Há exatos 40 anos, o Uruguai amanhecia pela primeira vez violeta. Pela primeira vez no profissionalismo local, a taça não ficava com os gigantes Nacional ou Peñarol: o Defensor havia na véspera sagrado-se, pela primeira vez, campeão do país, após ter sido ser 9º em 1975. O torneio teve públicos baixos, com declínio da qualidade técnica charrua e má fase da dupla principal. Mas o nanico, ao romper com o status quo, angariou simpatia dos insatisfeitos com a ditadura, e, ciente disso, deu uma volta olímpica ao contrário: a realizou começando, simbolicamente, pela esquerda. Clube que não deixou de promover intercâmbio com argentinos.
Alguns dos maiores jogadores hermanos passaram pelo Defensor, casos de José Manuel Moreno (descrito como o mais habilidoso jogador argentino da primeira metade do século XX) e Norberto Méndez (maior artilheiro da Copa América). Herminio Masantonio, maior artilheiro do Huracán e terceiro maior goleador do campeonato argentino, esteve no nanico de Montevidéu em 1944, dois anos após ser artilheiro da Copa América. Seus gols ajudaram a evitar o rebaixamento.
Já a via inversa foi muito mais generosa. Dois gigantes, Independiente e San Lorenzo, já tiveram como máximos campeões e máximos representantes em campo dois jogadores revelados na equipe do Parque Rodó, os laterais Ricardo Pavoni e Sergio Villar, respectivamente.
Pavoni veio no início dos anos 60 para estar em cinco (1965, 1972, 1973, 1974 e 1975) das sete Libertadores obtidas pelo Rojo, sendo titular em todo o recordista tetra seguido dos anos 70 (fez o gol do título da de 1974, sobre o São Paulo) e sendo sondado até para defender a Argentina. Na Avellaneda vermelha, só foi superado em jogos e em taças pelo mito maior Ricardo Bochini. Um de seus colegas, Luis Garisto, também era ex-Defensor, mas havia sido contratado junto ao Sud América.
El Sapo Villar, por sua vez, apareceu em 1968 nos azulgranas. Bingo: logo ali foi titular em uma campanha histórica, o primeiro título profissional invicto alcançado no futebol argentino, em uma equipe que por isso foi apelidada de Los Matadores. Ele foi o único remanescente dela a estar presente, inversamente, na fase mais baixa, o rebaixamento em 1981. No ínterim, ganhou também o nacional de 1974 e esteve ainda em outro ano histórico, o de 1972 – ali, o Sanloré se tornou o primeiro a ganhar os dois campeonatos anuais, Metropolitano e Nacional (também invicto).
Os quatro títulos de Villar o fizeram por quarenta anos o recordista de títulos no San Lorenzo, ao lado de outros três presentes no ciclo dourado de 1968-74 (Victorio Cocco, Agustín Irusta e Roberto Telch). Hoje, estão em segundo, após Leandro Romagnoli alcançar em alto estilo sua quinta taça ao erguer a Libertadores de 2014. O uruguaio segue como recordista de jogos pelo time do Papa. Ele é o terceiro estrangeiro com mais jogos no campeonato argentino, e Pavoni é o segundo – o recordista, também uruguaio, é Jorge González, ex-Rosario Central e revelado no Racing de Montevidéu. Estão lembrados por essa marca em quadro presente no museu do Estádio Centenário.
O título do Defensor em 1976 também continha um uruguaio de passagem marcante pela argentina: o veterano Luis Cubilla foi um bom atacante de um River sem troféus nos anos 60. Dez anos antes, esteve perto de ganhar pela equipe de Núñez a Libertadores de 1966, inclusive marcando um dos gols da finalíssima sobre o Peñarol, que viraria a partida. Ex-Barcelona, Cubilla havia ganho pelo próprio Peñarol as duas primeiras edições da Libertadores, em 1960-61. Embora fosse torcedor aurinegro, brilhou também na primeira conquista do rival Nacional na competição, em 1971 – é o único a vencê-la por ambos. Há 40 anos, virava também o primeiro campeão uruguaio por três clubes.
O título que Cubilla ajudou a ganhar naquele 25 de julho de 1976 quebrou um jejum de 45 anos; em 1931, o Montevideo Wanderers havia sido o intruso anterior a ser campeão, justamente no último campeonato uruguaio amador. Nos anos 80, o feito virou recorrente. Em 1984, o Central Español emendou um raríssimo bicampeonato ao vencer a elite após ter ganho a segundona. Entre 1987 e 1991, só deu nanicos: Defensor, Danubio, Progreso, Bella Vista e novamente Defensor, agora convertido em um dos melhores celeiros de revelações do futebol uruguaio.
Três dos jogadores dessa nova fase também triunfaram no futebol argentino, todos no ataque: Sergio “Manteca” Martínez foi um herói de um Boca em jejum, no início dos anos 80. Foi a referência do time campeão de 1992, a encerrar a maior seca nacional xeneize, os onze anos desde o maradoniano Metropolitano de 1981. Sebastián “Loco” Abreu, por sua vez, virou ídolo e campeão no San Lorenzo na virada do século, ganhando também pelo River antes de estender seu carisma ao Botafogo.
Por fim, Santiago Silva não veio das categorias de base violetas, mas foi no estádio Luis Franzini que despontou para sair do Uruguai: no caso, para ser bonde no Corinthians. Lembrança injusta ao “Tanque”, goleador por Gimnasia LP, Vélez e único campeão de expressão pelos rivais Banfield (artilheiro com chuteira engraxada pelo jovem James Rodríguez no único título argentino do Taladro, em 2009) e Lanús (Sul-Americana 2013).
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Com o fim do impedimiento, é ótimo que o FP faça matérias de outros países do futebol sudaca, o maior celeiro de craques do mundo, mesmo que sejam matérias com enfase no futebol argentino.
Brilhante matéria.