Desde Buenos Aires – No Brasil crescemos acostumados a escutar a máxima de que pertencemos ao “país do futebol”. Mas na Argentina as coisas não são assim tão diferentes. Em qualquer lugar existe um campinho de terra batida onde o mais popular dos esportes pode ser praticado. Longe das Bomboneras, Monumentais e Cilindros -dentre outras canchas famosas por aqui – há uma infinidade de times e clubes que vivem/sobrevivem com a mesma intensidade em sua paixão arrebatadora, mas que não podem contar com os mesmos recursos da AFA, da televisão e de todo o glamour da grande imprensa.
Foi justamente pensando em retratar esse cenário onde apenas o torcedor de bairro é profundo e legítimo conhecedor, que o cineasta Federico Peretti apontou a sua câmera e percorreu cada rincão do país na tentativa de descobrir como o futebol é vivido e transpirado. Deste projeto de quase quatro anos nasceu “El Otro Fútbol” (assista o trailer do filme abaixo) e também um livro onde Federico reuniu dezenas de fotos que traduzem com bastante precisão o conceito definido por ele próprio e que empresta o nome ao longa.
E hoje aqui em Buenos Aires o cineasta irá lançar em duas sessões exclusivas no popular Luna Park, o seu mais recente trabalho; “Esos colores que llevás” (assista o trailer abaixo), um documentário que remonta ao dia 8 de outubro de 2012 quando os torcedores do River Plate, clube de coração de Federico, entraram para o Guiness Book ao apresentarem a maior bandeira do mundo; naquilo que foi uma festa com direito a desfile pelas ruas portenhas do bairro de Nuñez e que só foi terminar dentro do Monumental.
O Futebol Portenho entrou em contato com Federico Peretti e conversamos um pouquinho com o autor sobre suas obras. Veja como foi o nosso bate-papo.
Futebol Portenho: Com a experiência que teve gravando nos diversos lugares do país, que tipo de histórias você viveu e classificaria como elementos fundamentais deste conceito que definiu como “El Otro Fútbol“?
Federico Peretti: Para mim “El Otro Fútbol” é aquele que continua sendo jogado por amor ao esporte sem outros condimentos extras que hoje em dia são os que transformam um pouco a perspectiva: dinheiro, negócios, televisão… e não se trata simplesmente do jogo por si próprio, mas tudo que está ao redor dos clubes e das ligas menores, neste caso, do futebol argentino. Ver que o presidente de uma instituição é quem abre os portões e vende os ingressos, isso não se vê no futebol super profissional que acompanhamos nos grandes meios. E isso para mim tem muito valor, porque esse conceito se aplica a tudo que está relacionado com esse clube. Em “El Otro Fútbol” os jogadores jogam, no futebol de negócio, trabalham.
FP: Como surgiu a ideia de apontar a câmera para os torneios de ascenso e todo esse “futebol esquecido” pelos grandes meios de imprensa?
Federico Peretti: Aconteceu justamente por isso. Com o Fernado Prieto, quem me acompanhou na realização do filme em todo momento, isso era o que queríamos mostrar. Primeiro por um interesse pessoal, não apenas contar histórias, mas também conhecê-las. E depois que as descobríamos, achávamos que valia a pena. Não que sejam melhores ou piores do que outras, daquelas que atraem os flashes e os anúncios, são simplesmente diferentes. E nós gostamos mais, parecem mais autênticas, e pensamos em dar uma oportunidade.
FP: Como funcionava a sua logística para trasladar-se pelos diferentes lugares por onde você gravou?
Federico Peretti: Geralmente era o Fernando quem entrava em contato com as pessoas dos diferentes lugares e avisava que íamos visitar, o que queríamos fazer, contava sobre o projeto. Averiguávamos datas dos jogos, disponibilidade para filmar nos clubes e zonas de interesse para o filme. Nos lugares mais afastados, como Ushuaia e La Quiaca fomos em avião, mas o resto foi sempre em automóvel para ter maior mobilidade já que em pouco tempo percorríamos muitas canchas.
A cidade de La Quiaca, localizada no provincia de Jujuy, e a cidade de Ushuaia, que se encontra na provincia de Tierra del Fuego, são aquelas que delimitam os extremos norte e sul, respectivamente, da Argentina. Algo similiar quando escutamos falar no Brasil “do Oiapoque ao Chuí”, por exemplo. Enquanto em La Quiaca o clima é árido e com um população de 50.000 habitantes, em Ushuaia o tempo é frio e úmido durante o ano todo e sua população atinge a cifra de 60.000 habitantes. A distância em linha reta entre elas é de 3.647 km.
FP: Qual clube ou província despertou mais a sua atenção pela precariedade ao conhecer sua história e a forma como respira o futebol?
Federico Peretti: La Quiaca despertou muita atenção. Há apenas uma cancha habilitada para jogar a liga local e ela é de terra e pedras, nem as linhas de cal estão marcadas. Mas o que mais me chamou atenção não foi isso, mas que apesar desta dificuldade, que obviamente não permite que se jogue da melhor maneira, eles encaravam com muita alegria. Aproveitam o que têm, e dessa forma realizam a prática do esporte mais lindo do mundo. Talvez aqui em Buenos Aires, onde eu vivo, as equipes de elite reclamam porque um dia o campo está molhado, ou a grama está alta. Lá isso não conta, o que importa é que a bola comece a girar.
FP: Você disse certa vez, em uma outra entrevista, que o torcedor do ascenso cumpre um papel mais participativo no clube. Qual outra diferença você destacaria entre esse torcedor e o torcedor de um dos grandes da Argentina?
Federico Peretti: A paixão com que se vive é a mesma. O torcedor ama as suas cores com os jogadores ganhando milhões ou jogando simplesmente pela camisa. Mas em uma cancha pequena perdida em algum lugar do país, aonde talvez frequentem 50 pessoas, se um torcedor faltar todos irão perceber. E perguntam aonde ele está, se estará bem. É um clima muito mais familiar, e gosto muito disso.
FP: Há alguma história em particular que você teve mais carinho enquanto gravava o filme?
Federico Peretti: A que mais me chamou atenção e me marcou foi a do Pioneros, o time é formado por detentos e agentes penitenciários da Penitenciária de Campana e é sumamente interessante. Não apenas pelo fato que os presos tiveram que sair para jogar em outras canchas, e toda a operação estilo “Hollywood” que se armava, mas também porque era maravilhoso ver como pessoas tão diferentes (presos e guardas) se uniam quando tinham uma meta em comum que era conformar uma equipe. O futebol é maravilhoso neste sentido, se esquece as classes sociais e as hierarquias, e quando a bola começa a girar nada mais importa do que ganhar a partida. O que mais me surpreendeu nessa história, além do efetivo policial que fazia parte e que um time assim possa jogar um torneio oficial da AFA como é o Argentino C, foi perceber que realmente este projeto funcionava. Muitos dos rapazes que conhecemos gravando o filme, ao voltar um ano depois para exibi-lo na prisão, comprovamos que estavam em liberdade e que não tinham reincidido na delinquência. Isso é muito importante, e demonstra que talvez através do futebol, puderam transmitir valores de solidariedade e companheirismo, que ajudou eles a mudarem o estilo de vida que vinham levando.
O torneio Argentino C, que também é conhecido como Torneo del Interior, é uma competição oficial da AFA e seria o equivalente a 8ª divisão no futebol brasileiro. São 352 humildes times de todos os cantos do país, distribuídos em 88 zonas de disputa com 4 equipes cada e que obedecem o critério da organização por região. O Pioneros F. C. atualmente disputa a zona 30 da categoria, mas neste ano não foi muito bem; em seus seis jogos foram 4 derrotas e apenas 2 vitórias.
A cidade de Campana está localizada a 75 km de Buenos Aires e conta com uma população de 94.000 habitantes.
FP: Você acredita que a Copa Argentina, que em seu formato atual mistura as diferentes categorias e leva os jogos ao interior do país, possa funcionar como um elemento de integração para as equipes mais humildes?
Federico Peretti: Sim, sem dúvidas, porque é uma possibilidade de se jogar partidas que de outra forma seriam impossíveis. Mas acho que deve ser organizada de outra maneira, porque não pode ser, como aconteceu há poucas semanas, que os torcedores do Excursionistas, que luta na Primera C, ao ter uma partida tão importante como foi contra o Boca Juniors, tenham que viajar mais de mil quilômetros até a cidade de Resistencia, no Chaco, para assistir um dos jogos mais importantes de sua história. Isso eu acho que deve ser repensado, mas o saldo, definitivamente, acredito ser positivo.
A Copa Argentina vive em 2013 a sua segunda edição nos moldes atuais. No ano passado o Boca Jrs sagrou-se campeão batendo o Racing por 2 a 1 na final disputada em San Juan. Diferente da edição anterior a equipe campeã deste ano conquistará também o direito a uma vaga na Copa Libertadores de 2014.
São 244 equipes pertencentes às sete categorias do futebol argentino disputando o título. Os times que figuram no Argentino C não participam. O torneio tem em sua característica principal o jogo único e em estádio neutro, geralmente no interior do país. Os lugares onde as partidas da fase final serão disputadas são escolhidos pela AFA.
No dia 21 de março deste ano o modesto Excursionistas, um time do bairro portenho de Belgrano ou como seus torcedores preferem definir do Bajo Belgrano (zona mais baixa do bairro que se aproxima ao Río De La Plata), foram eliminados pelo poderoso Boca Jrs depois da goleada sofrida por 4 a 0. O Excursio é um time centenário -foi fundado em 1º de fevereiro de 1910- e disputou a primeira divisão na época que o futebol ainda era amador na Argentina. Divide o bairro com seu clássico rival, o Defensores de Belgrano.
O famoso cineasta e músico sérvio Emir Kusturica, autor do documentário “Maradona by Kusturica“, se revelou torcedor do Club Atlético Excursionistas graças a influência de um amigo argentino também torcedor do clube. Kusturica já foi fotografado diversas vezes vestindo a camiseta listrada em verde e branco do time de Bajo Belgrano.
FP: Você também gravou um documentário em referencia à bandeira do River que entrou para o Guiness Book como a maior do mundo. Durante muito tempo os torcedores Millonarios foram relacionados como sendo uma torcida apenas presente nos bons momentos do time. Você sente uma mudança nessa postura, em função de todo o sofrimento futebolístico dos últimos tempos, ou isso é um mito?
Federico Peretti: Não acho que o sentimento tenha mudado, mas acredito que o torcedor do River percebeu, porque antes quase sempre eram bons momentos e os maus não existiam, que também amava suas cores pese as dificuldades. E isso me parece algo lindo, que no pior momento da história do clube, os torcedores tenham saído ativamente para dizer “eu sou River e amo estas cores”, é algo que vale muito.
Em outubro de 2012 os torcedores do River Plate organizaram uma grande festa que saía da antiga sede do clube e teve como destino final o Monumental de Nuñez. Durante o trajeto estenderam entre milhares de mãos Millonarias, um enorme bandeirão com 7.829 metros de comprimento. Entraram para o Guiness Book superando o antigo recorde que também pertencia a outro clube argentino: o Rosario Central preparou em 2009 uma bandeira com 4.300 metros para comemorar o seu 120º aniversário.
FP: Qual dos dois documentários você desfrutou mais em gravar? Por quê?
Federico Peretti: Na verdade os dois. “El Otro Fútbol” foi um projeto que levou muitos anos da minha vida, quase quatro, porque pude fazê-lo com o Fernando que é um grande amigo e conhecemos vários lugares. Mas “Esos colores que llevás”, o do River, também é especial porque sou torcedor desse clube e poder contribuir com minhas imagens para deixar um registro na história da instituição, é muito especial. Esse processo foi mais curto, foram 8 meses, mas foi também muito mais duro e sacrificado porque o orçamento era nulo, então tive que fazer muitas coisas juntas eu mesmo (som, câmera, entrevistas muitas vezes, montagem, etc).
FP: Você acha que no futebol amador retratado pelo documentário, é o lugar onde ainda reside o espírito do “amor à camisa” e é o último bastião do romantismo no futebol? Onde existe mais paixão?
Federico Peretti: Para mim a paixão que há no futebol é única. E não se trata apenas por cantar em uma arquibancada, mas por todos os valores que transmite aos jovens em muitos aspectos. Isso sempre que se encare desde o ponto de vista amador e o fato de se desfrutar o esporte como esporte em si, quando os negócios estão no meio, isso se perde. E o futebol que mostramos no filme, na maioria dos casos, é claro exponente desse amor e paixão.
Agradecemos a Federico Peretti pela entrevista e para aqueles que quiserem conhecer um pouco mais sobre seu trabalho, visite a página do documentário “El Otro Fútbol”; www.elotrofutbol.com.ar ou então de “Esos colores que llevás“; www.esoscoloresquellevas.com
Trailer “El Otro Fútbol“
httpv://youtu.be/k5fiHBzLBKA
Trailer “Esos colores que llevás“
httpv://youtu.be/EFP0AkT0g94
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