente. El Pato não chegou a ser uma completa decepção, mas o fato é que sua passagem do Flamengo entre 1984 e 1985 não teve o brilho que todos esperavam. O rubro-negro vinha de anos brilhantes, cheios de títulos, mas naquela metade de década de 1980 as coisas não iam bem na Gávea. Zico havia embarcado para a Udinese, e o Fluminense dominava o cenário regional. Naqueles dois anos o Flamengo não conquistou nenhum título, e embora Fillol jamais possa ser considerado culpado disso, o fato é que ficou associado àqueles anos de pouco brilho. Poucos lamentaram sua partida para o Atletico de Madri em meados de 1985.

Os outros dois campeões mundiais pela albiceleste que atuaram em clubes brasileiros tiveram passagens ainda menos memoráveis. O valente Leopoldo Luque chegou ao Santos em 1983, já aos 34 anos de idade. Sua passagem foi tão pouco marcante que é dificil encontrar quem possa dizer algo sobre ela. As estatísticas do Peixe indicam apenas 2 partidas e nenhum gol marcado por aquele que foi um dos heróis do título de 1978 em sua passagem pela Vila Belmiro.

Mais lembrada (ainda que negativamente) é a passagem de Claudio Borghi pela Gávea, em 1989. O centroavante havia marcado época em um grande time dos Argentinos Juniors, conquistando dois titulos nacionais e uma Libertadores, com grandes atuações que lhe valeram uma vaga no selecionado de 1986. No entanto, sua carreira havia entrado em declínio após uma mal sucedida passagem pelo Milan entre 1987 e 1988 (como o rossonero já tinha sua cota de estrangeiros completa, com Gullit e Van Basten, Borghi foi emprestado ao Como, onde não se destacou). A partir daí, sua carreira foi errática, pulando de clube em clube, com desempenho irregular. Quando chegou ao Flamengo, o auge da carreira de Borghi já havia passado, ainda que El Bichi tivesse apenas 25 anos. Naquele clube que tentava se reestruturar após a desmontagem do time campeão de 1987, Borghi não era a melhor aposta, e de fato não deu certo.

Se na década de 1970 um grande número de sucessos entre os argentinos que vieram jogar por aqui podia compensar com sobras os fracassos, nos anos 1980 as coisas mudaram. Nomes como Fillol, Luque, Sabella e Borghi eram grandes demais para ser ignorados. Muitos brasileiros começaram a achar que contratar estrangeiros era arriscado demais: eles poderiam não se adaptar, estar em decadência, etc. Isso (junto com a sobrevalorização do peso nos anos 1990) contribuiu para afastar os jogadores argentinos dos gramados brasileiros. Nos anos 1990 foram poucos, mas agora parece que voltamos a acreditar na enorme contribuição que os argentinos podem dar ao nosso futebol. E é bem claro pelas experiências recentes que só temos a ganhar com isso.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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