O Defensa y Justicia é a mais nova novidade (com o perdão da redundância) da elite argentina. O clube auriverde da cidade de Florencio Varela, no extremo sul da Grande Buenos Aires, fez anteontem o seu debute na divisão principal. Não começou tão bem: perdeu em casa para um Racing que vinha colecionando decepções, mas a história foi feita. Havia cinco anos que a elite não tinha “sangue novo”, com os promovidos da segundona sendo desde 2009 sempre velhos conhecidos.
O campeonato argentino, o mais antigo do mundo fora do Reino Unido, nasceu ainda no século XIX e em 1899 ele criou sua segunda divisão. Como quase todos os clubes atuais nasceram já no século XX, a maioria teve que começar na segundona. Todos os times atuais foram novidades alguma vez na elite, particularmente nos anos 10 e 20. Daí que vamos considerar a partir do período em que já havia certa solidez e tradição entre a maior parte dos concorrentes, os anos 30. Não serão considerados participantes do Torneio Nacional, que existiu entre 1967 e 1985 para reunir os melhores do campeonato argentino (renomeado “metropolitano” na época) com os campeões provinciais.
As primeiras novidades apareceram em 1939, na canetada. O campeonato argentino, apesar do nome, se restringia à Grande Buenos Aires e La Plata. Naquele ano, a AFA afiliou a dupla principal de Rosario, Rosario Central e Newell’s Old Boys, que entraram direto na elite – outros clubes da cidade também foram afiliados, mas em divisões inferiores. Avaliação: viraram supertradicionais – apesar do primeiro título ter demorado mais de trinta anos para ambos, canallas e leprosos chegam a ser apontados como postulantes a “sexto grande” do país – os cinco são Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo. Auriazuis e rubronegros têm certa expressão internacional também.
A novidade seguinte também veio de Rosario: o Central Córdoba apareceu em 1958 após vencer a segundona. Mas foi imediatamente rebaixado. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o time é tradicional na cidade e já havia fornecido jogadores à seleção antes (o último deles, Vicente de la Mata, marcou os dois gols do título da Copa América 1937 na final com o Brasil. Depois brilharia no Independiente), mas jamais retornou à primeira divisão. O Charrúa acabou de ser rebaixado à quarta.
Em 1961, foi a vez do Los Andes, campeão da segundona anterior. As Milrayitas (“mil listrinhas”, apelido alusivo ao uniforme) são o rival original do Banfield, que na época estava na segundona. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o time logo caiu e até voltou outras vezes, em 1968 e em 2000, mas de forma escassa. O Banfield passou a nutrir mais rivalidade com um outrora amigo, o Lanús, com quem faz o Clásico del Sur. Hoje o Los Andes está na terceira divisão.
Em 1966, o Colón apareceu como campeão da segundona anterior e em 1967 o rival Unión fez o mesmo. A dupla de Santa Fe fora afiliada pela AFA nos anos 40, mas nas divisões inferiores. Avaliação: viraram supertradicionais – Sabalero e Tatengue até hoje não foram campeões da elite mas já foram vices (veja aqui) e são tradicionais frequentadores desde então, apesar de um ou outro rebaixamento. Hoje ambos estão na segundona, após a queda dos alvirrubros em 2013 e dos rubronegros neste ano.
Em 1967, também ascendeu à elite o Deportivo Español, que ficara na 5ª colocação da segundona de 1966 mas venceu um mata-mata do segundo ao quinto por outra vaga na elite (até então só o campeão subia). Avaliação: teve seu momento. O clube tinha onze anos de existência e logo caiu, mas voltaria em 1984 e virou um time cascudo até cair novamente, já em 1998. Nesse período chegou a ficar nas primeiras posições e ceder alguns jogadores à seleção; foi terceiro já na temporada de reestreia, de novo em 1989, e vice em 1992. Hoje os Gallegos estão na terceira divisão.
Em 1969, a novidade foi o Deportivo Morón, o quarto da segundona 1968. Os quatro primeiros depois jogaram contra os seis últimos da elite em uma miniliga, cujos seis primeiros se garantiriam na primeira divisão de 1969. Aí veio a ironia: Almagro e Nueva Chicago, líder e vice da segundona, tombaram na miniliga, mas o terceiro (o Unión) e o Morón se classificaram. Avaliação: 15 minutos, sem fama. O clube caiu dois anos depois e não voltou mais. Hoje está na terceira divisão.
Em 1976, foi a vez do San Telmo estrear. O time havia sido vice do Quilmes na segundona 1975, mas só subiu após vencer uma miniliga que opôs do segundo ao sétimo colocado. Avaliação: 15 minutos, sem fama. Ele logo caiu e não voltou mais. Hoje está na quarta divisão. Saiba mais do clube aqui.
Em 1980, 1981 e 1982 a AFA afiliou na elite três clubes cordobeses que vinham brilhando nos Nacionais (entenda), respectivamente o Talleres, o Instituto e o Racing de Córdoba. Avaliação: tiveram seus momentos – seguiram na elite até o fim da década, tiveram jogadores na seleção, mas a medida, virtualmente um título, seria-lhes um tiro no pé. Se davam melhor nos mata-matas dos Nacionais, pois nos pontos corridos dos Metropolitanos o trio junto só ultrapassou duas vezes o 8º lugar. Vice nacional em 1980, o Racing não joga a elite desde 1990. O Instituto caiu em 1990 também, mas ocasionalmente volta. O Talleres caiu em 1993, voltou em 1998, teve grande momento na virada do século (venceu a Copa Conmebol 1999 e foi 4º em 2000) mas não joga a elite há exatos dez anos, desde que caiu em 2004. Acaba de cair à terceira divisão. O Instituto está na segunda e o Racing, na quarta.
Em 1981, outra novidade além do Instituto de Córdoba foi o Sarmiento de Junín, campeão da segundona anterior. Até teve o reforço do jovem Ricardo Gareca, hoje técnico palmeirense e na época emprestado pelo Boca, para a ocasião. Avaliação: 15 minutos, sem fama – Gareca foi bem e logo trazido de volta pelo Boca. O Sarmiento caiu já em 1982 e não voltou mais. Hoje está na segundona.
Na temporada 1985-86, o calendário argentino virou “europeu” e a AFA se nacionalizou, mas da segundona para baixo. A segundona só viraria “europeia” na temporada 1986-87. No primeiro semestre de 1986, então, foi feito um minitorneio com dois grupos: os quatro primeiros de cada se garantiriam com campeões provinciais na segundona de 1986-87 e os demais jogariam a terceirona. Os quatro primeiros também fariam um mata-mata com o penúltimo colocado da elite de 1985-86, o Huracán, que jamais havia sido rebaixado até então e ainda era visto como “sexto grande”. O time perdeu nos pênaltis a finalíssima para o Sportivo Italiano, que assim subiu e rebaixou o Huracán. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o Italiano caiu imediatamente e não voltou mais. Hoje está na terceirona.
O campeão da segundona 1986-87 foi o Deportivo Armenio: leia aqui. Avaliação: 15 minutos, sem fama – caiu em 1989 e não voltou. O grande feito foi abrir a temporada 1988-89 ganhando do Boca na Bombonera. O autor do gol, Silvano Maciel, jogaria pela seleção como único atleta do Armenio nela. Já o goleiro boquense era o mito quarentão Hugo Gatti, a cerca de dez jogos de virar o homem com mais partidas pelo Boca. Não voltou a jogar profissionalmente no clube nem em nenhum outro lugar depois de falhar infantilmente no gol e Carlos Navarro Montoya assumiu a posição a partir dali para virar outro mito entre as traves auriazuis. Hoje o Armenio está na terceirona.
A temporada 1988-89 viu as estreias do Deportivo Mandiyú, campeão da segundona anterior (veja aqui), e do San Martín de Tucumán, que venceu o mata-mata posterior. Avaliação: tiveram seus momentos – o Mandiyú, especialmente, mostrou-se um osso duro de roer até cair, em 1995; seu volante José Basualdo acabaria indo à Copa 1990 e o time foi o primeiro a ser treinado por Maradona, em 1994, quando foi reforçado também pelo goleiro Goycochea. O San Martín logo caiu mas não sem chegar a vencer o Boca por 6-1 na Bombonera. Voltou algumas vezes à elite depois. Hoje o Mandiyú, que chegou a fechar as portas, está na quarta divisão e o San Martín, na terceirona.
A temporada 1989-90 viu a estreia do Chaco For Ever, campeão da segundona anterior: contamos aqui. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o time quase caiu na temporada de estreia (escapou ao vencer por 5-0 a repescagem com o Racing de Córdoba, com quem ficara empatado em penúltimo) e não resistiu na temporada seguinte. Hoje ele está na quarta divisão.
A temporada 1991-92 teve a chegada do Belgrano, o outro grande cordobês. O Pirata havia ficado em terceiro na segunda anterior (vencida pelo Quilmes), mas venceu o mata-mata que uniu do segundo ao 11º colocado. Avaliação: teve seus momentos – o time caiu em 1996, mas voltou em 1998 e segue ocasionalmente na elite. Já chegou a disputar título recentemente e entrou para a história por ter rebaixado o River Plate em 2011; havia ficado em quarto na segundona e precisou enfrentar o Millo, “anteantepenúltimo” na elite, em duas repescagens por um lugar na elite de 2011-12. O Belgrano venceu em casa, empatou no Monumental e segue desde então na primeira divisão.
Em 1993, apareceu o Gimnasia y Tiro, de Salta (ficara em terceiro na segundona, vencida pelo Banfield, mas depois venceu o mata-mata do 2º ao 8º) e em 1994 foi a vez do quase-xará Gimnasia y Esgrima de Jujuy, campeão da segundona 1993-94. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o GyT logo caiu. Voltou em 1997 e logo caiu de novo, não voltando mais. O Lobo de Jujuy caiu em 2000 e até voltou em 2007, mas caiu duas temporadas depois e, tirando um quarto lugar em 1998, não fez maior alarde na elite. Hoje ele está na segunda divisão e o time de Salta, na terceirona.
Em 1996, a cidade de Corrientes, que perdera o Mandiyú, passou a ter o Huracán Corrientes na elite. Campeão da segundona anterior, o clube, ironicamente, usa as cores do San Lorenzo, arquirrival do Huracán “original”. Saiba mais aqui. Avaliação: 15 minutos, sem fama – o time logo caiu, não voltou e hoje joga as ligas semiamadoras correntinas por um lugar na quinta divisão.
O ano de 2002 viu duas novidades: o Olimpo de Bahía Blanca, campeão da segundona 2001-02, e o Arsenal, que venceu os mata-matas entre os que ficaram logo atrás. Avaliação: tiveram seus momentos – o Olimpo virou um tradicional iô-iô, caindo mas não demorando a voltar, ao contrário de vários clubes mais tradicionais, afundados. Atualmente o aurinegro está de volta. Já o time de Sarandí segue na elite desde então e virou uma equipe encardida, campeã da Sul-Americana 2007, participando seguidamente da Libertadores, tendo alguns na seleção e chegando ao título da primeira divisão em 2012. Mais uns anos e poderá dizer-se que o Arse virou supertradicional, se já não é.
O ano de 2003 teve a estreia do Atlético de Rafaela, campeão da segundona 2002-03, e o de 2004 passou a ver o Huracán de Tres Arroyos, 3º colocado da segundona 2003-04, vencida pelo Instituto. Avaliação: 15 minutos, sem fama – La Crema caiu em seguida, exatamente em repescagem contra o Huracán TA. Voltou em 2011 e segue na elite, mas na briga para não cair, escapando por pouco em 2014. O Huracán TA revelou Rodrigo Palacio mas logo caiu e não voltou, mas curiosamente esteve na elite enquanto o Huracán original padecia na segundona. Hoje está na terceira divisão.
2005 teve o quarto representante rosarino na elite após Rosario Central, Newell’s e Central Córdoba: o Tiro Federal, campeão da segundona 2004-05. Avaliação: 15 minutos, sem fama – assim como o Central Córdoba, não durou ao fim da primeira temporada na elite, que também foi a única até agora. Seu jogador Javier Cámpora se tornou o primeiro artilheiro do campeonato a terminar rebaixado, e curiosamente repetiria o feito no Huracán em 2011. Hoje o Tiro também está na terceirona.
2006 e 2007 tiveram novidades vindas da região do Cuyo, ao oeste argentino: o Godoy Cruz, da província de Mendoza, apareceu como campeão da segundona 2005-06. Um ano depois, o San Martín de San Juan subiu como vice da segundona 2006-07. Avaliação do Godoy Cruz: teve seus momentos – o Tomba logo caiu mas voltou já em 2008 e segue na elite. Embora já brigue para não cair, viveu grande fase entre 2010-11, lutando pelo título, se classificando a duas Libertadores e tendo alguns na seleção. Avaliação do San Martín SJ: 15 minutos, sem fama – o verdinegro logo caiu. Chegou a voltar em 2011, mas tornou a cair em 2013. Hoje ele está na segundona.
A última novidade havia sido o Atlético Tucumán, campeão da segundona 2008-09. Avaliação: 15 minutos, sem fama – chegou a ter o atacante Juan Pablo Pereyra convocado por Maradona para a seleção, mas caiu na primeira temporada e ainda não voltou. Hoje está na segundona.
Observação: há quem diga que, após vencerem a segundona anterior, o Almagro estreou na elite em 1938, que o Argentino de Quilmes fez o mesmo em 1939, o All Boys idem em 1973, o Temperley também em 1975 e igualmente o Estudiantes de Buenos Aires em 1978 e o Nueva Chicago em 1982. Mas todos já haviam disputado a elite, nos anos de amadorismo (antes de 1931). A estreia foi na elite profissional. O mesmo será válido para Defensores de Belgrano, Excursionistas, Sportivo Barracas, Barracas Central, Colegiales, El Porvenir, Sportivo Dock Sud e Acasusso, outros cativos do ascenso.
Ano de estreia dos frequentadores mais tradicionais da elite: Quilmes em 1893; River em 1909; Racing em 1911; Atlanta, Estudiantes de La Plata e Independiente em 1912; Banfield, Boca, Ferro Carril Oeste, Platense e Tigre em 1913; Huracán em 1914; San Lorenzo em 1915; Gimnasia y Esgrima La Plata em 1916; Vélez Sarsfield em 1919; Lanús em 1920; Argentinos Juniors em 1922; Chacarita em 1925.
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