Ultimamente, quando a Argentina enfrenta outra seleção, buscamos relembrar os hermanos com origens no país adversário e/ou que o defenderam. Fazer isso antes de um jogo contra a Itália, como o que ocorreu ontem, renderia um texto interminável para abordar todos os ítalo-argentinos, que compõem mais da metade da população dos nossos vizinhos; e já fizemos este Especial lembrando aqueles que defenderam a Azzurra (antes de Franco Vázquez virar mais um). Assim, é mais válido lembrar de um jogador em especial, um superartilheiro nascido na Itália mas considerado argentino. Especialmente com ele a completar 70 anos hoje. Hora de lembrar de Delio Onnis (a pronúncia é “Délio Ônis”) o maior artilheiro do futebol a jamais defender uma seleção.
Onnis nasceu em 24 de março de 1948 na cidadezinha de Giuliano di Roma, a oitenta quilômetros da capital italiana. Desde os três anos, cresceu na Argentina, emigrado com seus pais. Aos 15, entrou nos juvenis do nanico Almagro, pelo qual debutou profissionalmente em 1966, na reta final segundona. Em seis partidas, marcou duas vezes, na 39ª e 40ª rodadas, em goleada fora de casa por 4-0 no Deportivo Español e na vitória por 2-1 sobre o Unión. Em 1967, jogou outras seis partidas, sem marcar. Sem tanta participação dele, tricolores ficaram em segundo, o que não significaria falta de oportunidade à promessa em 1968.
Aos 20 anos, Onnis dessa vez jogou 14 das 19 rodadas da Primera B de 1968. E marcou dez vezes, incluindo os três em um 3-1 no All Boys. O Almagro terminou na liderança. Só que na época isso rendia apenas um título simbólico de campeão da segundona, porque não bastava para o acesso: os quatro primeiros se classificavam ao Torneio Reclassificação, uma repescagem a envolver os times que haviam ficado do 9º ao 11º lugar nos dois grupos da primeira divisão, definindo quem participaria dela em 1969. As vagas seriam dos seis primeiros do decagonal.
Por ironia, o 3º colocado da Primera B, o Deportivo Morón, conseguiu o acesso ao ficar em sexto, rendendo-lhe sua única participação na elite. Mas o “campeão” Almagro ficou em nono. O clube não subiu, mas Onnis sim: marcou onze vezes nas dezoito rodadas daquela fase, da qual foi o artilheiro. Uma delas foi em vitória por 2-1 no tradicional Gimnasia LP, um dos repescados da elite. O Lobo salvou-se com uma 3ª colocação no decagonal e contratou El Tano (diminutivo de El Napolitano), apelido de Onnis e largamente usado como gíria para ítalo-argentinos.
Em 1969, o reforço chegou a marcar em vitórias por 3-2 sobre os grandes Independiente (dois gols) e San Lorenzo (em Boedo), além de outro em 1-1 com o tradicional Rosario Central, em um total de cinco gols em dezessete partidas, sem impedir que o Gimnasia precisasse novamente jogar o Torneio Reclassificação. Sem maiores sustos, os platenses logo se salvaram graças a nova artilharia de Onnis naquela decagonal, novamente em onze gols; um deles, em Rosario sobre o Newell’s. Em 1970, o desempenho coletivo foi bem melhor: no Torneio Metropolitano, Onnis ficou a quatro gols da artilharia por um time que ficou só em nono; destaque aos dois gols em vitória por 3-2 no San Lorenzo, outros dois em 5-2 no Rosario Central, o de honra em derrota por 4-1 para o River no Monumental, o do empate em 1-1 com o Independiente.
A nona colocação ao menos serviu para enfim afastar o Gimnasia do Torneio Reclassificação: o time pôde classificar-se ao Torneio Nacional, que reunia os melhores do Metropolitano com os melhores das ligas do interior. No Nacional, Onnis foi vice-artilheiro, com 16 gols em 19 rodadas, e seu clube, tão ofuscado pelo vizinho Estudiantes (tricampeão da Libertadores naquele ano), chegou às semifinais. Naquele campeonato, o italiano chegou a marcar duas vezes em goleada por 4-1 em clássico com o próprio Estudiantes. Também marcou dois em 4-3 sobre o Newell’s em Rosario, outros dois nos 2-1 sobre o River e no 5-0 sobre o Talleres e outro em 2-1 no San Lorenzo. O Gimnasia tinha um de seus melhores elencos, La Barredora, no qual figurava também o folclórico goleiro Hugo Gatti.
Uma greve, porém, estourou no campeonato. Os cartolas gimnasistas não cederam e usaram seus juvenis, que caíram por 3-0 nas semifinais para o Rosario Central. Onnis esclareceria: “nos deviam seis meses de salário e para ganhar a partida contra o Central teríamos premiação. Vendo como estava a situação, pedimos ao presidente Oscar Venturino que nos pagasse o devido e nós desistiríamos da premiação, mas nos disse que não. Lhe apresentamos uma nova proposta pedindo que nos abone ao menos três dos seis meses, mas também se negou. Nós esperamos até o final para ver se o homem cedia, mas finalmente não foi assim. Inclusive nos pôs contra as pessoas, nos queriam matar. Nos doeu muitíssimo a todos, mas sua soberba nos levou a isso”.
Em 1971, Onnis jogou 25 partidas do Metropolitano, com nove gols, em especial os dois do Gimnasia em derrota de 4-2 para o Boca na Bombonera. Foi contratado pelo Stade de Reims. Era a segunda opção: a equipe francesa buscava Alfredo Obberti, goleador de Newell’s (depois, jogador do Grêmio), mas a esposa deste não quis viajar. Então voltaram-se para Onnis; haviam visto que ele marcara duas vezes naquela vitória por 4-3 sobre o Newell’s de Obberti no ano anterior. Ao todo, o italiano fez 53 gols em 95 jogos pelo Gimnasia LP e 23 em 44 pelo Almagro.
Mesmo não tendo técnica refinada (marcou muitos gols de rebote) nem sendo grande driblador, manteve o poderio na França. Em duas temporadas no Reims, acumularia 39 gols, apesar do time ter brigado para não cair na primeira (na qual, por outro lado, foi semifinalista na Copa da França) e ter sido só 8º na segunda. O clube não retomara com Onnis o sucesso vivido nos anos 50, mas o italiano fez sua parte e acabou vendido ao Monaco; para substitui-lo, o Reims então contratou Carlos Bianchi, exatamente quem havia superado Onnis na artilharia do Nacional de 1970, pelo Vélez. Por dez anos quase seguidos, ou a Ligue 1 teve Bianchi de artilheiro ou Onnis, que salomonicamente foram cinco vezes cada artilheiros da elite francesa.
O primeiro a ser artilheiro foi Bianchi, na temporada 1973-74, ofuscando a importância de Onnis: seus 26 gols foram fundamentais para o Monaco escapar nos critérios de desempate do rebaixamento. A campanha ruim na liga quase foi compensada na Copa da França, onde o time do Principado chegou à final. Onnis fez dez gols em nova partidas na campanha e marcou na decisão, mas a taça ficou com o grande Saint-Étienne da época, até hoje o clube mais vezes campeão gaulês. Na temporada seguinte, a de 1974-75, foi a vez do italiano conquistar sua primeira artilharia, com o Monaco sendo só o décimo. Na época, ficou a três gols de receber a Chuteira de Ouro como máximo artilheiro das ligas europeias na temporada.
Bianchi então acumulou as artilharias de 1976 a 1979, por Reims e Paris Saint-Germain. Já Onnis vivia de altos individuais e baixos coletivos: na temporada 1975-76, conseguiu ser vice-artilheiro por um time rebaixado. Os monegascos logo foram campeões da Ligue 2 da temporada 1976-77, na qual Onnis, é claro, foi o artilheiro (30 gols em 31 jogos!). E a conquista da segundona foi emendada em raríssimo bicampeonato nacional com a da elite, na temporada 1977-78. Nela, o time também foi semifinalista da Copa da França.
Eram outros tempos. Se recentemente Albiceleste a Azzurra disputaram Mauro Icardi, nos anos 70 jogar na Europa mais dificultava do que ajudava os argentinos a se manterem na seleção. Assim, nem Bianchi e nem Onnis foram candidatos a um lugar na seleção campeã de 1978 – do futebol francês, o técnico Menotti chegou a considerar apenas o defensor Osvaldo Piazza, daquele poderoso Saint-Étienne, mas este recusou para cuidar da esposa, que sofrera um acidente. Onnis também não era considerado para defender a Itália de nascença; a própria Bola de Ouro da France Football sequer lhe considerava entre as opções de voto, pois lhe via como argentino em tempos em que a premiação era exclusiva de cidadãos europeus.
Assim, Onnis é o maior artilheiro do futebol que jamais defendeu qualquer seleção, ao menos por essa listagem. No Monaco, foi artilheiro da Ligue 1 de 1979-80, temporada em que ganhou ainda a Copa da França, marcando na final. Em tempos distantes dos atuais, ele torrava a maior parte do salário em chamadas telefônicas à família – na realidade para um vizinho dela, o único que dispunha de um aparelho próximo. Apesar da temporada exitosa, em que foi eleito o melhor estrangeiro do futebol francês, ele foi mandado embora do Principado.
Onnis saíra do Monaco pois os dirigentes achavam que ele, já passado dos 30 anos, definharia e não esconderam que tentariam substitui-lo. O goleador não teve dúvidas em aceitar ganhar o triplo no Tours, estreante na elite. E na temporada 1980-81 emendou nova artilharia, com 24 gols em 38 jogos, sendo a única andorinha de um time que ficou em 18º lugar. O desempenho coletivo foi elevado para 11º na temporada 1981-82, novamente com o ítalo-argentino na artilharia da Ligue 1, com 29 gols em 38 jogos, além de ser alcançada as semifinais da Copa da França. Ele voltou a ficar a três gols de receber a Chuteira de Ouro do futebol europeu. Mas, aos 34 anos, a idade também pesava para continuar esquecido por Menotti em mais uma Copa do Mundo.
O Tours foi novamente semifinalista da Copa da França na temporada 1982-83, mas Onnis diminuiu o calibre para onze gols em 38 jogos e o time caiu. Após nove temporadas, a Ligue 1 não viu nem ele e nem Bianchi como artilheiros, e sim o bósnio Vahid Halilhodžić “furou”. O ítalo-argentino respondeu na temporada 1983-84, voltando ao familiar clima da Riviera, já como jogador do Toulon. Foram 21 gols em 36 partidas, fazendo Le Monsieur But (“O Senhor Gol”) ser, aos 36 anos, artilheiro pela quinta vez do campeonato francês, além de engatar individualmente a terceira participação seguida nas semifinais da Copa da França.
Onnis jogou mais uma temporada completa, marcando dezessete vezes em trinta partidas pelo Toulon na liga de 1984-85. Na seguinte, entrou em campo oito vezes, com um gol marcado, o último de seus 299 gols na Ligue 1, da qual é o maior artilheiro. Após pendurar as chuteiras, seguiu no clube como assistente técnico. Foram ao todo, considerando copas e segunda divisão, 405 gols (223, em 278 jogos pelo Monaco, do qual segue igualmente como maior goleador da história) em 619 partidas. Como treinador, também esteve no Paris FC, sem conseguir tirar da terceirona o clube dissidente do PSG. Atualmente, reside na Argentina como consultor do Monaco sobre promessas locais.
Vale mencionar os italianos que defenderam a Argentina, todos ainda no amadorismo: o centromédio Mario Busso (1918-1919, por Atlanta e Boca), o volante Luis Celico (1919-1924, também pelo Atlanta) e o meia-esquerda Renato Cesarini (1926, curiosamente pelo rival do Atlanta, o Chacarita), que também jogou pela Azzurra e viria a ser um dos criadores da célebre La Máquina do River. Vale ainda citar o time da colônia, o Sportivo Italiano, que chegou a enfrentar a própria seleção da Itália em amistoso pré-Copa 1978 na Bombonera – perdendo só de 1-0!
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